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O CRÂNIO DE CRISTAL




    Escritor Valente




                       1
DEDICATÓRIA         “Dedico este livro aos meus pais,
              irmãos, esposa, filhos, amigos e em
              particular aos leitores, razão principal
              desta obra.”



                                        Paulo Valente
                               valente@estadao.com.br
                                            Ago/1996




                                                         2
1
                                           A Musa

       Após o término de um dia estafante de trabalho no escritório, resolvi ir para casa.
Larguei o que estava fazendo pela metade, afrouxei a gravata e fui embora pilotando
atentamente minha motocicleta no meio do trânsito maluco. Graças a Deus consegui
chegar inteiro ao agradável e doce lar. Então, agradeci por mais este dia, por ter
resistido a mais uma batalha em meio a milhares de motoristas neuróticos que estão
soltos na cidade de São Paulo, incluída entre as mais violentas do mundo.
       Imensa e agitada, São Paulo revelava no trânsito conturbado as repressões e
aflições que nós, seus habitantes, somos submetidos. Contudo a cidade apresentava
uma face benevolente, oferecendo inúmeras oportunidades a seus moradores, e foi
justamente por isso que mudei do interior para cá.
       Quando cheguei aqui pela primeira vez, acostumado com a vidinha pacata
interiorana, fui surpreendido pelo ritmo intenso desta terra de mil contrastes. Onde pode-
se ouvir o barulho do trânsito rugindo noite adentro feito uma fera acuada.
       Ao chegar ao meu apartamento, mal abri a porta, fui logo tirando os sapatos e as
roupas. Totalmente nu, debrucei-me à janela para contemplar aquela cidade que não
dorme nunca.
       Do alto de um esguio edifício branco de quinze andares, que parecia uma torre
espetando o céu, vislumbrei a imensidão de São Paulo no exato momento em que o sol
sumia no horizonte e a escuridão envolvia assustadoramente as ruas dos bairros
distantes, apesar das milhões de lâmpadas acesas espalhadas no vasto manto negro.
       Era surpreendentemente fantástica a vista panorâmica que descortinava-se à
minha frente, na qual o moderno contrastava com os pobres barracos da favela, não
distante daqui.
       Daquele ponto de observação privilegiado avistei outras "torres" brilhantes
plantadas no horizonte, propiciando efeitos futuristas. Lá embaixo, nas ruas, os carros
trafegavam morosamente, indiferentes à poluição que causavam.
       Contemplando calmamente a paisagem, relaxei os músculos e, sobretudo, a
mente. Em minutos revigorei as energias supostamente perdidas.
       Seguramente, naquele horário, a maior parte das pessoas já encontrava-se na
segurança de seus lares. As noites, são sempre perigosas e traiçoeiras, verdadeiras
cúmplices das violências extremadas, dos desastres e dos assaltantes. Por isso, a
população acabou vivendo "enjaulada" em quatro paredes, para grande felicidade da
indústria da segurança, que se desenvolveu a plena carga: armas pessoais, sistemas de
segurança, guarda-costas e seguros de todos os tipos.
       "Todo cuidado é pouco", proclamam as propagandas desta "indústria" rentável.
Lamentavelmente, os fatos que ocorrem diariamente não desmentem a afirmação. Eu
mesmo, temendo a violência desenfreada dos marginais, cogitei comprar uma arma de
fogo e andar com ela; mas acabei concluindo que não seria uma boa solução. Sendo
assim, praticamente indefeso neste mundo cão, só me restava a fé na proteção divina.
       Tempos atrás, numa destas contemplações, descobri que na "torre" vizinha
morava uma encantadora jovem de cabelos negros compridos e brilhantes. A primeira
vez que a vi, ela também contemplava a cidade da janela de seu apartamento. Sua
presença marcante logo me encantou e para poder observa-la, comprei um potente
binóculo. Foi desta maneira que me transformei num "espião" assíduo e perseverante.


                                                                                        3
Totalmente alheia ao mundo exterior, a jovem vizinha involuntariamente cooperava
comigo, à medida que sempre deixava escancaradas as janelas do apartamento. De tal
forma que em pouco tempo acabei por descobrir alguns de seus hábitos domésticos, e a
intimidade de sua residência. E, logo descobri que tínhamos algo em comum: a nudez
doméstica. Entrando porta adentro, a moça libertava seus empinados seios da
escravidão do sutiã e Invariavelmente ficava apenas de calcinha sensual preta, que
combinava com sua pele bronzeada pelo sol da praia.
      Era uma mulher alta e bonita, de boca pequena e nariz apontando para o céu.
Além disso, possuía um corpo invejável. Bumbum arrebitado, cintura fina e pernas
envolventes. Uma verdadeira obra-prima da natureza; esculpida por artistas de primeira
grandeza.
      Ela morava sozinha, entretanto, nunca cheguei a vê-la nos braços de um homem;
embora recebesse freqüentemente a visita de muitas pessoas, sendo a maior parte
delas constituída por mulheres.
      Muitas vezes a vi dançar sozinha a beira da janela. Dançava suavemente exibindo
seu corpo de uma maneira estranha, que lembrava os movimentos do tai-chi-chuan e do
balé russo. Pena que eu não conseguia ver tudo lá dentro. Observando-a dançar
indagava a mim mesmo qual seria seu nome, sua profissão e outros tantos detalhes de
sua vida particular. E a cada dia minha curiosidade aumentava mais. Eu lembrava os
astrônomos antigos que olhavam as estrelas do firmamento e formulavam questões...
      Como o hábito faz o monge, espiar minha anônima musa acabou transformando-
se em vício. Por causa dele, abandonei temporariamente os livros e a televisão. No
canto da sala formou uma pilha de jornais e revista que nunca li, constituindo prova
evidente da minha alienação.
      O vício dominara-me de tal forma que ficava irritado quando não conseguia vê-la
naqueles horários determinados. Desta maneira inusitada tornei-me prisioneiro
temporário de uma mulher que sequer conhecia. Um espião obcecado, cujo prazer
misturava-se em igual dose com o incômodo e a frustração.




                                                                                    4
2
                                         O encontro

      Que época danada aquela! As coisas não corriam bem para nosso país. Nas ruas,
as pessoas não falavam noutra coisa, senão da crise. Uma hidra de inúmeros
tentáculos: crise moral, crise política, crise econômica e por aí vai... Diziam que o país
estava prestes a cair no abismo.
      Na Bolsa de Valores pairava um clima de ansiedade e expectativa. Corria boato
que o governo lançaria outro plano econômico para tentar debelar a inflação. O rumor
fez despencar o índice geral das ações da Bolsa. Era indício que o capital, temeroso,
refugiava-se no dólar; para a grande alegria de "doleiros" poderosos, que assim
engordavam ainda mais seus patrimônios milionários.
      Como sempre, os mais ricos continuavam ganhando muito e os mais pobres
levando na cabeça. Entretanto, com a crise financeira, não era só o povo que levava a
pior. Do outro lado do jogo, alguns investidores menos avisados amargavam prejuízos
consideráveis. Os relatórios numéricos sobre a minha mesa indicavam o quanto a
economia do Brasil ia mal. Para aumentar as incertezas, eles não mencionavam
nenhuma perspectiva de que a situação fosse revertida a curto prazo.
      O tremor na Bolsa, naquele dia, provocou uma avalanche de serviços extras para
mim, justamente quando uma forte indisposição estomacal roubara meu ânimo para o
trabalho. Ainda ao final da tarde, eu arrotava o alimento do almoço mal digerido. Quem
come fora de casa, nos restaurantes da vida, está sujeito a estes transtornos.
      Resolvi sair mais cedo do trabalho e ir para casa. Deixei o escritório e fui embora
voando baixo com a minha moto.
      Assim que cheguei ao apartamento, tomei um analgésico e deitei no sofá da sala
para descansar. Nem ao menos espiei pela janela para tentar ver minha adorável musa.
      Logo um sono avassalador transportou-me, sem escalas, para o mundo dos
sonhos. Acordei horas depois, mais disposto, quando lembrei que no dia seguinte
haveria faxina no apartamento e precisaria comprar alguns produtos de limpeza que
haviam acabado. Tremendamente irritado, vesti um conjunto de moletom e fui até o
supermercado situado no quarteirão ao lado, na movimentada Rua Teodoro Sampaio,
no bairro de Pinheiros.
      Percorrendo os corredores das prateleiras abarrotadas de mercadorias constatei
que os preços haviam disparados. A remarcação evidente sinalizava que metiam a mão
no nosso bolso descaradamente. E eu, que já não estava bem, fiquei mais azedo ainda.
Porém, a vida que é feita de altos e baixos, havia reservado uma agradável surpresa
para mim. Como em conto de fadas, apareceu na minha frente a musa dos meus
sonhos. Diante daquela visão inesperada o meu coração acelerou imediatamente,
aflorando minhas emoções contidas.
      A proximidade da moça fez meu corpo vibrar por inteiro, abrindo e ativando todos
os seus canais de percepção. Então, não foi difícil para meu olfato descobrir a presença
daquela mulher no ar. Estimulado pelo aromado do perfume dela, notei minhas orelhas
arderem em brasa. Jamais havia me sentido assim antes.




                                                                                        5
Mais que depressa, igual a um gavião que mergulha das alturas sobre sua presa,
aproximei-me da moça e sem inibições puxei conversa:
      − Eu conheço você! - exclamei convicto, fitando seus olhos de mel.
      − É mesmo... de onde? - indagou-me sorrindo, não disfarçando surpresa.
      − Você mora em um prédio ao lado do meu. Sempre a vejo na janela. É muito
bonita e eu não a esqueceria nunca. Mesmo que se passem cem anos...
      − Obrigada - sorriu novamente, mostrando seus dentes perfeitos e as covinhas
sensuais da face.
      Percebi prontamente nos olhos da moça que ela gostara de mim. Um tipo
incomum de brasileiro: alto, magro, rosto comprido e traços de judeu. Pensando
bem, não sou feio, devo estar na "média".
      Lembrei-me instantaneamente do que escrevera para o jornal, o ex-secretário
americano Henry Kissinger. Segundo ele, não se deve desperdiçar uma oportunidade,
pois é incerto se ela vai se repetir novamente. Sem perder tempo, parti para o tudo ou
nada. A minha oportunidade estava ali.
      − Meu nome é Daniel e o seu?
      − Bárbara - respondeu um tanto tímida.
     Ela era mais simpática do que eu imaginara, sempre com um sorriso pronto
nos lábios e muito brilho nos olhos; sinal de quem está de bem com a vida.
      Como Bárbara adorava conversar acabamos fazendo as compras juntos.
      Conversamos à vontade e rimos muito. Apenas assuntos amenos e engraçados,
do tipo que as pessoas conversam quando se conhecem.
       Apesar dos assuntos frívolos, intuí o quanto ela era uma pessoa culta e de
raciocínio rápido.
      Além da solidão e da "nudez doméstica" descobri que tínhamos outras coisas em
comum: O prazer de conversar, a boa leitura, a música e a dança.
      Se antes já admirava Bárbara secretamente, imagine após conhecer aquela
doçura em forma de pessoa, sempre transbordando simpatia.
      Amavelmente levei seus pacotes até a entrada do edifício onde ela morava. Lá
conversamos mais um pouquinho e aproveitamos para o tradicional intercâmbio de
números de telefones.
      Ao despedir-me de Bárbara dei-lhe um abusado e afetuoso beijo no cantinho de
seus lábios sensuais. Assim, involuntariamente, roubei um pouquinho do seu batom
vermelho. Pela intensidade do brilho de seus olhos, naquele instante intuí o quanto ela
gostara da ousadia...
      Fui embora feliz, envolto no agradável aroma do seu perfume.




                                                                                     6
3
                                         Sexta-feira

       A semana seguinte fora agitada, mas o país não caíra em nenhum abismo,
apesar dos boatos plantados por fabricantes de crises. Por conseguinte, o negócio era
relaxar para recuperar o fôlego. Afrouxei a gravata, estiquei os pés adormecidos e
apoiei-os em cima da lixeira por uns instantes.
       Olhando através da janela do escritório, notei que o sol acabara de abandonar o
horizonte, deixando no céu um rastro avermelhado na direção do poente. A cidade já
acendera suas luzes e os milhares de veículos abandonavam o centro em direção aos
bairros silenciosos.
       Na grande e complicada fuga para casa havia excesso de veículos nas ruas e isso
causava os intermináveis transtornos de sempre: barulho, engarrafamentos, cansaço,
discussões e brigas.
       Minha cabeça encontrava-se atordoada devido às más notícias econômicas, que
resolvi ir embora. Afinal, ninguém é de ferro. Ainda mais que era sexta-feira, dia
consagrado para beber cerveja nos bares com os amigos.
       Sem vacilar, deixei para terminar na segunda-feira aquele relatório maçante sobre
a movimentação de capitais estrangeiros na Bolsa de Valores de São Paulo.
       Despedi-me do pessoal, pequei a moto no estacionamento e sai dali o mais rápido
possível.
       Quando percebi já estava na Avenida Consolação. Rumava rápido e feliz da vida,
sentindo um vento frio no rosto, que secava meus lábios.
       Durante a semana eu havia conversado por telefone com Bárbara e havíamos
combinado de sairmos juntos naquela noite. Seria nosso primeiro encontro e isso
causava em mim uma brutal ansiedade. Para amenizá-la eu acelerava fundo a moto,
que em resposta rugia como uma leoa ferida.
       Rumei velozmente para o bairro de Pinheiros em meio a um mar de veículos.
Dirigia apressadamente naquele trânsito caótico, com atenção redobrada, para evitar
qualquer acidente. Um simples deslize poderia ser fatal para mim.
       Pretendia chegar logo, tomar um banho quente, me arrumar; passar o melhor
perfume e ir ao encontro marcado com minha amada Bárbara.




                                                                                      7
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                              Um bar da Henrique Shaumann


       O enorme relógio digital fixado em cima de um prédio na Praça Ramos indicava
meia-noite em São Paulo. Apesar do frio, os bares e boates estavam apinhados de
gente de diversas "tribos" da moda: dark, punk, yuppies e os terríveis carecas do
subúrbio. Estes "índios urbanos" de roupas estranhas e penteados malucos, haviam
transformado os locais mais badalados dos bairros de Moema, Jardins e Pinheiros em
seus territórios de caça.
       Nas ruas imundas dos bairros da periferia perambulavam gangues de
adolescentes à procura de diversão barata ou mesmo de confusão. Já nas esquinas
escuras da Avenida República do Líbano, travestis formosos e quase nus disputavam
fregueses anônimos, ocultos pelas sombras da noite.
       No outro lado da cidade, na famosa rua Augusta, o trânsito continuava
congestionado por carros e motos lotados de pessoas ávidas por aventuras sem
compromissos.
       Longe dali, o centro da cidade encontrava-se repleto de prostitutas finas ou
rampeiras, de mendigos, de vagabundos e de marginais de todos os tipos. É um risco
enorme passar por lá naquele horário. Em contrapartida, nos bairros mais afastados, as
ruas estavam completamente desertas. Nenhuma viva alma, nem mesmo os cachorros
de rua são encontrados. Apenas enormes ratazanas furtivas atreviam-se a sair dos
esgotos imundos para revirarem os lixos em busca de alimentos.
       Observei tudo atentamente através da viseira do capacete. Estava muito frio e ele
havia gelado minha face. Agarrada em mim, na parte de trás do banco da moto, Bárbara
também olhava curiosa aqueles locais da cidade que desconhecia.
       Depois deste longo passeio "turístico", resolvemos tomar uns tragos em um bar
qualquer da Avenida Henrique Schaumann. Escolhemos um bastante acolhedor,
freqüentado por intelectuais da Universidade de São Paulo. Pelo que se notava nas
faces e nas vestimentas sóbrias das pessoas que o freqüentavam, a média de idade do
pessoal gira girava em torno dos trinta anos.
       Contrariando o ambiente, entramos no bar trajando calças jeans e jaquetas de
couro preto. Ignorando os olhares curiosos, sentamos em uma mesa localizada no
centro do salão e solicitamos ao garçom que nos trouxesse vinho quente e queijo. Uma
deliciosa combinação que degustamos vagarosamente entre uma conversa e outra.
       Sentado frente à Bárbara eu olhava fixamente seus olhos meigos, admirando sua
simpatia contagiante. Na qual sempre ria das coisas, pondo à amostra seus dentes cor
de marfim perfeitos.




                                                                                      8
Naquele ambiente esfumaçado e ruidoso, de trago em trago, a nossa conversa fútil
prosseguia animadamente. Ao redor, os outros provavelmente faziam o mesmo.
      A certa altura, saboreando com o olhar aquele doce em forma de pessoa, falei:
      − Bárbara, conversamos muito das coisas da vida, mas não de nós mesmos.
Que tal falarmos um pouquinho da gente?
      − Bem, o que quer saber? - indagou.
      − Quero saber algo mais sobre esta linda moça a minha frente, da qual não
consigo desviar meus olhos.
      − Compreendo, tentarei fazer um resumo da minha vida; embora seja difícil falar
da gente mesmo, não é?
      Fiz um sinal afirmativo com a cabeça e ela continuou.
      − Na realidade, não sei quem sou. Mesmo fazendo meditação ainda não
consegui me descobrir por inteira.
      − Ah, então temos isso em comum pois também medito – falei sorrindo.
      − Bem... sou filha de pai árabe e mãe portuguesa. Do lado de meu pai "herdei" o
gosto pela música e de minha mãe o gosto da dança. E foi ela que me ensinou a difícil
dança do ventre. Minha mãe também influenciou-me no aprendizado de ocultismo; o que
tornou-se fundamental para mim atualmente. O esoterismo é meu prazer e minha
profissão.
Sou jornalista e escrevo artigos ligados ao misticismo para revistas e jornais. Além
disso, participo da elaboração de um programa de rádio que vai ao ar aos domingos
pela manhã. E mais, presto consultoria de grafologia e numerologia para algumas
empresas. Também atendo clientes em minha residência. A maior parte é constituída
por mulheres; pois os homens em geral não se interessam por esses assuntos. Mas os
clientes homens estão aparecendo. Acho que os tempos estão mudando.
      Sem interrompê-la eu prestava atenção em suas palavras, ao mesmo tempo que
olhava para ela como quem olha para uma deusa viva. Bárbara era realmente linda e
suas palavras meigas e doces poderiam derreter até os corações mais duros.
      Ela continuou falando.
      − Nenhuma mulher gosta de dizer a idade, mas não me importo e vou dizer a
minha. Tenho vinte e nove anos bem vividos. Estou contente e em paz comigo mesma.
Sempre encaro os fatos de maneira positiva, pois possuo muita fé em Deus. Sou do tipo
que gosta de viver a vida, mas sem excessos. Não me considero perfeccionista, embora
goste das coisas corretas. Como todo ser humano tenho lá meus defeitos.
      − Por exemplo? - indaguei.
      − Quero um mundo mais justo, o que me parece impossível. Outro defeito é
confiar demais nas pessoas e elas normalmente estão interessadas um duas coisas
apenas, satisfação sexual e dinheiro. Acontece que considero essas coisas causas dos
grandes males da humanidade.
      − Concordo em parte contigo - argumentei - acho que sexo e dinheiro causam o
mal se as pessoas permanecerem cegas para a realidade e o sentido da vida.




                                                                                   9
− Pois é - continuou ela - de forma que não tive muita sorte com os homens.
Conheci um monte deles, todos mal intencionados. Queriam apenas usufruir
egoísticamente de mim e depois exibir-me por aí como um troféu vivo.
       − Realmente faltou sorte - concordei.
       − Pois é, e se não bastasse, um dia me apaixonei intensamente por um homem,
bem mais velho que eu. Chegamos a marcar nosso casamento. Nesta ocasião, eu
cursava a faculdade de Jornalismo. Certa vez saí mais cedo do trabalho e resolvi passar
em seu escritório sem avisá-lo. Chegando lá, fui logo entrando, pois a porta estava
aberta. Qual não foi a minha surpresa, encontrei-o nu em companhia da minha melhor
amiga, que eu mesma havia apresentado um dia a ele.
       − E o que você fez?
       − Nada! Virei as costas e fui embora sem dizer uma palavra. Foi horrível.
Chegando a meu apartamento chorei muito. Depois dormi como uma pedra. No dia
seguinte não queria mais pensar no assunto. Consegui esquecê-lo sem guardar raiva ou
ressentimento. Inconformado com o azar ele me procurou diversas vezes para se
desculpar, mas não dei ouvidos a ele.
       − Bem, já falei muito a meu respeito, e você?
       − Também não aprecio falar de mim. Talvez por falta de assunto... - comentei
rindo e ela riu também, então continuei.
       − Acho que já lhe contei que trabalho na Bolsa de Valores como analista
financeiro. Vivo sozinho aqui em São Paulo e meus pais moram no interior do Estado.
Namorei bastante na vida, porém nenhum namoro deu certo pelo fato de gostar de sair
sem ter hora para voltar. E minhas namoradas não entendiam isso. Queriam me
aprisionavam a esquemas tirânicos de tempo e posse. Esses namoros contaminados
por ciúmes doentios causavam desentendimentos, o que desgastava os
relacionamentos.
Acredito que uma pessoa não é propriedade da outra. Contudo, não sou libertino quanto
possa parecer. Acho que a moral e o respeito são necessários à sociedade, mas sem
hipocrisias, claro.
Considero-me realizado, tenho um bom emprego e uma boa saúde. Creio estar de
"bem" com a vida. Foi o tempo de querer dar murros em ponta de faca... Mas houve
uma época que fiquei numa pior. Foi quando perdi meu único irmão, vítima de um
desastre de automóvel. Desanimado da vida, quase larguei tudo. Precisei fazer análise
para me reencontrar. Graças a Deus consegui sair do buraco, depois de seis meses
daquelas cansativas sessões de psicoterapia em grupo.
       − A morte repentina do seu irmão que foi tão horrível para você, deve ter sido
pior para seus pais - comentou penalizada.
       − Foi mesmo, meu pai até hoje está traumatizado. A minha mãe que é mais
espiritualizada superou o incidente. Não gosto de relembrar desse dia tão triste. Quero
ter apenas boas recordações do meu irmão. Ele era muito legal, de uma inteligência
invejável e muito bondoso. Mas, ele já partiu desta vida. Provavelmente deve estar
melhor que nós, quem sabe?
       − É mesmo - confirmou Bárbara, servindo-se de mais um gole do delicioso
            vinho.




