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História
    do
Romantismo
Origens e contexto
A ascensão da burguesia européia é um
processo que se inicia com o Mercantilismo,
nos séculos XVI e XVII, passando pela
Revolução        Inglesa,    de    1688,     pela
Independência Americana, de 1776, e
atingindo o seu o momento culminante na
Revolução Francesa, de 1789.
Na França sobretudo, a derrocada da
aristocracia permite não apenas a extinção dos
privilégios seculares, mas também o fim das
barreiras rígidas entre as classes sociais. Um
novo sentido de vida, baseado na livre
iniciativa, exalta a audácia, a competência e os
méritos      pessoais     de    cada   indivíduo,
independentemente de seus títulos e seus
antepassados. A era do Liberalismo está em
seu auge e com ela um conjunto notável de
mudanças na história do Ocidente.
A liberdade de expressão

O primeiro efeito favorável da vitória burguesa
para a literatura reside no artigo onze da
Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão:

"A livre comunicação dos pensamentos e
opiniões é um dos direitos mais preciosos do
homem; todo cidadão pode portanto falar,
escrever, imprimir livremente." Como afirma um
historiador, "cada francês é agora um escritor
em potencial, todas as Bastilhas acadêmicas
caem por terra e uma aventura da palavra
escrita está acontecendo."
O novo público leitor
             Outro efeito importante resulta do esforço de
             alfabetização empreendido pelos revolucionários.
             Todo cidadão precisa ter acesso à leitura, até
             para conhecer as proclamações do novo regime.
             Assim irá surgir um novo público leitor, mais
             diversificado e numeroso, já sem nenhuma
             identificação com a arte neoclássica da
             aristocracia cortesã. Este público consome livros
             de forma intensa. E os escritores, até então
             dependentes do mecenatismo, vêem que podem
             sobreviver apenas com a venda de suas obras,
             agora transformadas em mercadoria de larga
             aceitação.       Certos números ainda hoje
             impressionam: num só dia, em Londres, Lord
             Byron vende dez mil exemplares do seu romance
Lord Byron   O corsário; jornais que publicam romances em
             fascículos, como La presse, em Paris,
             conseguem mais de duzentos mil assinantes.
             Walter Scott, Victor Hugo e outros fazem fortuna
             com seus direitos autorais.
A consciência da liberdade propicia ao artista um
duplo sentimento:
- O de euforia, por não ter mais de se sujeitar à
vontade individual de protetores da nobreza.
- O de medo, por ser agora um produtor para o
mercado que, muitas vezes, desconhece.
Além disso, sua confusão aumenta porque ele exalta
o caráter quase que sagrado da obra de arte no
exato momento em que ela perde toda a sacralidade
e começa a fazer parte do reino dos negócios.
Assim,     o    Romantismo       coincide   com    a
democratização da arte, gerada sobretudo pela
Revolução Francesa, tornando-se a expressão
artística da jovem sociedade burguesa. Victor Hugo
afirma que o Romantismo nada mais é que o
liberalismo em literatura. De fato, o movimento
mantém uma relação viva e contraditória com a nova
realidade. Filho da burguesia, mostra-se ambíguo
diante dela, ora a exaltando, ora protestando contra
seus mecanismos, conforme observaremos ao
estudar-lhe as características.
Nas últimas décadas do século XVIII, o Romantismo já está mais ou menos
anunciado pelas obras do filósofo Rousseau, especialmente por sua teoria do
"bom selvagem", e pelo movimento Sturm und Drang,(Tempestade e
Ímpeto),constituído, nos anos de 1770, por jovens alemães, que valorizam o
folclórico, o nacional e o popular em oposição ao universalismo clássico.
Também a publicação de Os cantos de Ossian, pelo inglês Macpherson, em
1760, torna-se uma referência fundamental para os futuros românticos.
Na verdade, Macpherson promove uma grande fraude literária pois escreve
um conjunto de textos em prosa rítmica dizendo serem traduções de uma
obra perdida do legendário poeta medieval - de origem gálica - Ossian.
Apesar do embuste, o livro apresenta forte apelo emotivo e abre duas das
mais valorizadas tendências românticas: o culto pelo antigo, em especial pela
Idade Média, e o gosto pela prosa poética. No entanto, a antecipação mais
genial de um novo espírito de época - centrado no exagero da faculdade
imaginativa e no transbordamento das paixões - ocorre em 1774, com a
publicação, sob forma epistolar (cartas), do romance Os sofrimentos do
jovem Werther. Seu autor, Goethe, então com apenas vinte e quatro anos,
produzirá um dos maiores comoções já ocorridas na história literária.
O termo romântico figura desde o início do
século XVIII, no vocabulário francês com o valor
de romanesco, isto é, referente ao gênero
narrativo chamado romance. No entanto, a partir
de 1780, as palavras romanesco(de romance) e
romântico (aplicado à paisagens e estados de
espírito) se separam nitidamente. Já o termo
Romantismo - que indica o período artístico,
com o sentido de anti-clássico - parece ter
surgido na Alemanha, expandindo-se, em
seguida, pelo resto do mundo.
Nos primórdios do século XIX - favorecido pelas
grandes mudanças políticas e culturais na
Europa, o estilo e as visões românticas de
mundo sedimentam-se com as obras dos Irmãos
Schlegel     na    Alemanha,      Coleridge    e
Wordsworth na Inglaterra, Madame de Stäel e
Chateaubriand na França.
Importante frisar que o Romantismo não é um
movimento      exclusivamente    literário.  Suas
manifestações dão-se também em larga escala
na música, através das obras de Beethoven e sua
intensa monumentalidade; de Tchaikovsky,
mestre da melodia e da angústia romântica; e de
compositores que buscaram as raízes nacionais e
populares, como Grieg (Noruega), Dvórak
(República Tcheca), Granados (Espanha), etc.
Surgem os concertos para o grande público. A
ópera - reunindo música e teatro - populariza-se
espetacularmente através de Verdi (Itália) e
Wagner (Alemanha).
Também nas artes plásticas, o espírito romântico
triunfa. Nas pinturas de Géricault, Delacroix e
Turner,     entre     outros,    enfatiza-se    o
emocionalismo, os contrastes violentos de luz e
sombra, a distribuição intensa das cores.
O Romantismo constitui-se assim como uma
poderosa e verdadeira revolução artística que
modifica para sempre a cultura ocidental.
Características
INDIVIDUALISMO E SUBJETIVISMO
A ideologia burguesa centra-se nas
liberdades      (expressão,       iniciativa,
concorrência) do novo homem e nas
infinitas chances de auto-realização do
indivíduo. O Romantismo, reflexo da
nascente ordem social, centra-se na
glorificação do particular, do singular, do
íntimo, daquilo que diferencia uma
pessoa de outra. O individualismo e o
subjetivismo parecem ser faces distintas
da mesma moeda, no caso o eu.
O eu vitorioso
   A primeira face é a do triunfo, da capacidade do
    indivíduo de alçar-se sobre a mediania e de
    afirmar arrogantemente suas ambições e desejos.
    Por isso, ninguém seduz tanto a alma romântica
    como Napoleão. Sua incrível trajetória - da
    pobreza juvenil à chefia de um grande império -
    serve de modelo e lembrança. Trata-se do maior
    exemplo de individualismo nos primeiros tempos
    burgueses e é celebrado por uma incrível
    quantidade de artistas que com ele se identificam,
    inclusive alguns brasileiros.
O "gênio"
   Não raras vezes, a própria figura do poeta é
    divinizada. Ele se torna a expressão do "gênio",
    ou seja, encarna um ser diferente, tocado pelos
    deuses (ou demônios) da inspiração, que o levam
    à criação artística. Com freqüência, o destino da
    grandeza criadora é a "maldição", quer dizer, um
    sentir-se acima ou abaixo dos critérios
    estabelecidos do bem e do mal. O "maldito" em
    geral abandona a vida em sociedade, através de
    uma solidão voluntária, premido pela sensação de
    incomunicabilidade em meio a criaturas comuns.
O eu oprimido
   Porém, a alma romântica conhece uma outra face
    do individualismo, a do eu opresso, esmagado
    pela solidão e pela brutalidade do mundo. Isso
    ocorre em um segundo momento, quando os
    artistas se dão conta tanto da impossibilidade de
    uma nova experiência napoleônica, quanto da
    mediocridade da burguesia pós-revolucionária,
    voltada apenas para a acumulação de capital.
    Uma espessa melancolia se apossa dos corações,
    e por todos os lados vê-se o lado sombrio e inútil
    da existência.
Ao sentir que os seus vínculos com o mundo foram
rompidos, os artistas arrojam-se no próprio eu, numa
espécie de compensação. Um eu incômodo, estranho,
que ameaça ora com o caos, ora com o êxtase, um eu
que afirmam orgulhosamente e, ao mesmo tempo, um eu
angustiado, infantil, incapaz de transformar o mundo. Daí
que quase toda a literatura romântica seja o grito de
subjetividades que confessam a si mesmas: seus sonhos,
projetos, medos e sofrimentos.
Veja-se o exemplo de Lord Byron:

