MORTALIDADE EVITÁVEL NA REGIÃO SUL DO BRASIL, 2000: DESIGUALDADES RACIAIS E SEXUAIS.
1. ANNA VOLOCHKO
MORTALIDADE EVITÁVEL NA REGIÃO SUL DO
BRASIL, 2000:
DESIGUALDADES RACIAIS E SEXUAIS.
Tese apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Ciências da Coordenadoria de
Controle de Doenças da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo para obtenção do título de
Doutor em Ciências.
São Paulo
2005
2. ANNA VOLOCHKO
MORTALIDADE EVITÁVEL NA REGIÃO SUL DO
BRASIL, 2000:
DESIGUALDADES RACIAIS E SEXUAIS.
Tese apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Ciências da Coordenadoria de
Controle de Doenças da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo para obtenção do título de
Doutor em Ciências.
Área de concentração: Infectologia em Saúde Pública
Orientadora: Profa. Dra Wilza Vieira Villela
São Paulo
2005
4. i
Ao Ricardo Bruno
para dividir,
multiplicar
e somar.
Para o prazer
e para a luta.
Para o compromisso.
E para todo o imenso indizível
E para sempre
5. ii
Agradecimentos
Gostaria de começar com algumas declarações de amor ao Rafael, Anna
Maria e Clara, que hoje, como ontem, enchem meus dias de luz, cor, calor, música e
poesia. Há aí quem dance, como e com as labaredas da paixão; há quem cante e nos
preencha de sons e há os que sorriem poesias, sorriem abraços e acariciam ternuras.
Quero agradecer minha mãe, esse apoio eterno, esse nunca se acabar de força
e garra.
Não me esqueço nem deixo de lamentar a saudade que o Regis deixou,
amante, amigo, interlocutor.
Agradeço à Wilza Villela, pela orientação, pelo apoio, pelas conversas e
idéias audaciosas e brilhantes. Pela paciência e compreensão;
ao Luis Eduardo Batista, peço a benção e agradeço o calor;
à amiga Suzana, com quem sempre concordo, mesmo discordando; essa
chama flamejante;
à Tereza Toma, discreta, sorridente e apaixonada. Um universo a descobrir.
à Marina Réa, amiga, irmã, emuladora.
Agradeço à Vanessa pelo apoio solícito e pela força que me deu em várias
etapas desta empreitada. Espero sempre, inesperadamente, uma poesia da Claudete.
Quero registrar minha apreciação pela solicitude e apoio que sempre
encontrei quando busquei, da direção do Instituto de Saúde, na figura da Eliete e
Malu e dos demais amigos e colegas da pós graduação e da administração.
6. iii
Expresso aqui minha apreciação pelo debate e críticas muito bem colocadas
pelos membros das bancas de qualificação e doutorado Professora Dra Rita de Cássia
Barradas Barata, Professor Doutor José Cássio de Morais, Professora Dra Cassia
Buchalla, Dr. Carlos Eugênio de Carvalho Ferreira e Dr Luis Eduardo Batista.
Gostaria de registrar também os agradecimentos para com o pessoal da Pós
Graduação do Emílio Ribas, Monica, Margaret e Dr Nilton pela sua competência e
solicitude.
Agradeço a Profa Cássia Buchalla à sua cuidadosa leitura do texto e as seus
comentários e sugestões, todos muito pertinentes.
E agradeço sobretudo à Fátima Carvalho pela presteza e habilidade com
solucionou os inúmeros meandros do processador de textos e de tabelas e gráficos.
And last but not least, a lembrança de nossas conversas pelas madrugadas,
nossos trios com a Elizeth, nossas elocubrações gastronômicas coletivas e outras
tantas ressoavam nas linhas do Ricardo Bruno que leio e releio e redescubro e me
acompanharam cotidianamente na elaboração deste trabalho.
7. iv
Resumo
Volochko, Anna. Mortalidade evitável na região Sul do Brasil, 2000: desigualdades
raciais e sexuais. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em
Ciências, da Coordenadoria de Controle de Doenças, da Secretaria de Estado da Saúde
de São Paulo. 2.005.
Persistem no país desigualdades sócio-econômicas mais marcadas em alguns
grupos sociais. O Índice de Desenvolvimento Humano revela grandes desigualdades
entre grupos de raça/cor e gênero. Há gradiente decrescente de IDH do homem
branco, mulher branca, homem negro e mulher negra, expressas pela distribuição
desigual de bens como educação, renda, trabalho, habitação e saúde.
O objetivo do estudo é explorar a utilidade da mortalidade evitável como
indicador capaz de desvelar as desigualdades na mortalidade por raça e gênero.
Foram analisadas as causas de morte e sua evitabilidade de 152.426 mortes da
Região Sul do pais por cor; sexo e faixas etárias selecionadas em 2.000.
A mortalidade geral bruta de homens brancos foi 706,2/100.000homens
brancos, e as principais causas foram doenças circulatórias (210,1); câncer (121,9);
externas (109,3); respiratórias (80,8) e mal definidas (40,1). Sua mortalidade evitável
foi 223,5 e evitabilidade 31,6%. A mortalidade geral bruta de homens pretos foi
796,5/100.000homens pretos, a evitável 364,8 e a evitabilidade de 45,8%. As
principais causas foram as circulatórias (238,3); externas (129,1); câncer (120,2);
respiratórias (81,1) e mal definidas (42,6).
Em mulheres brancas a mortalidade bruta foi 496,7/100.000 mulheres brancas e
a evitável 162,1 e evitabilidade de 32,6%. As principais causas foram as circulatórias
(185,1), câncer (88,8); respiratórias (55,8); endócrinas (31,7) e mal definidas (30,9).
A mortalidade bruta de mulheres pretas foi 583,1/100.000 mulheres pretas, a evitável
211,9 e evitabilidade de 36,3%. As principais causas foram as circulatórias (240,3),
câncer (87,6); respiratórias (57,2); endócrinas (50) e mal definidas (29,1).
A mortalidade de homens e mulheres pardos foi menor que a de brancos em
todas as causas sugerindo evasão de mortes de pardos para brancos.
A mortalidade geral e evitável de homens pretos foi 10% e 60% maior que a de
brancos respectivamente e a de mulheres pretas 20% e 30% maior que a de brancas.
As diferenças aumentaram em dados desagregados por idade.
A proporção de óbitos sem registro de cor foi 12,8% em infantes; 10,3% em
crianças (1 a 9 anos); 5,5% em adolescentes (10-19 anos); 6,8% em homens adultos
(20-59 anos) e 8,5% em mulheres adultas, distorcendo a mortalidade das minorias
raciais.
Concluí-se que há indícios de discriminação racial nos serviços de saúde, tema
que merece aprofundamento; as taxas de mortalidade de pretos e pardos são as
mínimas devendo ser maiores com melhor adscrição de cor; evasão de mortes de
pardos para brancos aumentou a mortalidade dos últimos, diminuindo sua diferença
em relação a pretos e pardos.
Palavras-chave – Mortalidade, mortalidade evitável, desigualdades raciais em
saúde, desigualdades de gênero em saúde.
8. v
Abstract
Volochko, Anna. Avoidable mortality in Southern Brazil, 2.000. Race and Sex
inequalities. PhD thesis submitted to the Science Pos Graduate Programme, Disease
Control Coordination, São Paulo State Health Secretary.
Socioeconomic inequalities still persist in Brazil, more marked in some social
groups. Human Development Index shows great racial and gender disparities. There
is a decreasing HDI from white men, to white women to black men and black
women. Differences are expressed by unequal distribution of social wealth such as
education, income, work opportunities, housing and health.
The aim of this study is to explore the utility of avoidable mortalily as an
indicator sensitive to racial and gender mortality inequalities.
Causes and avoidability of all 152.426 deaths occurring in 2.000 in the
Southern Region were analyzed by race, sex and selected age groups.
Crude mortality for white men was 706,2/100.000 white men and avoidable
mortality 223,5, with 31,6% of deaths being avoidable. Main causes of death were
circulatory diseases (210,1); cancer (121,9); injuries (109,3); respiratory (80,8) e ill
defined (40,1). Crude mortality rate for black men was 795,5/100.000 black men,
avoidable mortality was 364,8; with 45,8% of deaths being avoidable. Main causes
of death for black men were circulatory diseases (238,3), injuries (129,3); cancer
(120,2); respiratory (81,1) e ill defined causes (42,6).
White women crude mortality was 496,7/100.000 white women and avoidable
mortality 162,1 with an avoidability of 32,6%. Main causes of death were circulatory
(185,1), cancer (88,8); respiratory (55,8); endocrine (31,7) and ill defined (30,9).
Black women crude mortality rate was 583,1/100.000 black women and avoidable
mortality 211,9 with an avoidability of 36,3%. Main causes of death were circulatory
(240,3); cancer (87,6); respiratory (57,2); endocrine (50) and ill definied (29,1)
Brown men and women mortality rate was lower than that of white men and
women for all causes suggesting an outflow of brown deaths to white deaths.
Black men overall and avoidable mortality was respectively 10% and 60%
greater than that of white men while that of black women was 20% and 30% greater
than that of white women. Differences were greater in data split by age.
Proportion of deaths without skin colour registry was 12,8% for infants; 10,3%
for children (1 to 9 years old); 5,5% for adolescents (10-19 years old); 6,8% for adult
men (20-59 years old) and 8,5% for adult women, skewing mortality for minorities.
Conclusions - there are indications of racial discrimination in health services,
specially for black women, an issue deserving further research; mortality rates for
black and brown are minimal and will probably be greater with better colour
registration on death certificates; outflow of brown persons deaths to white persons
deaths increased artificially the later mortality reducing differences with black
mortality.
Key words – mortality, avoidable mortality; racial inequalities in health; gender
inequalities in health.
9. vi
Lista de Tabelas
Tabela 4.1. Distribuição da população por sexo e cor (%). Brasil e Regiões. 2.000. ............ 38
Tabela 4.2. Porcentagem de óbitos por raça/cor por Região. 2000........................................ 39
Tabela 4.3. Proporção de óbitos por Causas Mal Definidas, por sexo, cor e regiões. Brasil.
2000.................................................................................................................... 40
Tabela 5.1-1. Número de óbitos, proporção, taxa de mortalidade geral e risco relativo de
homens sobre mulheres por capítulo e sexo. Região Sul. 2.000 ........................ 43
Tabela 5.1-2. Número de óbitos, proporção, taxa de mortalidade evitável e risco relativo de
homens sobre mulheres por capítulo e sexo. Região Sul. 2.000 ........................ 44
Tabela 5.2-1. Distribuição etária de população e óbitos, mortalidade e diferença entre mortes
masculinas e femininas por sexo. Região Sul, 2.000 ......................................... 49
Tabela 5.3-1. População em números absolutos e proporção por cor e sexo. Razão de
masculinidade (RM). Região Sul, 2.000 ............................................................ 62
Tabela 5.3-2. Mortalidade em números absolutos e proporção por cor e sexo. Região Sul,
2.000................................................................................................................... 63
Tabela 5.3.1-1. Distribuição dos óbitos masculinos por causa e cor e proporção das causas.
por cor. Região Sul, 2.000.................................................................................. 65
Tabela 5.3.3-1. Distribuição dos óbitos femininos por causa e cor e proporção das causas por
cor. Região Sul, 2.000 ........................................................................................ 72
Tabela 5.4.2-1. Distribuição dos óbitos e porcentagem por cor e sexo. Crianças. Região Sul,
2.000................................................................................................................. 107
Tabela 5.4.3.1-1. Distribuição e proporção de óbitos por causa, cor e sexo. Adolescentes .