                                                                                    10
O bate papo atravessou a noite e nem percebemos o tempo passar. O bar, que a
princípio estava cheio e enfumaçado, agora encontrava-se vazio e melancólico. Da noite
agitada restava apenas a movimentação dos garçons que olhavam para a gente, de um
modo atravessado, torcendo para irmos embora.
       Depois deste encontro houveram outros. Muitas conversas e risadas, mas nada
sério.
       Certa noite, quando namorávamos dentro do automóvel de Bárbara, segurei
carinhosamente suas mãos. Ela tremeu inteira, da cabeça aos pés e seu coração
começou pulsar mais rápido. Meus toques carinhosos despertaram bruscamente o
prazer de Bárbara, até então oculto em sua profunda e complexa alma feminina.
Sem dizer nada fui beijando seu pescoço provocante e subi até encontrar sua boca
sensual. Bárbara se entregou de corpo e alma aos beijos que inundavam-lhes as coxas.
Se não fosse perigoso faríamos amor ali mesmo. Assim resolvemos ir a um motel na
Rodovia Raposo Tavares, a famosa rodovia do amor.
       Na segurança do Motel executamos toda sorte de "brincadeiras" eróticas. Aquelas
que os amantes conhecem muito bem. Passamos uma noite inteira em gozo, deitando e
rolando numa imensa e confortável cama vermelha; de onde víamos nossos corpos
entrelaçados refletidos no teto espelhado.
       Após o êxtase, entramos em uma magnífica banheira de mármore branco que
transbordava água quente e espuma perfumada, e fizemos um merecido repouso.
       Como a nossa sede de sexo ainda não estava saciada, reiniciamos dentro da
banheira mesmo, o intricado jogo dos amantes. Ali também, entre abraços e beijos,
tivemos os mais profundos prazeres. Tanto do corpo quanto da alma...




                                                                                   11
5
                              O nefasto presidente do Brasil

      A noite estava muito fria e um vento insistente varria a cidade espantando as
últimas pessoas da rua. No céu, uma imensa lua cheia refletia sobre a cidade seu
magnífico brilho prateado.
      Da janela do apartamento notei que muitas luzes dos edifícios próximos ainda
estavam acessas. A cidade jamais dorme por inteira. Milhares de pessoas ainda
encontravam-se acordadas naquele exato momento. Trabalhavam ou se divertiam em
recintos aconchegantes ou em locais sórdidos. Enquanto isso, eu refletia sobre a vida,
aproveitando a insônia irritante que não me deixava dormir.
Pensava no clima de insegurança que varria o país de norte a sul e que influenciava
negativamente o pregão da Bolsa de Valores. O povo aguardava ansiosamente a
cassação do mandato do presidente do Brasil, um tremendo vexame prestes a ser
registrado na história do país. Simultaneamente, os políticos corruptos causavam
grandes rombos no orçamento Federal. Eles agiam como ratos esfomeados dentro de
um armazém de queijos.
      As incertezas da política refletiam na bolsa de maneira negativa, provocando
tensão e ansiedade nos investidores. Em resposta, os “barões do dinheiro “ transferiam
suas aplicações para outros setores que julgavam seguros na economia. Os mais
temerosos, acreditando no agravamento da situação, remetiam rios de dinheiro para o
exterior.
      O quadro negro do desemprego e da inflação aumentava vertiginosamente. Um
período recessivo que causava muitas desilusões ao já sofrido povo brasileiro. Talvez
fossem esses os motivos centrais que perturbavam meu sono.
      Para passar o tempo resolvi dar umas voltas pela cidade. Saí só enfrentando o
inverno rigoroso nas ruas. Para resistir ao frio me equipei todo; casaco de couro, calça
grossa, capacete, botas de cano alto e luvas.
      Convenientemente agasalhado, rodei nas ruas desertas da cidade por horas a fio.
Pilotava prazerosamente a máquina sem destino algum em mente. Rodei tanto e
quando dei por mim descobri que estava perdido no distante bairro Jardim Japonês.
      A esta altura o marcador de combustível estava no vermelho. Precisava abastecer
logo. A qualquer momento faltaria combustível.
Parar naquele bairro escuro e deserto seria uma loucura que me preocupava muito.
Poderia ser assaltado por criminosos sem escrúpulos, capazes de praticarem maldades
absurdas. Isso quando não matam friamente as vítimas só pelo prazer mórbido de vê-las
morrendo em suas mãos.
      Desolado, não encontrava ninguém para perguntar onde ficava o posto de
gasolina mais próximo. E pensar que naquele momento poderia estar dormindo na
segurança do meu apartamento; caso não tivesse inventado aquele famigerado
passeio...




                                                                                     12
A cada minuto meu pavor aumentava mais, fazendo meu corpo suar bastante; e
acabou encharcando minhas vestes, apesar do frio que fazia.
      Permaneci nesta agonia não sei por quanto tempo, até que o milagre o tão
sonhado aconteceu. Avistei um imenso luminoso da Petrobrás. Aliviado, agradeci a
Deus.
      Após abastecer motocicleta naquele posto, imediatamente reencontrei a
tranqüilidade de espírito. Como se houvesse caído uma ducha de água quente em cima
de mim.
      Com o tanque abarrotado de gasolina, poderia rodar novamente centenas de
quilômetros noite adentro. Entretanto, não tinha mais vontade de prosseguir a jornada.
Tudo o que eu mais queria naquele instante era voltar rapidamente para a segurança da
minha cama quente.
      Dirigindo velozmente pelas ruas desertas daquele bairro fantasma que tanto me
assustava; logo deixei para trás o posto da Petrobrás.
      Naquele mesmo instante uma procissão de pensamentos vagabundos
sobressaltaram minha mente excitada. Pensei em Bárbara, que, naquele momento
dormia profundamente e também na crise política. Depois refleti muito sobre mim
mesmo.
De todos os pensamentos itinerantes, o que mais me encabulou foi o assustador crânio
humano que enfeitava a sala de Bárbara. Seria ela uma bruxa?
      Há tempo que desejava fazer esta pergunta para ela, mas não tinha a ousadia
necessária, muito embora nossa amizade possibilitasse tal indagação. Temia que a
pergunta pudesse magoá-la e creditava que não deveria bisbilhotar sua vida; nem violar
sua privacidade. Exceto, é claro, através do binóculo espião.
      A "voltinha" pela cidade causou-me um peso tremendo no corpo, que terminou
todo dolorido. Os braços, as pernas e as costas doíam bastante. Além da agonia do
corpo, surgiu também um sono perturbador. Então passei a sonhar com a minha cama
quente...
      Quando cheguei na segurança do lar, mesmo cansado pelos percalços passados,
dormi feliz e realizado. Antes porém, me ocorreu a idéia de convidar Bárbara para um
futuro passeio na Ilha de São Sebastião. Um verdadeiro paraíso natural, situado no
Litoral Norte do Estado de São Paulo. Trata-se de uma ilha que possui matas intocadas
e praias maravilhosas que servem de refúgio para os amantes da natureza. São
Sebastião é ideal para retiro espiritual, sobretudo no inverno, quando não é invadida por
hordas de turistas inconvenientes.




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6
                                           Ilhabela

      Aquele dia tão esperado chegara. Com a bagagem em cima da moto, partimos
felizes em direção a um paraíso natural – a Ilha de São Sebastião.
      Trafegando na magnífica estrada Rio-Santos, em velocidade moderada para
apreciar a paisagem, decidimos que nosso primeiro destino fosse a antiga cidade de
São Sebastião. Fundada na época do descobrimento do Brasil, esta cidade preserva
seu patrimônio histórico através da conservação dos casarões coloniais, das ruas
estreitas de pedra e dos enormes canhões de ferro apontados para o mar. Lembrando
uma era que não voltará mais.
Andando pelas ruas de São Sebastião tem-se a impressão de que os escravos negros,
os portugueses e os marinheiros de épocas passadas andavam aflitos entre nós; por
causa dos navios corsários que assediavam o porto.
      Horas mais tarde, ainda na estrada, nossas costas doíam muito e o barulho
constante do motor do "trator" causava irritação insuportável. Resolvemos parar num
restaurante em frente ao mar, para o merecido repouso.
      Bárbara estava entusiasmada pelas paisagens que vislumbrara pelo caminho.
      − Puxa... que lugar lindo, - comentou.
      − É verdade. Mas a ilha é ainda muito mais. Um verdadeiro santuário natural,
você verá - afirmei. - É o lugar ideal para energizar o espírito. As vibrações da ilha são
altamente positivas. Não vejo a hora de chegarmos lá.
      Entre um gole e outro de cerveja eu fitava o rostinho encantador de Bárbara;
admirando seus cabelos lisos e brilhantes que esvoaçavam ao vento.
      Seu olhar meigo e carregado de ternura refletia sua própria alma, tal qual a água
límpida de uma fonte reflete a luz da lua.
     A voz calma e pausada da Bárbara acariciava meus ouvidos naquele
instante feliz.
     - Dan, falta muito para chegarmos?
      − Não! Talvez uma hora - respondi. - Também quero chegar logo. Você sabe o
quanto sou fascinado pela ilha, não?
      Barbará acenou afirmativamente com a cabeça e eu continuei.
      − Tanto é, que li muito a respeito dela e dos seus mistérios.
      − Então diga-me algo?
      − No tempo do Império a ilha foi refúgio de piratas. Eles se escondiam do outro
lado das montanhas. Em uma baía que fica de frente para o mar aberto, onde está
situada a Praia dos Castelhanos. Praia em que deságua um rio cristalino que
antigamente abastecia de água potável as caravelas dos piratas e dos traficantes de
escravos. E, quando a Inglaterra proibiu o tráfico de escravos para o Brasil; os
contrabandistas desembarcavam ali, às escondidas, os negros contrabandeados da
África.




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- Naquela época - prossegui - existiam na ilha inúmeras fazendas de cana-de-
açúcar onde eram fabricadas saborosas cachaças. Muitos índios habitavam o lugar e
segundo uma lenda antiga; relatada em um livro que li na biblioteca de São Sebastião,
um deles apaixonou-se pela filha de um ilustre fazendeiro do continente. Todos os dias o
jovem índio atravessava o canal para encontrar sua amada. Até que um dia o pai da
moça descobriu o namoro. Descontente com o fato, o fazendeiro proibiu os dois de se
encontrarem. Mas os amantes continuaram se encontrando, às escondidas. Então o
severo fazendeiro tomado pela fúria espancou a filha e enviou-a em exílio na capital
paulista.
       Quando o jovem índio soube do fato, abateu-se em profunda desolação.
Desiludido e sem esperança de ver novamente sua amada, procurou retornar à ilha.
Abatido que estava pela dor da paixão o índio remava sem ânimo. Para piorar as coisas
a sua canoa naufragou em meio a um temporal e, selou seu destino para sempre.
 Curiosamente na ilha existe uma estranha árvore; que muitos moradores do lugar
acreditam que nela habita o espírito daquele índio que morreu por amor.
       Notando o visível interesse de Bárbara pelo assunto, continuei.
       − Em torno da ilha, muitos navios afundaram por causa das tempestades e das
rochas traiçoeiras. São verdadeiros cemitérios, onde os cardumes de peixes
multicoloridos e a exuberante vegetação aquática deram ao lugar o título de "paraíso
dos mergulhadores".
       − No começo do século – continuei - um grande navio de passageiros, chamado
Príncipe das Astúrias, naufragou quando passava próximo da ilha. Aquele desastre
horrível ocorreu à noite, justamente quando os passageiros dançavam no luxuoso salão
do restaurante. No dia seguinte, quando o sol apareceu no horizonte, as praias estavam
repletas de cadáveres de homens, mulheres e crianças, todos vestidos com trajes de
gala. As mulheres ainda portavam suas jóias preciosas, que proporcionaram grande
alegria aos humildes caiçaras que as recolheram...
Este naufrágio vitimou quase quinhentas pessoas.
       − A história da ilha é impressionante... Você realmente conhece a ilha toda? –
       perguntou curiosa.
       − Toda, não; ela é muito grande, mas conheço uma boa parte. Passei uma férias
inteiras lá e deu para conhecê-la bem. Naquela época, aluguei um quarto, com banheiro
conjugado, na pousada da tia Neiva. Este nome homenageava a mulher de um
pescador iletrado, mas muito esperto; que conseguiu juntar dinheiro suficiente para
construir a pousada. Esta senhora que também não sabia ler seu próprio nome; era
igualmente esperta e simpática. Foi ela quem me deu dicas preciosas sobre os encantos
da ilha.
Naquela época fiquei sabendo de uma antiga lenda, que afirma que piratas do passado
teriam enterrado um tesouro enorme na ilha. E que até hoje não foi encontrado.
       − Já pensou se a gente encontrasse o tal tesouro? - indagou Bárbara, sorrindo.
       − Não seria nada mal - respondi -, mas isso é muito difícil. Talvez seja apenas
uma lenda. Quem sabe? Em todo caso, o local provável, onde estaria oculto o tesouro,
é montanhoso e de difícil acesso. Um pesquisador que reside na ilha tenta há anos
encontrá-lo, sem sucesso.




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Hospedados no gracioso Hotel Petit Village, onde se avista o verde-mar apinhado
de barcos e as montanhas azuladas do continente; Bárbara e eu passamos alguns dias
memoráveis na ilha de São Sebastião. Divertimo-nos a valer visitando praias
maravilhosas e montanhas de densa vegetação, onde conhecemos muitos rios de águas
límpidas e suas cachoeiras colossais. Contudo, não pudemos nadar em suas águas,
pois o forte frio desestimulava qualquer aventura. Em razão disso as praias
encontravam-se desertas e monótonas.
       Aproveitando a ausência de pessoas, empreendemos longas e tranqüilas
caminhadas pelas praias. Nas quais nossos pés descalços nem pegadas deixavam, pois
as marcas eram logo apagadas por um vento gelado que soprava insistentemente a
areia.
       Por vezes sentávamos no chão á maneira hindu para contemplarmos o horizonte.
Ali, ouvindo apenas o murmúrio do vento e das ondas que morriam na praia, fazíamos
longos períodos de meditações. E, juntos, alcançamos a grande paz íntima, que é a
base de toda serenidade.
       Caminhando pelas estreitas estradas de terra que cruzam as montanhas
verdejantes, percorremos um mundo fantástico. Atravessamos matas apinhadas de
pássaros alegres, que não se incomodavam com nossa presença. Conhecemos rios de
águas puras e cachoeiras fascinantes. Com certeza, as impressões por nós recebidas
daquele paraíso natural foram gravadas para sempre em nossas mentes.
       Os dias que permanecemos na ilha propiciaram uma aproximação substancial com
a natureza, tanto em corpo quanto em espírito.
       As pessoas das cidades pensam que estão separadas da natureza, no entanto,
nascemos dela e a ela pertencemos. A natureza é tudo, inclusive o ar que respiramos. A
natureza é o princípio, meio e fim. Dela viemos, dela pertencemos e a ela voltaremos.
       Observando os pássaros alegres nas copas das árvores, a gente percebe o ciclo
da vida e o quanto a natureza é complexa.
       Por falar nos pássaros, é inacreditável a precisão com que alguns deles
apanhavam os peixes, depois de um mergulho certeiro nas águas do mar. Quando isso
ocorria, aquelas aves sempre saíam do mar levando no bico um peixe que se debatia
desesperado.
       Em uma das andanças pelas praias desertas, não resisti mais à curiosidade e
perguntei:
       − Bárbara, faz tempo que pretendo perguntar uma coisa a você, mas tive
receios...
       − Pois pergunte - exclamou curiosa, olhando para mim.
       − Bem... conheci seu apartamento e gostei muito da decoração. É moderna,
agradável e os móveis são confortáveis. Digo que tem bom gosto. No entanto aquela
caveira humana, encima da estante me intriga.
       Bárbara ouvia atenta. A expressão de seriedade de sua face espelhava uma
enigmática beleza. Prossegui a fala, espiando dentro de seus olhos úmidos e
brilhantes, procurando interpretá-los.




                                                                                   16
− Aquele crânio humano traz um clima tétrico ao ambiente do seu apartamento.
Ele contrasta com tudo que por lá se vê. Acaso você é adepta de bruxarias? - perguntei
decidido.
       − Ah, não...! Pode ficar tranqüilo. Sou ocultista, espiritualista e humanista. De
maneira alguma eu seria capaz de fazer qualquer bruxaria. E, se o fizesse, iria contra
meus princípios. Aliás, esse conceito ocidental de bruxaria é relativo. Você sabe...
       − Sei - respondi, continuando. - Por ordem da Santa Inquisição, diversos
cientistas acabaram queimados em fogueiras, acusados de praticar bruxarias. No caso
falo de bruxarias ligadas ao mal e ao demônio, cujo culto principal inclui sacrifícios de
pessoas e animais.
       Bárbara sorriu encabulada, mostrando seus dentes perfeitos de fazer inveja a
qualquer um. Não desviando seus olhos dos meus, ela balançou negativamente a
cabeça e falou.
       − Não sou adepta de bruxarias, nem de seitas ligadas a ela, eu juro - falou
beijando seus dedos em cruz, sorrindo. – Essa estória o crânio começou quando eu
tinha doze anos. Naquela época, tive um sonho inesquecível. Eu caminhava entre ruínas
de antigas edificações, situadas em local montanhoso, de vegetação densa e
exuberante. Brincava ali, escalando alguns blocos de pedras perfeitamente talhadas,
que estavam empilhadas atrás de um edifício semi-destruído que apresentava cinco
janelas. Em um dado momento notei que um reflexo intenso de luz projetava-se de uma
das fendas do monte. O reflexo era semelhante àquele provocado por raios solares
quando incidem na superfície de um espelho. Curiosa, enfiei o braço naquela fenda e
depois de muito custo consegui retirar um objeto lá de dentro. Sabe o que era? -
perguntou-me.
       − Não faço idéia!
       − Era uma réplica perfeita, em tamanho natural, de um crânio humano esculpido
em um bloco de cristal de quartzo. Corri com o crânio nos braços até uma fonte para
lavá-lo. Ele estava imundo. Depois de limpá-lo notei a perfeição dos detalhes. A
mandíbula, por exemplo, era móvel; percebia-se inclusive as linhas de suturas da caixa
craniana. Os dentes foram esculpidos com o maior realismo, obra de artista mesmo.
Logo ao tocá-lo senti que aquele misterioso crânio possuía poderes ocultos. O crânio de
cristal conseguia comunicar-se comigo sem fazer um único ruído. Por absurdo que
pareça, chegamos conversar por telepatia. Nossa conversa ocorreu em um nível mental.
Eu entendia o crânio, e ele também me entendia perfeitamente. Fiquei deslumbrada com
ele. Talvez, em outros tempos, eu o tivesse possuído, pois ele conhecia minha vida e
minhas emoções. Engraçado, o crânio apresentava uma aura própria e cintilante; que
variava entre o dourado, o prateado e diversos tons de verde. Ao tocá-lo com as mãos
pela primeira vez, tive sensação de que já o tocara antes, em tempos remotos.




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Bárbara continuou o relato, entusiasmada.
       − A aura do crânio causava certo êxtase hipnótico. Creio que ele possuía um
certo tipo de “vida” e que encerrava grandes enigmas. Quem o elaborou? Quando? Para
quê? Quais os mistérios que ele continha?
       Bárbara fazia seu relato através de palavras meigas, embora estivesse
visivelmente emocionada.
       − Fiz essas perguntas a ele, mas não obtive respostas. Talvez alguns seres
possuidores de imensa sabedoria o tivessem fabricado. Quem sabe?
Depois deste sonho fantástico, ocorreram outros, sempre com o mesmo crânio, nos
quais aconteceram algumas previsões sobre o futuro. Para meu espanto, estas
previsões foram confirmadas.
       − Por exemplo? - perguntei.
       − A eleição e a cassação do presidente Collor.
       Permaneci calado por alguns instantes, matutando; Bárbara me parecia sincera,
embora seu relato fosse um tanto fantasioso.
       − Até hoje não encontrei o tal Crânio de Cristal, mas tenho vontade de encontrá-
          lo.
       − E como o conseguiu aquele da sala? – indaguei.
       − Para compensar a ausência do crânio de meu sonho, resolvi possuir um que já
tivesse servido de morada a um espírito. Então,. adquiri um crânio verdadeiro de um
coveiro do cemitério de Vila Formosa, lá em São Paulo. Com dinheiro, você compra até
cadáver, sabia?
       − É mesmo? - fiquei surpreso com a revelação deste fato.
       − Pois é verdade! O coveiro que me vendeu o crânio confidenciou-me que vende
cadáveres. Principalmente de criancinhas recém-nascidas, para serem usados em
rituais de bruxaria. No meu caso, comprei o crânio humano pelo motivo que lhe contei,
não para praticar atos macabros de magia negra. Jamais...
       Bárbara e eu passamos longos dias e longas noites naquele paraíso em forma de
ilha. Desfrutando o que havia de melhor no lugar e no nosso amor.
       Quando abandonamos o paraíso, depois de atravessarmos o canal, em cima de
uma morosa balsa, demos uma última olhada para trás. Um imenso sol avermelhado,
típico desta época do ano, acabava de nascer detrás das altas montanhas. No céu, as
aves continuavam os certeiros mergulhos nas águas geladas do mar, em busca do seu
peixe. Afinal o mundo não para.
       Respiramos o ar que apresentava o perfume da orla marítima, e fomos embora.
Em pouco tempo ganhamos a estrada, rumo à poluída e fascinante São Paulo. Com a
moto caminho devorando a estrada sem vacilar e fazendo seu incômodo barulho.
       Eu dirigia a moto confiante e decidido, enquanto Bárbara estava feliz e satisfeita.




                                                                                       18
7
                                     O Crânio de Cristal

       Durante certo tempo, pensei no relato que Bárbara fizera sobre o Crânio de Cristal.
O caso já teria encerrado se eu também não tivesse passado a sonhar com ele. A
princípio imaginei que estes sonhos ocorriam por influência do relato que Bárbara fizera.
Supunha que, ao dormir, minha imaginação alcançava altos vôos e dava forma a esses
sonhos misteriosos. Esta era minha explicação simplista para o fato. Sucedeu-se,
porém, que aqueles sonhos tornaram-se freqüentes, com nitidez impressionante. Nos
quais eu também conversava mentalmente com o crânio, tal qual Bárbara havia dito.
       As mensagens espirituais transmitidas através dele eram maravilhosas realmente.
Conversamos mentalmente sobre os sentimentos mais sublimes. Sobretudo das
emoções mais profundas do espírito. Invariavelmente, a comunicação com o crânio
ocorria no universo cósmico do inconsciente; no qual os sonhos são a expressão
máxima.
       Percebi que havia entre nós dois uma ligação muito antiga; que compreendia eras
remotas e sombrias do mundo. Todavia, eu não conseguia identificar a origem, por mais
que me esforçasse. Nestes sonhos, tão logo o crânio aparecia, sucediam-se dentro dele;
imagens de pessoas e lugares estranhos, que a História tradicional pouco conhece.
Surgiam animais pré-históricos e cidades que foram sepultadas no tempo implacável,
que a tudo transforma.
       O crânio funcionava semelhante à bola de cristal das ciganas, que pode-se prever
o futuro ou observar o passado.
       As vezes, em torno do crânio surgia uma aura pulsante semelhante à luz de néon
da cor verde. Bárbara, mais do que nunca, tinha razão.
       Dada a insistência desses sonhos, interessei-me pelo assunto, de modo que
passei a pesquisar tudo que o fosse relacionado a ele. Descobri que os arqueólogos
encontraram crânios de cristal em diversas partes do mundo. Dois deles, ambos em
tamanho natural, estão nos museus de Londres e Paris.
       O mais famoso crânio de cristal está em posse de uma mulher, que é filha do
cientista que o encontrou nas antigas ruínas maias, na Guatemala. Conforme consta no
livro "Mistérios dos Crânios de Cristal Revelados", de Sandra Bowen, F. R. "Nick"
Nocerino e Joshua Shapiro.
       Essa mulher, de nome Ana Mitchel Hedge, é uma grande pesquisadora do assunto
e, mantém o crânio em exposição aberta ao público, permitindo que cientistas
interessados façam pesquisas com ele.
       O Crânio de Ana M. Hedge é uma cópia perfeita, em tamanho natural, esculpida
por hábeis e misteriosos artesãos sabe-se lá de onde. Comenta-se que o tal crânio
possui poderes de curar certas doenças através das vibrações harmônicas e positivas
emanadas da sua aura. Inúmeros relatos confirmam casos de pessoas doentes que
alcançaram a cura simplesmente quando o visitaram.
       Pesquisando descobri que podem haver outros crânios iguais a ele no Tibet e no
Peru; mas que não foram encontrados ainda.