Já é tempo do meu coração não se comover
 porque aos outros já deixei de emocionar
   mas embora eu não possa ser amado
        que possa pelo menos amar.
SENTIMENTALISMO
Os sentimentos tornam-se mais importantes do
que a racionalidade. A existência só adquire
sentido, se guiada e desenvolvida sob o seu
domínio. Eles são sob medida da interioridade de
cada pessoa, medida de todas as coisas. Negar-se
à expressão sentimental significa ser insensível e
estúpido. Werther morre de amor, e tudo se
justifica - perda da honra, cisão da moral, etc. - se
os gestos nascerem de sentimentos autênticos.
Observe-se um fragmento do mais famoso
romance de Goethe:

Como a sua imagem me persegue! Ela toma conta
de toda a minha alma, quer esteja desperto, quer
sonhando. Aqui, quando fecho os olhos, aqui, atrás
de minha fronte, onde se concentra a visão interior,
encontram-se os seus olhos negros. Exatamente
nesse lugar! Não sei como exprimir-te isso melhor.
Quando fecho os meus olhos, os dela estão lá;
descansam diante de mim, como um mar, como
um abismo, preenchendo todo o meu sentir.
Um novo sentido do amor
Os românticos - em suas obsessões sentimentais - terminam
indiscutivelmente por criar um novo significado para as paixões
humanas. A expressão "amor romântico" ainda hoje é comum e indica
profundidade, intensidade, delicadeza e até desmedida do afeto.

