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O URSO DÁ
                    CONSELHOS
  No tempo em que havia ursos a rondar os povoados,
também havia homens que lhes davam caça com a ajuda de
lanças e flechas, porque as espingardas ainda não tinham
sido inventadas.
   Dois amigos acertaram em ir à caça a um grande urso,
que andava a assustar os rebanhos.
   Foram para o mato e ambos prometeram um ao outro
que mal vissem o urso o cercariam, um pela frente, outro
por trás, porque nisto de ursos brutamontes duas lanças
valem mais do que uma.

                           1
Nisto, apareceu o urso. Um dos amigos, esquecido do
prometido, logo marinhou por uma árvore acima, deixando
o companheiro sem ajuda.
   O que ficara em terra quase desmaiou de susto.
   Desmaio, não desmaio...
   Pelo sim pelo não, lançou-se ao comprido para o meio
do chão, onde se deixou ficar, muito quietinho. Ouvira uma
vez dizer que os ursos se agoniavam com a carne morta.
Fazer de conta que tinha morrido talvez resultasse.
   O urso mirou-o, virou-o com as patonas, cheirou-o dos
pés à cabeça, com especial predilecção pelos ouvidos, e,
depois, sem lhe fazer um arranhão sequer, deixou-o em
paz. Abalou.
   O caçador de ursos, por pouco caçado, ainda se deixou
ficar quieto mais um tempo, até o amigo saltar da árvore e
vir ter com ele.
   – Não ganhámos para o susto – disse-lhe o amigo,
limpando da testa o suor do medo.
   – Eu ganhei – retorquiu o caçador, levantando-se do
chão.
   O outro estranhou:
   – O que é que ganhaste?
   – Um conselho do urso – disse.
   – O quê? O urso falou-te.
   – Pois falou. Não o viste segredar-me ao ouvido?
   – De facto, ele esteve que tempos com o focinho
encostado à tua orelha. E o que é que ele te disse?
   – Disse-me que, daqui para diante, em ocasiões de
perigo, não me ficasse mais nas promessas de ajuda dos
companheiros de caçada.
   – Ele disse isso? Garantes?

                            2
– Garanto. Até acrescentou que mais valia caçar sozinho
do que na companhia de poltrões.
  E, dizendo isto, o caçador pegou na lança e avançou pelo
caminho do mato. O companheiro, que saltara da árvore,
seguiu-lhe os passos, muito enfiado e arrependido.

  FIM




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O urso dá conselhos de sobrevivência

  • 1. O URSO DÁ CONSELHOS No tempo em que havia ursos a rondar os povoados, também havia homens que lhes davam caça com a ajuda de lanças e flechas, porque as espingardas ainda não tinham sido inventadas. Dois amigos acertaram em ir à caça a um grande urso, que andava a assustar os rebanhos. Foram para o mato e ambos prometeram um ao outro que mal vissem o urso o cercariam, um pela frente, outro por trás, porque nisto de ursos brutamontes duas lanças valem mais do que uma. 1
  • 2. Nisto, apareceu o urso. Um dos amigos, esquecido do prometido, logo marinhou por uma árvore acima, deixando o companheiro sem ajuda. O que ficara em terra quase desmaiou de susto. Desmaio, não desmaio... Pelo sim pelo não, lançou-se ao comprido para o meio do chão, onde se deixou ficar, muito quietinho. Ouvira uma vez dizer que os ursos se agoniavam com a carne morta. Fazer de conta que tinha morrido talvez resultasse. O urso mirou-o, virou-o com as patonas, cheirou-o dos pés à cabeça, com especial predilecção pelos ouvidos, e, depois, sem lhe fazer um arranhão sequer, deixou-o em paz. Abalou. O caçador de ursos, por pouco caçado, ainda se deixou ficar quieto mais um tempo, até o amigo saltar da árvore e vir ter com ele. – Não ganhámos para o susto – disse-lhe o amigo, limpando da testa o suor do medo. – Eu ganhei – retorquiu o caçador, levantando-se do chão. O outro estranhou: – O que é que ganhaste? – Um conselho do urso – disse. – O quê? O urso falou-te. – Pois falou. Não o viste segredar-me ao ouvido? – De facto, ele esteve que tempos com o focinho encostado à tua orelha. E o que é que ele te disse? – Disse-me que, daqui para diante, em ocasiões de perigo, não me ficasse mais nas promessas de ajuda dos companheiros de caçada. – Ele disse isso? Garantes? 2
  • 3. – Garanto. Até acrescentou que mais valia caçar sozinho do que na companhia de poltrões. E, dizendo isto, o caçador pegou na lança e avançou pelo caminho do mato. O companheiro, que saltara da árvore, seguiu-lhe os passos, muito enfiado e arrependido. FIM 3