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O BURRO E O
               LEÃO
  O burro andava muito feliz. Sentia-se o rei da criação,
isto é, o rei das galinhas, dos patos e dos perus do quintal
onde vivia. E também das cabras, dos porcos e das ovelhas,
porque aquele quintal era muito povoado.
   Quando ele zurrava, todos fugiam.
   As zurradelas do burro, realmente, eram de tal força, que
assustavam qualquer bichinho. Até o cão se afastava, em
sinal de respeito.
   – Nunca imaginei que possuísse tanto poder… – dizia de
si para si o burro, todo inchado de bazófia.
   E fartava-se de zurrar, a torto e a direito, clamando que
era ele o rei… iam-iam!.. o rei… dos… iam-iam!... dos
animais… iam-iam!

                             1
Vozes de burro não chegam ao céu, diz-se, mas
chegaram aos ouvidos do leão.
   – Não sabia que tinha concorrentes de tamanha
qualidade – disse ele, num breve rugido de ironia.
   Estava bem-disposto o leão. Tinha-se refastelado com
um suculento almoço de carne de javali, entremeado com
o resto de um cabrito, que sobrara do jantar anterior. Tão
cedo não ia ter vontade de comer e muito menos de comer
carne de burro, que enjoava. O leão era de gostos mais
apurados.
   Sua Majestade espreguiçou-se, arrotou (com licença!) e
disse:
   – Vamos lá visitar esse fenómeno que se proclamou o rei
dos animais.
   Encontrou o burro a pastar num outeiro, não longe do
quintal, onde tinha estábulo.
   O burro, quando o viu, estremeceu, mas não quis dar
parte fraca. Nem parecia bem que um rei, coroado de tão
altas orelhas, sinal de majestade, fugisse diante de um
animal de quem se não viam as orelhas, escondidas pela
farta juba. O burro tinha a coragem dos simples. E dos
ignorantes.
   – Constou-me – começou o leão -, constou-me que te
intitulas o rei dos animais. É verdade?
   – É – respondeu, singelamente, o burro.
   – Em que te baseias para ostentar o título? Donde te vem
tal pretensão? Os teus pais ou os teus avós já eram reis da
natureza animal? – questionou o leão, não sustendo a
cólera. – Quantos reis burros houve antes de ti?
   – Iniciei a dinastia – explicou o burro. – Iniciei a
dinastia, com a força da minha voz. Queres ver?

                            2
– Estou cheio de curiosidade – disse o leão, sentando-se
nas patas traseiras. – Demonstra-me, então, os teus
predicados reais.
   O burro repuxou o ar para os pulmões e, do alto do
outeiro, trombeteou uma zurradela tão poderosa que
gafanhotos, perdizes, estorninhos, lebres e coelhos
do mato saltaram de todos os lados, num grande
alarme. Lá longe, no quintal, os galináceos
mandaram as galinhas para a capoeira e eles
correram atrás. O mesmo fizeram os patos e os
perus. Zurrar do burro equivalia a sirene dos
bombeiros ou toque de recolher.
   – A minha voz não tem igual. Assusto a bicharada em
meu redor, como acabo de demonstrar – disse o burro,
tossicando de importância.
   – Efectivamente, possuis uma voz, que faz tremer as
folhas – reconheceu o leão. – E como vamos de sombra?
   – De sombra? – intrigou-se o burro.
   – Sim, de sombra – insistiu o leão. – Queres reparar? Ora
toma atenção.
   Aqui o leão interpôs o corpo entre o sol e o quintal. A sua
sombra majestosa projectou-se sobre a capoeira, a
coelheira, o estábulo e o cortelho. Um vozear de pânico
despegou-se da natureza, fosse brava ou mansa:
   – O leão! – como o rolar de trovoada ao longe.
   Depois, fez-se silêncio e frio, nem que tivesse descido,
repentinamente, a noite. Até as cigarras pararam de serrar
o sol.
   O burro sentiu esse raio paralisante, que atravessava
tudo, e borrou-se de medo.
   Já o leão se afastava, pausada e majestosamente. Não

                              3
precisava de dizer mais nada. A verdadeira grandeza
dispensa zurradelas.
   Em sentido contrário ao do leão, o burro, de orelhas
caídas, desceu o outeiro, em direcção ao quintal. Recolhia
à estrebaria e levava muito em que pensar.