                                                                                       19
Comentei o assunto com Bárbara e ela animou-se ao saber que existe
possibilidade de encontrar um Crânio de Cristal no nosso vizinho Peru. Assim sendo,
cogitamos, dar um pulo lá e tentar achá-lo.
       O Peru é imenso. Achar o crânio naquele país seria muito mais difícil que
encontrar uma agulha num palheiro. Mas, como a esperança é a última que morre,
talvez num dia, de posse de alguma pista concreta, nós possamos ao encontrá-lo no
Peru.
       Neste ínterim, li mais coisas sobre a história dos crânios, mas nada que indicasse,
um leve vestígio sequer, do seu paradeiro no país dos incas.
       Tentei esquecer o assunto, mas, dada a insistência dos aparecimentos do crânio
em meus sonhos, isso tornou-se impossível. Desta forma, assumi o interesse em ajudar
Bárbara a encontrá-lo. Mas de que maneira? As publicações que tratam do tema são
raras. Apesar das dificuldades, não desanimei. Então decidi procurar pistas concretas,
via viagens astrais. Minha esperança era que adentrando no "Registro Cósmico,"
pudesse descobrir tão sonhada pista. Pois ali estão registrados todos os acontecimentos
do Universo.
       Relatei minha intenção a Bárbara e obtive prontamente seu total apoio. Daí em
diante iniciei uma série de viagens no astral com este firme propósito.
       Trancado na escuridão do meu quarto de dormir, para que não houvesse
interferências de barulhos ocasionais na concentração mental, iniciei a busca de
maneira estranha aos olhos da pessoa comum. Isolado do mundo exterior através
sentidos da audição e visão, sentava na cama em posição de yoga meditativa e em
poucos minutos, libertava minha mente de pensamentos vagabundos e inúteis. Desta
maneira bizarra, comecei minha jornada no Astral, onde tempo e espaço não existiam e
apenas o espírito podia penetrar.
       A viagem astral assemelha-se a um sonho nítido e consciente. É como se
sonhasse acordado. Neste "sonho" pode-se estar em qualquer parte e em qualquer
tempo perceber as coisas sem precisar estar presente fisicamente. Pois apenas o
espírito viajava.
       Estas viagens não são nenhuma novidade. Os hindus e tibetanos já empreendiam
essas viagens há milhares de anos. Qualquer esotérico sabe deste fato.
       Assim, por diversas madrugadas vaguei pelo Astral, mas não vi nada que se
relacionasse ao Crânio de Cristal. Fiz dezenas dessas viagens, sem alcançar sucesso
algum. A tarefa era muito difícil, mas mesmo assim continuei obstinadamente a missão,
Não sou do tipo que desiste facilmente.
       Apesar do fracasso aparente, passei por grandes emoções e elas me animaram à
continuar em busca das pistas do crânio perdido.




                                                                                       20
8
                                       Viagem Astral

       Certa noite no meu quarto, concentrei toda minha força mental em um único
objetivo; viajar no Astral, em busca do Crânio de Cristal. Em pouco tempo a respiração
abdominal tornou-se imperceptível e o coração diminuiu a pulsação. A escuridão, que
antes era total, foi subitamente iluminada por um clarão dourado. A seguir, senti o exato
momento em que meu espírito abandonou o corpo, imóvel feito estátua.
       Liberto do pesado fardo que representa o corpo físico, o espírito navegou rápido
rumo ao infinito, como muitas vezes o fizera antes.
       Lembro perfeitamente que inúmeras imagens sucediam-se aleatoriamente como
se fossem cenas de diversos filmes ou mesmo de sonhos diferentes.
       De certa maneira, eu vivenciava as sensações como se estivesse acordado. Era
uma espécie de "sonho consciente", que aguçava minhas percepções sensoriais. Neste
"sonho", meu espírito visitava lugares incríveis, que não se pode nem imaginar. Certa
feita, adentrei o espaço astral na velocidade do pensamento e aproximei-me dos bilhões
de pontos luminosos espalhados por toda parte, que são as estrelas.
       Sendo um viajante privilegiado do Astral, pude percorrer paisagens virgens:
estrelas, planetas, satélites, asteróides, meteoros, nuvens de gases, cometas e galáxias.
Enfim, percorri na velocidade do pensamento uma infinidade de corpos celestes,
componentes do gigantesco mosaico cósmico, que flutuam eternamente na escuridão
incomensurável do universo.
       Em alguns pontos do cosmo a concentração das estrelas era enorme. Tratava-se
das galáxias e havia milhões delas espalhadas, flutuando no espaço sem fim.
       Continuei aproximando-me das estrelas distantes, sempre em direção ao sol.
Chegando próximo dele, notei que seu brilho dourado intenso escondia o céu de onde
eu vinha. Em sua grandeza o universo passou a ser uma coisa só. Um interminável
oceano de luz dourada, igual à da chama de uma vela. Não existia mais nada além
disso.
       Logo após, afastei-me do Sol e logo sobrevoei Marte. A primeira coisa que me
chamou a atenção, foi seu solo estéril e pedregoso. Em tempos remotos aquele solo
miserável fora muito fértil, e possuíra uma vegetação formosa e variada.
       Da altitude em que me encontrava, vi perfeitamente um rosto gigantesco esculpido
numa montanha. Provavelmente seus escultores tivessem extintos à milhares de anos.
Foi emocionante verificar "in loco" esta escultura que antes só havia visto em uma
fotografia tirada pela NASA, que revistas e jornais do mundo inteiro publicaram. Até hoje
aquela foto gera controvérsias. Que civilização esculpira tal rosto? É ou não verdadeira?
       Localizei também, no solo de Marte, o maior vulcão conhecido do sistema solar, o
NIX OLÍMPICA, cuja base gigantesca mede aproximadamente quinhentos quilômetros
de diâmetro.
       Na velocidade do pensamento larguei Marte para trás. Num passe de mágica,
aproximei-me de Júpiter, que logo cresceu à minha frente, até transformar-se em uma
enorme esfera. Este gigante do nosso sistema solar era muito deslumbrante. Na
verdade, tudo no espaço sideral era incrivelmente belo e fascinante.




                                                                                      21
Dei umas voltas em torno de Júpiter e observei curioso, as imensas manchas
arredondadas de sua superfície. O planeta é todo salpicado dessas manchas escuras e
misteriosas.
       Na órbita de Júpiter gravitam diminutas luas, enfileiradas, uma após outra, que,
refletindo a luz dourada do sol, proporcionavam um espetáculo sem igual.
       Abandonei repentinamente o gigantesco planeta e, num piscar de olhos, fui
circundar Saturno, o mais bonito planeta que conheci. Este planeta é envolto por
diversos anéis formados por milhões de pedaços de rochas que gravitam em sua órbita,
formando uma espécie de auréola sideral.
       Mal comecei a admirar as paisagens de Saturno, e o cenário mudou bruscamente.
Novamente num passe de mágica, já de volta a querida Terra, avistei as quedas de
água que formam as cataratas do Iguaçu. Toneladas de água precipitavam-se das
alturas dos rochedos, provocando um barulho ensurdecedor, ouvido a léguas de
distância. A região do leito deste rio é muito rochosa, por isso as águas têm dificuldade
em seguir seu caminho natural.
       Nas margens do rio havia uma vegetação verde, exuberante. Acima dela,
sobrevoavam bandos de pássaros de bico longo e pescoço em forma de "s", cuja
plumagem branca era sem igual. Enquanto o bando cruzava o céu em algazarra, pude
sentir a umidade da névoa fina que brotavam das cachoeiras.
       Nunca imaginei que um dia andaria pelas ruas de Katmandu, capital do Nepal;
mas, graças ao astral, isso me foi possível.
       Passeando por suas estreitas ruas, notei o cheiro característico do lugar, em meio
ao ar frio e rarefeito. Um misto de ar de montanha e cidade. Entretanto, não havia
vestígio algum de poluição; ma vez que lá existem poucos veículos e fábricas.
       A movimentação de pessoas era intensa nas ruas de Katmandu. A maioria vestia-
se à maneira ocidental, principalmente os homens; cabelos curtos, calças jeans e
camisetas.
Na calçada um camelô ajeitava sua mercadoria em cima de um tablado de madeira. Em
frente dele um homem segurava uma enorme vara recurvada sobre seus ombros; em
cujas extremidades estavam pendurados pesados fardos de feno.
       Andei tranquilamente na calçada, em meio à multidão que não me via. Aquela rua
toda revestida por pedras, estava enfeitada por milhares de bandeirinhas brancas que
lembravam nossas festas juninas.
       Posteriormente várias cenas sucederam-se. Em uma delas encontrei dezenas de
monges budistas carecas, trajando grossos mantos por causa do frio. Alguns eram
jovens; outros, mais idosos. E todos permaneciam calados e com os pensamentos
distantes.
       Os monges olhavam para lugares diferentes. Um deles pareceu fitar meus olhos,
com seu olhar sereno e enigmático de oriental.




                                                                                      22
Voando no astral, do Nepal para a Índia, sobrevoei as altas montanhas de
Daransala. Naquela cidade localizei a residência do Dalai-Lama. E, não resistindo a
tentação da curiosidade, penetrei furtivamente no interior da casa. Ele conversava com
um jornalista brasileiro no salão de recepção, sentado em uma confortável poltrona
verde, ao mesmo tempo em que segurava calmamente as próprias mãos. Através das
lentes de seu óculos de aro de metal, o mestre fitava o curiosamente o interlocutor
ocidental. Ele até parecia notar minha presença espiritual, olhando de vez em quando na
minha direção.
       Ao lado do venerável senhor, um jovem monge ouvia silencioso a entrevista. Seu
traje era idêntico ao do mestre e dos outros monges; dourado, com manto cor de vinho.
       Do lado de fora da casa haviam quatro crianças sentadas no chão. Elas
seguravam potes de arroz sobres suas pernas cruzadas. Entre muito risos e falatórios,
as crianças devoravam avidamente os alimentos.
       Tratava-se de crianças abandonadas, que vivem em creches mantidas por
monges budistas, fugitivos da pátria-mãe: o Tibet. País que até hoje é ocupado pela
China comunista; que lhe impõe uma ditadura ferrenha, apesar de protestos mundiais.
       Aquelas crianças, o futuro vivo do povo tibetano, estampavam em seus
semblantes a mais pura felicidade infantil. O que demonstrava o bom tratamento
recebido daqueles monges.
       Dando prosseguimento àquela viagem fantástica, continuei vagando por distantes
e estranhos lugares. Encontrei pelo caminho as mais exóticas pessoas e vivi as mais
hilariantes situações. Uma das últimas cenas que recordei, antes de o meu espírito
voltar ao corpo, referia-se às ruinas da cidade de Machu Picchu, no Peru. Que outrora,
fora um centro avançado do império Inca.
As bucólicas ruínas de Machu Picchu encontram-se no topo de uma verdejante
montanha, quase sempre encoberta por densas neblinas.
       Das montanhas próximas de Machu Picchu sobressai um pico rochoso em forma
de cunha; semelhante ao pico do corcovado, no Rio de Janeiro. Ele é nitidamente
superior ao das ruínas da cidade e magneticamente sempre atrai a nossa visão.
       As montanhas de Machu Picchu possuem vibrações especiais e harmônicas. É
impossível ir até lá e ficar indiferente a elas.
       Alguns segundos após meu "passeio" por Machu Picchu, meu espírito caiu em
queda livre num interminável túnel sem luz. Tratava-se do irritante regresso do espírito
ao doce lar transitório, ali imóvel: o meu corpo físico.
       A sensação que tenho em tais "pousos" é algo semelhante ao "tranco" sofrido por
um paraquedista no momento em que abre o paraquedas. O espírito que perambulava
livre no Astral, volta bruscamente a ser prisioneiro do corpo. O choque do
aprisionamento do espírito ao corpo físico é a parte chata de uma viagem astral, mas é
impossível de ser evitada.
       Quando abri os olhos, não consegui mover-me. Meu corpo continuava rijo na
posição de yoga. Percebi horrorizado que não conseguia respirar. Nunca tinha passado
por uma situação dessas antes. Meu coração batia acelerado e o suor brotava
abundantemente por todos os poros do meu corpo. Cheguei a pedir ajuda a Deus para
poder respirar novamente e sair daquele estado de paralisia compulsória.
       Eu sabia que as viagens Astrais devem ser supervisionadas por um instrutor
experiente, mas nunca havia me preocupado com esse detalhe. Por isso encontrava-se
naquela delicada situação – imóvel e todo roxo pela falta de respiração; implorando à
Deus o meu restabelecimento.




                                                                                     23
Quando o pânico já se apoderava de mim tocou o telefone. Apesar de ter algodão
nos ouvidos, o barulho foi suficiente para me assustar. Em razão do susto, consegui
respirar novamente. E foi um alívio enorme, quando o oxigênio invadiu meu peito e
penetrou na circulação sangüínea. Daí em diante pude movimentar os membros do
corpo. Naquele momento, renasci.
      Após o susto, saltei da cama e peguei o telefone. Entretanto a pessoa do outro
lado da linha havia desligando o aparelho. Provavelmente o telefone tocara diversas
vezes antes que pudesse ouvi-lo.
      No dia seguinte relatei a viagem a Bárbara e o sufoco que passei quando meu
espírito retornou à "base". Bárbara ficou muito preocupada com o fato, que pediu para
uma amiga dela, muito experiente em projeções fora do corpo, para que monitorasse
minhas futuras viagens astrais.
      Depois daquele sufoco passado, resolvi aceitar a ajuda que Bárbara arranjara. Da
próxima vez que o meu espírito vagasse no Astral, sua amiga estaria de plantão ao lado
do meu corpo inerte; medindo a pulsação, verificando a respiração, ajudando em
qualquer eventualidade.




                                                                                   24
9
                                    São Tomé das Letras

       O motorista do táxi, baixinho, barrigudo, cujo vasto bigode negro havia engolido a
boca, pisava fundo no acelerador. Apesar de sair atrasado, cheguei pontualmente ao
local combinado para o encontro com Bárbara: a Biblioteca Municipal, na Rua Vergueiro,
onde já se encontrava estacionado um imenso ônibus colorido, de última geração, que
nos levaria em excursão à cidade de São Tomé das Letras, em Minas Gerais.
       Ao lado da portinhola aberta do ônibus, o guia passava as últimas instruções ao
motorista. Um senhor calvo, de meia idade, que palitava os dentes, segurando na outra
mão um pano de limpar vidros. Enquanto isso, os demais participantes da excursão,
conversavam animadamente na calçada apinhada de bolsas e malas de viagens.
       Olhei para os lados à procura de Bárbara, mas ela, não havia chegado. A saída do
ônibus estava prevista para as nove e meia da noite. Olhei meu relógio e ele acusava
quinze para as nove. Ainda sobrava um tenho para a partida da excursão.
       Bárbara viria com algumas amigas que eu ainda não conhecia. Entre elas estaria
aquela que auxiliaria nas viagens ao Astral.
       Não demorou e logo avistei Bárbara vindo com um bando de moças que riam e
gesticulavam muito. Pareciam falar todas ao mesmo tempo. As mulheres surgiram
impecavelmente vestidas e maquiadas, chamando a atenção dos homens e causando
inveja às outras mulheres.
       − Oi, Dan! Faz tempo que chegou? - indagou Bárbara, sorrindo, antes de dar-me
um beijo afetuoso e um demorado abraço.
       − Não, cheguei há quinze minutos - respondi.
       − Ah... quero apresentar-lhe minhas amigas: Márcia Sawan, Rose Bour, Luci
Monteiro e Kátia Rocha.
       − Muito prazer - cumprimentei uma a uma com afetuosos beijos no rosto.
       − Este é o meu grande amigo, de quem lhes havia falado antes - apontou-me,
satisfeita, para as amigas.
       Após a rápida apresentação entramos no ônibus e fomos sentar nos lugares
reservados. Por coincidência, acabei sentando perto das amigas de Bárbara.
       Tivemos um curto bate-papo, quando o motorista barrigudo tomou seu lugar,
fechou a portinhola e movimentou aquele mastodonte espelhado.
       Da janela, demos uma rápida espiada para fora e reiniciamos a conversa.
       − Dan, o que achou de minhas amigas? - perguntou-me.
       − São todas bonitas, não as conheço o suficiente para outros comentários,
entretanto simpatizei-me com elas a primeira vista.
       − Somos amigas há tempos. A Márcia, por exemplo, é um doce de pessoa. Ela é
minha parceira da dança do ventre naquela casa de chá que lhe falei. Aliás, foi ela quem
me introduziu lá. A Rose é proprietária de uma loja de confecções na Rua Oscar Freire,
pratica tai-chi-chuam e é adepta do Zen Budismo. A Rose é uma pessoa inesquecível,
um amor de pessoa mesmo, você verá. Já a Luci Monteiro dedica-se ao estudo de
cristais                                    e                                   pêndulos.




                                                                                      25
Ela possui uma vasta e invejável cultura esotérica. Curiosamente ela nunca separa-se
de seu diário, onde anota todos os acontecimentos importantes. E, veja só, Luci faz isso
desde a adolescência. Sentada junto a Luci está Kátia Rocha, uma proeminente
psicóloga que conhece diversas terapias e técnicas de relaxamento e hipnose.
Ultimamente está estudando cromoterapia.
 Luci trabalha arduamente em uma clínica na Vila Mariana, da qual é sócia. Ela também
é uma excelente pessoa.
       − Onde as conheceu? - indaguei.
       − A Márcia e a Rose, eu já conhecia de longa data. Sempre estudamos juntas.
As outras, conheci-as na Ordem ... digo, na Academia.
       − Você freqüenta alguma Ordem?
       − Não! - respondeu-me embaraçada - fizemos amizade em uma academia de
ginástica que freqüentamos juntas à muitos anos.
       Falando francamente, Bárbara, involuntariamente, deixara escapar uma pista.
Suas amigas, e inclusive ela, adoravam assuntos místicos. Concluí que elas faziam
parte de alguma ordem esotérica e queriam guardar sigilo sobre o assunto. Mas por que
razão?
       Sempre havia confiado em Bárbara, mas no fundo, algo me dizia que ela me
ocultava a verdade.
       Apesar de suas amigas aparentarem boa índole, prometi a mim mesmo que
descobriria a verdade, a qualquer custo.
       Depois do "dinossauro" rodar horas, noite adentro, nas estradas escuras e
tortuosas de Minas Gerais; o guia informou que aproximávamos de São Tomé das
Letras, nosso destino final. Instantaneamente todos voltaram-se curiosos para as
janelas. Do lado de fora, a escuridão e o silêncio causavam certo temor. No céu, não se
enxergava as estrelas, pois uma forte neblina invadira a região, fazendo com que o
motorista seguisse lentamente, por aquela estreita estrada de terra, perdida naquele fim
do mundo. A estrada toda cheia de buracos, mais parecia um queijo suíço, fazia o
"dinossauro" sambar para todos os lados. O motorista, com o volante encravado na sua
barriga enorme, estava mais atento do que nunca.
       A escuridão, a neblina, o silêncio e um cheiro estranho no ar conferiam àquelas
bandas um certo clima de horror; que lembrava vampiros, almas penadas, lobisomem e
monstros.
       É sabido que o clima de São Tomé das Letras influencia o humor das pessoas,
provocando um misto de ansiedade, curiosidade, aventura e medo. Ao meu ver, a
agência de turismo realiza as viagens à noite naquelas bandas da serra, justamente
para excitar a mente dos curiosos turistas.
       De repente, no topo de um dos morros, surgiu a cidade das toda nossas
expectativas.




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10
                                        Véu de Noiva

      No seguinte tomamos rapidamente o café da manhã e fomos passear por São
Tomé das Letras. No passeio conhecemos a lendária Gruta das Inscrições, que,
segundo a lenda local, foi lá que um escravo fugitivo recebeu a revelação de um espírito.
Até hoje não se sabe o teor da revelação, mas em todo caso, o escravo deveria contá-la
ao fazendeiro que o procurava. Dito e feito. O escravo fugitivo retornou a fazenda e
mesmo arriscando a vida, narrou o acontecido ao senhor. A mensagem seria muito
importante pois, em recompensa, o escravo obteve a liberdade.
      Da Gruta das Inscrições originou-se o nome da cidade. Um lugarejo maravilhoso e
místico, onde freqüentemente são avistados os misteriosos OVNI, que tanto aguçam a
imaginação dos habitantes do lugar.
      Visitamos o mirante, que é o lugar mais elevado da cidade. De onde se tem uma
visão de trezentos e sessenta graus do horizonte verde azulado, que acompanha
magnificamente a curvatura da Terra.
      Quando anoiteceu tivemos sorte; pois a neblina e as nuvens do dia anterior
sumiram. Surgindo um céu límpido e estrelado, livre das nuvens, da poluição e do clarão
das luzes das cidades grandes. Com um céu assim, quase tocando nossos narizes,
pudemos observar a grandiosidade do universo.
      Dali avistava-se plenamente, a majestosa Via-Láctea, o imponente Cruzeiro do Sul
e as principais constelações do Zodíaco. Uma encantadora lua prateada também estava
presente naquele céu descomunal.
      Vasculhamos o céu durante a noite toda à procura de OVNI. Meu binóculo rodava
de mão em mão, feito um cachimbo da paz indígena, porém não obtivemos sucesso
algum.
      Ao invés dos discos voadores, o máximo que pudemos avistar foi um pequeno
meteorito que deixou um instantâneo rastro verde no céu.
      Passamos a noite inteira no mirante, olhando o firmamento e meditando;
procurando captar as energias positivas do lugar.
      O vento frio que soprava por aquelas bandas, violava nossos agasalhos e nos
fazia tremer. Apesar do frio, passamos uma noite gostosa, conversando à beira de uma
fogueira improvisada e bebíamos um delicioso vinho português. Apesar da bebedeira,
não fizemos algazarra, de certa forma respeitamos o silêncio do lugar e a meditação
das pessoas que estavam sentadas nas bordas do abismo, à maneira da yoga
contemplativa.
      Atravessamos a noite ali acordados e nem notamos o tempo passar. Até que o sol
apareceu timidamente no horizonte e todos se levantaram para observar.
      O sol nasceu gigante e avermelhado e logo subiu ao céu. Havia chegado a hora
de dormirmos.