Às vezes não compreendo como outro possa amá-la, tenha o direito de
amá-la, quando eu, somente eu a amo com tanta ternura, tão
profundamente, não pensando em outra coisa, querendo apenas esse
amor, e não possuindo nada além dele.
CULTO À NATUREZA
Um dos elementos mais importantes da
estética romântica, a natureza exerce profundo
fascínio sobre os escritores do período, que
vêem nela a antítese da civilização que os
oprime. Encontrar-se com a natureza significa
encontrar-se consigo mesmo, significa alargar
a sensibilidade. Rousseau identifica a natureza
com o sentimento interior. Em seus passeios
solitários, essa subjetivização do mundo
natural é visível:

Da superfície da terra elevava as minhas
idéias a todos os seres da natureza. Então,
perdido o espírito nessa imensidão, não
pensava, não raciocinava, não filosofava.
Sentia-me - sentia-me com uma espécie de
voluptuosidade. (...) Amava perder-me com a
imaginação no espaço. Sufocava-me com o
universo e gostaria de lançar-me ao infinito.
Mas a natureza é também a confidente para as horas melancólicas e a
amante desencadeadora de inspirações. É quase impossível produzir arte
sem o seu influxo, como se nota neste fragmento de Madame de Stäel:

Na natureza o homem reencontra em si mesmo
sensações,     alegrias   ocultas   que    se
correspondem com o dia, com a noite, com a
tempestade. Esta aliança secreta de nosso ser
com as maravilhas naturais é que garante à
poesia sua verdadeira grandeza.
Sublinhe-se, enfim, que a natureza funciona também
no Romantismo como uma mãe que protege o filho
dos desconcertos do universo, conforme se verifica
no trecho extraído de Devaneios de um caminhante
solitário, de Rousseau:

Brilhantes flores, coloridos prados, sombras frescas,
bosquezinhos, verdura, vinde purificar minha
imaginação (...) Galgo os rochedos, as montanhas,
mergulho nos vales, nos bosques, para me furtar,
tanto possível, à lembrança dos homens e aos
ataques dos maus. Parece-me que sob as sombras
de uma floresta sou esquecido, livre e calmo como se
não mais tivesse inimigos, ou como se a folhagem
dos bosques me defendesse.
FORMAS DE EVASÃO
A inconformidade do artista romântico com o "mundo
cruel" leva-o a uma série de procedimentos de fuga.
Já que a sociedade não quer escutá-lo ou não sabe
compreendê-lo, já que ele está perdido numa
realidade incômoda e brutal, já que sua sensibilidade
não possui força para mudar o destino, resta-lhe
apenas a tentativa de escapar.
A) Sonho e fantasia
A evasão mais comum dá-se através do princípio da
fantasia. O poeta devaneia, cria universos
imaginários, onde encontra a luz e a alegria que a
sociedade burguesa não lhes oferece. O sonho não é
apenas a fonte obscura e misteriosa que alimenta a
criação artística, mas uma forma de resposta à
hostilidade do mundo. Novalis declara isso
textualmente: "O sonho me parece uma vala de
proteção contra a vulgaridade da vida." Álvares de
Azevedo transita continuamente entre os níveis
concretos da vida social e as fantasias de sua
subjetividade atormentada, sem escapar do
dilaceramento que esta divisão sonho-realidade lhe
causa:
Vinte anos!      derramei-os gota a gota
Num abismo       de dor e esquecimento...
De fogosas       visões nutri meu peito...
Vinte anos!...   não vivi um só momento!
(...)

Eu sonhei tanto amor, tantas venturas,
Tantas noites de febre e d'esperança.
Mas hoje o coração desbota, esfria,

e   do   peito     no   túmulo   descansa!
B) O "mal do século"
O "mal do século" é uma "enfermidade moral" e não física. Resulta do tédio
("ennui", "spleen"), mas não do tédio comum (enfado diante da chatice da
vida). A concepção romântica aponta para um aborrecimento desolado e
cínico, que ressalta tanto a falta de grandeza da existência cotidiana quanto o
vazio dos corações juvenis. Estes acreditam ter vivido todas as paixões e ter
experimentado todos os abismos.

C) O culto do passado
Em contraponto ao presente insatisfatório, o romântico encontra
constantemente no passado ideais sublimes e valores modelares. Essa
afirmação do tempo pretérito dá-se em dois planos:
Passado histórico: textos sobre a vida na Idade Média.
Passado individual: textos sobre a infância e a adolescência dos escritores.
Esta mitificação daquilo que já transcorreu obedece, geralmente, a uma
tendência de fuga da realidade, pois tanto o mundo medieval como o mundo
infantil representam o paraíso perdido, uma época de ouro na qual as criaturas
seriam felizes.
Também o retorno saudoso à infância toma a forma de uma
inconformidade com a vida presente, conforme podemos ver
neste fragmento Casimiro de Abreu:

           Ah! minha infância saudosa
           Que me mostravas à mente,
              Neste viver inocente,
             Tão verdejante e florida,
             A longa estrada da vida
            Que é toda tão escabrosa!
LIBERDADE ARTÍSTICA
A arte clássica sempre esteve sujeita a normas,
padrões e modelos. Durante o Romantismo, em
decorrência da liberdade de expressão
alcançada pela sociedade burguesa, todas as
receitas de conteúdos e de escrita das obras
são destruídas. Abole-se as fronteiras entre os
gêneros: em um mesmo texto admite-se o
cômico e o trágico, o sublime e o grotesco, etc.