Região Sul, 2.000 ............................................................................................. 131
Tabela 5.4.4-1. Distribuição e proporção de óbitos por causa, cor e sexo. Adultos. Região
Sul. 2.000 ......................................................................................................... 156
10. vii
Lista de gráficos
Gráfico 5.1-1. Taxas de mortalidade total e evitável. Mulheres e homens. Região Sul, 2.000
.................................................................................................................................. 47
Gráfico 5.1-2. Diferenças na mortalidade geral e evitável de homens em relação a mulheres.
Região Sul, 2.000...................................................................................................... 47
Gráfico 5.2-1. Mortalidade por sexo e idade. Região Sul, 2.000........................................... 50
Gráfico 5.2.1-2. Mortalidade geral e evitável. Infantes por sexo e causa. Região Sul, 2.000 59
Gráfico 5.2.2-1. Mortalidade geral e evitável. Crianças por causa e sexo. Região Sul, 2.000
.................................................................................................................................. 60
Gráfico 5.2.3-1. Mortalidade geral e evitável de adolescentes por causa e sexo. Região Sul,
2.000 ......................................................................................................................... 60
Gráfico 5.2.4-1. Mortalidade geral e evitável de adultos (20-59 anos) por causa e sexo.
Região Sul, 2.000...................................................................................................... 61
Gráfico 5.2.5-1. Mortalidade geral e evitável de idosos por causa e sexo. Região Sul, 2.000
.................................................................................................................................. 61
Gráfico 5.3.1-1. Mortalidade geral por capítulo e cor. Homens. Região Sul, 2.000.............. 70
Gráfico 5.3.2-1. Mortalidade evitável por capítulo e cor. Homens. Região Sul, 2.000......... 70
Gráfico 5.3.1-2. Diferenças raciais na mortalidade geral por causas. Homens. Região Sul,
2.000 ......................................................................................................................... 71
Gráfico 5.3.2-2. Diferenças raciais na mortalidade evitável por causas. Homens. Região Sul,
2.000 ......................................................................................................................... 71
Gráfico 5.3.3-1. Mortalidade geral de mulheres. Capítulo e cor. Região Sul, 2.000............. 76
Gráfico 5.3.3-2. Diferenças raciais na mortalidade geral de mulheres por causas. Região Sul,
2.000 ......................................................................................................................... 77
Gráfico 5.3.4-2. Diferenças raciais na mortalidade evitável de mulheres por causas. Região
Sul, 2.000.................................................................................................................. 77
Gráfico 5.4.1.1-1. Mortalidade geral de infantes por causa e cor. Região Sul, 2.000............ 84
Gráfico 5.4.1.2-1. Mortalidade evitável de infantes por cor e causa. Região Sul, 2.000....... 84
Gráfico 5.4.1.1-2. Diferenças sexuais na mortalidade geral de infantes por cor e causa.
Região Sul, 2.000...................................................................................................... 85
Gráfico 5.2.1.2-2. Diferenças sexuais na mortalidade evitável de infantes por cor e causa.
Região Sul, 2.000...................................................................................................... 85
Gráfico 5.4.1.1-3. Diferenças raciais na mortalidade geral de infantes por causa. Região Sul,
2.000 ......................................................................................................................... 86
Gráfico 5.4.1.2-3. Diferenças raciais na mortalidade evitável de infantes por causa. Região
Sul, 2.000.................................................................................................................. 86
Gráfico 5.4.1.3-1. Mortalidade geral de infantas por causa e cor. Região Sul, 2.000............ 91
Gráfico 5.4.1.4-2. Mortalidade evitável de infantas por causa e cor. Região Sul, 2.000....... 91
Gráfico 5.4.1.3-2. Diferenças raciais na mortalidade geral de infantas por causa. Região Sul,
2.000 ......................................................................................................................... 92
Gráfico 5.4.1.4-2. Diferenças raciais na mortalidade geral de infantas. Região Sul, 2.000... 92
Gráfico 5.4.2.1-1. Mortalidade geral de meninos por causa e cor. Região Sul, 2.000......... 114
Gráfico 5.4.2.2-1. Mortalidade evitável de meninos por causa e cor. Região Sul, 2.000.... 114
Gráfico 5.4.2.1-2. Diferenças sexuais na mortalidade geral de meninos por causa e cor.
Região Sul, 2.000.................................................................................................... 115
Gráfico 5.4.2.2-2. Diferenças sexuais na mortalidade evitável de meninos por causa e cor.
Região Sul, 2.000.................................................................................................... 115
11. viii
Gráfico 5.4.2.1-3. Diferenças raciais na mortalidade de meninos por causa. Região Sul, 2.000
................................................................................................................................ 116
Gráfico 5.4.2.2-3. Diferenças raciais na mortalidade evitável de meninos por causa. Região
Sul, 2.000................................................................................................................ 116
Gráfico 5.4.2.3-1. Mortalidade geral de meninas por causa e cor. Região Sul, 2.000......... 121
Gráfico 5.4.2.4.1. Mortalidade evitável de meninas por causa e cor. Região Sul, 2.000..... 121
Gráfico 5.4.2.3-2. Diferenças raciais na mortalidade geral de meninas por causa. Região Sul,
2.000 ....................................................................................................................... 122
Gráfico 5.4.2.4-2. Diferenças raciais na mortalidade evitável de meninas por causa. Região
Sul, 2.000................................................................................................................ 122
Gráfico 5.4.3.1-1. Mortalidade geral de moços por causa e cor. Região Sul, 2.000............ 138
Gráfico 5.4.3.1-2. Diferenças sexuais na mortalidade geral de moços por cor e causa. Região
Sul, 2.000................................................................................................................ 139
Gráfico 5.4.3.2-2. Diferenças sexuais na mortalidade evitável de moços por cor e causa.
Região Sul, 2.000.................................................................................................... 139
Gráfico 5.4.3.1-3. Diferenças raciais na mortalidade geral de moços por causa. Região Sul,
2.000 ....................................................................................................................... 140
Gráfico 5.4.3.2-3. Diferenças raciais na mortalidade evitável de moços por causa. Região
Sul, 2.000................................................................................................................ 140
Gráfico 5.4.3.4-1. Mortalidade evitável de moças por causa e cor. Região Sul, 2.000 ....... 146
Gráfico 5.4.3.3-2. Diferenças raciais na mortalidade geral por causas. Moças. Região Sul.
2.000. ...................................................................................................................... 147
Gráfico 5.4.3.4-2. Diferenças raciais na mortalidade evitável por causas. Moças. Região Sul,
2.000 ....................................................................................................................... 147
Gráfico 5.4.4.1-1. Mortalidade geral de homens por causa e cor. Região Sul, 2.000.......... 163
Gráfico 5.4.4.2-1. Mortalidade evitável de homens por causa e cor. Região Sul, 2.000 ..... 163
Gráfico 5.4.4.1-2. Diferenças sexuais na mortalidade geral de homens por cor e causa.
Região Sul, 2.000.................................................................................................... 164
Gráfico 5.4.4.2-2. Diferenças sexuais na mortalidade evitável de homens por cor e causa.
Região Sul, 2.000.................................................................................................... 164
Gráfico 5.4.4.1-3. Diferenças raciais na mortalidade geral de homens por causa. Região Sul,
2.000 ....................................................................................................................... 165
Gráfico 5.4.4.2-3. Diferenças raciais na mortalidade evitável de homens por causa. . Região
Sul, 2.000................................................................................................................ 165
Gráfico 5.4.4.3-1. Mortalidade geral de mulheres por causa e cor. Região Sul, 2.000........ 172
Gráfico 5.4.4.3-2. Diferenças raciais na mortalidade geral de mulheres por causa. Região
Sul, 2.000................................................................................................................ 173
Gráfico 5.4.4.4-2. Diferenças raciais na mortalidade evitável de mulheres por causa. Região
Sul, 2.000................................................................................................................ 173
12. ix
Lista de quadros
Quadro 4.1. Nomes e limites das faixas etárias. .................................................................... 32
Quadro 4.2. Cobertura dos registros de óbitos e classificação (CELADE) nos Estados da
Região Sul. 1998 ............................................................................................... 35
Quadro 5.2.1-1. Mortalidade geral e evitável de infantes (< 1 ano) por causa e sexo. Região
Sul, 2.000 .......................................................................................................... 51
Quadro 5.2.2.1. Mortalidade geral e evitável de crianças (1-9 anos) por causas e sexo. Região
Sul, 2.000 .......................................................................................................... 53
Quadro 5.2.3-1. Mortalidade geral e evitável de adolescentes (10-19 anos) por causa e sexo.
Região Sul, 2.000 .............................................................................................. 54
Quadro 5.2.4-1. Mortalidade geral e evitável de adultos (20-59 anos) por causa e sexo.
Região Sul. 2.000 .............................................................................................. 56
Quadro 5.2.5-1. Mortalidade geral e evitável de idosos (60 e + anos) por sexo e causa.
Região Sul, 2.000 .............................................................................................. 58
Quadro 5.3.1-2. Mortalidade geral e diferenças raciais por causas. Homens. Região Sul,
2.000.................................................................................................................. 66
Quadro 5.3.2-1. Mortalidade evitável, evitabilidade e diferenças raciais por causas. Homens.
Região Sul, 2.000 .............................................................................................. 68
Quadro 5.3.3-2. Mortalidade geral e diferenças raciais. Mulheres. Região Sul, 2.000 ......... 73
Quadro 5.3.4-1. Mortalidade evitável, evitabilidade e diferenças raciais por causas.
Mulheres. Região Sul, 2.000 ............................................................................. 75
Quadro 5.4.1.1-1. Mortalidade geral e diferenças sexuais e raciais por causas. Infantes.
Região Sul, 2.000 .............................................................................................. 79
Quadro 5.4.1.2-1. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais. Infantes. Região
Sul, 2.000 .......................................................................................................... 82
Quadro 5.4.1.3-1. Mortalidade geral e diferenças raciais na mortalidade por causas. Infantas.
Região Sul, 2.000 .............................................................................................. 87
Quadro 5.4.1.4-1. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais por causas.
Infantas. Região Sul, 2.000 ............................................................................... 89
Quadro 5.4.1.5.1. Principais causas de morte em infantes brancos (15). Região Sul, 2.000. 94
Quadro 5.4.1.5-2. Principais causas de morte de infantes pretos por sexo. Região Sul, 2.000
......................................................................................................................... 101
Quadro 5.4.1.5-3. Principais causas de mortes de infantes pardos. Região Sul, 2.000........ 102
Quadro 5.4.1.5-4. Principais causas de morte de infantes de cor ignorada, por sexo. Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 105
Quadro 5.4.2.1-1. Mortalidade geral, diferenças sexuais e raciais por causas. Meninos Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 109
Quadro 5.4.2.2-1. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais por causas.
Meninos. Região Sul, 2.000 ............................................................................ 111
Quadro 5.4.2.3-1. Mortalidade geral e diferenças sexuais e raciais por causas. Meninas.
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 113
Quadro 5.4.2.4. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais por causas. Meninas
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 118
Quadro 5.4.2.5-1. Principais causas de morte de crianças brancas. Região Sul, 2.000 ....... 123
Quadro 5.4.2.5-2. Principais causas de morte de crianças pretas. Região Sul, 2.000.......... 127
Quadro 5.4.2.5-3. Principais causas de morte em crianças pardas. Região Sul, 2.000........ 128
13. x
Quadro 5.4.2.5-4. Principais causas detalhadas de morte de crianças sem registro de cor..