                                                                                      27
No dia seguinte visitamos a região de ônibus e nada escapava de nossa
curiosidade. Conhecemos matas naturais, grutas e cachoeiras. A mãe natureza estava
tão pertinho de nós. Sentíamos a sua pulsação através do vento que lambia nossas
faces ou nas folhas secas que caíam das árvores.
      Para aproximar-me ainda mais da mãe natureza, fiz questão de dar umas voltas
com os pés descalços. As vibrações positivas emanadas daquele solo abençoado
sensibilizaram a planta dos meus pés e subiram até o sétimo vórtice, situado no topo da
minha cabeça. Então, um arrepio tomou conta do meu corpo inteiro e um novo alento
surgiu em minha alma.
      Mais tarde fomos visitar a cachoeira "Véu de Noiva". Enquanto o pessoal
admirava aquela magnífica queda d'água. Eu preferi ficar dentro do ônibus para dar um
merecido descanso.
      Quase pegando no sono, vi o famoso diário da Luci em cima do banco do ônibus.
Não resistindo à curiosidade, folheei rapidamente suas páginas com a avidez e a
eficiência de um espião profissional.
      Lendo rapidamente os escritos da Luci, pude desvendar um pouco de sua vida
íntima. De tudo que li, duas coisas me impressionaram. O primeiro foi o relato escrito
nas primeiras páginas:
      " Jamais havia sentido "aquilo" com outro homem. Embora já houvesse feito
amor com dúzias deles. Entretanto, na primeira vez que ficamos juntos, Jorge me
fez tremer da cabeça aos pés. Meu peito arfava muito, enquanto meu pobre
coração quase saltava pela boca. Quando atingi o clímax, flutuei nas nuvens.
Acabava de provar o mais doce dos frutos. Depois desse encontro vieram muitos
outros e cada um melhor que o anterior ".
      Li também outras páginas do diário, que consagravam o desempenho sexual de
Jorge e o amor que Luci tanto sentia por ele. Quase no final descobri que o "doce" Jorge
sumiu do mapa deixando-a desamparada e com profundas marcas no coração. Daí em
diante, desfilou nas páginas do diário uma incrível procissão de homens. Contudo
nenhum deles chegava aos pés do amado Jorge e Luci sempre os abandonava. Essa
era a sua maneira de vingar o abandono.
      Na sua mente ferida, não admitia apaixonar-se novamente, pois provavelmente
haveria uma outra desilusão avassaladora.
      A outra coisa que me chamou a atenção foi o seguinte texto:
      "Eu e a notável Míriam fomos até ao Campo das Labaredas fazer o
pagamento combinado. Então aproveitamos para verificar as condições do local
onde se realizará a grande cerimônia da "sexta-feira treze" da lua cheia. Desta vez
eles cobraram mais caro, mas Miriam habilmente negociou um bom desconto."




                                                                                     28
Este relato era a pista importante que eu tanto procurava. Concluí, ainda confuso,
que as moças pertenciam realmente a uma ordem misteriosa que praticava cultos
estranhos. Jurei que iria desvendar aquele mistério.
      Não gostaria que Bárbara estivesse envolvida com magia negra, mas tudo é
possível... E o que é pior: quem procura, acha...




                                                                                     29
11
                                     Viajante do futuro

      Meu quarto estava totalmente escuro, não dava para enxergar absolutamente
nada. Ao meu lado, a meiga Luci prestava assistência a mais uma das minhas viagens
ao astral. Na qual partiria em busca de uma pista sobre o paradeiro do Crânio de Cristal.
      Esvaziei rapidamente minha mente dos pensamentos vagabundos, de modo que,
em poucos segundos, meu espírito libertou-se do cativeiro do corpo físico e entrou em
uma outra dimensão; onde o tempo e o espaço não são importantes, pois eles sequer
existem.
      logo a minha consciência cósmica foi transportada para um abrasador deserto
egípcio; que ofuscava meus olhos.
      Pela primeira vez vi meu próprio corpo em uma viagem astral. Ele estava vestido
igual ao corpo físico abandonado imóvel no quarto.
      Encontrava-me admirando a paisagem da redondeza, quando surgiram, não sei de
onde, uns homens vestidos à moda antiga. Eram egípcios dos tempos dos Faraós. Dois
deles encontravam-se em cima de um carro de combate, puxado por dois cavalos
brancos imponentes. Os outros estavam a pé.
       Um daqueles dois, provável oficial do corpo de carros, destacava-se pela
elegância. O nobre vestia trajes de cores vivas e em sua cabeça havia uma espécie de
capacete azul, arredondado e todinho escamado. Um peitoral de ouro em forma de
águia, fixado por uma grossa corrente em torno do pescoço, adornava seu físico
avantajado. O nobre comandante também ostentava pesados braceletes com figuras de
leões em alto-relevo. O que indicava sua posição de destaque na corte do Faraó.
      O oficial egípcio olhou-me fixamente e interrogou.
      − Quem és tu?
      − Sou um viajante do futuro! - respondi prontamente.
      Nossa conversa não ocorria por palavras, mas através do pensamento.
      − Essas roupas são de estrangeiro que desconheço. Deveis ser um espião de
alguma potência inimiga.
      − Não sou! - respondi decidido. - E posso provar...
     Mostrei, então, ao comandante, meu relógio dourado, de pulseira metálica elástica,
da mesma cor. Fitando o relógio com curiosidade, o comandante, subitamente,
arrebatou-o de minha mão. Contei-lhe então que aquilo era uma máquina utilizada para
medir o tempo. Sem pestanejar, o nobre colocou-o em seu pulso, ao mesmo tempo, que
olhava admirado o movimento cadenciado do ponteiro dos segundos.
     Qual um filme, a cena mudou repentinamente. Sem saber como, fui parar em frente
a uma colossal porta de pedra de uma tumba egípcia. Não conseguia mais ver nem
perceber o meu corpo. Tornara-me novamente um espírito, cujo corpo encontrava-se
imóvel, muito longe dali, em outra dimensão.




                                                                                      30
Naquele local inóspito não havia ninguém, apenas um vento forte lambia
furiosamente a porta de pedra, provocando um ruído seco e arrepiante. Nuvens de
areia, ao sabor dos ventos, varriam o deserto e subiam ao céu, assustando-me.
      Deixei de lado o receio e entrei na tumba. Logo após ouvi vozes que ressonavam
entre as escuras e sombrias paredes; decorada com enigmáticos hieróglifos e figuras
coloridas de homens, animais e deuses do Egito.
      Em seguida, apareceu um sacerdote egípcio gordo, de cabeça raspada, vestindo
saia branca de linho e sandália de couro. Em seu peito reluzia um bonito peitoral
dourado e azul. O tal sacerdote encarou-me com um olhar hipnótico e foi logo dizendo:
      − Quando os ventos cessarem e os chacais saciarem a fome, você não se
lembrará de nada!
      Mal acabei de ouvir as palavras do sacerdote, minha consciência regressou
bruscamente ao meu corpo imóvel próximo da atenta Luci.
      Pensando nos acontecimentos, cheguei à conclusão de que havia penetrado no
registro cósmico e presenciado acontecimentos secretos da remota antigüidade.
Portanto, profanara a história como um intruso indesejável. Essa possibilidade aguçava
minha imaginação.
      Continuei pensando nas palavras do monge:
      − "Você não se lembrará de nada!"
      Talvez por esta razão que, após meu encontro com o oficial egípcio, não me
lembrava de nada mais.




                                                                                   31
12
                                 1994 – um ano marcante

       Quase ao final do expediente, trancado no toalete do prédio da Bolsa, procurei
relaxar a mente observando os pingos de água que caíam lentamente da torneira. Eles
causavam um efeito hipnótico tranqüilizador.
       Era o início do ano de 1994 e havia uma intensa e nervosa movimentação no
grande templo financeiro que é na Bolsa de Valores de São Paulo. Maior centro
acionário do país. Para se ter idéia a Bolsa detém oitenta por cento das transações
brasileiras com ações. Ocupando a segunda posição no ranking da América Latina.
       O fator que ocasionou esta movimentação nervosa foi a alta na taxa de juros que
atraiu o capital estrangeiro ao Brasil refletindo imediatamente no índice Bovespa. As
ações das companhias estatais, que em 1991 valiam US$ 3 bilhões, passaram a ser
cotadas em US$ 40 bilhões.
       O mercado agitado movimentava, naquele período, mais de US$ 250 milhões por
dia. Era tanto serviço que eu precisava trabalhar dobrado para analisar aquele mar de
relatórios e gráficos financeiros. Por isso, estava um tanto estafado pela carga de
serviço que me era imposta.
       Após o expediente, naquele dia, fui embora satisfeito pilotando a possante
motocicleta; capaz de subir a mais íngreme ladeira.
       Subindo a Avenida Rebouças velozmente, localizei pelo retrovisor uma moto que
se aproximava e logo me ultrapassou como um bólido. O piloto era um jovem de porte
atlético, cabelos cortados ao estilo militar; que trajava calça jeans, camiseta branca e
botas de cano alto. O rapaz sumiu na avenida, indiferente ao barulho infernal que sua
máquina produzia.
       Mais adiante, na mesma avenida, encontrei este mesmo motoqueiro, todo
ensangüentado; embaixo de um caminhão de bebidas, cercado por uma multidão de
curiosos.
       Instintivamente reduzi a velocidade, mas não parei. Pálido, continuei o percurso,
tentando restabelecer-me do choque.
       Muitos pensamentos ligados à morte e ao destino vieram-me à cabeça. Procurei
desviar-me de todos eles. Então, relembrei a espionagem feita no diário de Luci e pensei
no mistério que representava o tal Campo das Labaredas. Para minha sorte, eu teria a
oportunidade de desvendá-lo ainda este ano; mais precisamente em maio; quando o dia
treze cairia em uma sexta-feira de lua cheia... Para isso, bastaria seguir alguma das
moças até este campo.




                                                                                     32
13
                                         El Kalibi

       Naquela noite, a Casa de Chá El Kalibi, situada no bairro do Paraíso, estava
completamente tomada por um público jovem e alegre. Kátia, Luci e eu conversávamos
animadamente, sentados sobre grandes almofadas; ao redor de uma pequena mesa de
madeira de aproximadamente quarenta centímetros de altura. Saboreávamos um
delicioso e estimulante chá avermelhado, denominado Karkadeh; quando
repentinamente chegou uma moça morena, de rosto arredondado e de curvas
generosas, que Luci me apresentou.
       − Esta é nossa amiga Estela Zaid!
       − Muito prazer - estendi o braço e apertei sua mão macia, sorrindo. Ela
prontamente retribuiu com um largo sorriso de dentes perfeitos.
       A moça acomodou-se à mesa, mas falou pouco; embora estivesse atenta à nossa
conversa. Seu semblante sereno expunha no canto da boca um sorriso contido. Em
seus olhos expressivos havia um brilho intenso de quem conquistara a paz interior.
       Nos bastidores da casa, Bárbara e a bela mulata Luíza aguardavam o momento de
se apresentarem ao público; que, por sua vez, entre goles de chá, esperava
ansiosamente o grandioso espetáculo da dança do ventre.
       Essa dança, de origem antiga e considerada sagrada, foi inicialmente praticada
pelas formosas bailarinas da Mesopotâmia. Dançando elas imitam coisas da natureza, o
vento nas areias do deserto, a leveza das plumas ou o arrastar das cobras.
       A dança do ventre e a suas belas dançarinas, sempre causam impactos
consideráveis nas mentes das pessoas. Não é à toa que as mulheres daquela dança
são graciosas, bonitas e sedutoras. Durante o show não dá para desviar o olhar delas.
       Bárbara contaram-me que Luíza fora criada por ciganos. Povo que gosta das artes
adivinhatórias: búzios, cartas, bola de cristal, tarô e outras.
       Luiza também adorava Iemanjá, a rainha do mar. Razão pela qual em todas as
passagens de ano ela ia à praia, fazer suas oferendas e rezar. E, juntamente com os
milhares de fiéis, ela soltaria fogos e acenderia velas. Ritual que proporciona um
espetáculo muito bonito, que atrai turistas do mundo todo.
       Quando começou o espetáculo no El Kalibi, Bárbara e Luíza surgiram dançando
com volúpia jamais vista; ao som de uma insinuante música árabe. Os presentes
silenciaram, ao mesmo tempo que arregalaram seus olhos.
       Minha doce Bárbara apresentava uma sensualidade incrível. Ela vestia saia de
seda preta com uma provocante abertura lateral até a cintura. Na parte de cima, havia
uma peça de roupa semelhante a um sutiã, com enfeites dourados que sustentava
firmemente os seios. O ventre e as costas dela se encontravam descobertos.




                                                                                   33
Luíza vestia-se da mesma forma, porém seu traje era branco, permitindo que
sobressaísse sua cor tentadora. A mulata era um mulherão; quer pela altura, quer por
seus formosos contornos. Uma verdadeira escultura viva.
      Bárbara dançava segurando um véu numa das mãos e não desviava seu olhar do
meu. Mesmo assim, furtivamente eu também admirava sua monumental amiga. Afinal,
aquela dança estimulava os desejos e estes não têm limites...
      Seria impossível permanecer indiferente ao vê-las dançando e seduzindo os
homens. Confesso que fiquei com certo ciúme de Bárbara.
      Enquanto as duas encantavam o público, eu permanecia quieto na mesa. Com ou
humor variando entre satisfeito e perturbado, eu lutava para controlar o ciúmes a todo
custo.
      Desde o início da amizade com Bárbara, eu havia vasculhado sua alma, como um
astrônomo curioso que observa o espaço sideral. E conseguira desvendar alguns de
seus segredos, talvez os mais evidentes. Portanto, não acreditava que aquela moça que
dançava entusiasmando homens e mulheres, fosse uma bruxa desalmada.




                                                                                   34
14
                                       Aqui e agora

      O relacionamento que mantive com as amigas de Bárbara influenciara meu modo
de vida. Agora eu meditava mais freqüentemente do que antes e lia intensamente os
assuntos místicos. Embora ainda não estivesse no nível cultural esotérico das mulheres
do Círculo, eu conseguia conversar com qualquer uma delas, de igual para igual.
      Seguindo a moda da nova era, transformei a decoração do meu apartamento, com
pirâmides, bolas de cristal, pêndulos, pedras energéticas, budas e outros artigos. Para
completar o ambiente esotérico, importei dos Estados Unidos, uma réplica perfeita de
um Crânio de Cristal, para enfeitar minha estante de livros.
      Ainda neste período de transformações, comecei à cuidar mais do corpo e do
espírito. E também passei à preocupar-me com o destino do nosso Planeta, da
humanidade e dos animais. Coisas que antes pouco me passava pela cabeça.
      Procurei levar uma vida mais regrada, sem excessos de qualquer ordem. Comia
equilibradamente, evitando exageros de sal, gordura, álcool e açúcar. Para completar eu
sempre dormia nas horas certas.
      Ao me alimentar eu tomava por base uma regra tibetana: "encher o estômago
com cinqüenta por cento de alimentos, vinte e cinco por cento de líquidos e o
restante manter vazio. Nunca comer ou beber alimentos quentes ou frios demais".
Esta é a fórmula, segundo eles, para se viver mais e melhor.
      A alimentação equilibrada que eu fazia constituía-se de verduras, frutas e carnes
brancas. Para manter a forma física eu praticava exercícios de tai-chi-chuan e dava
umas boas pedaladas na bicicleta ergométrica.
      Do ponto de vista filosófico, passei a viver o "aqui e agora". Que segundo a
concepção budista, significa viver com a mente no presente. E isso é importante para o
nosso equilíbrio mental; pois o passado jamais pode ser alterado e o futuro é
sabidamente incerto.
      Dito isso, pode-se verificar a magnitude da contribuição da amizade das moças
para o desenvolvimento e o enriquecimento do meu mundo interior.
      A supervisão das minhas viagens astrais pela Luci; proporcionou-me novas
chances para espionar seu diário revelador, que ela sempre trazia consigo. Para minha
sorte, nessas investigações descobri o endereço do Campo das Labaredas. Situava-se
no final da Rua Comendador Armando Pereira, em plena Serra da Cantareira, na cidade
de São Paulo.




                                                                                    35
A cerimônia ritual realizava-se uma vez por ano, na primeira lua cheia de uma
"sexta-feira treze". Neste ano ocorreria no próximo dia treze de maio. Data que eu
pretendia estar lá para assistir o enigmático culto ao fogo. Secretamente, é claro.
      Certo sábado ensolarado convidei Bárbara para passearmos de moto pela cidade.
Na verdade a minha intenção era espionar previamente o campo das labaredas. Coisa
que eu não comentara com ninguém, nem mesmo com Bárbara.
      Logo que chegamos ao Bairro de Santana, decidimos entrar em um hotel situado
na Rua Conselheiro Saraiva, quase na esquina com a rua Voluntários da Pátria.
      Lá, trancados em um pequeno e aconchegante quarto de teto espelhado, fizemos
amor por um longo tempo. Não me lembro de quantas vezes possuí o corpo esguio de
Bárbara até a exaustão. Lembro-me que foi de muitas maneiras, até saciarmos nossa
sede de amor. Aquele que os amantes praticam com entusiasmo; sem medo ou receio,
sem culpa ou violência. Amamos na mais perfeita harmonia que pode haver entre um
homem e uma mulher e usufruímos; como recompensa, dos prazeres irrestritos.
      Em seguida fui tomar uma merecida ducha quente para relaxar. Enquanto isso,
Bárbara ficara estatelada na cama; mergulhada em um profundo êxtase, do tipo que só
as mulheres conhecem após o clímax sexual.
      O rosto de Bárbara estampava o retrato da felicidade. Confesso que senti uma
enorme satisfação ao observá-la assim.
      Enquanto a água quente rolava pelo meu corpo, eu olhava o movimento da rua por
uma pequena janela ao lado do chuveiro. No exato instante que um vento insistente
agitava os galhos de uma árvore frondosa; enquanto os carros apressados desciam a
ladeira da Voluntários. O vai-e-vem das pessoas na calçada me fez lembrar que estava
em uma cidade grande e enigmática.
      Naquele instante, nuvens carregadas trazidas pelos ventos, espantavam os
últimos raios de sol, antecipando a noite paulista.
      Quando saímos do hotel a noite já havia tomado a cidade. Mesmo assim
continuamos o passeio em direção à Serra da Cantareira.
      Prossegui "voando baixo" pela Avenida Nova Cantareira, até que notamos o ar frio
e puro das montanhas que se aproximavam.
      Na altura da bifurcação entre a Nova Cantareira e a Avenida Senador Antônio
Ermírio de Moraes avistei o Campo das Labaredas. Ele estava à minha direita, talvez a
uns dois quilômetros dali.
      AS labaredas gigantes do campo se destacavam nas trevas da noite, dançando ao
sabor dos ventos. De tempos em tempos, elas se avolumavam e explodiam em todas as
direções; lançando perigosas línguas de fogo que lambiam a escuridão. Aquela visão
me emocionou bastante.




                                                                                   36
O local das chamas é precisamente o aterro sanitário na Vila Albertina. Um
enorme campo gramado, que possui toneladas de lixo enterrado embaixo da sua
superfície.
      O lixo orgânico em decomposição produz um gás tóxico, que sai para a superfície
através de dutos metálicos, em cujas extremidades são acesas as chamas que evitarão
explosões ou poluição atmosférica. Durante anos a fio estas chamas são mantidas
acesas pelos gases emanados do lixo enterrado. A meu ver, esse processo é um
descomunal desperdício de energia. O gás consumido inutilmente pelas chamas poderia
ser utilizado para fins econômicos.
      Próximo ao local, estacionei a moto para admirarmos o belo espetáculo que das
"chamas douradas" proporcionavam.
      − Que lindo! - exclamou Bárbara excitada.
      − É mesmo - respondi seco, não desviando o olhar das chamas enormes.
         Estava satisfeito e orgulhoso por ter descoberto o local secreto onde as moças
realizavam os rituais da lua cheia. Meu próximo objetivo seria observá-las dançando ali
e certificar-me se elas praticavam ou não os abomináveis rituais da magia negra. Para
isso ficaria escondido naquelas imediações, no dia treze de maio, sexta-feira de lua
cheia...




                                                                                    37
15
                                   Em busca da sabedoria

       A sabedoria é semelhante à água pura de uma fonte natural. Os sedentos que a
bebem rapidamente, não tomam consciência desta pureza. Assim falou um mestre zen-
budista a um discípulo seu.
       Em busca da sabedoria, li muitos livros sobre Meditação, Tao, Zen-Budismo,
Budismo, Hinduísmo. Naquele momento estava terminando de ler livro "Bhagavad Gita";
escrito há mais de 5 mil anos, considerado um dos pilares da sabedoria humana.
       Curiosamente, o Bhagavad é estudado por cientistas dos países ocidentais
adiantados. Acreditam eles que se interpretarem corretamente os livros sagrados dos
Vedas, conseguirão novas bases teóricas para impulsionar as ciências.
       Mas não foi apenas a leitura que me confortou. Na meditação e no auto-
conhecimento encontrei a paz interior, tão necessária ao equilíbrio psíquico. Graças ao
meu próprio esforço, acalmei meu espírito perturbado e tornei-me mais compreensivo
com as outras pessoas. E isso me fez um bem enorme.
       Interessei-me também por assuntos que ocorreram no passado, principalmente
sobre a extinção dos Dinossauros.
       Pesquisando em livros e revistas, descobri que um meteoro enorme caiu na
periferia de São Paulo. Isso ocorreu há mais de 30 mil anos. A explosão causada pelo
por ele produziu uma cratera de 3,6 quilômetros de diâmetro por 450 metros de
profundidade. Se aquele meteoro tivesse caído atualmente, arrasaria toda a cidade de
São Paulo.
       Minha curiosidade sobre o assunto era tamanha, que certo sábado de manhã
resolvi conhecer a tal cratera. Peguei o "trator" e fui até lá.
       Chegando em Colônia, situada às margens da represa Billings, aluguei um
ultraleve para sobrevoei o local onde aconteceu a catástrofe.
       Visto do alto, a cratera é interessante e faz suscitar na mente as mais fantásticas
especulações acerca daquela tragédia fatal. Entretanto, este patrimônio histórico natural
está ameaçado, devido às inúmeras construções que proliferam borda da imensa
cratera. Portanto, é necessário que as autoridades tomem providências urgentes, para
salvar o lugar da degradação ambiental.
       Sobrevoando o local durante meia hora, imaginei o tremendo impacto que aquela
enorme bola de rocha incandescente provocou ali. Estima-se que o poder daquela
terrível explosão equivaleu ao de centenas de bombas de hidrogênio. E, provavelmente,
dizimou muitos animais pré-históricos da região.
       Apaixonado por astronomia, de vez em quando espio o céu com minha poderosa
luneta. Anos atrás, com essa mesma luneta, consegui avistar o cometa Halley, no céu
da cidade de Itapecerica da Serra. O cometa apareceu tímido no céu e lembrava o
planeta Vênus. Infelizmente ele não possuía aquela exuberante calda avistada nas
outras vezes.
       O cometa Halley só aparece a cada setenta anos. Da próxima vez que ele retornar
eu certamente estarei descansando em paz no cemitério.