"Ao martelo com as regras" - grita Victor Hugo
no prefácio de sua peça Cromwell, em 1827,
indicando que nem os temas, nem as estruturas
de composição, nem os estilos devem
responder a esquemas rígidos e pré-fixados. Ao
contrário, devem nascer espontaneamente, de
acordo com o propósito individual de cada
criador.
O ESTILO ROMÂNTICO
Estilisticamente, o Romantismo apresenta alguns princípios elementares:
- A expressão artística ( a exemplo da temática) é um processo resolvido
mais pela inspiração do que pela pesquisa formal. Daí a impressão de
descuido e excesso que muitos textos do período nos deixam.
- Na poesia, há grande variedade métrica, de ritmos e de rimas, indicando
a liberdade de composição que os autores experimentam.
- O uso intenso de adjetivos, em função de sua força expressiva e de seu
poder de qualificar uma numerosa gama de sentimentos. Os adjetivos -
segundo os românticos - ampliam ao máximo a conotação emotiva das
palavras, fixando tonalidades e nuanças da natureza e das paixões
humanas. Com o tempo, alguns desses vocábulos tornam-se verdadeiros
lugares-comuns: doce, cálido, mimoso, infeliz, fatal, puro, cândido,
celestial, etc.
- A freqüente utilização de metáforas, hipérboles e outras figuras tanto na
poesia quanto na prosa, aproximando (até certo ponto) um gênero de
outro. No campo simbólico, predominam imagens extraídas de
fenômenos naturais, normalmente grandiosos: florestas, correntezas.
tempestades, tufões, etc.
- A abundância de interjeições e exclamações , criando um tom de
exaltação retórica.
ROMANTISMO NO BRASIL CONTEXTO HISTÓRICO-
CULTURAL
O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que
surgem com a Independência política e suas
conseqüências sócio-culturais: o novo público leitor, as
instituições universitárias e, acima de tudo, o nacionalismo
ufanista que varre o país, após 1822, e do qual os
escritores são os principais intérpretes.
Contribuir para a grandeza da nação através de uma
literatura que fosse o espelho do novo mundo e de sua
paisagem física e humana, eis o projeto ideológico da
primeira geração romântica. Há um sentimento de missão:
revelar todo o Brasil, criando uma literatura autônoma que
nos expressasse.
A adaptação de um movimento artístico europeu

Os valores do Romantismo europeu adequavam-se às
exigências ideológicas dos escritores brasileiros, O
Romantismo se opunha à arte clássica, e Classicismo aqui
significava dominação portuguesa. O Romantismo voltava-
se para a natureza, para o exótico; e aqui havia uma
natureza exuberante, etc. Tudo se ajustando para o
desenvolvimento de uma literatura ufanista.
O nacionalismo romântico encontrará a sua representação
nos seguintes elementos:
Indianismo

No "bon sauvage" francês sedimenta-se o modelo de um
herói que se deveria se tornar o passado e a tradição de
um país desprovido de sagas exemplares. O nativo -
ignorada toda a cultura indígena - converte-se no herói
inteiriço, feito à imagem e semelhança de um cavaleiro
medieval.
Assume-se a imagem exótica que as metrópoles européias
tinham dos trópicos, adaptando-a ao ufanismo. Acima de
tudo, o índio representa, na sua condição de primitivo
habitante, o próprio símbolo da nacionalidade. Além disso,
a imagem positiva do indígena fornece às elites o orgulho
de uma ascendência nobre, que ajuda na legitimação de
seu próprio poder no Brasil posterior à Independência.
O passo decisivo para a deflagração do
movimento é a publicação da revista
Niterói, em Paris, 1836, que trazia como
epígrafe: "Tudo pelo Brasil e para o Brasil".
A revista, elaborada por intelectuais que
estudavam na Europa, propunha a
investigação "das letras, artes e ciências
brasilienses". No grupo, destaca-se
Gonçalves de Magalhães, que ainda em
1836 lançaria um livro de poemas:
Suspiros poéticos e saudades. Esta obra
introduziu o espírito romântico no Brasil.
Um marco para o Romantismo

 A revista Niterói, dirigida
 por    Gonçalves         de
 Magalhães, representou
 a     oportunidade       de
 discussão do Brasil a
 partir de uma ótica
 nacionalista e romântica.
O projeto de autonomia dos autores românticos não se
realizou integralmente. Todos os princípios "nacionalistas"
que defenderam estavam, em maior ou menor grau,
comprometidos com uma visão européia de mundo. Além
disso, o nacionalismo era feito de exterioridades, mais
paisagem do que substância humana. Aquele "sentimento
íntimo de brasilidade", de que falou Machado de Assis,
não existe nas obras do período.
Por fim, o fato de todos os escritores da primeira geração
viverem à sombra do poder (foram ministros, secretários,
embaixadores, burocratas do alto escalão) comprometeu-
os irremediavelmente com a classe dominante. Fugiram
da escravidão e da pobreza, escamotearam a ferocidade
das elites e a miséria das ruas, ignoraram a violência que
se espalhava pelo cotidiano. Em troca, celebraram o idílio
e a natureza, mitificaram as regiões, teatralizaram o índio,
criando assim uma arte conservadora.