  FIM




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O burro que se achava rei e o leão que lhe mostrou o seu lugar

  • 1. O BURRO E O LEÃO O burro andava muito feliz. Sentia-se o rei da criação, isto é, o rei das galinhas, dos patos e dos perus do quintal onde vivia. E também das cabras, dos porcos e das ovelhas, porque aquele quintal era muito povoado. Quando ele zurrava, todos fugiam. As zurradelas do burro, realmente, eram de tal força, que assustavam qualquer bichinho. Até o cão se afastava, em sinal de respeito. – Nunca imaginei que possuísse tanto poder… – dizia de si para si o burro, todo inchado de bazófia. E fartava-se de zurrar, a torto e a direito, clamando que era ele o rei… iam-iam!.. o rei… dos… iam-iam!... dos animais… iam-iam! 1
  • 2. Vozes de burro não chegam ao céu, diz-se, mas chegaram aos ouvidos do leão. – Não sabia que tinha concorrentes de tamanha qualidade – disse ele, num breve rugido de ironia. Estava bem-disposto o leão. Tinha-se refastelado com um suculento almoço de carne de javali, entremeado com o resto de um cabrito, que sobrara do jantar anterior. Tão cedo não ia ter vontade de comer e muito menos de comer carne de burro, que enjoava. O leão era de gostos mais apurados. Sua Majestade espreguiçou-se, arrotou (com licença!) e disse: – Vamos lá visitar esse fenómeno que se proclamou o rei dos animais. Encontrou o burro a pastar num outeiro, não longe do quintal, onde tinha estábulo. O burro, quando o viu, estremeceu, mas não quis dar parte fraca. Nem parecia bem que um rei, coroado de tão altas orelhas, sinal de majestade, fugisse diante de um animal de quem se não viam as orelhas, escondidas pela farta juba. O burro tinha a coragem dos simples. E dos ignorantes. – Constou-me – começou o leão -, constou-me que te intitulas o rei dos animais. É verdade? – É – respondeu, singelamente, o burro. – Em que te baseias para ostentar o título? Donde te vem tal pretensão? Os teus pais ou os teus avós já eram reis da natureza animal? – questionou o leão, não sustendo a cólera. – Quantos reis burros houve antes de ti? – Iniciei a dinastia – explicou o burro. – Iniciei a dinastia, com a força da minha voz. Queres ver? 2
  • 3. – Estou cheio de curiosidade – disse o leão, sentando-se nas patas traseiras. – Demonstra-me, então, os teus predicados reais. O burro repuxou o ar para os pulmões e, do alto do outeiro, trombeteou uma zurradela tão poderosa que gafanhotos, perdizes, estorninhos, lebres e coelhos do mato saltaram de todos os lados, num grande alarme. Lá longe, no quintal, os galináceos mandaram as galinhas para a capoeira e eles correram atrás. O mesmo fizeram os patos e os perus. Zurrar do burro equivalia a sirene dos bombeiros ou toque de recolher. – A minha voz não tem igual. Assusto a bicharada em meu redor, como acabo de demonstrar – disse o burro, tossicando de importância. – Efectivamente, possuis uma voz, que faz tremer as folhas – reconheceu o leão. – E como vamos de sombra? – De sombra? – intrigou-se o burro. – Sim, de sombra – insistiu o leão. – Queres reparar? Ora toma atenção. Aqui o leão interpôs o corpo entre o sol e o quintal. A sua sombra majestosa projectou-se sobre a capoeira, a coelheira, o estábulo e o cortelho. Um vozear de pânico despegou-se da natureza, fosse brava ou mansa: – O leão! – como o rolar de trovoada ao longe. Depois, fez-se silêncio e frio, nem que tivesse descido, repentinamente, a noite. Até as cigarras pararam de serrar o sol. O burro sentiu esse raio paralisante, que atravessava tudo, e borrou-se de medo. Já o leão se afastava, pausada e majestosamente. Não 3
  • 4. precisava de dizer mais nada. A verdadeira grandeza dispensa zurradelas. Em sentido contrário ao do leão, o burro, de orelhas caídas, desceu o outeiro, em direcção ao quintal. Recolhia à estrebaria e levava muito em que pensar. FIM 4