                                                                                       38
Entre 18 e 29 de julho daquele ano de 1994, o cometa Shoemaker-Levy colidiu
com o planeta Júpiter. Foi a primeira vez que o homem acompanhou uma colisão desta
proporção. Se ele tivesse colidido a Terra, teria dado fim à vida no planeta; tamanha a
potência da explosão.
      A velocidade do Shoemaker-Levy era incrivelmente fantástica. Muito maior do que
os poderosos foguetes podem alcançar. Só através do poder mental podia-se chegar até
ele.
      Eu continuava fazendo as viagens astrais, sempre supervisionado de perto pela
prestimosa Luci. Certa vez voltei ao Nepal, e sobrevoei Katmandu sua capital. Na
oportunidade, uma espessa neblina encobria parcialmente suas ruas e construções.
Nem a enorme lua cheia pude ver. Fazia um frio tão intenso que as ruas estavam
desertas. Mas, assim que amanheceu, o povo saiu para as ruas contente e se dirigiam a
um suntuoso pagode construído com cinco telhados sucessivos, que se afunilavam.
Observei que na parte de baixo do templo, havia uma escadaria ladeada por budas,
elefantes e dragões e terminava no portão principal que dava para as ruas.
      Muitos visitantes chegavam à cidade naquele momento, para comemorar o
nascimento de Gautama Sidarta, o Buda. Era o tradicional festival do Vesak, que ocorre
no mês de maio.
      Na periferia da cidade, jovem que carregava um cesto de fibra vegetal nas costas;
atravessava uma ponte pênsil, feita com tábuas e cordas, sobre um profundo precipício.
Aquele jovem, provavelmente um agricultor ou comerciante, também seguia em direção
à cidade. Do outro lado da ponte, um cão ladrava para ele e quebrava o silêncio
monótono do vale.
      Na dimensão do astral eu podia ouvir o pulsar compassado e calmo do meu
coração dentro corpo estático. Havia uma ligação perfeita entre o espírito que vagava
livre e o corpo material. Romper essa frágil ligação acarretaria no que as pessoas
chamam de morte. Ou seja, a libertação definitiva do espírito do corpo. Contudo, eu
estava plenamente consciente de que transitava em terras estranhas. Sabia quando
meu espírito deveria regressar à sua morada e ele agia conforme minha vontade.
      Continuando a viagem, na velocidade do pensamento, cheguei a um lugar
estranho e sem habitações, que possuía um céu azul com algumas nuvens brancas
esparsas. No solo abaixo de mim, milhões de flores coloridas embelezavam a paisagem
na base das montanhas.
      Novamente, em um piscar de olhos, o cenário mudou. Surgiu a noite com o céu
abarrotado de estrelas cintilantes. Onde uma lua prateada e enorme iluminava um
deserto imenso. No qual, um vento insistente e ruidoso removia a areia e formava
imensas dunas itinerantes. Adiante, nas montanhas, os lobos choravam para a lua.
Perto dali, Indiferente a tudo mais, uma caravana de peregrinos seguia pacientemente
em direção à cidade sagrada de Meca.
      Que lugar lindo! Vivendo no outro lado do mundo, nem imaginava que um dia
conheceria um lugar assim...