FIM

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Romantismo primeira & segunda geração e romantismo na europa
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Romantismo - introdução e 1ª geração
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Romantismo resumo
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  • 1. História do Romantismo
  • 2. Origens e contexto A ascensão da burguesia européia é um processo que se inicia com o Mercantilismo, nos séculos XVI e XVII, passando pela Revolução Inglesa, de 1688, pela Independência Americana, de 1776, e atingindo o seu o momento culminante na Revolução Francesa, de 1789. Na França sobretudo, a derrocada da aristocracia permite não apenas a extinção dos privilégios seculares, mas também o fim das barreiras rígidas entre as classes sociais. Um novo sentido de vida, baseado na livre iniciativa, exalta a audácia, a competência e os méritos pessoais de cada indivíduo, independentemente de seus títulos e seus antepassados. A era do Liberalismo está em seu auge e com ela um conjunto notável de mudanças na história do Ocidente.
  • 3. A liberdade de expressão O primeiro efeito favorável da vitória burguesa para a literatura reside no artigo onze da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: "A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode portanto falar, escrever, imprimir livremente." Como afirma um historiador, "cada francês é agora um escritor em potencial, todas as Bastilhas acadêmicas caem por terra e uma aventura da palavra escrita está acontecendo."
  • 4. O novo público leitor Outro efeito importante resulta do esforço de alfabetização empreendido pelos revolucionários. Todo cidadão precisa ter acesso à leitura, até para conhecer as proclamações do novo regime. Assim irá surgir um novo público leitor, mais diversificado e numeroso, já sem nenhuma identificação com a arte neoclássica da aristocracia cortesã. Este público consome livros de forma intensa. E os escritores, até então dependentes do mecenatismo, vêem que podem sobreviver apenas com a venda de suas obras, agora transformadas em mercadoria de larga aceitação. Certos números ainda hoje impressionam: num só dia, em Londres, Lord Byron vende dez mil exemplares do seu romance Lord Byron O corsário; jornais que publicam romances em fascículos, como La presse, em Paris, conseguem mais de duzentos mil assinantes. Walter Scott, Victor Hugo e outros fazem fortuna com seus direitos autorais.
  • 5. A consciência da liberdade propicia ao artista um duplo sentimento: - O de euforia, por não ter mais de se sujeitar à vontade individual de protetores da nobreza. - O de medo, por ser agora um produtor para o mercado que, muitas vezes, desconhece. Além disso, sua confusão aumenta porque ele exalta o caráter quase que sagrado da obra de arte no exato momento em que ela perde toda a sacralidade e começa a fazer parte do reino dos negócios. Assim, o Romantismo coincide com a democratização da arte, gerada sobretudo pela Revolução Francesa, tornando-se a expressão artística da jovem sociedade burguesa. Victor Hugo afirma que o Romantismo nada mais é que o liberalismo em literatura. De fato, o movimento mantém uma relação viva e contraditória com a nova realidade. Filho da burguesia, mostra-se ambíguo diante dela, ora a exaltando, ora protestando contra seus mecanismos, conforme observaremos ao estudar-lhe as características.
  • 6. Nas últimas décadas do século XVIII, o Romantismo já está mais ou menos anunciado pelas obras do filósofo Rousseau, especialmente por sua teoria do "bom selvagem", e pelo movimento Sturm und Drang,(Tempestade e Ímpeto),constituído, nos anos de 1770, por jovens alemães, que valorizam o folclórico, o nacional e o popular em oposição ao universalismo clássico. Também a publicação de Os cantos de Ossian, pelo inglês Macpherson, em 1760, torna-se uma referência fundamental para os futuros românticos. Na verdade, Macpherson promove uma grande fraude literária pois escreve um conjunto de textos em prosa rítmica dizendo serem traduções de uma obra perdida do legendário poeta medieval - de origem gálica - Ossian. Apesar do embuste, o livro apresenta forte apelo emotivo e abre duas das mais valorizadas tendências românticas: o culto pelo antigo, em especial pela Idade Média, e o gosto pela prosa poética. No entanto, a antecipação mais genial de um novo espírito de época - centrado no exagero da faculdade imaginativa e no transbordamento das paixões - ocorre em 1774, com a publicação, sob forma epistolar (cartas), do romance Os sofrimentos do jovem Werther. Seu autor, Goethe, então com apenas vinte e quatro anos, produzirá um dos maiores comoções já ocorridas na história literária.
  • 7. O termo romântico figura desde o início do século XVIII, no vocabulário francês com o valor de romanesco, isto é, referente ao gênero narrativo chamado romance. No entanto, a partir de 1780, as palavras romanesco(de romance) e romântico (aplicado à paisagens e estados de espírito) se separam nitidamente. Já o termo Romantismo - que indica o período artístico, com o sentido de anti-clássico - parece ter surgido na Alemanha, expandindo-se, em seguida, pelo resto do mundo. Nos primórdios do século XIX - favorecido pelas grandes mudanças políticas e culturais na Europa, o estilo e as visões românticas de mundo sedimentam-se com as obras dos Irmãos Schlegel na Alemanha, Coleridge e Wordsworth na Inglaterra, Madame de Stäel e Chateaubriand na França.
