O documento relata preocupações com o empreendimento Acquário de Fortaleza no Ceará, que está sendo construído sem as devidas pesquisas arqueológicas obrigatórias. O governo do estado vem pressionando ilegalmente autoridades federais e desrespeitando a necessidade de estudos sobre o patrimônio histórico e cultural do local da obra. Vários profissionais e organizações assinam o documento em repúdio às ações do governo e em defesa da arqueologia e preservação do patrimôn
Carta em defesa do patrimônio cultural de fortaleza
1. Fortaleza,17 de maio de 2012
PARA: SAB NORDESTE, SAB NACIONAL, ANPUH CEARÁ, ANPUH NACIONAL, IPHAN
Prezados colegas,
Gostaríamos de relatar o grave caso envolvendo a arqueologia e preservação do patrimônio
histórico no Estado do Ceará. Trata-se do empreendimento Acquário de Fortaleza, um aquário de
grandes dimensões que, segundo o projeto do governo do estado, será o maior do tipo na américa
do sul, possuindo 21.500 m² de área construída e 15 milhões de litros de água em seus tanques de
exibição. A localização da obra merece cuidados especiais, pois se encontra dentro da área onde
Matias Beck se estabeleceu em 1649, fundando a cidade, que cresceu em torno daquela região. Mais
tarde se constituiu como centro da antiga zona portuária de Fortaleza, palco de atividade econômica da
capital do final do século XVIII até meados do século XX. O Acquario pretende ocupar toda a extensão
defronte a dois piers portuários históricos sem as devidas pesquisas arqueológicas e estudos exigidos
pela lei.
A obra do aquário está sendo realizada pelo governo do estado, sob responsabilidade da
Secretaria Estadual de Turismo - SETUR, com financiamento de um banco estadunidense na quantia
de 150 milhões de dolares e ao custo mensal de manutenção estimado em 1,5 milhão de reais. Dúvidas
e questionamentos têm levado o caso constantemente à mídia local, tornando públicas as deficiências
técnicas do projeto no campo da Arqueologia, do patrimônio cultural, do licenciamento ambiental e
mesmo da probidade administrativa.
A história é longa, com idas e vindas, informações e contra-informações. Para efeito de
esclarecimentos apresentaremos em anexo um histórico simplificado, subsidiado com notícias e
documentos publicicados sobre a questão. Assim, esperamos tornar mais evidente aos colegas os
problemas que o campo da arqueologia e da defesa do patrimônio estão sofrendo no Estado do Ceará.
Ali, os colegas terão detalhes para compreender nossa preocupação e atitude de alarme diante:
1. Da grande propaganda contrária ao patrimônio cultural e arqueológico que está
sendo feita pelo secretário de turismo. Sr. Bismarck Maia. Segundo palavras suas
divulgadas no ultimo dia 16.05.2012: "Fortaleza não é um sítio arqueológico. Ali
não é um centro, nada que se mostre problema de arqueologia(...) Não tem
nada ali de arqueologia e já mostramos isso ao Iphan e ele mesmo já declarou
que Fortaleza não é um sítio arqueológico.”
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2. 2. Da grande pressão do governo do estado para a aceitação do estudos
arqueológicos pelo IPHAN-CE; Para tanto tem se servido usualmente de
inverdades e agressões verbais. Chegou ao ponto de pronunciar-se em relação a
atuação do instituto no processo "Não leram, não estudaram e não responderam
durante todo o processo de licenciamento” disse ainda “ é preciso bom senso por
parte do órgão”. (ver matéria)
3. Da aprovação da Licença de Instalação pela Secretaria Estadual de Meio
Ambiente - SEMACE, que independente de estudo arqueológico junto ao
IPHAN, invadiu a competência do mesmo e indevidamente analisou a dimensão
histórica contida no EIA/RIMA (ver documento) aceitando o argumento de que
o empreendimento em nada afetaria o patrimônio histórico local e acatou ainda
a recomendação tecnicamente infundada que indicava ser suficiente apenas o
monitoramento arqueológico no local no decorrer da obra. (ver documento)
4. A atuação da Superintendencia do IPHAN no Ceará, com frequência
incongruente com seus objetivos institucionais (vide a inércia institucional,
determinação de prazos exíguos para estudos arqueológicos, falta de respostas às
desqualficações à instituição realizadas pelo secretário de turismo) aponta para
subordinação política aos interesses do governo do estado.