                                                                                    39
O Crânio de Cristal
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O Crânio de Cristal

  • 1. O CRÂNIO DE CRISTAL Escritor Valente 1
  • 2. DEDICATÓRIA “Dedico este livro aos meus pais, irmãos, esposa, filhos, amigos e em particular aos leitores, razão principal desta obra.” Paulo Valente valente@estadao.com.br Ago/1996 2
  • 3. 1 A Musa Após o término de um dia estafante de trabalho no escritório, resolvi ir para casa. Larguei o que estava fazendo pela metade, afrouxei a gravata e fui embora pilotando atentamente minha motocicleta no meio do trânsito maluco. Graças a Deus consegui chegar inteiro ao agradável e doce lar. Então, agradeci por mais este dia, por ter resistido a mais uma batalha em meio a milhares de motoristas neuróticos que estão soltos na cidade de São Paulo, incluída entre as mais violentas do mundo. Imensa e agitada, São Paulo revelava no trânsito conturbado as repressões e aflições que nós, seus habitantes, somos submetidos. Contudo a cidade apresentava uma face benevolente, oferecendo inúmeras oportunidades a seus moradores, e foi justamente por isso que mudei do interior para cá. Quando cheguei aqui pela primeira vez, acostumado com a vidinha pacata interiorana, fui surpreendido pelo ritmo intenso desta terra de mil contrastes. Onde pode- se ouvir o barulho do trânsito rugindo noite adentro feito uma fera acuada. Ao chegar ao meu apartamento, mal abri a porta, fui logo tirando os sapatos e as roupas. Totalmente nu, debrucei-me à janela para contemplar aquela cidade que não dorme nunca. Do alto de um esguio edifício branco de quinze andares, que parecia uma torre espetando o céu, vislumbrei a imensidão de São Paulo no exato momento em que o sol sumia no horizonte e a escuridão envolvia assustadoramente as ruas dos bairros distantes, apesar das milhões de lâmpadas acesas espalhadas no vasto manto negro. Era surpreendentemente fantástica a vista panorâmica que descortinava-se à minha frente, na qual o moderno contrastava com os pobres barracos da favela, não distante daqui. Daquele ponto de observação privilegiado avistei outras "torres" brilhantes plantadas no horizonte, propiciando efeitos futuristas. Lá embaixo, nas ruas, os carros trafegavam morosamente, indiferentes à poluição que causavam. Contemplando calmamente a paisagem, relaxei os músculos e, sobretudo, a mente. Em minutos revigorei as energias supostamente perdidas. Seguramente, naquele horário, a maior parte das pessoas já encontrava-se na segurança de seus lares. As noites, são sempre perigosas e traiçoeiras, verdadeiras cúmplices das violências extremadas, dos desastres e dos assaltantes. Por isso, a população acabou vivendo "enjaulada" em quatro paredes, para grande felicidade da indústria da segurança, que se desenvolveu a plena carga: armas pessoais, sistemas de segurança, guarda-costas e seguros de todos os tipos. "Todo cuidado é pouco", proclamam as propagandas desta "indústria" rentável. Lamentavelmente, os fatos que ocorrem diariamente não desmentem a afirmação. Eu mesmo, temendo a violência desenfreada dos marginais, cogitei comprar uma arma de fogo e andar com ela; mas acabei concluindo que não seria uma boa solução. Sendo assim, praticamente indefeso neste mundo cão, só me restava a fé na proteção divina. Tempos atrás, numa destas contemplações, descobri que na "torre" vizinha morava uma encantadora jovem de cabelos negros compridos e brilhantes. A primeira vez que a vi, ela também contemplava a cidade da janela de seu apartamento. Sua presença marcante logo me encantou e para poder observa-la, comprei um potente binóculo. Foi desta maneira que me transformei num "espião" assíduo e perseverante. 3
  • 4. Totalmente alheia ao mundo exterior, a jovem vizinha involuntariamente cooperava comigo, à medida que sempre deixava escancaradas as janelas do apartamento. De tal forma que em pouco tempo acabei por descobrir alguns de seus hábitos domésticos, e a intimidade de sua residência. E, logo descobri que tínhamos algo em comum: a nudez doméstica. Entrando porta adentro, a moça libertava seus empinados seios da escravidão do sutiã e Invariavelmente ficava apenas de calcinha sensual preta, que combinava com sua pele bronzeada pelo sol da praia. Era uma mulher alta e bonita, de boca pequena e nariz apontando para o céu. Além disso, possuía um corpo invejável. Bumbum arrebitado, cintura fina e pernas envolventes. Uma verdadeira obra-prima da natureza; esculpida por artistas de primeira grandeza. Ela morava sozinha, entretanto, nunca cheguei a vê-la nos braços de um homem; embora recebesse freqüentemente a visita de muitas pessoas, sendo a maior parte delas constituída por mulheres. Muitas vezes a vi dançar sozinha a beira da janela. Dançava suavemente exibindo seu corpo de uma maneira estranha, que lembrava os movimentos do tai-chi-chuan e do balé russo. Pena que eu não conseguia ver tudo lá dentro. Observando-a dançar indagava a mim mesmo qual seria seu nome, sua profissão e outros tantos detalhes de sua vida particular. E a cada dia minha curiosidade aumentava mais. Eu lembrava os astrônomos antigos que olhavam as estrelas do firmamento e formulavam questões... Como o hábito faz o monge, espiar minha anônima musa acabou transformando- se em vício. Por causa dele, abandonei temporariamente os livros e a televisão. No canto da sala formou uma pilha de jornais e revista que nunca li, constituindo prova evidente da minha alienação. O vício dominara-me de tal forma que ficava irritado quando não conseguia vê-la naqueles horários determinados. Desta maneira inusitada tornei-me prisioneiro temporário de uma mulher que sequer conhecia. Um espião obcecado, cujo prazer misturava-se em igual dose com o incômodo e a frustração. 4
  • 5. 2 O encontro Que época danada aquela! As coisas não corriam bem para nosso país. Nas ruas, as pessoas não falavam noutra coisa, senão da crise. Uma hidra de inúmeros tentáculos: crise moral, crise política, crise econômica e por aí vai... Diziam que o país estava prestes a cair no abismo. Na Bolsa de Valores pairava um clima de ansiedade e expectativa. Corria boato que o governo lançaria outro plano econômico para tentar debelar a inflação. O rumor fez despencar o índice geral das ações da Bolsa. Era indício que o capital, temeroso, refugiava-se no dólar; para a grande alegria de "doleiros" poderosos, que assim engordavam ainda mais seus patrimônios milionários. Como sempre, os mais ricos continuavam ganhando muito e os mais pobres levando na cabeça. Entretanto, com a crise financeira, não era só o povo que levava a pior. Do outro lado do jogo, alguns investidores menos avisados amargavam prejuízos consideráveis. Os relatórios numéricos sobre a minha mesa indicavam o quanto a economia do Brasil ia mal. Para aumentar as incertezas, eles não mencionavam nenhuma perspectiva de que a situação fosse revertida a curto prazo. O tremor na Bolsa, naquele dia, provocou uma avalanche de serviços extras para mim, justamente quando uma forte indisposição estomacal roubara meu ânimo para o trabalho. Ainda ao final da tarde, eu arrotava o alimento do almoço mal digerido. Quem come fora de casa, nos restaurantes da vida, está sujeito a estes transtornos. Resolvi sair mais cedo do trabalho e ir para casa. Deixei o escritório e fui embora voando baixo com a minha moto. Assim que cheguei ao apartamento, tomei um analgésico e deitei no sofá da sala para descansar. Nem ao menos espiei pela janela para tentar ver minha adorável musa. Logo um sono avassalador transportou-me, sem escalas, para o mundo dos sonhos. Acordei horas depois, mais disposto, quando lembrei que no dia seguinte haveria faxina no apartamento e precisaria comprar alguns produtos de limpeza que haviam acabado. Tremendamente irritado, vesti um conjunto de moletom e fui até o supermercado situado no quarteirão ao lado, na movimentada Rua Teodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros. Percorrendo os corredores das prateleiras abarrotadas de mercadorias constatei que os preços haviam disparados. A remarcação evidente sinalizava que metiam a mão no nosso bolso descaradamente. E eu, que já não estava bem, fiquei mais azedo ainda. Porém, a vida que é feita de altos e baixos, havia reservado uma agradável surpresa para mim. Como em conto de fadas, apareceu na minha frente a musa dos meus sonhos. Diante daquela visão inesperada o meu coração acelerou imediatamente, aflorando minhas emoções contidas. A proximidade da moça fez meu corpo vibrar por inteiro, abrindo e ativando todos os seus canais de percepção. Então, não foi difícil para meu olfato descobrir a presença daquela mulher no ar. Estimulado pelo aromado do perfume dela, notei minhas orelhas arderem em brasa. Jamais havia me sentido assim antes. 5
  • 6. Mais que depressa, igual a um gavião que mergulha das alturas sobre sua presa, aproximei-me da moça e sem inibições puxei conversa: − Eu conheço você! - exclamei convicto, fitando seus olhos de mel. − É mesmo... de onde? - indagou-me sorrindo, não disfarçando surpresa. − Você mora em um prédio ao lado do meu. Sempre a vejo na janela. É muito bonita e eu não a esqueceria nunca. Mesmo que se passem cem anos... − Obrigada - sorriu novamente, mostrando seus dentes perfeitos e as covinhas sensuais da face. Percebi prontamente nos olhos da moça que ela gostara de mim. Um tipo incomum de brasileiro: alto, magro, rosto comprido e traços de judeu. Pensando bem, não sou feio, devo estar na "média". Lembrei-me instantaneamente do que escrevera para o jornal, o ex-secretário americano Henry Kissinger. Segundo ele, não se deve desperdiçar uma oportunidade, pois é incerto se ela vai se repetir novamente. Sem perder tempo, parti para o tudo ou nada. A minha oportunidade estava ali. − Meu nome é Daniel e o seu? − Bárbara - respondeu um tanto tímida. Ela era mais simpática do que eu imaginara, sempre com um sorriso pronto nos lábios e muito brilho nos olhos; sinal de quem está de bem com a vida. Como Bárbara adorava conversar acabamos fazendo as compras juntos. Conversamos à vontade e rimos muito. Apenas assuntos amenos e engraçados, do tipo que as pessoas conversam quando se conhecem. Apesar dos assuntos frívolos, intuí o quanto ela era uma pessoa culta e de raciocínio rápido. Além da solidão e da "nudez doméstica" descobri que tínhamos outras coisas em comum: O prazer de conversar, a boa leitura, a música e a dança. Se antes já admirava Bárbara secretamente, imagine após conhecer aquela doçura em forma de pessoa, sempre transbordando simpatia. Amavelmente levei seus pacotes até a entrada do edifício onde ela morava. Lá conversamos mais um pouquinho e aproveitamos para o tradicional intercâmbio de números de telefones. Ao despedir-me de Bárbara dei-lhe um abusado e afetuoso beijo no cantinho de seus lábios sensuais. Assim, involuntariamente, roubei um pouquinho do seu batom vermelho. Pela intensidade do brilho de seus olhos, naquele instante intuí o quanto ela gostara da ousadia... Fui embora feliz, envolto no agradável aroma do seu perfume. 6
  • 7. 3 Sexta-feira A semana seguinte fora agitada, mas o país não caíra em nenhum abismo, apesar dos boatos plantados por fabricantes de crises. Por conseguinte, o negócio era relaxar para recuperar o fôlego. Afrouxei a gravata, estiquei os pés adormecidos e apoiei-os em cima da lixeira por uns instantes. Olhando através da janela do escritório, notei que o sol acabara de abandonar o horizonte, deixando no céu um rastro avermelhado na direção do poente. A cidade já acendera suas luzes e os milhares de veículos abandonavam o centro em direção aos bairros silenciosos. Na grande e complicada fuga para casa havia excesso de veículos nas ruas e isso causava os intermináveis transtornos de sempre: barulho, engarrafamentos, cansaço, discussões e brigas. Minha cabeça encontrava-se atordoada devido às más notícias econômicas, que resolvi ir embora. Afinal, ninguém é de ferro. Ainda mais que era sexta-feira, dia consagrado para beber cerveja nos bares com os amigos. Sem vacilar, deixei para terminar na segunda-feira aquele relatório maçante sobre a movimentação de capitais estrangeiros na Bolsa de Valores de São Paulo. Despedi-me do pessoal, pequei a moto no estacionamento e sai dali o mais rápido possível. Quando percebi já estava na Avenida Consolação. Rumava rápido e feliz da vida, sentindo um vento frio no rosto, que secava meus lábios. Durante a semana eu havia conversado por telefone com Bárbara e havíamos combinado de sairmos juntos naquela noite. Seria nosso primeiro encontro e isso causava em mim uma brutal ansiedade. Para amenizá-la eu acelerava fundo a moto, que em resposta rugia como uma leoa ferida. Rumei velozmente para o bairro de Pinheiros em meio a um mar de veículos. Dirigia apressadamente naquele trânsito caótico, com atenção redobrada, para evitar qualquer acidente. Um simples deslize poderia ser fatal para mim. Pretendia chegar logo, tomar um banho quente, me arrumar; passar o melhor perfume e ir ao encontro marcado com minha amada Bárbara. 7
  • 8. 4 Um bar da Henrique Shaumann O enorme relógio digital fixado em cima de um prédio na Praça Ramos indicava meia-noite em São Paulo. Apesar do frio, os bares e boates estavam apinhados de gente de diversas "tribos" da moda: dark, punk, yuppies e os terríveis carecas do subúrbio. Estes "índios urbanos" de roupas estranhas e penteados malucos, haviam transformado os locais mais badalados dos bairros de Moema, Jardins e Pinheiros em seus territórios de caça. Nas ruas imundas dos bairros da periferia perambulavam gangues de adolescentes à procura de diversão barata ou mesmo de confusão. Já nas esquinas escuras da Avenida República do Líbano, travestis formosos e quase nus disputavam fregueses anônimos, ocultos pelas sombras da noite. No outro lado da cidade, na famosa rua Augusta, o trânsito continuava congestionado por carros e motos lotados de pessoas ávidas por aventuras sem compromissos. Longe dali, o centro da cidade encontrava-se repleto de prostitutas finas ou rampeiras, de mendigos, de vagabundos e de marginais de todos os tipos. É um risco enorme passar por lá naquele horário. Em contrapartida, nos bairros mais afastados, as ruas estavam completamente desertas. Nenhuma viva alma, nem mesmo os cachorros de rua são encontrados. Apenas enormes ratazanas furtivas atreviam-se a sair dos esgotos imundos para revirarem os lixos em busca de alimentos. Observei tudo atentamente através da viseira do capacete. Estava muito frio e ele havia gelado minha face. Agarrada em mim, na parte de trás do banco da moto, Bárbara também olhava curiosa aqueles locais da cidade que desconhecia. Depois deste longo passeio "turístico", resolvemos tomar uns tragos em um bar qualquer da Avenida Henrique Schaumann. Escolhemos um bastante acolhedor, freqüentado por intelectuais da Universidade de São Paulo. Pelo que se notava nas faces e nas vestimentas sóbrias das pessoas que o freqüentavam, a média de idade do pessoal gira girava em torno dos trinta anos. Contrariando o ambiente, entramos no bar trajando calças jeans e jaquetas de couro preto. Ignorando os olhares curiosos, sentamos em uma mesa localizada no centro do salão e solicitamos ao garçom que nos trouxesse vinho quente e queijo. Uma deliciosa combinação que degustamos vagarosamente entre uma conversa e outra. Sentado frente à Bárbara eu olhava fixamente seus olhos meigos, admirando sua simpatia contagiante. Na qual sempre ria das coisas, pondo à amostra seus dentes cor de marfim perfeitos. 8
  • 9. Naquele ambiente esfumaçado e ruidoso, de trago em trago, a nossa conversa fútil prosseguia animadamente. Ao redor, os outros provavelmente faziam o mesmo. A certa altura, saboreando com o olhar aquele doce em forma de pessoa, falei: − Bárbara, conversamos muito das coisas da vida, mas não de nós mesmos. Que tal falarmos um pouquinho da gente? − Bem, o que quer saber? - indagou. − Quero saber algo mais sobre esta linda moça a minha frente, da qual não consigo desviar meus olhos. − Compreendo, tentarei fazer um resumo da minha vida; embora seja difícil falar da gente mesmo, não é? Fiz um sinal afirmativo com a cabeça e ela continuou. − Na realidade, não sei quem sou. Mesmo fazendo meditação ainda não consegui me descobrir por inteira. − Ah, então temos isso em comum pois também medito – falei sorrindo. − Bem... sou filha de pai árabe e mãe portuguesa. Do lado de meu pai "herdei" o gosto pela música e de minha mãe o gosto da dança. E foi ela que me ensinou a difícil dança do ventre. Minha mãe também influenciou-me no aprendizado de ocultismo; o que tornou-se fundamental para mim atualmente. O esoterismo é meu prazer e minha profissão. Sou jornalista e escrevo artigos ligados ao misticismo para revistas e jornais. Além disso, participo da elaboração de um programa de rádio que vai ao ar aos domingos pela manhã. E mais, presto consultoria de grafologia e numerologia para algumas empresas. Também atendo clientes em minha residência. A maior parte é constituída por mulheres; pois os homens em geral não se interessam por esses assuntos. Mas os clientes homens estão aparecendo. Acho que os tempos estão mudando. Sem interrompê-la eu prestava atenção em suas palavras, ao mesmo tempo que olhava para ela como quem olha para uma deusa viva. Bárbara era realmente linda e suas palavras meigas e doces poderiam derreter até os corações mais duros. Ela continuou falando. − Nenhuma mulher gosta de dizer a idade, mas não me importo e vou dizer a minha. Tenho vinte e nove anos bem vividos. Estou contente e em paz comigo mesma. Sempre encaro os fatos de maneira positiva, pois possuo muita fé em Deus. Sou do tipo que gosta de viver a vida, mas sem excessos. Não me considero perfeccionista, embora goste das coisas corretas. Como todo ser humano tenho lá meus defeitos. − Por exemplo? - indaguei. − Quero um mundo mais justo, o que me parece impossível. Outro defeito é confiar demais nas pessoas e elas normalmente estão interessadas um duas coisas apenas, satisfação sexual e dinheiro. Acontece que considero essas coisas causas dos grandes males da humanidade. − Concordo em parte contigo - argumentei - acho que sexo e dinheiro causam o mal se as pessoas permanecerem cegas para a realidade e o sentido da vida. 9
  • 10. − Pois é - continuou ela - de forma que não tive muita sorte com os homens. Conheci um monte deles, todos mal intencionados. Queriam apenas usufruir egoísticamente de mim e depois exibir-me por aí como um troféu vivo. − Realmente faltou sorte - concordei. − Pois é, e se não bastasse, um dia me apaixonei intensamente por um homem, bem mais velho que eu. Chegamos a marcar nosso casamento. Nesta ocasião, eu cursava a faculdade de Jornalismo. Certa vez saí mais cedo do trabalho e resolvi passar em seu escritório sem avisá-lo. Chegando lá, fui logo entrando, pois a porta estava aberta. Qual não foi a minha surpresa, encontrei-o nu em companhia da minha melhor amiga, que eu mesma havia apresentado um dia a ele. − E o que você fez? − Nada! Virei as costas e fui embora sem dizer uma palavra. Foi horrível. Chegando a meu apartamento chorei muito. Depois dormi como uma pedra. No dia seguinte não queria mais pensar no assunto. Consegui esquecê-lo sem guardar raiva ou ressentimento. Inconformado com o azar ele me procurou diversas vezes para se desculpar, mas não dei ouvidos a ele. − Bem, já falei muito a meu respeito, e você? − Também não aprecio falar de mim. Talvez por falta de assunto... - comentei rindo e ela riu também, então continuei. − Acho que já lhe contei que trabalho na Bolsa de Valores como analista financeiro. Vivo sozinho aqui em São Paulo e meus pais moram no interior do Estado. Namorei bastante na vida, porém nenhum namoro deu certo pelo fato de gostar de sair sem ter hora para voltar. E minhas namoradas não entendiam isso. Queriam me aprisionavam a esquemas tirânicos de tempo e posse. Esses namoros contaminados por ciúmes doentios causavam desentendimentos, o que desgastava os relacionamentos. Acredito que uma pessoa não é propriedade da outra. Contudo, não sou libertino quanto possa parecer. Acho que a moral e o respeito são necessários à sociedade, mas sem hipocrisias, claro. Considero-me realizado, tenho um bom emprego e uma boa saúde. Creio estar de "bem" com a vida. Foi o tempo de querer dar murros em ponta de faca... Mas houve uma época que fiquei numa pior. Foi quando perdi meu único irmão, vítima de um desastre de automóvel. Desanimado da vida, quase larguei tudo. Precisei fazer análise para me reencontrar. Graças a Deus consegui sair do buraco, depois de seis meses daquelas cansativas sessões de psicoterapia em grupo. − A morte repentina do seu irmão que foi tão horrível para você, deve ter sido pior para seus pais - comentou penalizada. − Foi mesmo, meu pai até hoje está traumatizado. A minha mãe que é mais espiritualizada superou o incidente. Não gosto de relembrar desse dia tão triste. Quero ter apenas boas recordações do meu irmão. Ele era muito legal, de uma inteligência invejável e muito bondoso. Mas, ele já partiu desta vida. Provavelmente deve estar melhor que nós, quem sabe? − É mesmo - confirmou Bárbara, servindo-se de mais um gole do delicioso vinho. 10
  • 11. O bate papo atravessou a noite e nem percebemos o tempo passar. O bar, que a princípio estava cheio e enfumaçado, agora encontrava-se vazio e melancólico. Da noite agitada restava apenas a movimentação dos garçons que olhavam para a gente, de um modo atravessado, torcendo para irmos embora. Depois deste encontro houveram outros. Muitas conversas e risadas, mas nada sério. Certa noite, quando namorávamos dentro do automóvel de Bárbara, segurei carinhosamente suas mãos. Ela tremeu inteira, da cabeça aos pés e seu coração começou pulsar mais rápido. Meus toques carinhosos despertaram bruscamente o prazer de Bárbara, até então oculto em sua profunda e complexa alma feminina. Sem dizer nada fui beijando seu pescoço provocante e subi até encontrar sua boca sensual. Bárbara se entregou de corpo e alma aos beijos que inundavam-lhes as coxas. Se não fosse perigoso faríamos amor ali mesmo. Assim resolvemos ir a um motel na Rodovia Raposo Tavares, a famosa rodovia do amor. Na segurança do Motel executamos toda sorte de "brincadeiras" eróticas. Aquelas que os amantes conhecem muito bem. Passamos uma noite inteira em gozo, deitando e rolando numa imensa e confortável cama vermelha; de onde víamos nossos corpos entrelaçados refletidos no teto espelhado. Após o êxtase, entramos em uma magnífica banheira de mármore branco que transbordava água quente e espuma perfumada, e fizemos um merecido repouso. Como a nossa sede de sexo ainda não estava saciada, reiniciamos dentro da banheira mesmo, o intricado jogo dos amantes. Ali também, entre abraços e beijos, tivemos os mais profundos prazeres. Tanto do corpo quanto da alma... 11
  • 12. 5 O nefasto presidente do Brasil A noite estava muito fria e um vento insistente varria a cidade espantando as últimas pessoas da rua. No céu, uma imensa lua cheia refletia sobre a cidade seu magnífico brilho prateado. Da janela do apartamento notei que muitas luzes dos edifícios próximos ainda estavam acessas. A cidade jamais dorme por inteira. Milhares de pessoas ainda encontravam-se acordadas naquele exato momento. Trabalhavam ou se divertiam em recintos aconchegantes ou em locais sórdidos. Enquanto isso, eu refletia sobre a vida, aproveitando a insônia irritante que não me deixava dormir. Pensava no clima de insegurança que varria o país de norte a sul e que influenciava negativamente o pregão da Bolsa de Valores. O povo aguardava ansiosamente a cassação do mandato do presidente do Brasil, um tremendo vexame prestes a ser registrado na história do país. Simultaneamente, os políticos corruptos causavam grandes rombos no orçamento Federal. Eles agiam como ratos esfomeados dentro de um armazém de queijos. As incertezas da política refletiam na bolsa de maneira negativa, provocando tensão e ansiedade nos investidores. Em resposta, os “barões do dinheiro “ transferiam suas aplicações para outros setores que julgavam seguros na economia. Os mais temerosos, acreditando no agravamento da situação, remetiam rios de dinheiro para o exterior. O quadro negro do desemprego e da inflação aumentava vertiginosamente. Um período recessivo que causava muitas desilusões ao já sofrido povo brasileiro. Talvez fossem esses os motivos centrais que perturbavam meu sono. Para passar o tempo resolvi dar umas voltas pela cidade. Saí só enfrentando o inverno rigoroso nas ruas. Para resistir ao frio me equipei todo; casaco de couro, calça grossa, capacete, botas de cano alto e luvas. Convenientemente agasalhado, rodei nas ruas desertas da cidade por horas a fio. Pilotava prazerosamente a máquina sem destino algum em mente. Rodei tanto e quando dei por mim descobri que estava perdido no distante bairro Jardim Japonês. A esta altura o marcador de combustível estava no vermelho. Precisava abastecer logo. A qualquer momento faltaria combustível. Parar naquele bairro escuro e deserto seria uma loucura que me preocupava muito. Poderia ser assaltado por criminosos sem escrúpulos, capazes de praticarem maldades absurdas. Isso quando não matam friamente as vítimas só pelo prazer mórbido de vê-las morrendo em suas mãos. Desolado, não encontrava ninguém para perguntar onde ficava o posto de gasolina mais próximo. E pensar que naquele momento poderia estar dormindo na segurança do meu apartamento; caso não tivesse inventado aquele famigerado passeio... 12
  • 13. A cada minuto meu pavor aumentava mais, fazendo meu corpo suar bastante; e acabou encharcando minhas vestes, apesar do frio que fazia. Permaneci nesta agonia não sei por quanto tempo, até que o milagre o tão sonhado aconteceu. Avistei um imenso luminoso da Petrobrás. Aliviado, agradeci a Deus. Após abastecer motocicleta naquele posto, imediatamente reencontrei a tranqüilidade de espírito. Como se houvesse caído uma ducha de água quente em cima de mim. Com o tanque abarrotado de gasolina, poderia rodar novamente centenas de quilômetros noite adentro. Entretanto, não tinha mais vontade de prosseguir a jornada. Tudo o que eu mais queria naquele instante era voltar rapidamente para a segurança da minha cama quente. Dirigindo velozmente pelas ruas desertas daquele bairro fantasma que tanto me assustava; logo deixei para trás o posto da Petrobrás. Naquele mesmo instante uma procissão de pensamentos vagabundos sobressaltaram minha mente excitada. Pensei em Bárbara, que, naquele momento dormia profundamente e também na crise política. Depois refleti muito sobre mim mesmo. De todos os pensamentos itinerantes, o que mais me encabulou foi o assustador crânio humano que enfeitava a sala de Bárbara. Seria ela uma bruxa? Há tempo que desejava fazer esta pergunta para ela, mas não tinha a ousadia necessária, muito embora nossa amizade possibilitasse tal indagação. Temia que a pergunta pudesse magoá-la e creditava que não deveria bisbilhotar sua vida; nem violar sua privacidade. Exceto, é claro, através do binóculo espião. A "voltinha" pela cidade causou-me um peso tremendo no corpo, que terminou todo dolorido. Os braços, as pernas e as costas doíam bastante. Além da agonia do corpo, surgiu também um sono perturbador. Então passei a sonhar com a minha cama quente... Quando cheguei na segurança do lar, mesmo cansado pelos percalços passados, dormi feliz e realizado. Antes porém, me ocorreu a idéia de convidar Bárbara para um futuro passeio na Ilha de São Sebastião. Um verdadeiro paraíso natural, situado no Litoral Norte do Estado de São Paulo. Trata-se de uma ilha que possui matas intocadas e praias maravilhosas que servem de refúgio para os amantes da natureza. São Sebastião é ideal para retiro espiritual, sobretudo no inverno, quando não é invadida por hordas de turistas inconvenientes. 13
  • 14. 6 Ilhabela Aquele dia tão esperado chegara. Com a bagagem em cima da moto, partimos felizes em direção a um paraíso natural – a Ilha de São Sebastião. Trafegando na magnífica estrada Rio-Santos, em velocidade moderada para apreciar a paisagem, decidimos que nosso primeiro destino fosse a antiga cidade de São Sebastião. Fundada na época do descobrimento do Brasil, esta cidade preserva seu patrimônio histórico através da conservação dos casarões coloniais, das ruas estreitas de pedra e dos enormes canhões de ferro apontados para o mar. Lembrando uma era que não voltará mais. Andando pelas ruas de São Sebastião tem-se a impressão de que os escravos negros, os portugueses e os marinheiros de épocas passadas andavam aflitos entre nós; por causa dos navios corsários que assediavam o porto. Horas mais tarde, ainda na estrada, nossas costas doíam muito e o barulho constante do motor do "trator" causava irritação insuportável. Resolvemos parar num restaurante em frente ao mar, para o merecido repouso. Bárbara estava entusiasmada pelas paisagens que vislumbrara pelo caminho. − Puxa... que lugar lindo, - comentou. − É verdade. Mas a ilha é ainda muito mais. Um verdadeiro santuário natural, você verá - afirmei. - É o lugar ideal para energizar o espírito. As vibrações da ilha são altamente positivas. Não vejo a hora de chegarmos lá. Entre um gole e outro de cerveja eu fitava o rostinho encantador de Bárbara; admirando seus cabelos lisos e brilhantes que esvoaçavam ao vento. Seu olhar meigo e carregado de ternura refletia sua própria alma, tal qual a água límpida de uma fonte reflete a luz da lua. A voz calma e pausada da Bárbara acariciava meus ouvidos naquele instante feliz. - Dan, falta muito para chegarmos? − Não! Talvez uma hora - respondi. - Também quero chegar logo. Você sabe o quanto sou fascinado pela ilha, não? Barbará acenou afirmativamente com a cabeça e eu continuei. − Tanto é, que li muito a respeito dela e dos seus mistérios. − Então diga-me algo? − No tempo do Império a ilha foi refúgio de piratas. Eles se escondiam do outro lado das montanhas. Em uma baía que fica de frente para o mar aberto, onde está situada a Praia dos Castelhanos. Praia em que deságua um rio cristalino que antigamente abastecia de água potável as caravelas dos piratas e dos traficantes de escravos. E, quando a Inglaterra proibiu o tráfico de escravos para o Brasil; os contrabandistas desembarcavam ali, às escondidas, os negros contrabandeados da África. 14