  • 8. Importante frisar que o Romantismo não é um movimento exclusivamente literário. Suas manifestações dão-se também em larga escala na música, através das obras de Beethoven e sua intensa monumentalidade; de Tchaikovsky, mestre da melodia e da angústia romântica; e de compositores que buscaram as raízes nacionais e populares, como Grieg (Noruega), Dvórak (República Tcheca), Granados (Espanha), etc. Surgem os concertos para o grande público. A ópera - reunindo música e teatro - populariza-se espetacularmente através de Verdi (Itália) e Wagner (Alemanha). Também nas artes plásticas, o espírito romântico triunfa. Nas pinturas de Géricault, Delacroix e Turner, entre outros, enfatiza-se o emocionalismo, os contrastes violentos de luz e sombra, a distribuição intensa das cores. O Romantismo constitui-se assim como uma poderosa e verdadeira revolução artística que modifica para sempre a cultura ocidental.
  • 9. Características INDIVIDUALISMO E SUBJETIVISMO A ideologia burguesa centra-se nas liberdades (expressão, iniciativa, concorrência) do novo homem e nas infinitas chances de auto-realização do indivíduo. O Romantismo, reflexo da nascente ordem social, centra-se na glorificação do particular, do singular, do íntimo, daquilo que diferencia uma pessoa de outra. O individualismo e o subjetivismo parecem ser faces distintas da mesma moeda, no caso o eu.
  • 10. O eu vitorioso  A primeira face é a do triunfo, da capacidade do indivíduo de alçar-se sobre a mediania e de afirmar arrogantemente suas ambições e desejos. Por isso, ninguém seduz tanto a alma romântica como Napoleão. Sua incrível trajetória - da pobreza juvenil à chefia de um grande império - serve de modelo e lembrança. Trata-se do maior exemplo de individualismo nos primeiros tempos burgueses e é celebrado por uma incrível quantidade de artistas que com ele se identificam, inclusive alguns brasileiros.
  • 11. O "gênio"  Não raras vezes, a própria figura do poeta é divinizada. Ele se torna a expressão do "gênio", ou seja, encarna um ser diferente, tocado pelos deuses (ou demônios) da inspiração, que o levam à criação artística. Com freqüência, o destino da grandeza criadora é a "maldição", quer dizer, um sentir-se acima ou abaixo dos critérios estabelecidos do bem e do mal. O "maldito" em geral abandona a vida em sociedade, através de uma solidão voluntária, premido pela sensação de incomunicabilidade em meio a criaturas comuns.
  • 12. O eu oprimido  Porém, a alma romântica conhece uma outra face do individualismo, a do eu opresso, esmagado pela solidão e pela brutalidade do mundo. Isso ocorre em um segundo momento, quando os artistas se dão conta tanto da impossibilidade de uma nova experiência napoleônica, quanto da mediocridade da burguesia pós-revolucionária, voltada apenas para a acumulação de capital. Uma espessa melancolia se apossa dos corações, e por todos os lados vê-se o lado sombrio e inútil da existência.
  • 13. Ao sentir que os seus vínculos com o mundo foram rompidos, os artistas arrojam-se no próprio eu, numa espécie de compensação. Um eu incômodo, estranho, que ameaça ora com o caos, ora com o êxtase, um eu que afirmam orgulhosamente e, ao mesmo tempo, um eu angustiado, infantil, incapaz de transformar o mundo. Daí que quase toda a literatura romântica seja o grito de subjetividades que confessam a si mesmas: seus sonhos, projetos, medos e sofrimentos.
  • 14. Veja-se o exemplo de Lord Byron: Já é tempo do meu coração não se comover porque aos outros já deixei de emocionar mas embora eu não possa ser amado que possa pelo menos amar.
  • 15. SENTIMENTALISMO Os sentimentos tornam-se mais importantes do que a racionalidade. A existência só adquire sentido, se guiada e desenvolvida sob o seu domínio. Eles são sob medida da interioridade de cada pessoa, medida de todas as coisas. Negar-se à expressão sentimental significa ser insensível e estúpido. Werther morre de amor, e tudo se justifica - perda da honra, cisão da moral, etc. - se os gestos nascerem de sentimentos autênticos. Observe-se um fragmento do mais famoso romance de Goethe: Como a sua imagem me persegue! Ela toma conta de toda a minha alma, quer esteja desperto, quer sonhando. Aqui, quando fecho os olhos, aqui, atrás de minha fronte, onde se concentra a visão interior, encontram-se os seus olhos negros. Exatamente nesse lugar! Não sei como exprimir-te isso melhor. Quando fecho os meus olhos, os dela estão lá; descansam diante de mim, como um mar, como um abismo, preenchendo todo o meu sentir.