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 129
Quadro 5.4.3.1-1. Mortalidade geral, diferenças sexuais e raciais por causas. Moços. Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 132
Quadro 5.4.3.2-1. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais por causas. Moços.
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 134
Quadro 5.4.3.3-1. Mortalidade geral, diferenças sexuais e raciais por causas. Moças. Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 141
Quadro 5.4.3.4. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais por causas. Moças.
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 143
Quadro 5.4.3.5.1-1. Principais causas detalhadas de morte de adolescentes brancos. Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 149
Quadro 5.4.3.5.2-1. Principais causas detalhadas de morte de adolescentes pretos. Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 151
Quadro 5.4.3.5.3-1. Principais causas detalhadas de morte de adolescentes pardos. Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 154
Quadro 5.4.4.5.4-1. Principais causas detalhadas de morte de adolescentes sem registro de
cor. Região Sul, 2.000 ..................................................................................... 155
Quadro 5.4.4.1-1. Mortalidade geral, diferenças sexuais e raciais por sexo causas. Homens.
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 157
Quadro 5.4.4.2-1. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais por causas.
Homens. Região Sul, 2.000............................................................................. 160
Quadro 5.4.4.4.3-1. Mortalidade geral, diferenças sexuais e raciais por causas. Mulheres.
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 166
Quadro 5.4.4.4-1. Evitabilidade, mortalidade evitável e diferenças raciais por causas.
Mulheres. Região Sul, 2.000 ........................................................................... 168
Quadro 5.4.4.5.1-1. Principais causas de morte de homens brancos. Região Sul, 2.000..... 174
Quadro 5.4.4.5.2-1. Principais causas detalhadas de morte por sexo. Adultos pretos. Região
Sul, 2.000 ........................................................................................................ 179
Quadro 5.4.4.5.3-1. Principais causas detalhadas de morte de adultos pardos. Região Sul,
2.000................................................................................................................ 183
Quadro 5.4.4.5.4-1. Principais causas detalhadas de mortes sem registro de cor. Adultos.
Região Sul, 2.000 ............................................................................................ 186
14. xi
Lista de abreviaturas
% V- proporção por capítulos
%E - proporção de evitabilidade
AI – Amarelos e indígenas
Cap. – Capítulo
CID-10 – Classificação Internacional de Doenças
E – evitável
H – Homens
Ign / Ignor. – Cor ignorada
M – Mulher
Pop – população
REB – risco relativo de mortalidade evitável em relação a brancos
REM – Risco relativo de mortalidade evitável em relação a mulheres
RM – risco de mortalidade em relação a mulheres
RRB – risco relativo de mortalidade em relação a brancos
TM – taxa de mortalidade
TME – taxa de mortalidade evitável
TMEH – taxa de mortalidade evitável de homens
TMEM – taxa de mortalidade evitável de mulheres
TMH – taxa de mortalidade de homens
TMM – taxa de mortalidade de mulheres
15. Índice
1 Apresentação ................................................................................................................ 1
2 Introdução..................................................................................................................... 3
2.1. A epidemiologia ....................................................................................................... 3
2.2. Condições de vida e saúde...................................................................................... 12
2.3. Condições de vida e saúde da população negra...................................................... 16
2.5. Mortalidade evitável ............................................................................................... 23
3 Objetivos .................................................................................................................... 29
3.1. Objetivo Geral ........................................................................................................ 29
3.2. Objetivos específicos.............................................................................................. 29
4 Materiais e métodos ................................................................................................... 31
5 Resultados e Comentários .......................................................................................... 41
5.1. Mortalidade geral e evitável por sexo..................................................................... 42
5.2. Mortalidade geral e evitável por idade.................................................................... 48
5.3. Mortalidade geral e evitável por cor, sexo e idade ................................................. 62
5.4. Causas de mortalidade geral e evitável por cor, idade e sexo................................. 78
5.4.1. Mortalidade geral e evitável de menores de 1 ano por cor e sexo ...................... 78
5.4.2. Mortalidade geral e evitável de crianças de 1 a 9 anos por cor e sexo .............. 107
5.4.2.1. Mortalidade geral de meninos por cor ............................................................ 108
5.4.2.3. Mortalidade geral de meninas ......................................................................... 113
5.4.2.4. Mortalidade evitável de meninas .................................................................... 118
5.4.2.5-1. Crianças brancas .......................................................................................... 120
5.4.2.5-2. Crianças pretas............................................................................................. 126
5.4.2.5-3. Crianças pardas............................................................................................ 127
5.4.2.5-4. Crianças sem registro de cor........................................................................ 128
5.4.3. Mortalidade geral e evitável de adolescentes por cor e sexo. ........................... 130
5.4.3.3. Mortalidade geral de moças por cor................................................................ 137
5.4.3.4. Mortalidade evitável de moças por cor........................................................... 142
5.4.3.5. Principais causas detalhadas de morte de adolescentes por cor...................... 148
5.4.3.5.1. Adolescentes brancos................................................................................... 148
5.4.3.5.2. Adolescentes pretos ..................................................................................... 150
5.4.3.5.3. Adolescentes pardos..................................................................................... 152
5.4.3.5.4. Mortes de adolescentes sem registro de cor................................................. 154
5.4.4. Mortalidade geral e evitável de adultos por cor................................................. 156
5.4.4.2. Mortalidade evitável de homens por cor......................................................... 159
5.4.4.5. Principais causas detalhadas de morte de adultos........................................... 171
5.4.4.5.1. Adultos brancos ........................................................................................... 171
5.4.4.5.2. Adultos pretos .............................................................................................. 178
6 Conclusões ............................................................................................................... 188
7 Bibliografia............................................................................................................... 193
16. 1
1 Apresentação
Embora as doenças sejam socialmente determinadas e o impacto dos serviços de
saúde no perfil de morbidade de populações seja limitado, eles tem impacto sobre a
mortalidade de doenças evitáveis por imunização e vulneráveis a tratamento oportuno e
adequado, sobre a idade de morte e sobre a qualidade de vida.
Atualmente não há porque morrer de hérnias ou úlceras pépticas, tratáveis por
abordagens clínicas e cirúrgicas. Diversas doenças crônicas como hipertensão ou
hipotireoidismo são controláveis por medicação e a maioria de seus portadores morrem
em idade provecta, com essas doenças e não delas.
O conjunto de doenças imunopreveníveis; curáveis; tratáveis nos estágios iniciais
ou controláveis é chamado de doenças evitáveis, teoricamente evitáveis para todos, isto é
com medicação adequada e perene a morte por epilepsia é igualmente evitável para
criança ou adulto, homem ou mulher; branco ou preto; pobre ou rico. A capacidade de
serviços de saúde evitarem doenças e mortes depende cruacialmente de sua distribuição e
qualidade e da acessibilidade a eles.
Serviços de saúde são bens sociais como educação, moradia, oportunidades de
trabalho, etc e sua distribuição e qualidade espontâneas segue a lei inversa das
necessidades, isto é, quem mais precisa tem menos e piores serviços e oportunidades.
17. 2
Considerando que no Brasil “Saúde é direito de todos e dever do Estado” garantida
na constituição, e que foi implantada o Sistema Único de Saúde no território nacional,
cujos princípios são a universalidade, eqüidade, integralidade e controle social, parece útil
buscar indícios de desigualdades remanescentes na saúde para municiar o SUS a buscar
formas de repará-las, proporcionando mais e melhores serviços a quem mais precisa.
O objetivo deste trabalho é explorar a utilidade da mortalidade evitável como
indicador sensível das disparidades de saúde de grupos demográficos e sociais.
Para tanto balizar-se-á inicialmente o marco conceitual que fundamenta a escolha
do objeto, as hipóteses subjacentes, a metodologia de pesquisa e análise. No capítulo
introdutório, a uma breve revisão da história e paradigmas da epidemiologia seguem-se
considerações sobre desigualdade na saúde em geral e em especial as desigualdades
regionais, etárias, de gênero e raça/etnia em saúde. Também será apresentada uma breve
revisão sobre a mortalidade evitável.
No capítulo da Metodologia será apresentado o desenho da pesquisa e algumas
considerações sobre a adscrição de cor e raça no Brasil. .
Os resultados serão apresentados através de tabela e gráficos e discutidos.
Nas conclusões serão apresentadas as limitações do trabalho e as recomendações
para pesquisas subseqüentes e propostas de intervenção visando aumentar a qualidade da
adscrição de cor nos certificados de óbito.
18. 3
2 Introdução
2.1. A epidemiologia
O objetivo desta digressão sobre Epidemiologia é relatar o percurso da construção
do referencial teórico que fundamenta o trabalho. As leituras foram abrangentes e, embora
tivesse sido um processo mais demorado, permitiu uma visão panorâmica e possibilitou
desenvolver um olhar, ao mesmo tempo mais aberto e mais crítico. O maior aprendizado
foi comprovar a não linearidade na apreensão e interpretação da realidade e construção do
conhecimento.
Fala-se de crise na saúde coletiva ao se constatar o insuficiente impacto das
reformas sanitárias na saúde de muitas populações. O paradoxo é atribuído, em parte, à
incapacidade explicativa de disciplinas que fundamentam as práticas de saúde, como a
epidemiologia, mercê de fundamentação epistemológica superficial e insuficiente
19. 4
(Almeida Filho et al, 1998). As incertezas na definição do objeto, ilustrado pelo leque de
adjetivos que tem recebido – epidemiologia clássica, clínica, social, molecular,
aprofundam a crise (Barreto, 1998; Almeida Filho, 1989; Buck et al, 1988; Terris, 1962).
Para compreender a crise recupero, resumidamente, a historia da epidemiologia e
da medicina, disciplina que a fundamenta.
A divisão social do trabalho medieval herdou da Antigüidade as esferas da vida
ativa e contemplativa,. A cada uma, um modo particular de vida. O trabalho de
reprodução da existência – atividade de escravos, artesãos, servos, comerciantes e
cirurgiões barbeiros inscreviam-se na primeira, correspondendo a necessidades materiais.
Os cidadãos, livres das necessidades materiais dedicavam-se à vida contemplativa –
filosofia, estética, política. Na medicina os físicos, oriundos das elites doutas, teorizavam
sobre doenças enquanto os cirurgiões barbeiros se atracavam com o corpo natural sob a
vigilância daqueles (Ayres, 1995).
O pensamento médico oscilava entre a concepção ontológica (moléstias como
seres malignos invasores a serem tratados pelo exorcismo; retirados com sangrias ou
sanguessugas) e a concepção dinâmica (doença como desequilíbrio da natureza e seu
esforço de se restabelecer cujo tratamento era reforçar o processo natural de cura, com
ação humana passiva e contemplativa).
A legitimação da interferência humana na natureza, antes prerrogativa divina,
estabelece as condições da ruptura epistemológica na medicina. Até então a doença diferia
da saúde em qualidade, agora, normal e patológico são quantidades diversas de vida
biológica, permitindo elaborar abstratos constantes, fundantes das leis gerais da ciência
médica (Canguilem, 1982).