Concluindo, diante do desprezo e desrespeito pelas pesquisas arqueológicas obrigatórias,
diante dos atos desqualificantes da função do arqueólogo e da Arqueologia, diante da pressão ilegal
exercida por autoridades do estado do Ceará sobre servidores federais no exercício de suas suas
atribuições e competencias públicas convocamos a comunidade brasileira de atuação no campo da
História, da Arqueologia e da proteção do patrimônio cultural a se juntarem a nós manifestando publica
e veementemente seu repúdio a tais desmandos governamentais que impedem os profissionais da
área emitirem juizos independentes, de valor técnico e corroborados por pesquisas arqueológicas e
históricas consistentes.
CRONOLOGIA DOS FATOS
02.03.12 - A Secretária Estadual de Meio Ambiente - SEMACE concedeu a Licença de
Instalação do Acquário de Fortaleza (EIA/RIMA ), esta autorização desprezou completamente a
necessidade de realizar estudos arqueológicos. O movimento da sociedade civil intitulado “Quem
dera ser um peixe” solicitou uma reunião com o IPHAN, onde foi apontada a inexistência da
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3. pesquisa que infere na irregularidade da licença ambiental. (notícia)
14.03.12 - O Jornal O Povo noticiou essa reunião, trazendo a informação de que a SETUR havia
enviado um documento ao IPHAN. No mesmo dia a SEMACE, se defendeu, dizendo constar no
EIA/RIMA a participação de um arqueólogo na equipe do licenciamento ambiental e que ainda em
setembro de 2011, havia sido protocolado um pedido de anuência junto ao IPHAN, informando
que “o local já tinha sido escavado para demolição do antigo prédio do DNOCS e em superfície
existia somente material arenoso inservível para pesquisa arqueológica”. (notícia)
16.03.12 - O Ministério Público Federal - MPF solicita a SEMACE cópia dos estudos ambientais
do empreendimento (notícia), no dia seguinte o IPHAN se pronunciou pela primeira vez sobre o
caso dizendo que iria tomar as providências necessárias (notícia).
21.03.12 - O MPF verificou a ausência da documentação referente a pesquisa arqueológica,
solicitando que o IPHAN se manifestasse. (notícia).
28.03.12 - O IPHAN embarga a obra do Acquário.
04.04.12 - É noticiado que a empresa Infoambiental, responsável pelo Estudo de Impacto
Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do Acquario Ceará, estaria incrementando o
documento com novas informações para entregá-lo ao IPHAN. (notícia)
11.04.12 - A SETUR entrega o projeto de pesquisa junto ao IPHAN.(notícia)
13.04.12 - Sai a portaria de pesquisa e é emitido parecer sobre os procedimentos de pesquisa:
(documento)
01 - Processo nº. 01496.001151/2011-84.
Projeto: Programa de Prospecção, Resgate e Monitoramento
Arqueológico na Área de Implantação do ACQUÁRIO CEARÁ.
Arqueólogo Coordenador: Carlos Xavier de Azevedo Netto.
Apoio Institucional: Núcleo de Documentação e Informação
Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Área de Abrangência: Município de Fortaleza, Estado do
Ceará.
Prazo de Validade: 12 (doze) meses
No mesmo dia, a superintendente do IPHAN, Juçara Peixoto, afirmou ao jornal O POVO, que,
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4. com a publicação da portaria, as obras do Acquario já poderiam ser retomadas. Na ocasião, ela
mesma explicou que o estudo arqueológico poderia ser feito concomitantemente à obra. E foi
o que aconteceu: trabalhadores da CG Construções voltaram ao canteiro de obras no sábado
(14).(matéria)
18.04.12 - O IPHAN volta atrás e diz que a obra permanece embargada, De acordo com o
superintendente interino do Iphan, obras só podem começar depois que um relatório preliminar for
entregue pelo arqueólogo. MPF quer explicações do órgão sobre reinício das obras. (matéria)
19.04.12 - O MPF faz recomendação à Secretaria do Turismo do Estado do Ceará (Setur) para
que suspenda toda e qualquer atividade de construção na área das obras do Acquario Ceará,
na Praia de Iracema. A procuradora diz que o embargo do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) continua valendo. “Tive acesso aos documentos do Iphan e verifiquei
que apenas foi dada a autorização para o arqueólogo iniciar o estudo na área, devendo fazê-
lo no prazo de 15 dias”, explica. Governo atende a recomendação e determina mais uma vez a
paralisação.(recomendação do MPF) (notícia)
09.05.12 - O IPHAN pede complementações a pesquisa. (notícia)
16.05.12 - O Secretário de Turismo informa que devolverá os estudos ao IPHAN no dia 16 ou
17 e que o IPHAN deve ter boa vontade. Além disso diz: "Fortaleza não é um sítio arqueológico.