  • 16. Um novo sentido do amor Os românticos - em suas obsessões sentimentais - terminam indiscutivelmente por criar um novo significado para as paixões humanas. A expressão "amor romântico" ainda hoje é comum e indica profundidade, intensidade, delicadeza e até desmedida do afeto. Às vezes não compreendo como outro possa amá-la, tenha o direito de amá-la, quando eu, somente eu a amo com tanta ternura, tão profundamente, não pensando em outra coisa, querendo apenas esse amor, e não possuindo nada além dele.
  • 17. CULTO À NATUREZA Um dos elementos mais importantes da estética romântica, a natureza exerce profundo fascínio sobre os escritores do período, que vêem nela a antítese da civilização que os oprime. Encontrar-se com a natureza significa encontrar-se consigo mesmo, significa alargar a sensibilidade. Rousseau identifica a natureza com o sentimento interior. Em seus passeios solitários, essa subjetivização do mundo natural é visível: Da superfície da terra elevava as minhas idéias a todos os seres da natureza. Então, perdido o espírito nessa imensidão, não pensava, não raciocinava, não filosofava. Sentia-me - sentia-me com uma espécie de voluptuosidade. (...) Amava perder-me com a imaginação no espaço. Sufocava-me com o universo e gostaria de lançar-me ao infinito.
  • 18. Mas a natureza é também a confidente para as horas melancólicas e a amante desencadeadora de inspirações. É quase impossível produzir arte sem o seu influxo, como se nota neste fragmento de Madame de Stäel: Na natureza o homem reencontra em si mesmo sensações, alegrias ocultas que se correspondem com o dia, com a noite, com a tempestade. Esta aliança secreta de nosso ser com as maravilhas naturais é que garante à poesia sua verdadeira grandeza.
  • 19. Sublinhe-se, enfim, que a natureza funciona também no Romantismo como uma mãe que protege o filho dos desconcertos do universo, conforme se verifica no trecho extraído de Devaneios de um caminhante solitário, de Rousseau: Brilhantes flores, coloridos prados, sombras frescas, bosquezinhos, verdura, vinde purificar minha imaginação (...) Galgo os rochedos, as montanhas, mergulho nos vales, nos bosques, para me furtar, tanto possível, à lembrança dos homens e aos ataques dos maus. Parece-me que sob as sombras de uma floresta sou esquecido, livre e calmo como se não mais tivesse inimigos, ou como se a folhagem dos bosques me defendesse.
  • 20. FORMAS DE EVASÃO A inconformidade do artista romântico com o "mundo cruel" leva-o a uma série de procedimentos de fuga. Já que a sociedade não quer escutá-lo ou não sabe compreendê-lo, já que ele está perdido numa realidade incômoda e brutal, já que sua sensibilidade não possui força para mudar o destino, resta-lhe apenas a tentativa de escapar. A) Sonho e fantasia A evasão mais comum dá-se através do princípio da fantasia. O poeta devaneia, cria universos imaginários, onde encontra a luz e a alegria que a sociedade burguesa não lhes oferece. O sonho não é apenas a fonte obscura e misteriosa que alimenta a criação artística, mas uma forma de resposta à hostilidade do mundo. Novalis declara isso textualmente: "O sonho me parece uma vala de proteção contra a vulgaridade da vida." Álvares de Azevedo transita continuamente entre os níveis concretos da vida social e as fantasias de sua subjetividade atormentada, sem escapar do dilaceramento que esta divisão sonho-realidade lhe causa:
  • 21. Vinte anos! derramei-os gota a gota Num abismo de dor e esquecimento... De fogosas visões nutri meu peito... Vinte anos!... não vivi um só momento! (...) Eu sonhei tanto amor, tantas venturas, Tantas noites de febre e d'esperança. Mas hoje o coração desbota, esfria, e do peito no túmulo descansa!
  • 22. B) O "mal do século" O "mal do século" é uma "enfermidade moral" e não física. Resulta do tédio ("ennui", "spleen"), mas não do tédio comum (enfado diante da chatice da vida). A concepção romântica aponta para um aborrecimento desolado e cínico, que ressalta tanto a falta de grandeza da existência cotidiana quanto o vazio dos corações juvenis. Estes acreditam ter vivido todas as paixões e ter experimentado todos os abismos. C) O culto do passado Em contraponto ao presente insatisfatório, o romântico encontra constantemente no passado ideais sublimes e valores modelares. Essa afirmação do tempo pretérito dá-se em dois planos: Passado histórico: textos sobre a vida na Idade Média. Passado individual: textos sobre a infância e a adolescência dos escritores. Esta mitificação daquilo que já transcorreu obedece, geralmente, a uma tendência de fuga da realidade, pois tanto o mundo medieval como o mundo infantil representam o paraíso perdido, uma época de ouro na qual as criaturas seriam felizes.
  • 23. Também o retorno saudoso à infância toma a forma de uma inconformidade com a vida presente, conforme podemos ver neste fragmento Casimiro de Abreu: Ah! minha infância saudosa Que me mostravas à mente, Neste viver inocente, Tão verdejante e florida, A longa estrada da vida Que é toda tão escabrosa!