20. 5
Toda abstração obedece um sentido cognitivo intencional que no caso consiste na
“... postulação da ilegitimidade das dimensões psicológicas e sociais enquanto
constitutivas do diagnóstico, sua redução à condição de contaminantes, no pior
dos casos, ou de condicionantes ou moduladoras, no melhor. O modo pelo qual
se abstrai do real para construir o conceito de Doença e, por extensão, para
elaborar cada diagnóstico tem portanto, a especificidade de fazê-lo reduzindo ao
biológico um fenômeno ... mais complexo. A essa opção ... aplica-se a noção de
biologicismo.” (Mendes Gonçalves, 2002)
O processo de abstração que reconstitui o homem que se sente doente é
“... caracterizado como obscurecedor das demais dimensões em que essa
realidade parcial – um homem doente – se dá.” (Mendes Gonçalves, 2002)
A medicina moderna emerge no século XVIII alimentada pelo empirismo, apogeu
da racionalidade tecnológica, lançando raízes profundas na prática e pesquisa médicas. Se
implanta como paradigma pelo aprendizado formal, condicionamento cultural, regras
institucionais, generalizando o empirismo dedutivista e técnicas quantitativas (Ayres,
1995).
Concomitantemente à medicina individual desenvolveu-se a medicina das
populações para Foucault (1981) com três vertentes, a medicina de Estado, a urbana e a da
força de trabalho.
A medicina de Estado, buscando melhorar a saúde da população, floresceu na
Alemanha no século XVIII com a Medizinichepolizei, noção criada por Rau,
caracterizando-se pela vigilância de epidemias e endemias a partir de dados de médicos e
hospitais; organização de um saber médico estatal; normatização e subordinação dos
médicos à administração central e criação da carreira hierarquizada de oficiais médicos
(Rosen, 1994).
21. 6
A medicina urbana francesa se calcava na quarentena. Na Idade Média ela exilava
os leprosos, limpando as urbes. No século XVIII incorporou a vigilância dos internos em
hospitais ou domicílios (peste). Isolavam-se e exilavam–se os acúmulos causadores de
doenças – lixos, esgotos, cemitérios, matadouros, removendo-os aos subúrbios.
Desobstruiu-se a circulação de ar e água, planejou-se a captação de água potável e
emissão de dejetos. (Foucault, 1981)
A terceira modalidade - a inglesa, foi a medicina dos pobres, da força de trabalho.
Para ser assistido pelo Poor Act o pobre sujeitar-se-ia a controles médicos. Nasce a idéia
de sanar os problemas de saúde dos pobres para proteger a saúde dos ricos de epidemias.
Essa legislação se consolidou após 1870 pela organização de serviços de controle médico
com vacinação compulsória; obrigatoriedade da auto-declaração de doenças, destruição de
focos de insalubridade. Esta modalidade vingou por permitir a coexistência de três
sistemas articulados – medicina estatal (pobres), pública (saúde populacional) e privada
(Foucault, 1981).
O paradigma empirista da medicina individual aplica-se também à epidemiologia.
Cabe identificar as limitações do paradigma individual, quando aplicado a fenômenos
coletivos.
A Epidemiologia clássica se auto define como estudo da distribuição e
determinação das doenças no homem (MacMahon & Pugh, 1970).
O estudo das associações entre variações na incidência de moléstias em indivíduos
e sua exposição a estímulos deriva da indução estatística. O mecanismo causal é
fisiopatológica e dedutivamente determinado. O que permite imputar causalidade à
associação estatística não é sua força estatística mas a legitimidade dos nexos causais
22. 7
entre as variáveis associadas, ou seja, é o conceito de doença que autoriza julgar quais as
associações causais, as moduladoras, as interferentes e as espúrias (Gonçalves, 2002).
Assim, a diferença metodológica entre Epidemiologia e Fisiopatologia é de nível,
não de paradigma. O estudo das causas advém de critérios que escolhem certas categorias
de fatos antecedentes e associados como mutáveis, em detrimento de outras. Os critérios
são políticos e alinhados ao projeto de reprodução social prevalente. O instrumental
teórico para contornar as dificuldades da causalidade é o conceito de risco, que possibilita
identificar grupos de risco e prescrever ações preventivas (Gonçalves, 2002).
Susser & Susser (1996) apontam correntes teóricas da Epidemiologia e
correspondentes métodos analíticos e estratégias preventivas e curativas - os paradigmas
do miasma, do germe, da caixa preta e das caixas chinesas.
A vertente “miasmática” (Villalba, 1802)1 coletava estatísticas sanitárias e
predominou entre os séculos 18 e 19. Atribuía as doenças a condições de vida (Villerme,
1840) e meio ambiente. Preconizava identificar os determinantes sociais, sobretudo os
associados à pobreza (Snow, 1864), nutrição (Casal, 1762) e trabalho (Farr, 1864).
Indicava a necessidade de políticas públicas (habitação, nutrição, trabalho) e ações
sanitárias para mudar condições de vida. A Epidemiologia Clássica se apropriou do que
na obra de Snow era exemplo de investigação empírica de associação causal, descarnando
–o do conjunto de análises do autor sobre os processos envolvidos na causação, dos
biológicos aos políticos, passando pelos sócio-economicos (Costa e Costa, 1990).
A “teoria do germe” fundamenta a maioria das pesquisas e ações em saúde do fim
1 Villalba descreve observações da Idade Média sobre epidemias de doença caracterizada por fadiga e febre
alta que ocorria em arrozais alagados da Espanha, posteriormente identificada como malária.
23. 8
do século 19 até hoje. A hipótese de que infecções eram causas importantes de doença só
foi comprovada por Pasteur, em 1865. Mesmo antes, estudos de Semmelweiss (1855),
sobre infecção puerperal e de Panum (1846) sobre sarampo, reforçavam a teoria
infecciosa. Começa a era das infecções causadas pelos “socialmente neutros” micróbios.
A promoção, prevenção, terapia e reabilitação dirigem-se ao agente, não às condições de
vida. Essa linha conduz à intervenções sociais circunscritas, mas logra grandes progressos
terapêuticos. A saúde pública atua no controle dos agentes e na redução da chance
individual de adoecer.
Em meados do século XX a atenção volta-se a doenças não transmissíveis. Na
ausência de bases etiofisiopatológicas para explicar o câncer e as cardiopatias isquêmicas
ou hipóteses causais que articulassem sua distribuição a desigualdades sociais, a
Epidemiologia explora relações entre as condições e fatores de risco por varredura de
associações (Goldberg, 1982) e análises estatísticas complexas, a caixa preta a que Susser
e Susser (1996) aludiam. Predomina a teoria da multicausalidade (Barata, 2.000) e o foco
da análise permanece individual. No plano da prática, paralelamente à cobertura
diagnóstica com baterias de exames e crescente gama terapêutica sofisticada e cara,
campanhas educativas exortam a hábitos individuais saudáveis e seguros. Mas o
paradigma não deslinda as causas sociais das doenças e as mudanças de comportamento
individual não são efetivas (Susser, 1995).
Avanços na biologia (engenharia genética), técnicas biomédicas (diagnóstico por
imagens) e sistemas de informação (internet) impõe reformulações nas disciplinas da
saúde. A mudança nos padrões de saúde e nas tecnologias requer novo paradigma com
sistemas causais em diferentes níveis - fatores de risco no plano individual; rotas causais
24. 9
no plano social e patogênese no molecular – o paradigma eco-epidemiológico (Susser &
Susser, 1998).
Esta periodização linear e evolucionista mostra a Epidemiologia clássica ancorada
na opção tecno-conservadora de busca de agentes infecciosos, fatores de risco e
características sócio-econômicas individuais (Ayres, 1993). Mas a produção científica é
bem mais diversa. Em plena era miasmática, Lind (1753), Casal (1762), Baker (1776)
descobrem os nexos causais do escorbuto, pelagra e saturnismo respectivamente enquanto
Snow aponta para o mecanismo de transmissão da cólera. Na era do germe, Takaki (1906)
estudou o beriberi; Bigelow e Lombard (1933) as doenças crônicas e Greenwood (1935) o
câncer.
Criticando a insuficiência do determinismo de Laplace e da linearidade de Newton
na Epidemiologia clássica, Fhilippe (1998) cita 4 tipos de modelagem:
♦ linear estocástica – regressão múltipla, em que todos os fatores têm efeitos diretos
e independentes no resultado. O todo é igual a soma das partes;
♦ equação estrutural (path analysis) – análise estocástica ampliada com efeitos
diretos e indiretos calculados por modelos complexos de superposição de
regressões lineares;
♦ dinâmica não determinista – selecionam-se interações com comportamento
dinâmico mais adequados;
♦ sistemas adaptativos complexos (fractal estocástica) – admite grande número de
graus de liberdade, como no risco para doenças cardíacas (mais de 200 fatores).
propondo a metáfora do “conjunto” de Cantor, representação geométrica de estrutura
25. 10
hierárquica auto-similar (labirinto cujas paredes se rearranjam a cada passo) para o último
modelo.
A Epidemiologia Social contrapõe concepções dialéticas e estruturalistas às
correntes positivista e fenomenológica. Propõe níveis hierárquicos de determinação e
métodos de estudo do processo saúde-doença segundo a causalidade socio-histórica de
cada grupo social. Seus fundamentos são engajados pretendendo-se instrumentos de
mudanças sociais (Breilh, 1987).
O desafio é compreender como o contexto socioeconômico molda padrões de
saúde e doença. No plano geral, a reprodução social das condições de vida se insere na
lógica de acumulação capitalista. Formas particulares de reprodução multidimensional
refletem as relações específicas entre grupos sociais no trabalho; o consumo individual e
coletivo (mediados pelo mercado e políticas redistributivas); a relação com o espaço, as
relações políticas, culturais e ideológicas e os processos biopsíquicos humanos (Laurell,
1982).
Castellanos (1997) defende o diagnóstico de saúde e formulação de políticas
públicas a partir da assunção da existência de desigualdades entre grupos sociais, com a
ecologia como principal método de estudo e intervenção. O diagnóstico deve focalizar
carências específicas dadas pelas condições de vida; problemas (expressão das carências)
hierarquizados e respostas sociais de solução. Saúde e doença não são manifestações
biológicas individuais de processos sociais mas “fenômenos que expressam a reprodução
social no plano individual e coletivo (biológico, econômico, social e formas de
consciência e conduta).”
Estas concepções ecoam na literatura internacional (Shy, 1997) e, apesar de
26. 11
diferenças teórico-metodológicas, comungam da idéia de determinação social da saúde e
da doença por componentes dos processos de produção e reprodução sociais, que gerando
desigualdades no trabalho, consumo e necessidades, moldam as disparidades nas
condições de vida, situações de saúde, perfis de doença, modos de recuperação e na
morte.
O conceito de vulnerabilidades de Mann, Tarantola e Netter (1993) no contexto na
epidemia da AIDS e adaptado no Brasil por Ayres et al (1999) é um exemplo de
operacionalização das concepções da Epidemiologia Crítica.
Outro exemplo é o de Williams (1997) sobre desigualdades étnicas em saúde,
modelo com diversos níveis de determinação e causalidade, do biológico molecular ao
psicológico, social, político e institucional perpassados pelo racismo e discriminação
racial.
Na década de 70, paralelamente à crítica da multicausalidade (Arouca, 1975;
Mendes Gonçalves, 1979) e a modelos de reforma da Saúde como Medicina Preventiva e
Comunitária; se consolidam no país o movimento de Saúde Coletiva e o interesse pela
determinação sócio-econômica das desigualdades em saúde
Uma das marcas da Saúde Coletiva é o rompimento da naturalização do social,
recolocando o biológico e o clínico nos lugares devidos, ademais da busca de uma nova
articulação entre objetividade e subjetividade na saúde. A valorização da vivência de
clientes e provedores possibilitam o diálogo com outros saberes e práticas abrindo novas
perspectivas de reflexão e ação. Saúde passa a ser concebida como expressão da interação
entre modo de vida -[condições e estilo de vida (Possas, 1989)], condições de trabalho e
meio ambiente - os determinantes do perfil epidemiológico de grupos e populações.