  • 15. - Naquela época - prossegui - existiam na ilha inúmeras fazendas de cana-de- açúcar onde eram fabricadas saborosas cachaças. Muitos índios habitavam o lugar e segundo uma lenda antiga; relatada em um livro que li na biblioteca de São Sebastião, um deles apaixonou-se pela filha de um ilustre fazendeiro do continente. Todos os dias o jovem índio atravessava o canal para encontrar sua amada. Até que um dia o pai da moça descobriu o namoro. Descontente com o fato, o fazendeiro proibiu os dois de se encontrarem. Mas os amantes continuaram se encontrando, às escondidas. Então o severo fazendeiro tomado pela fúria espancou a filha e enviou-a em exílio na capital paulista. Quando o jovem índio soube do fato, abateu-se em profunda desolação. Desiludido e sem esperança de ver novamente sua amada, procurou retornar à ilha. Abatido que estava pela dor da paixão o índio remava sem ânimo. Para piorar as coisas a sua canoa naufragou em meio a um temporal e, selou seu destino para sempre. Curiosamente na ilha existe uma estranha árvore; que muitos moradores do lugar acreditam que nela habita o espírito daquele índio que morreu por amor. Notando o visível interesse de Bárbara pelo assunto, continuei. − Em torno da ilha, muitos navios afundaram por causa das tempestades e das rochas traiçoeiras. São verdadeiros cemitérios, onde os cardumes de peixes multicoloridos e a exuberante vegetação aquática deram ao lugar o título de "paraíso dos mergulhadores". − No começo do século – continuei - um grande navio de passageiros, chamado Príncipe das Astúrias, naufragou quando passava próximo da ilha. Aquele desastre horrível ocorreu à noite, justamente quando os passageiros dançavam no luxuoso salão do restaurante. No dia seguinte, quando o sol apareceu no horizonte, as praias estavam repletas de cadáveres de homens, mulheres e crianças, todos vestidos com trajes de gala. As mulheres ainda portavam suas jóias preciosas, que proporcionaram grande alegria aos humildes caiçaras que as recolheram... Este naufrágio vitimou quase quinhentas pessoas. − A história da ilha é impressionante... Você realmente conhece a ilha toda? – perguntou curiosa. − Toda, não; ela é muito grande, mas conheço uma boa parte. Passei uma férias inteiras lá e deu para conhecê-la bem. Naquela época, aluguei um quarto, com banheiro conjugado, na pousada da tia Neiva. Este nome homenageava a mulher de um pescador iletrado, mas muito esperto; que conseguiu juntar dinheiro suficiente para construir a pousada. Esta senhora que também não sabia ler seu próprio nome; era igualmente esperta e simpática. Foi ela quem me deu dicas preciosas sobre os encantos da ilha. Naquela época fiquei sabendo de uma antiga lenda, que afirma que piratas do passado teriam enterrado um tesouro enorme na ilha. E que até hoje não foi encontrado. − Já pensou se a gente encontrasse o tal tesouro? - indagou Bárbara, sorrindo. − Não seria nada mal - respondi -, mas isso é muito difícil. Talvez seja apenas uma lenda. Quem sabe? Em todo caso, o local provável, onde estaria oculto o tesouro, é montanhoso e de difícil acesso. Um pesquisador que reside na ilha tenta há anos encontrá-lo, sem sucesso. 15
  • 16. Hospedados no gracioso Hotel Petit Village, onde se avista o verde-mar apinhado de barcos e as montanhas azuladas do continente; Bárbara e eu passamos alguns dias memoráveis na ilha de São Sebastião. Divertimo-nos a valer visitando praias maravilhosas e montanhas de densa vegetação, onde conhecemos muitos rios de águas límpidas e suas cachoeiras colossais. Contudo, não pudemos nadar em suas águas, pois o forte frio desestimulava qualquer aventura. Em razão disso as praias encontravam-se desertas e monótonas. Aproveitando a ausência de pessoas, empreendemos longas e tranqüilas caminhadas pelas praias. Nas quais nossos pés descalços nem pegadas deixavam, pois as marcas eram logo apagadas por um vento gelado que soprava insistentemente a areia. Por vezes sentávamos no chão á maneira hindu para contemplarmos o horizonte. Ali, ouvindo apenas o murmúrio do vento e das ondas que morriam na praia, fazíamos longos períodos de meditações. E, juntos, alcançamos a grande paz íntima, que é a base de toda serenidade. Caminhando pelas estreitas estradas de terra que cruzam as montanhas verdejantes, percorremos um mundo fantástico. Atravessamos matas apinhadas de pássaros alegres, que não se incomodavam com nossa presença. Conhecemos rios de águas puras e cachoeiras fascinantes. Com certeza, as impressões por nós recebidas daquele paraíso natural foram gravadas para sempre em nossas mentes. Os dias que permanecemos na ilha propiciaram uma aproximação substancial com a natureza, tanto em corpo quanto em espírito. As pessoas das cidades pensam que estão separadas da natureza, no entanto, nascemos dela e a ela pertencemos. A natureza é tudo, inclusive o ar que respiramos. A natureza é o princípio, meio e fim. Dela viemos, dela pertencemos e a ela voltaremos. Observando os pássaros alegres nas copas das árvores, a gente percebe o ciclo da vida e o quanto a natureza é complexa. Por falar nos pássaros, é inacreditável a precisão com que alguns deles apanhavam os peixes, depois de um mergulho certeiro nas águas do mar. Quando isso ocorria, aquelas aves sempre saíam do mar levando no bico um peixe que se debatia desesperado. Em uma das andanças pelas praias desertas, não resisti mais à curiosidade e perguntei: − Bárbara, faz tempo que pretendo perguntar uma coisa a você, mas tive receios... − Pois pergunte - exclamou curiosa, olhando para mim. − Bem... conheci seu apartamento e gostei muito da decoração. É moderna, agradável e os móveis são confortáveis. Digo que tem bom gosto. No entanto aquela caveira humana, encima da estante me intriga. Bárbara ouvia atenta. A expressão de seriedade de sua face espelhava uma enigmática beleza. Prossegui a fala, espiando dentro de seus olhos úmidos e brilhantes, procurando interpretá-los. 16
  • 17. − Aquele crânio humano traz um clima tétrico ao ambiente do seu apartamento. Ele contrasta com tudo que por lá se vê. Acaso você é adepta de bruxarias? - perguntei decidido. − Ah, não...! Pode ficar tranqüilo. Sou ocultista, espiritualista e humanista. De maneira alguma eu seria capaz de fazer qualquer bruxaria. E, se o fizesse, iria contra meus princípios. Aliás, esse conceito ocidental de bruxaria é relativo. Você sabe... − Sei - respondi, continuando. - Por ordem da Santa Inquisição, diversos cientistas acabaram queimados em fogueiras, acusados de praticar bruxarias. No caso falo de bruxarias ligadas ao mal e ao demônio, cujo culto principal inclui sacrifícios de pessoas e animais. Bárbara sorriu encabulada, mostrando seus dentes perfeitos de fazer inveja a qualquer um. Não desviando seus olhos dos meus, ela balançou negativamente a cabeça e falou. − Não sou adepta de bruxarias, nem de seitas ligadas a ela, eu juro - falou beijando seus dedos em cruz, sorrindo. – Essa estória o crânio começou quando eu tinha doze anos. Naquela época, tive um sonho inesquecível. Eu caminhava entre ruínas de antigas edificações, situadas em local montanhoso, de vegetação densa e exuberante. Brincava ali, escalando alguns blocos de pedras perfeitamente talhadas, que estavam empilhadas atrás de um edifício semi-destruído que apresentava cinco janelas. Em um dado momento notei que um reflexo intenso de luz projetava-se de uma das fendas do monte. O reflexo era semelhante àquele provocado por raios solares quando incidem na superfície de um espelho. Curiosa, enfiei o braço naquela fenda e depois de muito custo consegui retirar um objeto lá de dentro. Sabe o que era? - perguntou-me. − Não faço idéia! − Era uma réplica perfeita, em tamanho natural, de um crânio humano esculpido em um bloco de cristal de quartzo. Corri com o crânio nos braços até uma fonte para lavá-lo. Ele estava imundo. Depois de limpá-lo notei a perfeição dos detalhes. A mandíbula, por exemplo, era móvel; percebia-se inclusive as linhas de suturas da caixa craniana. Os dentes foram esculpidos com o maior realismo, obra de artista mesmo. Logo ao tocá-lo senti que aquele misterioso crânio possuía poderes ocultos. O crânio de cristal conseguia comunicar-se comigo sem fazer um único ruído. Por absurdo que pareça, chegamos conversar por telepatia. Nossa conversa ocorreu em um nível mental. Eu entendia o crânio, e ele também me entendia perfeitamente. Fiquei deslumbrada com ele. Talvez, em outros tempos, eu o tivesse possuído, pois ele conhecia minha vida e minhas emoções. Engraçado, o crânio apresentava uma aura própria e cintilante; que variava entre o dourado, o prateado e diversos tons de verde. Ao tocá-lo com as mãos pela primeira vez, tive sensação de que já o tocara antes, em tempos remotos. 17
  • 18. Bárbara continuou o relato, entusiasmada. − A aura do crânio causava certo êxtase hipnótico. Creio que ele possuía um certo tipo de “vida” e que encerrava grandes enigmas. Quem o elaborou? Quando? Para quê? Quais os mistérios que ele continha? Bárbara fazia seu relato através de palavras meigas, embora estivesse visivelmente emocionada. − Fiz essas perguntas a ele, mas não obtive respostas. Talvez alguns seres possuidores de imensa sabedoria o tivessem fabricado. Quem sabe? Depois deste sonho fantástico, ocorreram outros, sempre com o mesmo crânio, nos quais aconteceram algumas previsões sobre o futuro. Para meu espanto, estas previsões foram confirmadas. − Por exemplo? - perguntei. − A eleição e a cassação do presidente Collor. Permaneci calado por alguns instantes, matutando; Bárbara me parecia sincera, embora seu relato fosse um tanto fantasioso. − Até hoje não encontrei o tal Crânio de Cristal, mas tenho vontade de encontrá- lo. − E como o conseguiu aquele da sala? – indaguei. − Para compensar a ausência do crânio de meu sonho, resolvi possuir um que já tivesse servido de morada a um espírito. Então,. adquiri um crânio verdadeiro de um coveiro do cemitério de Vila Formosa, lá em São Paulo. Com dinheiro, você compra até cadáver, sabia? − É mesmo? - fiquei surpreso com a revelação deste fato. − Pois é verdade! O coveiro que me vendeu o crânio confidenciou-me que vende cadáveres. Principalmente de criancinhas recém-nascidas, para serem usados em rituais de bruxaria. No meu caso, comprei o crânio humano pelo motivo que lhe contei, não para praticar atos macabros de magia negra. Jamais... Bárbara e eu passamos longos dias e longas noites naquele paraíso em forma de ilha. Desfrutando o que havia de melhor no lugar e no nosso amor. Quando abandonamos o paraíso, depois de atravessarmos o canal, em cima de uma morosa balsa, demos uma última olhada para trás. Um imenso sol avermelhado, típico desta época do ano, acabava de nascer detrás das altas montanhas. No céu, as aves continuavam os certeiros mergulhos nas águas geladas do mar, em busca do seu peixe. Afinal o mundo não para. Respiramos o ar que apresentava o perfume da orla marítima, e fomos embora. Em pouco tempo ganhamos a estrada, rumo à poluída e fascinante São Paulo. Com a moto caminho devorando a estrada sem vacilar e fazendo seu incômodo barulho. Eu dirigia a moto confiante e decidido, enquanto Bárbara estava feliz e satisfeita. 18
  • 19. 7 O Crânio de Cristal Durante certo tempo, pensei no relato que Bárbara fizera sobre o Crânio de Cristal. O caso já teria encerrado se eu também não tivesse passado a sonhar com ele. A princípio imaginei que estes sonhos ocorriam por influência do relato que Bárbara fizera. Supunha que, ao dormir, minha imaginação alcançava altos vôos e dava forma a esses sonhos misteriosos. Esta era minha explicação simplista para o fato. Sucedeu-se, porém, que aqueles sonhos tornaram-se freqüentes, com nitidez impressionante. Nos quais eu também conversava mentalmente com o crânio, tal qual Bárbara havia dito. As mensagens espirituais transmitidas através dele eram maravilhosas realmente. Conversamos mentalmente sobre os sentimentos mais sublimes. Sobretudo das emoções mais profundas do espírito. Invariavelmente, a comunicação com o crânio ocorria no universo cósmico do inconsciente; no qual os sonhos são a expressão máxima. Percebi que havia entre nós dois uma ligação muito antiga; que compreendia eras remotas e sombrias do mundo. Todavia, eu não conseguia identificar a origem, por mais que me esforçasse. Nestes sonhos, tão logo o crânio aparecia, sucediam-se dentro dele; imagens de pessoas e lugares estranhos, que a História tradicional pouco conhece. Surgiam animais pré-históricos e cidades que foram sepultadas no tempo implacável, que a tudo transforma. O crânio funcionava semelhante à bola de cristal das ciganas, que pode-se prever o futuro ou observar o passado. As vezes, em torno do crânio surgia uma aura pulsante semelhante à luz de néon da cor verde. Bárbara, mais do que nunca, tinha razão. Dada a insistência desses sonhos, interessei-me pelo assunto, de modo que passei a pesquisar tudo que o fosse relacionado a ele. Descobri que os arqueólogos encontraram crânios de cristal em diversas partes do mundo. Dois deles, ambos em tamanho natural, estão nos museus de Londres e Paris. O mais famoso crânio de cristal está em posse de uma mulher, que é filha do cientista que o encontrou nas antigas ruínas maias, na Guatemala. Conforme consta no livro "Mistérios dos Crânios de Cristal Revelados", de Sandra Bowen, F. R. "Nick" Nocerino e Joshua Shapiro. Essa mulher, de nome Ana Mitchel Hedge, é uma grande pesquisadora do assunto e, mantém o crânio em exposição aberta ao público, permitindo que cientistas interessados façam pesquisas com ele. O Crânio de Ana M. Hedge é uma cópia perfeita, em tamanho natural, esculpida por hábeis e misteriosos artesãos sabe-se lá de onde. Comenta-se que o tal crânio possui poderes de curar certas doenças através das vibrações harmônicas e positivas emanadas da sua aura. Inúmeros relatos confirmam casos de pessoas doentes que alcançaram a cura simplesmente quando o visitaram. Pesquisando descobri que podem haver outros crânios iguais a ele no Tibet e no Peru; mas que não foram encontrados ainda. 19
  • 20. Comentei o assunto com Bárbara e ela animou-se ao saber que existe possibilidade de encontrar um Crânio de Cristal no nosso vizinho Peru. Assim sendo, cogitamos, dar um pulo lá e tentar achá-lo. O Peru é imenso. Achar o crânio naquele país seria muito mais difícil que encontrar uma agulha num palheiro. Mas, como a esperança é a última que morre, talvez num dia, de posse de alguma pista concreta, nós possamos ao encontrá-lo no Peru. Neste ínterim, li mais coisas sobre a história dos crânios, mas nada que indicasse, um leve vestígio sequer, do seu paradeiro no país dos incas. Tentei esquecer o assunto, mas, dada a insistência dos aparecimentos do crânio em meus sonhos, isso tornou-se impossível. Desta forma, assumi o interesse em ajudar Bárbara a encontrá-lo. Mas de que maneira? As publicações que tratam do tema são raras. Apesar das dificuldades, não desanimei. Então decidi procurar pistas concretas, via viagens astrais. Minha esperança era que adentrando no "Registro Cósmico," pudesse descobrir tão sonhada pista. Pois ali estão registrados todos os acontecimentos do Universo. Relatei minha intenção a Bárbara e obtive prontamente seu total apoio. Daí em diante iniciei uma série de viagens no astral com este firme propósito. Trancado na escuridão do meu quarto de dormir, para que não houvesse interferências de barulhos ocasionais na concentração mental, iniciei a busca de maneira estranha aos olhos da pessoa comum. Isolado do mundo exterior através sentidos da audição e visão, sentava na cama em posição de yoga meditativa e em poucos minutos, libertava minha mente de pensamentos vagabundos e inúteis. Desta maneira bizarra, comecei minha jornada no Astral, onde tempo e espaço não existiam e apenas o espírito podia penetrar. A viagem astral assemelha-se a um sonho nítido e consciente. É como se sonhasse acordado. Neste "sonho" pode-se estar em qualquer parte e em qualquer tempo perceber as coisas sem precisar estar presente fisicamente. Pois apenas o espírito viajava. Estas viagens não são nenhuma novidade. Os hindus e tibetanos já empreendiam essas viagens há milhares de anos. Qualquer esotérico sabe deste fato. Assim, por diversas madrugadas vaguei pelo Astral, mas não vi nada que se relacionasse ao Crânio de Cristal. Fiz dezenas dessas viagens, sem alcançar sucesso algum. A tarefa era muito difícil, mas mesmo assim continuei obstinadamente a missão, Não sou do tipo que desiste facilmente. Apesar do fracasso aparente, passei por grandes emoções e elas me animaram à continuar em busca das pistas do crânio perdido. 20
  • 21. 8 Viagem Astral Certa noite no meu quarto, concentrei toda minha força mental em um único objetivo; viajar no Astral, em busca do Crânio de Cristal. Em pouco tempo a respiração abdominal tornou-se imperceptível e o coração diminuiu a pulsação. A escuridão, que antes era total, foi subitamente iluminada por um clarão dourado. A seguir, senti o exato momento em que meu espírito abandonou o corpo, imóvel feito estátua. Liberto do pesado fardo que representa o corpo físico, o espírito navegou rápido rumo ao infinito, como muitas vezes o fizera antes. Lembro perfeitamente que inúmeras imagens sucediam-se aleatoriamente como se fossem cenas de diversos filmes ou mesmo de sonhos diferentes. De certa maneira, eu vivenciava as sensações como se estivesse acordado. Era uma espécie de "sonho consciente", que aguçava minhas percepções sensoriais. Neste "sonho", meu espírito visitava lugares incríveis, que não se pode nem imaginar. Certa feita, adentrei o espaço astral na velocidade do pensamento e aproximei-me dos bilhões de pontos luminosos espalhados por toda parte, que são as estrelas. Sendo um viajante privilegiado do Astral, pude percorrer paisagens virgens: estrelas, planetas, satélites, asteróides, meteoros, nuvens de gases, cometas e galáxias. Enfim, percorri na velocidade do pensamento uma infinidade de corpos celestes, componentes do gigantesco mosaico cósmico, que flutuam eternamente na escuridão incomensurável do universo. Em alguns pontos do cosmo a concentração das estrelas era enorme. Tratava-se das galáxias e havia milhões delas espalhadas, flutuando no espaço sem fim. Continuei aproximando-me das estrelas distantes, sempre em direção ao sol. Chegando próximo dele, notei que seu brilho dourado intenso escondia o céu de onde eu vinha. Em sua grandeza o universo passou a ser uma coisa só. Um interminável oceano de luz dourada, igual à da chama de uma vela. Não existia mais nada além disso. Logo após, afastei-me do Sol e logo sobrevoei Marte. A primeira coisa que me chamou a atenção, foi seu solo estéril e pedregoso. Em tempos remotos aquele solo miserável fora muito fértil, e possuíra uma vegetação formosa e variada. Da altitude em que me encontrava, vi perfeitamente um rosto gigantesco esculpido numa montanha. Provavelmente seus escultores tivessem extintos à milhares de anos. Foi emocionante verificar "in loco" esta escultura que antes só havia visto em uma fotografia tirada pela NASA, que revistas e jornais do mundo inteiro publicaram. Até hoje aquela foto gera controvérsias. Que civilização esculpira tal rosto? É ou não verdadeira? Localizei também, no solo de Marte, o maior vulcão conhecido do sistema solar, o NIX OLÍMPICA, cuja base gigantesca mede aproximadamente quinhentos quilômetros de diâmetro. Na velocidade do pensamento larguei Marte para trás. Num passe de mágica, aproximei-me de Júpiter, que logo cresceu à minha frente, até transformar-se em uma enorme esfera. Este gigante do nosso sistema solar era muito deslumbrante. Na verdade, tudo no espaço sideral era incrivelmente belo e fascinante. 21
  • 22. Dei umas voltas em torno de Júpiter e observei curioso, as imensas manchas arredondadas de sua superfície. O planeta é todo salpicado dessas manchas escuras e misteriosas. Na órbita de Júpiter gravitam diminutas luas, enfileiradas, uma após outra, que, refletindo a luz dourada do sol, proporcionavam um espetáculo sem igual. Abandonei repentinamente o gigantesco planeta e, num piscar de olhos, fui circundar Saturno, o mais bonito planeta que conheci. Este planeta é envolto por diversos anéis formados por milhões de pedaços de rochas que gravitam em sua órbita, formando uma espécie de auréola sideral. Mal comecei a admirar as paisagens de Saturno, e o cenário mudou bruscamente. Novamente num passe de mágica, já de volta a querida Terra, avistei as quedas de água que formam as cataratas do Iguaçu. Toneladas de água precipitavam-se das alturas dos rochedos, provocando um barulho ensurdecedor, ouvido a léguas de distância. A região do leito deste rio é muito rochosa, por isso as águas têm dificuldade em seguir seu caminho natural. Nas margens do rio havia uma vegetação verde, exuberante. Acima dela, sobrevoavam bandos de pássaros de bico longo e pescoço em forma de "s", cuja plumagem branca era sem igual. Enquanto o bando cruzava o céu em algazarra, pude sentir a umidade da névoa fina que brotavam das cachoeiras. Nunca imaginei que um dia andaria pelas ruas de Katmandu, capital do Nepal; mas, graças ao astral, isso me foi possível. Passeando por suas estreitas ruas, notei o cheiro característico do lugar, em meio ao ar frio e rarefeito. Um misto de ar de montanha e cidade. Entretanto, não havia vestígio algum de poluição; ma vez que lá existem poucos veículos e fábricas. A movimentação de pessoas era intensa nas ruas de Katmandu. A maioria vestia- se à maneira ocidental, principalmente os homens; cabelos curtos, calças jeans e camisetas. Na calçada um camelô ajeitava sua mercadoria em cima de um tablado de madeira. Em frente dele um homem segurava uma enorme vara recurvada sobre seus ombros; em cujas extremidades estavam pendurados pesados fardos de feno. Andei tranquilamente na calçada, em meio à multidão que não me via. Aquela rua toda revestida por pedras, estava enfeitada por milhares de bandeirinhas brancas que lembravam nossas festas juninas. Posteriormente várias cenas sucederam-se. Em uma delas encontrei dezenas de monges budistas carecas, trajando grossos mantos por causa do frio. Alguns eram jovens; outros, mais idosos. E todos permaneciam calados e com os pensamentos distantes. Os monges olhavam para lugares diferentes. Um deles pareceu fitar meus olhos, com seu olhar sereno e enigmático de oriental. 22
  • 23. Voando no astral, do Nepal para a Índia, sobrevoei as altas montanhas de Daransala. Naquela cidade localizei a residência do Dalai-Lama. E, não resistindo a tentação da curiosidade, penetrei furtivamente no interior da casa. Ele conversava com um jornalista brasileiro no salão de recepção, sentado em uma confortável poltrona verde, ao mesmo tempo em que segurava calmamente as próprias mãos. Através das lentes de seu óculos de aro de metal, o mestre fitava o curiosamente o interlocutor ocidental. Ele até parecia notar minha presença espiritual, olhando de vez em quando na minha direção. Ao lado do venerável senhor, um jovem monge ouvia silencioso a entrevista. Seu traje era idêntico ao do mestre e dos outros monges; dourado, com manto cor de vinho. Do lado de fora da casa haviam quatro crianças sentadas no chão. Elas seguravam potes de arroz sobres suas pernas cruzadas. Entre muito risos e falatórios, as crianças devoravam avidamente os alimentos. Tratava-se de crianças abandonadas, que vivem em creches mantidas por monges budistas, fugitivos da pátria-mãe: o Tibet. País que até hoje é ocupado pela China comunista; que lhe impõe uma ditadura ferrenha, apesar de protestos mundiais. Aquelas crianças, o futuro vivo do povo tibetano, estampavam em seus semblantes a mais pura felicidade infantil. O que demonstrava o bom tratamento recebido daqueles monges. Dando prosseguimento àquela viagem fantástica, continuei vagando por distantes e estranhos lugares. Encontrei pelo caminho as mais exóticas pessoas e vivi as mais hilariantes situações. Uma das últimas cenas que recordei, antes de o meu espírito voltar ao corpo, referia-se às ruinas da cidade de Machu Picchu, no Peru. Que outrora, fora um centro avançado do império Inca. As bucólicas ruínas de Machu Picchu encontram-se no topo de uma verdejante montanha, quase sempre encoberta por densas neblinas. Das montanhas próximas de Machu Picchu sobressai um pico rochoso em forma de cunha; semelhante ao pico do corcovado, no Rio de Janeiro. Ele é nitidamente superior ao das ruínas da cidade e magneticamente sempre atrai a nossa visão. As montanhas de Machu Picchu possuem vibrações especiais e harmônicas. É impossível ir até lá e ficar indiferente a elas. Alguns segundos após meu "passeio" por Machu Picchu, meu espírito caiu em queda livre num interminável túnel sem luz. Tratava-se do irritante regresso do espírito ao doce lar transitório, ali imóvel: o meu corpo físico. A sensação que tenho em tais "pousos" é algo semelhante ao "tranco" sofrido por um paraquedista no momento em que abre o paraquedas. O espírito que perambulava livre no Astral, volta bruscamente a ser prisioneiro do corpo. O choque do aprisionamento do espírito ao corpo físico é a parte chata de uma viagem astral, mas é impossível de ser evitada. Quando abri os olhos, não consegui mover-me. Meu corpo continuava rijo na posição de yoga. Percebi horrorizado que não conseguia respirar. Nunca tinha passado por uma situação dessas antes. Meu coração batia acelerado e o suor brotava abundantemente por todos os poros do meu corpo. Cheguei a pedir ajuda a Deus para poder respirar novamente e sair daquele estado de paralisia compulsória. Eu sabia que as viagens Astrais devem ser supervisionadas por um instrutor experiente, mas nunca havia me preocupado com esse detalhe. Por isso encontrava-se naquela delicada situação – imóvel e todo roxo pela falta de respiração; implorando à Deus o meu restabelecimento. 23
  • 24. Quando o pânico já se apoderava de mim tocou o telefone. Apesar de ter algodão nos ouvidos, o barulho foi suficiente para me assustar. Em razão do susto, consegui respirar novamente. E foi um alívio enorme, quando o oxigênio invadiu meu peito e penetrou na circulação sangüínea. Daí em diante pude movimentar os membros do corpo. Naquele momento, renasci. Após o susto, saltei da cama e peguei o telefone. Entretanto a pessoa do outro lado da linha havia desligando o aparelho. Provavelmente o telefone tocara diversas vezes antes que pudesse ouvi-lo. No dia seguinte relatei a viagem a Bárbara e o sufoco que passei quando meu espírito retornou à "base". Bárbara ficou muito preocupada com o fato, que pediu para uma amiga dela, muito experiente em projeções fora do corpo, para que monitorasse minhas futuras viagens astrais. Depois daquele sufoco passado, resolvi aceitar a ajuda que Bárbara arranjara. Da próxima vez que o meu espírito vagasse no Astral, sua amiga estaria de plantão ao lado do meu corpo inerte; medindo a pulsação, verificando a respiração, ajudando em qualquer eventualidade. 24