  • 24. LIBERDADE ARTÍSTICA A arte clássica sempre esteve sujeita a normas, padrões e modelos. Durante o Romantismo, em decorrência da liberdade de expressão alcançada pela sociedade burguesa, todas as receitas de conteúdos e de escrita das obras são destruídas. Abole-se as fronteiras entre os gêneros: em um mesmo texto admite-se o cômico e o trágico, o sublime e o grotesco, etc. "Ao martelo com as regras" - grita Victor Hugo no prefácio de sua peça Cromwell, em 1827, indicando que nem os temas, nem as estruturas de composição, nem os estilos devem responder a esquemas rígidos e pré-fixados. Ao contrário, devem nascer espontaneamente, de acordo com o propósito individual de cada criador.
  • 25. O ESTILO ROMÂNTICO Estilisticamente, o Romantismo apresenta alguns princípios elementares: - A expressão artística ( a exemplo da temática) é um processo resolvido mais pela inspiração do que pela pesquisa formal. Daí a impressão de descuido e excesso que muitos textos do período nos deixam. - Na poesia, há grande variedade métrica, de ritmos e de rimas, indicando a liberdade de composição que os autores experimentam. - O uso intenso de adjetivos, em função de sua força expressiva e de seu poder de qualificar uma numerosa gama de sentimentos. Os adjetivos - segundo os românticos - ampliam ao máximo a conotação emotiva das palavras, fixando tonalidades e nuanças da natureza e das paixões humanas. Com o tempo, alguns desses vocábulos tornam-se verdadeiros lugares-comuns: doce, cálido, mimoso, infeliz, fatal, puro, cândido, celestial, etc. - A freqüente utilização de metáforas, hipérboles e outras figuras tanto na poesia quanto na prosa, aproximando (até certo ponto) um gênero de outro. No campo simbólico, predominam imagens extraídas de fenômenos naturais, normalmente grandiosos: florestas, correntezas. tempestades, tufões, etc. - A abundância de interjeições e exclamações , criando um tom de exaltação retórica.
  • 26. ROMANTISMO NO BRASIL CONTEXTO HISTÓRICO- CULTURAL O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que surgem com a Independência política e suas conseqüências sócio-culturais: o novo público leitor, as instituições universitárias e, acima de tudo, o nacionalismo ufanista que varre o país, após 1822, e do qual os escritores são os principais intérpretes. Contribuir para a grandeza da nação através de uma literatura que fosse o espelho do novo mundo e de sua paisagem física e humana, eis o projeto ideológico da primeira geração romântica. Há um sentimento de missão: revelar todo o Brasil, criando uma literatura autônoma que nos expressasse.
  • 27. A adaptação de um movimento artístico europeu Os valores do Romantismo europeu adequavam-se às exigências ideológicas dos escritores brasileiros, O Romantismo se opunha à arte clássica, e Classicismo aqui significava dominação portuguesa. O Romantismo voltava- se para a natureza, para o exótico; e aqui havia uma natureza exuberante, etc. Tudo se ajustando para o desenvolvimento de uma literatura ufanista. O nacionalismo romântico encontrará a sua representação nos seguintes elementos:
  • 28. Indianismo No "bon sauvage" francês sedimenta-se o modelo de um herói que se deveria se tornar o passado e a tradição de um país desprovido de sagas exemplares. O nativo - ignorada toda a cultura indígena - converte-se no herói inteiriço, feito à imagem e semelhança de um cavaleiro medieval. Assume-se a imagem exótica que as metrópoles européias tinham dos trópicos, adaptando-a ao ufanismo. Acima de tudo, o índio representa, na sua condição de primitivo habitante, o próprio símbolo da nacionalidade. Além disso, a imagem positiva do indígena fornece às elites o orgulho de uma ascendência nobre, que ajuda na legitimação de seu próprio poder no Brasil posterior à Independência.
  • 29.
  • 30. O passo decisivo para a deflagração do movimento é a publicação da revista Niterói, em Paris, 1836, que trazia como epígrafe: "Tudo pelo Brasil e para o Brasil". A revista, elaborada por intelectuais que estudavam na Europa, propunha a investigação "das letras, artes e ciências brasilienses". No grupo, destaca-se Gonçalves de Magalhães, que ainda em 1836 lançaria um livro de poemas: Suspiros poéticos e saudades. Esta obra introduziu o espírito romântico no Brasil.
  • 31. Um marco para o Romantismo A revista Niterói, dirigida por Gonçalves de Magalhães, representou a oportunidade de discussão do Brasil a partir de uma ótica nacionalista e romântica.
  • 32. O projeto de autonomia dos autores românticos não se realizou integralmente. Todos os princípios "nacionalistas" que defenderam estavam, em maior ou menor grau, comprometidos com uma visão européia de mundo. Além disso, o nacionalismo era feito de exterioridades, mais paisagem do que substância humana. Aquele "sentimento íntimo de brasilidade", de que falou Machado de Assis, não existe nas obras do período.
  • 33. Por fim, o fato de todos os escritores da primeira geração viverem à sombra do poder (foram ministros, secretários, embaixadores, burocratas do alto escalão) comprometeu- os irremediavelmente com a classe dominante. Fugiram da escravidão e da pobreza, escamotearam a ferocidade das elites e a miséria das ruas, ignoraram a violência que se espalhava pelo cotidiano. Em troca, celebraram o idílio e a natureza, mitificaram as regiões, teatralizaram o índio, criando assim uma arte conservadora. 
  • 34. FIM