27. 12
Ações de saúde coletiva carecem da adesão e compromisso da sociedade para
produzir ambientes e populações saudáveis, expressando o embate entre liberdades
individuais e responsabilidades coletivas, interesses privados e públicos. Seu escopo
depende de negociações intersetoriais, do Estado com a sociedade e com instâncias
econômicas, políticas e ideológicas.
A Saúde Coletiva tem como alvos preferenciais de intervenção instâncias
“políticas (formas de distribuição do poder); práticas (mudanças de comportamento,
cultura, instituições, produção de conhecimento, práticas institucionais, profissionais e
relacionais); técnicas (organização e regulação dos recursos e processos produtivos;
corpo/ambiente); e instrumentais (meios de produção da intervenção)” (Paim & Almeida
Fo , 1998).
É neste campo de conhecimento e vinculado à ação política emancipatória e
solidária que o presente estudo foi elaborado, desdobramento e aprofundamento de
trabalho coletivo anterior (Lopes et al, 2003) como explicitado adiante.
2.2. Condições de vida e saúde
A revolução industrial, iniciada na Inglaterra na segunda metade do século XVIII,
propagou-se pelos demais países europeus e teve grande impacto sobre as condições de
vida e saúde devido à rápida urbanização e pauperização dos trabalhadores oriundos do
campo. Além de visitas a bairros operários de Manchester, Glasgow e Londres, Engels se
baseou em publicações (Crocker, 1808; Kay, 1832; Alison, 1840; Chadwick 1842) e
relatórios oficiais para escrever, em 1845, A Situação da Classe Trabalhadora na
28. 13
Inglaterra, uma das primeiras contribuições de cientistas sociais para a Saúde Coletiva
(Engels, 1988).
Entre 1830 e 1850, a França foi assolada pela cólera (Ackernecht, 1948), que
agravou as más condições de vida e trabalho dos operários têxteis franceses (Villermé,
1840) enquanto na Alemanha, Virchow e Neumann estabeleciam as bases da medicina
social (Rosen, 1994).
As precárias condições de vida, trabalho e saúde deflagraram movimentos
populares como a Comuna de Paris, e agilizaram a implantação de políticas públicas de
saneamento, regulação do trabalho e redução do preço de alimentos (Engels, 1976).
Com o advento da era do germe, as condições de vida foram relegadas a
componente do meio ambiente, externas ao processo saúde/doença. (Castellanos, 1997)
Mas a crise do capitalismo, cujo apogeu ocorreu entre as duas grandes guerras mundiais
do século XX, obrigou sua volta à cena. Condições precárias de vida são
responsabilizadas pela maior incidência de infecções e doenças não transmissíveis nas
populações carentes. (Bigelow & Lombard, 1933)
Na Grã-Bretanha, Greenwood (1935) introduziu a noção de classe social como
variável de análise da mortalidade mostrando que ela era maior nas classes de menor
renda na maioria das causas. Sua metodologia, incorporada ao sistema oficial de
estatísticas vitais, iniciou tradição da apresentar os dados desagregados por classe social,
fundamentando as propostas de reforma sanitária no pós-guerra e implantação do Welfare
State.
Apesar da criação do Serviço Nacional de Saúde em 1946, as iniquidades de saúde
por classes sociais persistiam na Grã-Bretanha na década de 70. McKeown & Lowe
29. 14
(1974) mostram que a morbimortalidade vinha caindo na Inglaterra desde o fim do século
XIX mercê de melhorias nas habitações e nutrição da população2 e que os serviços de
saúde causaram pouco impacto sobre o perfil de saúde.
Nos Estados Unidos, desde 1915, a mortalidade materna e infantil são listados para
brancos e não brancos, a raça indicando estrato social. (USDHEW, 1963)
Nos anos 70 realizaram-se entre nós estudos sobre o agravamento da situação de
saúde decorrente do modelo de desenvolvimento adotado (Leser, 1972; Goldbaum, 1976;
Monteiro, et al, 1980). Vários autores operacionalizaram o conceito marxista de classe
social como atributo indivídual para captar desigualdades em saúde (Bronfman 1988;
Lombardi 1988; Victora et al 1990; Volochko, 1991).
Dada a dificuldade conceitual e metodológica de operacionalizar classes sociais,
Possas (1989) propõe modelo de determinação do perfil epidemiológico da população
pelas categorias condições de trabalho e de vida, como mediadoras da classe social.
Atribui-se ao trabalho a estruturação do modo de vida, passível de decomposição, para
fins analíticos, em condições de vida (garantidos pelo salário) e estilo de vida (conjunto de
hábitos e comportamentos).
Estudos da situação de saúde e condições de vida destacam 4 dimensões da
reprodução social: 1ª- das relações econômicas de produção, distribuição e consumo; 2ª -
das formas de consciência e comportamento, dadas pela cultura; 3ª - das relações
ecológicas, interação de pessoas e grupos com o meio ambiente no lar e trabalho e 4ª - a
biológica, da suscetibilidade e resistência imunológica e herança genética.
2 Em 1981 a desigualdade na saúde permanecia no Reino Unido (Townsend& Davidson, 1981) e também no norte da
Inglaterra em 1991(Phillimore & Morris1991) e em Londres em 2.000.(Atkinson, 2002).
30. 15
Outro modo de evidenciar desigualdades no perfil de morbimortalidade deriva da
construção de indices, compostos por vários indicadores sócio-econômicos. (Castellanos,
1997) Condições de vida derivam de condições materiais e dependem do tipo de inserção
na cadeia produtiva, expressando o pertencimento de classe.
O conceito de território e espaço, enquanto resultado da ação da sociedade sobre o
meio natural (Silva, 2.000) aparece como outra possibilidade de apreender as necessidades
e desigualdades sociais em saúde. Fundamenta-se na concepção de que o padrão espacial
da cidade (ou município) é definido pelas relações sociais, dadas pelo modo de produção,
e concretizados nos processos de urbanização, industrialização, expansão de fronteiras
agrícolas e migrações (Santos, 1991)
Dessa forma
“Reconhecendo-se as condições de vida como específicas de cada classe ou
fração de classe social, seja em função dos rendimentos auferidos que permitam
a identificação de estratos, seja considerando o acesso a bens de consumo
coletivo propiciado pelas políticas públicas formuladas pelo Estado, poder-se-ia
considerá-las como mediadoras dos determinantes estruturais no marco
conceitual explicitado a partir do modelo de Possas. Do mesmo modo,
considerando-se os grupos humanos dispostos em diferentes espaços da cidade,
a operacionalização desse conceito através das variáveis e de indicadores
selecionados permitiria uma aproximação da realidade sem contudo minimizar
sua complexidade...” (Paim, 1997)
No estudo da situação de saúde em Salvador, os autores usaram 3 métodos de
estratificação das condições de vida: - capital econômico e cultural, de Bourdieu; -
Índice de Condições de Sobrevivência adaptado e - escores de mescla indicadores de
condições de vida –Índice de Condições de Vida. (Silva et al, 1999)
A produção conceitual e empírica sobre a determinacão da situação de saúde pelas
condições de vida é bastante ampla e rica, com contribuições importantes como de
31. 16
Castellanos na reflexão conceitual e metodológica (brechas redutíveis de mortalidade);
Akerman na solução das necessidades (apontando a intersetorialidade para apreender e
resolver problemas de saúde no marco de Cidades Saudáveis); Campaña que aborda o
tema a partir da qualidade de vida e desenvolvimento humano e introduz a reflexão sobre
bem estar psíquico; e muitos outros mais, mas para os objetivos deste trabalho - avaliar a
utilidade do indicador mortalidade evitável para medir desigualdades de saúde entre
grupos sociais, basta esta sucinta apresentação.
2.3. Condições de vida e saúde da população negra
Em biologia não há raças humanas, isto é, geneticamente é impossível definir
raças que correspondam às delimitadas pela noção nativa. Raças baseadas em traços
fisionômicas, fenótipos ou genótipos não têm base científica (Appiah, 1997).
O mercantilismo capitalista homogeneizou a diversidade sócio-cultural das etnias
africanas no conceito de raça negra, abstração baseada em características fenotípicas
consideradas válidas para classificar e subordinar seres humanos. A representação de raça
negra é ideologicamente comprometida, apresentando o africano como inferior, atrasado,
selvagem e ímpio, justificando, religiosa e moralmente, o imperialismo do branco europeu
(Barbosa, 1998).
No Brasil, raça é um conceito nativo (categoria com sentido prático em contexto
histórico específico) denotando uma categoria de posição social. O país foi construído
pelo trabalho escravo de povos de Moçambique, Congo, Zaire, Angola, Nigéria, Niger e
Golfo de Benin, os africanos ou negros, que ocupavam na sociedade o lugar de escravos.
32. 17
Raça designava a posição deste grupo nas relações de trabalho, apontando, desde o início,
a estreita relação entre raça e a mais baixa das posições sociais.
O anti-racialismo é uma das ideologias fundantes da nação brasileira, criada na
década de 20 e 30 e veiculada por Freyre e intelectuais da Semana de Arte Moderna– a
sociedade brasileira como sociedade multirracial de classes (Freyre, 1933). Para Pierson
(1971), que estudou relações raciais na Bahia, o preconceito, como reação emocional de
um grupo racial (branco) que se sente ameaçado por outro (negro) ao competir por
recursos em uma ordem democrática, não existe. Bastide e Fernandes (1995) rompem
com essa concepção, concordando com o movimento negro que, desde 1930, denuncia o
preconceito racial. A democracia social como discurso simbólico de dominação, não
expressa o ideal e menos ainda o real, e o reverso da medalha é o preconceito racial e a
discriminação sistemática dos negros.
Em algum momento histórico substituiu-se a raça pela cor (Guimarães, 1999) e “a
classificação por cor é orientada pela idéia de raça, ou seja, a classificação por cor é
orientada por discurso sobre qualidades, atitudes e essências transmitidas pelo sangue,
remontando a origem ancestral comum numa das ‘subespécies humanas’” (Guimarães,
2003). Mudou-se o rótulo mas a essência discriminatória permaneceu.
Estudos recentes de relações raciais na região Sudeste deslocam o foco da análise
para práticas racistas e discriminatórias atuais que reproduzem e perpetuam desigualdades
históricas, como mostram as análises de dados do IBGE de Hasenbalg (1979) e Silva
(1980). As desigualdades econômicas e sociais entre brancos e negros (pretos e pardos)
não são explicadas pela herança escravagista ou pertencimento a classes sociais diversas,
mas pelas diferenças de oportunidades e formas peculiares de tratamento.
33. 18
Apesar de ingresso mais precoce no mercado de trabalho, negros tem mais
dificuldade em superar a pobreza pelo trabalho, lhes sendo destinados principalmente
trabalhos marginais, temporários e precários e postos menos qualificados com pior
remuneração (Chaia, 1988). Mesmo em ocupações iguais, negros chegam a receber menos
da metade de brancos. O desemprego, aberto e encoberto, é maior entre eles (Barros et al.,
1990).