Ali não é um centro, nada que se mostre problema de arqueologia. Será que a população de
Fortaleza, que alguém pode imaginar que tem alguma coisa arqueológica naquele terreno que já
teve prédio construído, que já teve infraestrutura desse mesmo prédio colocada e retirada, que
já teve escavações? Não tem nada ali de arqueologia e já mostramos isso ao Iphan e ele mesmo
já declarou que Fortaleza não é um sítio arqueológico. Não sabemos o que está inibindo. Quero
contar com a boa vontade e o bom senso nesse processo. Tudo que nos for pedido nós daremos.
Estamos entregando tudo", falou, resignado. "Espero que nos próximos 15 a 20 dias esteja tudo
resolvido para iniciar as obras em no máximo 30 dias. Entendo o lado do Iphan, mas é preciso que
entendam também o lado do Estado", concluiu." Bismarck Maia (matéria)
Outros documentos e notícias:
1) Compra do Prédio do DNOCS
http://www.tce.ce.gov.br/sitetce/arq/Clipping2007/Povo/2011/Abr_04_2.html
2) Linha do tempo do projeto
http://www.dipity.com/peixuxa/AcquarioCeara/
3) EIA-RIMA do projeto e plantas
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5. http://www.setur.ce.gov.br/eia-rima-aquario-ceara/
4) Documento com denúncias aos Ministérios Públicos (Federal, Estadual, e de Contas do Estado)
http://www.slideshare.net/peixuxaacquario/denuncia-aquario/1
5) Contrato com a ICM Reynolds
http://transparencia.ce.gov.br/paginas/contratosConvenios/ContratosConveniosDetalhes.aspx?
SIC=715319&code=Cont&t=cat02
6) Contrato com o arquiteto
http://www.opovo.com.br/app/opovo/economia/2012/04/25/noticiasjornaleconomia,2827309/projeto-
custou-r-1-8-milhao-diz-arquiteto.shtml
7) Sobre a viabilidade econômica
http://www.ricardoalcantara.com.br/2012/03/acquario-promete-um-novo-milagre-dos-peixes/
8) Sobre a participação popular
http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/04/10/noticiasjornalopiniao,2817796/consulta-
popular.sh
Assinam esta carta:
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA - SEÇÃO CEARÁ – ANPUH-CEARÁ
INSTITUTO DA MEMÓRIA DO POVO CEARENSE - IMOPEC
Vitor Studart
Advogado especializado em Direitos Culturais
Julio Lira
Sociólogo e ativista cultural
Andrea Saraiva
Historiadora e pesquisadora
João Paulo Vieira
Historiador e Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural
Miguel Ângelo de Azevedo
Jornalista e pesquisador
Onesimo Santos
Arqueologo
Flávio Moraes
Arqueólogo
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6. Rute Ferreira Barbosa
Historiadora e Arqueologa
Tainã Moura Alcantara
Arqueologa
José Olímpio
Bacharel em Filosofia
Fernanda de Castro
Advogada
Rodrigo Medeiros
Advogado
Mário Pragmácio
Advogado e mestre em museologia
Marcia Sampa
Arquiteta
Airton de Farias
Historiador
Claudia Freitas
Historiadora
Rodrigo Capistrano
Historiador
Aristóteles Dutra
Historiador
Ana Paula Costa
Grupo história em movimento
Rodrigo Vieira
Advogado e Mestre em Direito Constitucional
Edson Holanda Lima Barboza
Historiador, Doutorando em História Social(PUC/SP)
Manuelina Maria Duarte Cândido
Historiadora, especialistas e doutora em Museologia, mestre em Arqueologia
Robson Alves
Historiador e Professor da Rede Pública Estadual de Ensino
Jermyzia Sara
Historiadora e Professora temporaria da Rede Pública Estadual de Ensino
Daniel Santos da Silva
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7. Biólogo e Mestrando em Ciências Marinhas Tropicais
Alana Braga Alencar
Psicóloga Comunitária
João Paulo Benevides
Professor
Henyo T. Barretto Filho
Antropólogo, IEB
Thiago Fonseca Veras
Professor
Carolina Ruoso
Historiadora, doutoranda em Historia da Arte (Paris 1)
Juliana Gondim
Doutoranda em Antropologia Social - USP
João Alfredo Telles Melo
Advogado, mestre em Direito, Professor de Direito Ambiental e Vereador em Fortaleza pelo PSOL
Alexandre Gomes
Historiador e Mestre em Antropologia (UFPE)
Célia Guabiraba
Instituto da Memória do Povo Cearense - IMOPEC
Neto Almeida
Historiador e professor da Rede Estadual do Ceará
Gerson Galo Ledezma Meneses
Historiador e professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA
Gleidson Souza
Professor de História da Rede Estadual do Ceará.
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