O preconceito3 e a discriminação4 racial se referem à competição por posições na
estrutura social e se refletem na mobilidade social. A população negra vem sofrendo de
um “processo de acumulação de desvantagens” em sua trajetória social, com menor
mobilidade ascendente e maior dificuldade das famílias negras de classe média
transmitirem as posições sociais conquistadas a seus descendentes.
“Além dos indivíduos herdarem uma situação sócio-econômica, existe ainda uma
herança de raça que faz com que os indivíduos de cor se encontrem em desvantagem
competitiva em relação aos brancos na disputa por posições na estrutura social”. (Chaia,
1988)
Em resumo, o mercado de trabalho é negativamente seletivo para o negro, que vive
em pobreza maior, apropriando-se de parte menor do que é produzido pela sociedade.
Para Barbosa (1999) o racismo é parte estrutural do processo de produção e reprodução do
capital.
Revisões da literatura de Hasenbalg (1979) e Silva (1980) sobre acesso a educação
formal verificaram fenômeno semelhante ao do trabalho. A proporção de negros sem
3 Preconceito – atitude, sentimento ou parecer insensato de natureza hostil, conseqüência de generalização
apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, intolerância
34. 19
acesso ao ensino formal é 3 vezes maior que de brancos; o ingresso é mais tardio; obtém
escolaridade menor que brancos de mesma situação social e sua inserção ocupacional e
renda é menor que de brancos de mesma escolaridade.
A formação capitalista brasileira implicou na produção e reprodução de complexa
rede de inclusões e exclusões sociais. A industrialização e modernização criaram e
recriaram critérios particulares e temporais de seleção social geradora de desigualdades. A
revolução burguesa transformou grupos populacionais tidos como inferiores – negros,
índios e imigrantes em trabalhadores, mas não em cidadãos. As desigualdades foram
incorporando diversidades raciais e de classe, amalgamando uma dupla contradição e
discriminação de classe e raça (Ianni, 1991). Seus efeitos evidenciam-se pela menor
apropriação econômica de bens, serviços e direitos sócio-políticos comparada a brancos,
produzindo desvantagens intergeracionais cumulativas e maior vulnerabilidade aos fatores
de risco de doenças (Cunha, 2001).
Paixão (2000) e Sant’Anna (2001) fornecem as provas empíricas destas conclusões
mostrando as desigualdades étnico/raciais em indicadores sintéticos de condições de vida
como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Esperança de Vida. A posição do
Brasil no ranking mundial de IDH seria 48º, usando o IDH da população branca mas
saltaria à 91º posição usando o IDH da população negra. Paralelamente, a esperança de
vida de homens negros é 7 anos (62 vs 69) e a de mulher negra 5 anos (66 vs 71) menor
que de brancos. Assim, as condições materiais de vida particulares dos negros,
determinadas por sua inserção no processo produtivo e distributivo da mais valia moldam,
articuladas a determinações biológicas, ambientais e culturais, sua vida e morte.
4 Discriminação – tratamento pior ou injusto dado a alguém por causa de características pessoais.
35. 20
2.4. Saúde e grupos étnicos
No Brasil são poucas as pesquisas sobre saúde e raça/etnia porque o quesito cor,
como indicador de raça/etnia, está ausente da maioria dos documentos e dados de saúde,
impossibilitando seu uso enquanto variável e categoria de análise.
Embora a Lei 6015 de 31/ 12/1973 determinasse que o assento de óbito e
nascimento devesse conter informações sobre cor, seu registro nem sempre ocorria. O
Ministério da Saúde tornou obrigatório o quesito cor nas declarações de óbito a partir de
1996 mas há ainda proporção importante de subregistro, em especial no Norte e Nordeste.
Nenhum dos demais registros do SUS: morbidade hospitalar, ambulatorial, doenças de
notificação compulsória publica cor, embora seja coletada.
Outro fato relevante é que raça/cor na declaração de óbito não é auto-referida
como nos censos e pesquisas por amostragem de domicílio. Proporção desconhecida de
pardos e pretos não se auto-denominam como tal, embora sejam reconhecidos e
discriminados pelos demais grupos. A duplicidade de fontes de adscrição da cor produz
distorções desconhecidas nas taxas de mortalidade.
Estudos de mortalidade de negros mostram maior vulnerabilidade a causas
cardiovasculares, externas (Barbosa, 1998; Batista 2002); mortes infantis (Cunha, 2001) e
maternas (Martins e Tanaka, 2000) e por aids em mulheres (Lopes, 2003).
Cunha (1994, 1997, 2001) mostra, a partir de estimativas demográficas, que a
mortalidade infantil no Brasil é maior em filhos de mães negras e embora decrescente, se
reduz menos que em brancos, com aumento da diferença inter racial. A autora também
36. 21
aponta grande subregistro de cor de infantes tanto em registros de óbitos quanto de
nascimentos.
Bento (1996) busca o nexo causal entre leucopenias de trabalhadores, em especial
negros, e insalubridade no trabalho por exposição a benzeno. Nas ações trabalhistas essas
leucopenias têm sido, em geral, atribuídas a fatores genéticos.
Barbosa (1998, 2001) calculou os anos potenciais de vida perdidos mostrando que
a mortalidade negra, masculina e feminina, é mais precoce que a branca. A mulher branca
tem menos anos de vida potenciais perdidos, seguida pelo homem branco e mulher negra.
O homem negro é o que mais cedo morre.
O mesmo gradiente de mortalidade por sexo e cor foi encontrado por Batista
(2002) no Estado de São Paulo, que aponta maior mortalidade de pretos para tuberculose,
alcoolismo, hipertensão, doença cerebro-vascular, diabetes, mal-definidas e causas
externas. A mortalidade dos brancos é maior apenas para câncer.
Martins (2001) mostra que o risco de morte materna para mulheres pretas no
Paraná em 1993 foi 7,4 vezes maior que o das mulheres brancas.
Os estudos são, contudo, poucos e esparsos, apontando a necessidade de pesquisas
mais globais. Faltam estudos comparativos mais aprofundados sobre causas de morte em
diferentes regiões, por raça/cor e sexo e investigações sobre barreiras diferenciais de
acesso e acessibilidade a serviços de saúde, entre outros.
Nos Estados Unidos a desagregação de dados de mortalidade por raça/etnia é uma
prática bem consolidada e neste país também abundam estudos sobre acesso,
acessibilidade e qualidade diferencial de tratamento por raça/cor-etnia.
Breve seleção de estudos estadunidenses mostra diferenças na mortalidade,
37. 22
prevalência e/ou incidência de doenças por raça como maior severidade da esclerose
sistêmica hospitalar entre não brancos, mostrando barreiras no acesso de casos de
gravidade moderada dre negros (Nietert et al, 2001).
Houve aumento geral da mortalidade por câncer de pulmão; redução da por câncer
coloretal em brancos e aumento entre negros; pequeno aumento na incidência de câncer
prostático em brancos e aumento dramático em negros. Câncer de mama se estabilizou em
mulheres brancas mas cresceu muito entre negras; uterino se reduziu mas o de ovário
aumentou nas duas etnias. (Piffath et. al. 2001)
Quenan & Remington (2000) mostraram que a diferença de mortalidade por
diabetes aumentou na última década, em especial em mulheres negras e Howard et al
(2000) examinaram diferenças raciais na mortalidade por diabetes atribuíveis à situação
sócio-econômica.
A mortalidade materna de negras é 3 a 4 vezes maior que de brancas desde 1940
(Chang et al. 2003), o risco de morte por hemorragia cerebral foi 4 vezes maior em negros
de 45-59 anos que em brancos no Texas. (Morgenster e Spears, 1997).
Outra linha estuda a diferença de qualidade de tratamento nas mesmas doenças a
pacientes de diversas etnias, apontando que, para além das diferenças de acesso a
acessibilidade a serviços de qualidade também difere.
Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva terapia menos enérgica é mais
comum em negros que brancos. Taxas de uso de procedimentos diagnósticos e
terapêuticos mais sensíveis e caros são menores em negros e mulheres com piores
desfechos (Philbin e DiSalvo, 1998; Ayanian et al, 1993; Schulman et al, 1999).
Pacientes negros com insuficiência renal crônica por doença falciforme tem menor
38. 23
chance de entrar na lista de espera ou receber transplante renal embora seu excesso de
mortalidade desapareça ao se controlar pelas baixas taxas de transplante renal. (Abbott et
al, 2002)
Assim, serviços de saúde, intencionalmente ou não, contribuem para reproduzir a
desigualdade racial na saúde. Evidências empíricas mostram que ela não se associa à
situação sócio-econômica do negro sugerindo a existência de racismo institucional,
resultado do conjunto de políticas e normas de procedimentos e do comportamento dos
membros das instituições (van Ryn e Fu, 2003).
A terceira vertente busca formular marcos conceituais das relações entre saúde e
raça/cor. Williams (1997), afinado com os conceitos da epidemiologia crítica, constrói um
modelo de rede de determinações multicausais hierarquizadas, desde determinantes
fundantes (estrutura econômica, política e jurídica, condições históricas e instituições
sócio-culturais que modelam a expressão do racismo); contexto social (situação sócio-econômica,
raça, gênero, idade, situação marital); causas mediatas (práticas de saúde,
estresse, recursos psicosociais e assistência médica); processos biológicos adaptativos
(sistema nervoso, endócrino, metabólico, imunológico, cardiovascular) e perfil de saúde
(morbi- mortalidade, incapacidade, saúde mental). A partir deste modelo diversos autores
exploram questões particulares como articulações entre discriminação e nível sócio-econômico
(Ren et al, 1999); comportamento de provedores de serviços sociais e de saúde
e sua relação com racismo institucional (van Ryn e Fu, 2003), etc.
2.5. Mortalidade evitável
A morte é inexorável mas as ciências da saúde têm por objetivo adiá-la e melhorar
39. 24
a qualidade de vida pela promoção da saúde (políticas públicas intersetoriais de melhoria
de condições de vida e trabalho); prevenção primária (imunização e ações educativas);
ações de recuperação (detecção precoce e tratamentoadequado e oportuno pelos serviços
de saúde) e reabilitação (fisioterapia) da saúde. As doenças cuja incidência, prevalência e
gravidade são vulneráveis a uma ou ao conjunto de ações descrito são chamadas de
doenças evitáveis. Seu elenco se amplia à medida que o conhecimento e tecnologia
médicas estabelecem os determinantes, fisiopatologia e arsenais diagnósticos, terapêuticos
e reabilitativos de condições até então refratárias aos cuidados.
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida é um exemplo. No fim dos anos 70,
dela nada se sabia. Suas características sugeriam natureza infecciosa, estudavam -se
modos de contágio. Definido o modo de transmissão, a infecção passa a ser evitável por
medidas de controle do sangue transfusional e comportamentos sexual e social seguros. A
descoberta do agente etiológico permite fabricar medicamentos crescentemente efetivos
no controle da infecção, enquanto se buscam terapêuticas curativas e imunizadoras. Os
antiretrovirais ao diminuir a carga viral prolongam a vida e reduzem a transmissão vertical
e sexual. O acesso universal à terapia e a adesão a comportamentos seguros tem tido
grande impacto no controle da aids no Brasil. A produção da vacina é questão de tempo e
pode-se predizer que em algumas décadas será possível controlar, senão erradicar o vírus
e a doença. Para o bem da humanidade, a aids foi identificada inicialmente em grupo
social muito competente política, economica e socialmente, que foi capaz de desencadear
políticas públicas e articular a destinação de recursos para pesquisas nos mais em diversos
campos das ciências biológicas e humanas para a cura da doença.
Em 1976, Rutstein e colaboradores publicaram o relatório do grupo de trabalho
40. 25
sobre Doenças Evitáveis e Tratáveis, criando conceitos como “eventos sentinela, doenças
e mortes prematuras e desnecessárias” e instando para que se considerassem como
determinantes de doenças não apenas as causas imediatas, mas também as mediatas,
mesmo que as intervenções estivessem fora da alçada do setor saúde. “Se houver
evidências claras que fatores sociais, econômicos, ambientais, genéticos ou de estilo de
vida são responsáveis por doenças, incapacidades ou mortes desnecessárias ou precoces,
eles devem ser identificados e eliminados.”
Para os autores um caso desnecessário de difteria, sarampo ou poliomielite pode
dever-se ao legislativo por não aprovar os recursos necessários; aos serviço de
imunizações que não implementam adequadamente o programa; à oposição de entidades
médica à atuação de centros públicos de saúde; a médicos que não vacinam seus clientes;
a proibições religiosas; a dificuldade ou descaso da mãe em levar seu filho pra vacinar.
Ademais, invalidez permanente por doenças como acidente vascular cerebral, hanseníase
ou artrite reumatóide pode decorrer de instruções, demonstrações e encorajamentos
insuficientes de exercícios, ausência de fisioterapeutas ou não cooperação do paciente. Por
último, morte por câncer de pulmão pode resultar da incapacidade ou não desejo de parar
de fumar; propaganda da indústria de cigarros; ausência de programa efetivo de educação
nas escolas e na comunidade, ausência de legislação anti-fumo, etc.
Embora não o único responsável por erros de omissão ou comissão que resultem
em eventos sentinela, o médico tem, sempre, responsabilidade inicial ou subseqüente,
sendo o ator competente a aconselhar profissionalmente políticos, gestores, indústria,
público e pacientes. O fato de seus conselhos não serem acolhidos não o exime da
responsabilidade de informar publicamente sobre fatos científicos relevantes para a
41. 26
melhoria da saúde.
O grupo elaborou listas de eventos sentinela de uso local, regional e/ou nacional.
A seleção das condições partiu do pressuposto de que se tudo tivesse corrido bem, a
doença teria sido evitada ou tratada sem deixar seqüelas nem causar morte. A cadeia de
responsabilidades pela prevenção de doenças e incapacidades desnecessárias e mortes
prematuras pode ser longa e complexa, mas factível.
O rol elaborada pelo grupo de Rutstein constava de 3 listas com cerca de 130
condições, algumas das quais correspondiam a grupos ou capítulos como mortalidade
materna ou infantil. (Rutstein, 1976)
A mortalidade evitável gerou interesse inspirando estudos internacionais (Charlton
e Velez, 1986; Poikolainem e Eskola, 1988; Kunst et al, 1988); nacionais na Inglaterra
(Charlton et al, 1983; Charlton et al, 1984; Bauer e Charlton, 1986, Carr-Hill et al, 1987),
Holanda (Mackenbach e al, 1988a e b), Bélgica (Humblet et al, 1987), Espanha (Sanchez
et al, 1993), Finlândia (Poikolainen e Eskola, 1986), Suécia (Westerling, 1992), Canadá
(Pampalon, 1993), Nova Zelândia (Malcolm e Salmond, 1993) entre outros, e uma Ação
Conjunta da Comunidade européia (Holland, 1986).
A lista original de condições evitáveis foi reduzida, foram exvluídos o câncer de
pulmão e cirrose hepática mas foram incluídos acidentes de trânsito; e as condições
sensíveis a tratamento - câncer do colo e corpo uterino; Hodgkin; diabetes; doença
reumática cardíaca crônica; hipertensão e doença cerebrovascular; doenças respiratórias
agudas e crônicas, pneumonias; apendicite; hérnias; colecistite e colelitíase; mortalidade
materna e perinatal, usadas no Atlas de Mortalidade Evitável na Comunidade Européia
(Holland, 1988).
42. 27
A aprovação da entrada de novos países na Comunidade Européia depende do
cumprimento de extensa lista de requisitos. No setor saúde a mortalidade evitável tem
sido usada como indicador da efetividade de serviços de saúde com a conseqüente
produção de diversos estudos comparativos com os países do leste europeu ou de ex
repúblicas socialistas (Boys et al 1991; Gaizauskienë e Gurevins 1995; Ginter, 2.000;
Andreew et al, 2.003; Logminiene, 2004).
Alguns autores associam variações regionais e internacionais à diferenças na
incidência ou prevalência de doenças (Treurniet et al, 1999) mais que à de recursos de
saúde (Charlton et al 1983; Bojan et al 1991; Suarez-Varela et al 1996); outros à fatores
socioeconômicos (desemprego e renda) (Carr-Hill et al 1987; Westerling et all, 1996) e
outros ainda a classes sociais e acessibilidade e utilização diferenciada de serviços de
saúde, introduzindo o conceito de cultura sanitária (Mackenbach et al, 1990a;
Mackenbach et al, 1990b; Marshall et al, 1993). Além de estudos abordando diferenças na
mortalidade por gênero e idade (Westerling, 2003) há os que analisam as diferenças por
raça e etnia, nos Estados Unidos (Woolhandler et al 1985); na Nova Zelândia (Tobias &
Jackson, 2001) e em Singapura (Niti e Ng, 2001).
Estudos de tendência mostram que mortes evitáveis diminuíram mais que as
demais na Inglaterra, Estados Unidos, França, Japão, Itália e Suécia, redução atribuída a
melhoria do acesso e qualidade dos serviços médicos (Charlton & Velez, 1986).
Investigou-se também o impacto de sua redução sobre a esperança de vida (Sanchez et al,
1993) tendo Benavides et al, 1992 mostrado que em Valencia (Espanha) 62,6% do
aumento de esperança de vida decorreu de doenças vulneráveis à prevenção e 21,3% por
43. 28
doenças tratáveis .
Pesquisa sueca retomou a lista de Rutstein ( ver Anexo 1) e concluiu que, de 1974
a 1985, 18% das mortes masculinas e 22% das femininas foram evitáveis, 47% em
homens e 50% em mulheres por neoplasias e 17 e 15% por doenças respiratórias. O autor
defende que a listagem de Rutstein não é definitiva e sugere a inclusão de novas
condições como acidentes de trânsito e suicídios por considerar que há acúmulo de
conhecimento sobre sua prevenção e manejo. (Westerling, 1992)
Atualmente embora só causas mais freqüentes da lista original sejam usadas, ela
foi expandida em relação a do Atlas Europeu incluindo infecções; câncer de mama,
testículo; cólon e reto; doenças da tireóide, nefrites e nefroses, hiperplasia prostática
benigna, anomalias cardíacas congênitas e doenças cardíacas isquêmicas. O limite etário
de algumas condições foi aumentado - diabetes até 49 anos; leucemias e câncer de corpo
de útero até 44 anos; infecções intestinais, coqueluche, sarampo e todas as doenças
respiratórias até 14 anos e as demais até 74 anos em vez de 69. Outro grande avanço foi
considerar que pelo menos metade das mortes por doença cardíaca isquêmica até 74 anos
são evitáveis (Nolte & McKee, 2003).
A listagem original além de datada não considera muitas endemias de países em
desenvolvimento, descompassos já antecipados pelos autores ao assumir que, para
alcançar o objetivo de manter a saúde e prevenir, tratar e recuperar doenças, os cuidados
médicos requerem atualização contínua de prioridades e avaliação do impacto das ações
dada a mutabilidade social e o avanço tecnológico.
44. 29
3 Objetivos
3.1. Objetivo Geral
Explorar a utilidade da mortalidade evitável como indicador de desigualdades no
perfil de mortalidade de populações de homens e mulheres brancos, pretos e pardos em
faixas etárias selecionadas de 0 a 59 anos na Região Sul do país em 2.000.
3.2. Objetivos específicos
1- Mensurar a mortalidade geral e evitável de infantes, crianças, adolescentes, adultos e
idosos na Região Sul do Brasil em 2.000.
2- Identificar diferenças raciais na mortalidade geral e evitável de infantes, crianças,
adolescentes e adultos por sexo e cor na Região Sul do Brasil em 2.000.
3- Apresentar e discutir brevemente as principais causas gerais e evitáveis evitáveis de
morte em infantes, crianças, adolescentes e adultos por sexo e cor.
46. 31
4 Materiais e métodos
Este trabalho aprofunda a pesquisa Mortalidade da população negra no Brasil do
projeto Situação de Saúde da População Negra Brasileira e Recomendações para Políticas,
Ações e Programas, Convênio: UNESCO/914BRA3002/04.
Usou-se o banco de dados Sistema de Informação de Mortalidade (SIM -
DATASUS-MS) para 2000 em Tabwin do Ministério da Saúde. As causas de morte, por
três dígitos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde, Décima Revisão, CID-10 (OPS, OMS et al, 2003) por grupos
quinqüenais de idade, sexo e cor foram analisados a partir de tabulações especiais da
Fundação Seade. A autora selecionou e agregou as faixas etárias, selecionou as causas de
morte evitáveis, confeccionou todas as tabelas, cálculos das proporções e taxas de
mortalidade por sexo, cor e causas específicas e todos os gráficos .
Estudou-se a mortalidade total (0 na 80+) por faixas etárias; por sexo e por cor
47. 32
para a região Sul do país, considera a de melhores condições de vida.. A desagregação por
causa detalhada, cor, sexo e idade foi estudada para infantes, crianças, adolescentes e
adultos.
As faixas etárias e suas denominações são mostradas no Quadro 1. As
denominações visam apenas nomear as faixas etárias sem se pretender categorias.
Quadro 4.1. Nomes e limites das faixas etárias.
Denominação Limites em anos
Infante <1
Crianças 1-9
Adolescentes 10-19
Adultos 20-59
Idosos 60 +
A desagregação das mortes por faixas etárias possibilita estudo mais detalhado das
causas de morte gerais e evitáveis e permite identificar grupos etários e causas prioritários
para intervenção. Ademais permitir a comparação direta das taxas de mortalidade dos
grupos de raça/cor e sexo, tornando a padronização etária da população menos necessária,
em especial nas faixas estreitas.
A análise da mortalidade por sexo visa diferenças de gênero, categoria socialmente
construída e que, têm natureza eminentemente relacional.
Infelizmente, não serão estudadas as diferenças de mortalidade por estrato social
pois os dados de mortalidade não estão disponíveis desagregados por indicadores de
estratificação sócio-econômica (ocupação, escolaridade e renda).
Neste trabalho será usada a cor como definida pela Fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (FIBGE) - pretos, pardos, brancos, amarelos, indígenas e cor
ignorada que constarão das tabelas, quadros e gráficos. O foco principal do trabalho são
48. 33
os grupos branco, preto e pardo. Devido ao pequeno contingente populacional e de óbitos,
indígenas e amarelos foram computados em conjunto. Em estudos de população e
mortalidade a categoria negro (pretos + pardos) é de utilidade discutível, sendo mais
adequado o uso das variáveis cor do FIBGE. Citando Sergio Costa (2002)
“Válida e mesmo imprescindível no âmbito do estudo das desigualdades raciais,
a categoria raça, quando transformada em instrumento geral de análise e
desiderato normativo, leva a uma compreensão incompleta da formação nacional
brasileira, a uma visão objetivista das relações sociais e à redução das
identidades sociais a sua dimensão político-instrumental”
A mortalidade será expressa pela taxa de mortalidade específica geral e evitável
por capítulos da CID10 e para as principais causas ou grupos de causas nas faixas etárias
citadas, sexo e cor.
Todas as taxas de mortalidade são específicas, isto é, expressas por 100.000 da
população referida. Assim, a mortalidade de homens é expressa por 100.000 da população
de homens; a mortalidade de meninas pardas por 100.000 da população de meninas
pardas, etc, segundo a fórmula:
No de óbitos por causa, cor, sexo, idade
______________________________________________ X 100.000
População por cor, sexo, idade
A diferença na mortalidade foi medida pela relação entre a mortalidade dos grupos
de cor sobre a mortalidade de brancos ou risco relativo em relação à brancos (RB). As
diferenças na mortalidade de homens em relação a mulheres de todas as idades
configuraram o indicados RM (risco em relação a mulheres).
Para o calculo das taxas foram usados os dados de população por idade, cor, sexo e
região do Censo de 2000 da FIBGE, tabulados pela Fundação Seade. A população de
49. 34
menores de 1 anos e de 1 a 4 anos por cor e sexo foram gentilmente cedidas por Celso
Simões da FIBGE.
Para a seleção das causas evitáveis será utilizada a lista de Rutstein et al, 1976
combinada às inclusões descritas por Nolte e McKee, 2003.
A classificação do grau de evitabilidade usado será
• Baixa – até 20% de mortes evitáveis
• Moderada – entre 20 até 50% de mortes evitáveis
• Alta – mais de 50% de mortes evitáveis.
4. Limitações metodológicas
4.1. Tabwin
Embora um avanço na acessibilidade de dados pelo gestor local para diagnóstico
de saúde municípial a formatação do Tabwin impede tabulações complexas. A
exportação de dados a outros programas requer profissional experiente. Para gerar
uma tabela única de mortalidade por causa, cor, sexo, idade é preciso rodar cinco
tabelas em Tabwin e montá-las no Excel.
4.2. Cobertura dos óbitos registrados
A cobertura do registro de óbitos varia por estado Embora a cobertura no país seja
satisfatória (Jasper_Faijer e Orellana, 1994)5, sua desagregação mostra que no Norte 3
estados têm cobertura Deficiente e 4 Regular; no Nordeste 2 tem Regular e 7 Deficiente.
A cobertura nos estados da Sul é satisfatória (Quadro 4-2).
50. 35
Quadro 4.2. Cobertura dos registros de óbitos e classificação (CELADE) nos Estados da
Região Sul. 1998
Cobertura Classificação
Residência Registro %
Total 81,67 Satisfatório
SUL
Paraná 96,63 Boa
Santa Catarina 94,35 Boa
Rio Grande do Sul 101,75 Boa
Fonte: Paes e Albuquerque, 1999.
4.3. Limitações da cor como indicador de pertencimento étnico-racial.
A cor da pele é dada pela concentração de melanócitos na epiderme. É
geneticamente determinada mas muito sensível ao meio. Na terceira geração filhos de
mestiços podem apresentar fenótipo da raça branca (Skidmore, 1976)
4.3.1 Limitações intrínsecas do indicador cor
As limitações da variável cor são de diversas naturezas e certamente serão
necessários mais estudos para avaliar sua sensibilidade e especificidade.
4.3.1.1. Limitações do indicador cor quanto a sensibilidade
A cor da pele é um indicador frágil e instável de pertencimento étnico-racial. É
provável que sua sensibilidade seja baixa, isto é, sua capacidade de diferenciar
verdadeiramente o afro-descendente do descendente de europeus ou de mestiços de
qualquer outra miscigenação seja pequena e de magnitude desconhecida. Algumas das
razões estão listadas abaixo.
4.3.1.1.1. Variabilidade da cor da pele
5 . O Centro Latinoamericano de Demografia CELADE considera Satisfatória a cobertura de 80 a 90% dos
óbitos.
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A cor da pele varia segundo a influência da exposição ao sol ou de doenças. Um
branco exposto ao sol do Norte ou Nordeste adquire tons mais ou menos morenos,
podendo ser classificado como pardo. Pessoas com anemia, câncer ou insuficiência renal
ficam pálidas podendo transformar pardos, amarelos e indígenas em brancos e afecções
hepáticas podem tornar os brancos amarelos ou pardos.
4.3.1.1.2. Subjetividade da hetero-classificação.
Estudos americanos mostram que a classificação da cor/etnia de um falecido pelos
provedores de serviços de saúde é influenciada pela causa (Harwell et al, 2002). Na
ausência de critérios objetivos de intensidade de melanócitos na pele há muita variação no
entendimento de quem é branco, pardo, preto, amarelo ou indígena. É possível que a
discordância inter-observador sobre cor seja grande.
4.3.1.1.3. Subjetividade da auto-classificação
Pele branca é pensada no imaginário coletivo como portadora de direitos e
privilégios exclusivos e há uma tendência ideológica geral de embranquecimento. O
jornal Folha de São Paulo (2004) mostra dados da Associação Internacional de
Informações sobre Despigmentação Artificial (AIIDA - ONG do Senegal, França e Mali)
onde respectivamente 67, 58 e 25% das mulheres no Senegal, Togo e Mali despigmentam
a pele com “khessal” pois os homens preferem mulheres brancas.
No Brasil, pesquisas mostram que a identidade racial é intrinsicamente ambígua
(Motta, 2.000) e fluida (Travassos & Williams, 2004). Sua ambiguidade se revela nas
centenas de termos (até 500) usados para descrever a cor em questionários abertos
(Schwartzman, 1999; Turra & Venturini, 1995). A fluidez da identificação de cor se
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expressa pelo fato de variar contextualmente e ser influenciado pela posição social e
renda. Pessoas com alta renda e fenótipo mais escuro tendem a se classificar e ser
classificado pelos outros em categorias mais claras (Telles e Lim, 1998).
O impacto desse fenomeno na população é a redução artificial do grupo preto da
população com conseqüente aumento da taxa de mortalidade e aumento artificial das
populações pardas e brancas e redução de suas taxas de mortalidade.
4.3.1.1.4. Mescla de auto e hetero-referência.
Como a metodologia da coleta da informação de cor na população é por auto-referência
e nos dados de óbitos por hetero-referência há uma somatória de erros intra-observador
e inter-observador de natureza ainda desconhecida.
4.3.2. Limitações do indicador cor quanto à especificidade
A especificidade da cor como indicador étnico, isto é, seu poder de discriminar
falsos negativos, é desconhecida, mas suspeita-se que baixa porque o grupo de cor parda é
heterogêneo e pode conter várias miscigenações - mulatos, cafuzos, mamelucos, caboclos,
europeus, asiáticos, árabes, latinos, indígenas.
4.3.3 Limitações extrínsecas
As limitações extrínsecas decorrem de seu subregistro nos documentos do censo e
nas declarações de óbitos, figurando como ignorada. Ver Tabelas 4-1 e 4-2. Embora
pequena, a proporção de população de cor não registrada é maior que a de idade.
No censo a qualidade do dado é menor no Norte e Nordeste que no Sul e Sudeste.
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Em ambos os sexos cor ignorada é 3 vezes maior no Norte que no Sul embora este erro
seja aceitável e os dados do Censo sejam considerados muito bons.
Tabela 4.1. Distribuição da população por sexo e cor (%). Brasil e Regiões. 2.000.
Brancos Pretos Pardos AmIn Ign Total
H M H M H M H M H M H M Pop Geral
Brasil 25,8 27,9 3,2 3,0 19,40 19,1 0,4 0,5 0,4 0,4 49,2 50,8 169.872.726
Norte 13,5 14,6 2,8 2,2 32,80 31,2 1,0 0,9 0,6 0,6 50,6 49,4 12.911.047
Nordeste 15,4 17,6 4,0 3,7 28,97 29,0 0,2 0,3 0,4 0,4 49,0 51,0 47.782.361
Centro-oeste 24,1 25,7 2,5 2,1 22,28 21,4 0,6 0,6 0,3 0,3 49,9 50,2 11.638.536
Sudeste 29,9 32,5 3,4 3,2 14,89 14,6 0,5 0,5 0,3 0,3 48,3 51,7 72.430.073
Sul 40,9 42,7 1,9 1,8 5,98 5,5 0,4 0,4 0,2 0,2 49,4 50,6 25.110.228
Fonte: Dados do Censo de 2.000. FIBGE.
Exploração dos dados do SIM para avaliar proporção de óbitos por cor mostrou
que em 15,9% dos 946.392 óbitos em 2.000 no país não tinham registro de cor com
grande variação intra e interregional (Tabela 2). A variação do subregistro foi 6 a 30%
(média = 18,3) no Norte; no Nordeste 5,6 - 58,4% (29,9); Sudeste, 6,8- a 32,1 (11,5); Sul,
3,6 - 15,4 (7,9) e Centro-oeste, 7 - 23,2 (15,2). O sub registro de cor nos óbitos só é menor
de 10% no Sul.
A magnitude de óbitos se, registro de cor excede em todas as regiões a magnitude
dos óbitos de pretos, amarelos e indígenas, que podem estar sub-registradas em seus
respectivos grupos e super-registradas nos de cor ignorada. Por outro lado o grupo pardo é
heterogêneo, composto pelas miscigenações mais diversas. Isto confere fragilidade aos
dados de mortalidade destes grupos que podem variar muito à medida que melhore a
qualidade do registro de raça/cor.
Para indígenas há duas situações distintas: a dos aldeados, sob tutela da Funai e a
dos dispersos fora das terras demarcadas. No caso dos primeiros a Funai é a responsável
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pelo atestado de óbito. É possível que os dados sobre indígenas do SIM decorram desta
fonte, cuja cobertura e qualidade de informação não é conhecida. No caso dos não
aldeados é provável que sua etnia não seja declarada e que sejam classificados como
pardos ou de cor ignorada. A mortalidade indígena não é o foco deste trabalho e o
esclarecimento destas dúvidas não foi buscado mas constituirá o cerne de trabalho futuro.
Tabela 4.2. Porcentagem de óbitos por raça/cor por Região. 2000.
Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorada
Residência % % % % % %
Total 52,72 6,55 1,10 23,49 0,24 15,90
NORTE 22,18 4,67 0,44 53,04 1,33 18,35
NORDESTE 24,51 6,22 0,50 38,60 0,23 29,95
SUDESTE 60,98 7,75 1,77 17,93 0,11 11,46
SUL 82,51 4,28 0,37 4,89 0,10 7,86
CENTRO OESTE 43,75 5,82 0,48 33,87 0,86 15,22
4.4. Qualidade da adscrição da causa
As estatísticas de mortalidade têm sido usadas por epidemiologista, demógrafos,
planejadores e gestores de saúde e também por grupos populares de pressão para avaliar a
situação da saúde da população. Em muitos lugares a única fonte de dados
epidemiológicos são os registros de mortese. Face à sua importância é essencial saber a
qualidade dos registros. O conhecimento da natureza das limitações dos dados permitem
cálcular estimativas e possibilitam intervenções para contínua melhoria da cobertura e
qualidade. A qualidade dos dados de mortalidade é medida pela proporção de óbitos
devidos a causas do Capítulo XVIII - Sintomas, sinais e achados anormais de exames
clínicos e de laboratórios não classificados em outra parte (causas mal definidas).
Óbitos são classificados como Causas Mal Definidas quando os serviços não
conseguem atribuir uma causa básica definida. Neste sentido indica a capacidade do