  • 25. 9 São Tomé das Letras O motorista do táxi, baixinho, barrigudo, cujo vasto bigode negro havia engolido a boca, pisava fundo no acelerador. Apesar de sair atrasado, cheguei pontualmente ao local combinado para o encontro com Bárbara: a Biblioteca Municipal, na Rua Vergueiro, onde já se encontrava estacionado um imenso ônibus colorido, de última geração, que nos levaria em excursão à cidade de São Tomé das Letras, em Minas Gerais. Ao lado da portinhola aberta do ônibus, o guia passava as últimas instruções ao motorista. Um senhor calvo, de meia idade, que palitava os dentes, segurando na outra mão um pano de limpar vidros. Enquanto isso, os demais participantes da excursão, conversavam animadamente na calçada apinhada de bolsas e malas de viagens. Olhei para os lados à procura de Bárbara, mas ela, não havia chegado. A saída do ônibus estava prevista para as nove e meia da noite. Olhei meu relógio e ele acusava quinze para as nove. Ainda sobrava um tenho para a partida da excursão. Bárbara viria com algumas amigas que eu ainda não conhecia. Entre elas estaria aquela que auxiliaria nas viagens ao Astral. Não demorou e logo avistei Bárbara vindo com um bando de moças que riam e gesticulavam muito. Pareciam falar todas ao mesmo tempo. As mulheres surgiram impecavelmente vestidas e maquiadas, chamando a atenção dos homens e causando inveja às outras mulheres. − Oi, Dan! Faz tempo que chegou? - indagou Bárbara, sorrindo, antes de dar-me um beijo afetuoso e um demorado abraço. − Não, cheguei há quinze minutos - respondi. − Ah... quero apresentar-lhe minhas amigas: Márcia Sawan, Rose Bour, Luci Monteiro e Kátia Rocha. − Muito prazer - cumprimentei uma a uma com afetuosos beijos no rosto. − Este é o meu grande amigo, de quem lhes havia falado antes - apontou-me, satisfeita, para as amigas. Após a rápida apresentação entramos no ônibus e fomos sentar nos lugares reservados. Por coincidência, acabei sentando perto das amigas de Bárbara. Tivemos um curto bate-papo, quando o motorista barrigudo tomou seu lugar, fechou a portinhola e movimentou aquele mastodonte espelhado. Da janela, demos uma rápida espiada para fora e reiniciamos a conversa. − Dan, o que achou de minhas amigas? - perguntou-me. − São todas bonitas, não as conheço o suficiente para outros comentários, entretanto simpatizei-me com elas a primeira vista. − Somos amigas há tempos. A Márcia, por exemplo, é um doce de pessoa. Ela é minha parceira da dança do ventre naquela casa de chá que lhe falei. Aliás, foi ela quem me introduziu lá. A Rose é proprietária de uma loja de confecções na Rua Oscar Freire, pratica tai-chi-chuam e é adepta do Zen Budismo. A Rose é uma pessoa inesquecível, um amor de pessoa mesmo, você verá. Já a Luci Monteiro dedica-se ao estudo de cristais e pêndulos. 25
  • 26. Ela possui uma vasta e invejável cultura esotérica. Curiosamente ela nunca separa-se de seu diário, onde anota todos os acontecimentos importantes. E, veja só, Luci faz isso desde a adolescência. Sentada junto a Luci está Kátia Rocha, uma proeminente psicóloga que conhece diversas terapias e técnicas de relaxamento e hipnose. Ultimamente está estudando cromoterapia. Luci trabalha arduamente em uma clínica na Vila Mariana, da qual é sócia. Ela também é uma excelente pessoa. − Onde as conheceu? - indaguei. − A Márcia e a Rose, eu já conhecia de longa data. Sempre estudamos juntas. As outras, conheci-as na Ordem ... digo, na Academia. − Você freqüenta alguma Ordem? − Não! - respondeu-me embaraçada - fizemos amizade em uma academia de ginástica que freqüentamos juntas à muitos anos. Falando francamente, Bárbara, involuntariamente, deixara escapar uma pista. Suas amigas, e inclusive ela, adoravam assuntos místicos. Concluí que elas faziam parte de alguma ordem esotérica e queriam guardar sigilo sobre o assunto. Mas por que razão? Sempre havia confiado em Bárbara, mas no fundo, algo me dizia que ela me ocultava a verdade. Apesar de suas amigas aparentarem boa índole, prometi a mim mesmo que descobriria a verdade, a qualquer custo. Depois do "dinossauro" rodar horas, noite adentro, nas estradas escuras e tortuosas de Minas Gerais; o guia informou que aproximávamos de São Tomé das Letras, nosso destino final. Instantaneamente todos voltaram-se curiosos para as janelas. Do lado de fora, a escuridão e o silêncio causavam certo temor. No céu, não se enxergava as estrelas, pois uma forte neblina invadira a região, fazendo com que o motorista seguisse lentamente, por aquela estreita estrada de terra, perdida naquele fim do mundo. A estrada toda cheia de buracos, mais parecia um queijo suíço, fazia o "dinossauro" sambar para todos os lados. O motorista, com o volante encravado na sua barriga enorme, estava mais atento do que nunca. A escuridão, a neblina, o silêncio e um cheiro estranho no ar conferiam àquelas bandas um certo clima de horror; que lembrava vampiros, almas penadas, lobisomem e monstros. É sabido que o clima de São Tomé das Letras influencia o humor das pessoas, provocando um misto de ansiedade, curiosidade, aventura e medo. Ao meu ver, a agência de turismo realiza as viagens à noite naquelas bandas da serra, justamente para excitar a mente dos curiosos turistas. De repente, no topo de um dos morros, surgiu a cidade das toda nossas expectativas. 26
  • 27. 10 Véu de Noiva No seguinte tomamos rapidamente o café da manhã e fomos passear por São Tomé das Letras. No passeio conhecemos a lendária Gruta das Inscrições, que, segundo a lenda local, foi lá que um escravo fugitivo recebeu a revelação de um espírito. Até hoje não se sabe o teor da revelação, mas em todo caso, o escravo deveria contá-la ao fazendeiro que o procurava. Dito e feito. O escravo fugitivo retornou a fazenda e mesmo arriscando a vida, narrou o acontecido ao senhor. A mensagem seria muito importante pois, em recompensa, o escravo obteve a liberdade. Da Gruta das Inscrições originou-se o nome da cidade. Um lugarejo maravilhoso e místico, onde freqüentemente são avistados os misteriosos OVNI, que tanto aguçam a imaginação dos habitantes do lugar. Visitamos o mirante, que é o lugar mais elevado da cidade. De onde se tem uma visão de trezentos e sessenta graus do horizonte verde azulado, que acompanha magnificamente a curvatura da Terra. Quando anoiteceu tivemos sorte; pois a neblina e as nuvens do dia anterior sumiram. Surgindo um céu límpido e estrelado, livre das nuvens, da poluição e do clarão das luzes das cidades grandes. Com um céu assim, quase tocando nossos narizes, pudemos observar a grandiosidade do universo. Dali avistava-se plenamente, a majestosa Via-Láctea, o imponente Cruzeiro do Sul e as principais constelações do Zodíaco. Uma encantadora lua prateada também estava presente naquele céu descomunal. Vasculhamos o céu durante a noite toda à procura de OVNI. Meu binóculo rodava de mão em mão, feito um cachimbo da paz indígena, porém não obtivemos sucesso algum. Ao invés dos discos voadores, o máximo que pudemos avistar foi um pequeno meteorito que deixou um instantâneo rastro verde no céu. Passamos a noite inteira no mirante, olhando o firmamento e meditando; procurando captar as energias positivas do lugar. O vento frio que soprava por aquelas bandas, violava nossos agasalhos e nos fazia tremer. Apesar do frio, passamos uma noite gostosa, conversando à beira de uma fogueira improvisada e bebíamos um delicioso vinho português. Apesar da bebedeira, não fizemos algazarra, de certa forma respeitamos o silêncio do lugar e a meditação das pessoas que estavam sentadas nas bordas do abismo, à maneira da yoga contemplativa. Atravessamos a noite ali acordados e nem notamos o tempo passar. Até que o sol apareceu timidamente no horizonte e todos se levantaram para observar. O sol nasceu gigante e avermelhado e logo subiu ao céu. Havia chegado a hora de dormirmos. 27
  • 28. No dia seguinte visitamos a região de ônibus e nada escapava de nossa curiosidade. Conhecemos matas naturais, grutas e cachoeiras. A mãe natureza estava tão pertinho de nós. Sentíamos a sua pulsação através do vento que lambia nossas faces ou nas folhas secas que caíam das árvores. Para aproximar-me ainda mais da mãe natureza, fiz questão de dar umas voltas com os pés descalços. As vibrações positivas emanadas daquele solo abençoado sensibilizaram a planta dos meus pés e subiram até o sétimo vórtice, situado no topo da minha cabeça. Então, um arrepio tomou conta do meu corpo inteiro e um novo alento surgiu em minha alma. Mais tarde fomos visitar a cachoeira "Véu de Noiva". Enquanto o pessoal admirava aquela magnífica queda d'água. Eu preferi ficar dentro do ônibus para dar um merecido descanso. Quase pegando no sono, vi o famoso diário da Luci em cima do banco do ônibus. Não resistindo à curiosidade, folheei rapidamente suas páginas com a avidez e a eficiência de um espião profissional. Lendo rapidamente os escritos da Luci, pude desvendar um pouco de sua vida íntima. De tudo que li, duas coisas me impressionaram. O primeiro foi o relato escrito nas primeiras páginas: " Jamais havia sentido "aquilo" com outro homem. Embora já houvesse feito amor com dúzias deles. Entretanto, na primeira vez que ficamos juntos, Jorge me fez tremer da cabeça aos pés. Meu peito arfava muito, enquanto meu pobre coração quase saltava pela boca. Quando atingi o clímax, flutuei nas nuvens. Acabava de provar o mais doce dos frutos. Depois desse encontro vieram muitos outros e cada um melhor que o anterior ". Li também outras páginas do diário, que consagravam o desempenho sexual de Jorge e o amor que Luci tanto sentia por ele. Quase no final descobri que o "doce" Jorge sumiu do mapa deixando-a desamparada e com profundas marcas no coração. Daí em diante, desfilou nas páginas do diário uma incrível procissão de homens. Contudo nenhum deles chegava aos pés do amado Jorge e Luci sempre os abandonava. Essa era a sua maneira de vingar o abandono. Na sua mente ferida, não admitia apaixonar-se novamente, pois provavelmente haveria uma outra desilusão avassaladora. A outra coisa que me chamou a atenção foi o seguinte texto: "Eu e a notável Míriam fomos até ao Campo das Labaredas fazer o pagamento combinado. Então aproveitamos para verificar as condições do local onde se realizará a grande cerimônia da "sexta-feira treze" da lua cheia. Desta vez eles cobraram mais caro, mas Miriam habilmente negociou um bom desconto." 28
  • 29. Este relato era a pista importante que eu tanto procurava. Concluí, ainda confuso, que as moças pertenciam realmente a uma ordem misteriosa que praticava cultos estranhos. Jurei que iria desvendar aquele mistério. Não gostaria que Bárbara estivesse envolvida com magia negra, mas tudo é possível... E o que é pior: quem procura, acha... 29
  • 30. 11 Viajante do futuro Meu quarto estava totalmente escuro, não dava para enxergar absolutamente nada. Ao meu lado, a meiga Luci prestava assistência a mais uma das minhas viagens ao astral. Na qual partiria em busca de uma pista sobre o paradeiro do Crânio de Cristal. Esvaziei rapidamente minha mente dos pensamentos vagabundos, de modo que, em poucos segundos, meu espírito libertou-se do cativeiro do corpo físico e entrou em uma outra dimensão; onde o tempo e o espaço não são importantes, pois eles sequer existem. logo a minha consciência cósmica foi transportada para um abrasador deserto egípcio; que ofuscava meus olhos. Pela primeira vez vi meu próprio corpo em uma viagem astral. Ele estava vestido igual ao corpo físico abandonado imóvel no quarto. Encontrava-me admirando a paisagem da redondeza, quando surgiram, não sei de onde, uns homens vestidos à moda antiga. Eram egípcios dos tempos dos Faraós. Dois deles encontravam-se em cima de um carro de combate, puxado por dois cavalos brancos imponentes. Os outros estavam a pé. Um daqueles dois, provável oficial do corpo de carros, destacava-se pela elegância. O nobre vestia trajes de cores vivas e em sua cabeça havia uma espécie de capacete azul, arredondado e todinho escamado. Um peitoral de ouro em forma de águia, fixado por uma grossa corrente em torno do pescoço, adornava seu físico avantajado. O nobre comandante também ostentava pesados braceletes com figuras de leões em alto-relevo. O que indicava sua posição de destaque na corte do Faraó. O oficial egípcio olhou-me fixamente e interrogou. − Quem és tu? − Sou um viajante do futuro! - respondi prontamente. Nossa conversa não ocorria por palavras, mas através do pensamento. − Essas roupas são de estrangeiro que desconheço. Deveis ser um espião de alguma potência inimiga. − Não sou! - respondi decidido. - E posso provar... Mostrei, então, ao comandante, meu relógio dourado, de pulseira metálica elástica, da mesma cor. Fitando o relógio com curiosidade, o comandante, subitamente, arrebatou-o de minha mão. Contei-lhe então que aquilo era uma máquina utilizada para medir o tempo. Sem pestanejar, o nobre colocou-o em seu pulso, ao mesmo tempo, que olhava admirado o movimento cadenciado do ponteiro dos segundos. Qual um filme, a cena mudou repentinamente. Sem saber como, fui parar em frente a uma colossal porta de pedra de uma tumba egípcia. Não conseguia mais ver nem perceber o meu corpo. Tornara-me novamente um espírito, cujo corpo encontrava-se imóvel, muito longe dali, em outra dimensão. 30
  • 31. Naquele local inóspito não havia ninguém, apenas um vento forte lambia furiosamente a porta de pedra, provocando um ruído seco e arrepiante. Nuvens de areia, ao sabor dos ventos, varriam o deserto e subiam ao céu, assustando-me. Deixei de lado o receio e entrei na tumba. Logo após ouvi vozes que ressonavam entre as escuras e sombrias paredes; decorada com enigmáticos hieróglifos e figuras coloridas de homens, animais e deuses do Egito. Em seguida, apareceu um sacerdote egípcio gordo, de cabeça raspada, vestindo saia branca de linho e sandália de couro. Em seu peito reluzia um bonito peitoral dourado e azul. O tal sacerdote encarou-me com um olhar hipnótico e foi logo dizendo: − Quando os ventos cessarem e os chacais saciarem a fome, você não se lembrará de nada! Mal acabei de ouvir as palavras do sacerdote, minha consciência regressou bruscamente ao meu corpo imóvel próximo da atenta Luci. Pensando nos acontecimentos, cheguei à conclusão de que havia penetrado no registro cósmico e presenciado acontecimentos secretos da remota antigüidade. Portanto, profanara a história como um intruso indesejável. Essa possibilidade aguçava minha imaginação. Continuei pensando nas palavras do monge: − "Você não se lembrará de nada!" Talvez por esta razão que, após meu encontro com o oficial egípcio, não me lembrava de nada mais. 31
  • 32. 12 1994 – um ano marcante Quase ao final do expediente, trancado no toalete do prédio da Bolsa, procurei relaxar a mente observando os pingos de água que caíam lentamente da torneira. Eles causavam um efeito hipnótico tranqüilizador. Era o início do ano de 1994 e havia uma intensa e nervosa movimentação no grande templo financeiro que é na Bolsa de Valores de São Paulo. Maior centro acionário do país. Para se ter idéia a Bolsa detém oitenta por cento das transações brasileiras com ações. Ocupando a segunda posição no ranking da América Latina. O fator que ocasionou esta movimentação nervosa foi a alta na taxa de juros que atraiu o capital estrangeiro ao Brasil refletindo imediatamente no índice Bovespa. As ações das companhias estatais, que em 1991 valiam US$ 3 bilhões, passaram a ser cotadas em US$ 40 bilhões. O mercado agitado movimentava, naquele período, mais de US$ 250 milhões por dia. Era tanto serviço que eu precisava trabalhar dobrado para analisar aquele mar de relatórios e gráficos financeiros. Por isso, estava um tanto estafado pela carga de serviço que me era imposta. Após o expediente, naquele dia, fui embora satisfeito pilotando a possante motocicleta; capaz de subir a mais íngreme ladeira. Subindo a Avenida Rebouças velozmente, localizei pelo retrovisor uma moto que se aproximava e logo me ultrapassou como um bólido. O piloto era um jovem de porte atlético, cabelos cortados ao estilo militar; que trajava calça jeans, camiseta branca e botas de cano alto. O rapaz sumiu na avenida, indiferente ao barulho infernal que sua máquina produzia. Mais adiante, na mesma avenida, encontrei este mesmo motoqueiro, todo ensangüentado; embaixo de um caminhão de bebidas, cercado por uma multidão de curiosos. Instintivamente reduzi a velocidade, mas não parei. Pálido, continuei o percurso, tentando restabelecer-me do choque. Muitos pensamentos ligados à morte e ao destino vieram-me à cabeça. Procurei desviar-me de todos eles. Então, relembrei a espionagem feita no diário de Luci e pensei no mistério que representava o tal Campo das Labaredas. Para minha sorte, eu teria a oportunidade de desvendá-lo ainda este ano; mais precisamente em maio; quando o dia treze cairia em uma sexta-feira de lua cheia... Para isso, bastaria seguir alguma das moças até este campo. 32
  • 33. 13 El Kalibi Naquela noite, a Casa de Chá El Kalibi, situada no bairro do Paraíso, estava completamente tomada por um público jovem e alegre. Kátia, Luci e eu conversávamos animadamente, sentados sobre grandes almofadas; ao redor de uma pequena mesa de madeira de aproximadamente quarenta centímetros de altura. Saboreávamos um delicioso e estimulante chá avermelhado, denominado Karkadeh; quando repentinamente chegou uma moça morena, de rosto arredondado e de curvas generosas, que Luci me apresentou. − Esta é nossa amiga Estela Zaid! − Muito prazer - estendi o braço e apertei sua mão macia, sorrindo. Ela prontamente retribuiu com um largo sorriso de dentes perfeitos. A moça acomodou-se à mesa, mas falou pouco; embora estivesse atenta à nossa conversa. Seu semblante sereno expunha no canto da boca um sorriso contido. Em seus olhos expressivos havia um brilho intenso de quem conquistara a paz interior. Nos bastidores da casa, Bárbara e a bela mulata Luíza aguardavam o momento de se apresentarem ao público; que, por sua vez, entre goles de chá, esperava ansiosamente o grandioso espetáculo da dança do ventre. Essa dança, de origem antiga e considerada sagrada, foi inicialmente praticada pelas formosas bailarinas da Mesopotâmia. Dançando elas imitam coisas da natureza, o vento nas areias do deserto, a leveza das plumas ou o arrastar das cobras. A dança do ventre e a suas belas dançarinas, sempre causam impactos consideráveis nas mentes das pessoas. Não é à toa que as mulheres daquela dança são graciosas, bonitas e sedutoras. Durante o show não dá para desviar o olhar delas. Bárbara contaram-me que Luíza fora criada por ciganos. Povo que gosta das artes adivinhatórias: búzios, cartas, bola de cristal, tarô e outras. Luiza também adorava Iemanjá, a rainha do mar. Razão pela qual em todas as passagens de ano ela ia à praia, fazer suas oferendas e rezar. E, juntamente com os milhares de fiéis, ela soltaria fogos e acenderia velas. Ritual que proporciona um espetáculo muito bonito, que atrai turistas do mundo todo. Quando começou o espetáculo no El Kalibi, Bárbara e Luíza surgiram dançando com volúpia jamais vista; ao som de uma insinuante música árabe. Os presentes silenciaram, ao mesmo tempo que arregalaram seus olhos. Minha doce Bárbara apresentava uma sensualidade incrível. Ela vestia saia de seda preta com uma provocante abertura lateral até a cintura. Na parte de cima, havia uma peça de roupa semelhante a um sutiã, com enfeites dourados que sustentava firmemente os seios. O ventre e as costas dela se encontravam descobertos. 33
  • 34. Luíza vestia-se da mesma forma, porém seu traje era branco, permitindo que sobressaísse sua cor tentadora. A mulata era um mulherão; quer pela altura, quer por seus formosos contornos. Uma verdadeira escultura viva. Bárbara dançava segurando um véu numa das mãos e não desviava seu olhar do meu. Mesmo assim, furtivamente eu também admirava sua monumental amiga. Afinal, aquela dança estimulava os desejos e estes não têm limites... Seria impossível permanecer indiferente ao vê-las dançando e seduzindo os homens. Confesso que fiquei com certo ciúme de Bárbara. Enquanto as duas encantavam o público, eu permanecia quieto na mesa. Com ou humor variando entre satisfeito e perturbado, eu lutava para controlar o ciúmes a todo custo. Desde o início da amizade com Bárbara, eu havia vasculhado sua alma, como um astrônomo curioso que observa o espaço sideral. E conseguira desvendar alguns de seus segredos, talvez os mais evidentes. Portanto, não acreditava que aquela moça que dançava entusiasmando homens e mulheres, fosse uma bruxa desalmada. 34
  • 35. 14 Aqui e agora O relacionamento que mantive com as amigas de Bárbara influenciara meu modo de vida. Agora eu meditava mais freqüentemente do que antes e lia intensamente os assuntos místicos. Embora ainda não estivesse no nível cultural esotérico das mulheres do Círculo, eu conseguia conversar com qualquer uma delas, de igual para igual. Seguindo a moda da nova era, transformei a decoração do meu apartamento, com pirâmides, bolas de cristal, pêndulos, pedras energéticas, budas e outros artigos. Para completar o ambiente esotérico, importei dos Estados Unidos, uma réplica perfeita de um Crânio de Cristal, para enfeitar minha estante de livros. Ainda neste período de transformações, comecei à cuidar mais do corpo e do espírito. E também passei à preocupar-me com o destino do nosso Planeta, da humanidade e dos animais. Coisas que antes pouco me passava pela cabeça. Procurei levar uma vida mais regrada, sem excessos de qualquer ordem. Comia equilibradamente, evitando exageros de sal, gordura, álcool e açúcar. Para completar eu sempre dormia nas horas certas. Ao me alimentar eu tomava por base uma regra tibetana: "encher o estômago com cinqüenta por cento de alimentos, vinte e cinco por cento de líquidos e o restante manter vazio. Nunca comer ou beber alimentos quentes ou frios demais". Esta é a fórmula, segundo eles, para se viver mais e melhor. A alimentação equilibrada que eu fazia constituía-se de verduras, frutas e carnes brancas. Para manter a forma física eu praticava exercícios de tai-chi-chuan e dava umas boas pedaladas na bicicleta ergométrica. Do ponto de vista filosófico, passei a viver o "aqui e agora". Que segundo a concepção budista, significa viver com a mente no presente. E isso é importante para o nosso equilíbrio mental; pois o passado jamais pode ser alterado e o futuro é sabidamente incerto. Dito isso, pode-se verificar a magnitude da contribuição da amizade das moças para o desenvolvimento e o enriquecimento do meu mundo interior. A supervisão das minhas viagens astrais pela Luci; proporcionou-me novas chances para espionar seu diário revelador, que ela sempre trazia consigo. Para minha sorte, nessas investigações descobri o endereço do Campo das Labaredas. Situava-se no final da Rua Comendador Armando Pereira, em plena Serra da Cantareira, na cidade de São Paulo. 35
  • 36. A cerimônia ritual realizava-se uma vez por ano, na primeira lua cheia de uma "sexta-feira treze". Neste ano ocorreria no próximo dia treze de maio. Data que eu pretendia estar lá para assistir o enigmático culto ao fogo. Secretamente, é claro. Certo sábado ensolarado convidei Bárbara para passearmos de moto pela cidade. Na verdade a minha intenção era espionar previamente o campo das labaredas. Coisa que eu não comentara com ninguém, nem mesmo com Bárbara. Logo que chegamos ao Bairro de Santana, decidimos entrar em um hotel situado na Rua Conselheiro Saraiva, quase na esquina com a rua Voluntários da Pátria. Lá, trancados em um pequeno e aconchegante quarto de teto espelhado, fizemos amor por um longo tempo. Não me lembro de quantas vezes possuí o corpo esguio de Bárbara até a exaustão. Lembro-me que foi de muitas maneiras, até saciarmos nossa sede de amor. Aquele que os amantes praticam com entusiasmo; sem medo ou receio, sem culpa ou violência. Amamos na mais perfeita harmonia que pode haver entre um homem e uma mulher e usufruímos; como recompensa, dos prazeres irrestritos. Em seguida fui tomar uma merecida ducha quente para relaxar. Enquanto isso, Bárbara ficara estatelada na cama; mergulhada em um profundo êxtase, do tipo que só as mulheres conhecem após o clímax sexual. O rosto de Bárbara estampava o retrato da felicidade. Confesso que senti uma enorme satisfação ao observá-la assim. Enquanto a água quente rolava pelo meu corpo, eu olhava o movimento da rua por uma pequena janela ao lado do chuveiro. No exato instante que um vento insistente agitava os galhos de uma árvore frondosa; enquanto os carros apressados desciam a ladeira da Voluntários. O vai-e-vem das pessoas na calçada me fez lembrar que estava em uma cidade grande e enigmática. Naquele instante, nuvens carregadas trazidas pelos ventos, espantavam os últimos raios de sol, antecipando a noite paulista. Quando saímos do hotel a noite já havia tomado a cidade. Mesmo assim continuamos o passeio em direção à Serra da Cantareira. Prossegui "voando baixo" pela Avenida Nova Cantareira, até que notamos o ar frio e puro das montanhas que se aproximavam. Na altura da bifurcação entre a Nova Cantareira e a Avenida Senador Antônio Ermírio de Moraes avistei o Campo das Labaredas. Ele estava à minha direita, talvez a uns dois quilômetros dali. AS labaredas gigantes do campo se destacavam nas trevas da noite, dançando ao sabor dos ventos. De tempos em tempos, elas se avolumavam e explodiam em todas as direções; lançando perigosas línguas de fogo que lambiam a escuridão. Aquela visão me emocionou bastante. 36
  • 37. O local das chamas é precisamente o aterro sanitário na Vila Albertina. Um enorme campo gramado, que possui toneladas de lixo enterrado embaixo da sua superfície. O lixo orgânico em decomposição produz um gás tóxico, que sai para a superfície através de dutos metálicos, em cujas extremidades são acesas as chamas que evitarão explosões ou poluição atmosférica. Durante anos a fio estas chamas são mantidas acesas pelos gases emanados do lixo enterrado. A meu ver, esse processo é um descomunal desperdício de energia. O gás consumido inutilmente pelas chamas poderia ser utilizado para fins econômicos. Próximo ao local, estacionei a moto para admirarmos o belo espetáculo que das "chamas douradas" proporcionavam. − Que lindo! - exclamou Bárbara excitada. − É mesmo - respondi seco, não desviando o olhar das chamas enormes. Estava satisfeito e orgulhoso por ter descoberto o local secreto onde as moças realizavam os rituais da lua cheia. Meu próximo objetivo seria observá-las dançando ali e certificar-me se elas praticavam ou não os abomináveis rituais da magia negra. Para isso ficaria escondido naquelas imediações, no dia treze de maio, sexta-feira de lua cheia... 37
  • 38. 15 Em busca da sabedoria A sabedoria é semelhante à água pura de uma fonte natural. Os sedentos que a bebem rapidamente, não tomam consciência desta pureza. Assim falou um mestre zen- budista a um discípulo seu. Em busca da sabedoria, li muitos livros sobre Meditação, Tao, Zen-Budismo, Budismo, Hinduísmo. Naquele momento estava terminando de ler livro "Bhagavad Gita"; escrito há mais de 5 mil anos, considerado um dos pilares da sabedoria humana. Curiosamente, o Bhagavad é estudado por cientistas dos países ocidentais adiantados. Acreditam eles que se interpretarem corretamente os livros sagrados dos Vedas, conseguirão novas bases teóricas para impulsionar as ciências. Mas não foi apenas a leitura que me confortou. Na meditação e no auto- conhecimento encontrei a paz interior, tão necessária ao equilíbrio psíquico. Graças ao meu próprio esforço, acalmei meu espírito perturbado e tornei-me mais compreensivo com as outras pessoas. E isso me fez um bem enorme. Interessei-me também por assuntos que ocorreram no passado, principalmente sobre a extinção dos Dinossauros. Pesquisando em livros e revistas, descobri que um meteoro enorme caiu na periferia de São Paulo. Isso ocorreu há mais de 30 mil anos. A explosão causada pelo por ele produziu uma cratera de 3,6 quilômetros de diâmetro por 450 metros de profundidade. Se aquele meteoro tivesse caído atualmente, arrasaria toda a cidade de São Paulo. Minha curiosidade sobre o assunto era tamanha, que certo sábado de manhã resolvi conhecer a tal cratera. Peguei o "trator" e fui até lá. Chegando em Colônia, situada às margens da represa Billings, aluguei um ultraleve para sobrevoei o local onde aconteceu a catástrofe. Visto do alto, a cratera é interessante e faz suscitar na mente as mais fantásticas especulações acerca daquela tragédia fatal. Entretanto, este patrimônio histórico natural está ameaçado, devido às inúmeras construções que proliferam borda da imensa cratera. Portanto, é necessário que as autoridades tomem providências urgentes, para salvar o lugar da degradação ambiental. Sobrevoando o local durante meia hora, imaginei o tremendo impacto que aquela enorme bola de rocha incandescente provocou ali. Estima-se que o poder daquela terrível explosão equivaleu ao de centenas de bombas de hidrogênio. E, provavelmente, dizimou muitos animais pré-históricos da região. Apaixonado por astronomia, de vez em quando espio o céu com minha poderosa luneta. Anos atrás, com essa mesma luneta, consegui avistar o cometa Halley, no céu da cidade de Itapecerica da Serra. O cometa apareceu tímido no céu e lembrava o planeta Vênus. Infelizmente ele não possuía aquela exuberante calda avistada nas outras vezes. O cometa Halley só aparece a cada setenta anos. Da próxima vez que ele retornar eu certamente estarei descansando em paz no cemitério. 38
  • 39. Entre 18 e 29 de julho daquele ano de 1994, o cometa Shoemaker-Levy colidiu com o planeta Júpiter. Foi a primeira vez que o homem acompanhou uma colisão desta proporção. Se ele tivesse colidido a Terra, teria dado fim à vida no planeta; tamanha a potência da explosão. A velocidade do Shoemaker-Levy era incrivelmente fantástica. Muito maior do que os poderosos foguetes podem alcançar. Só através do poder mental podia-se chegar até ele. Eu continuava fazendo as viagens astrais, sempre supervisionado de perto pela prestimosa Luci. Certa vez voltei ao Nepal, e sobrevoei Katmandu sua capital. Na oportunidade, uma espessa neblina encobria parcialmente suas ruas e construções. Nem a enorme lua cheia pude ver. Fazia um frio tão intenso que as ruas estavam desertas. Mas, assim que amanheceu, o povo saiu para as ruas contente e se dirigiam a um suntuoso pagode construído com cinco telhados sucessivos, que se afunilavam. Observei que na parte de baixo do templo, havia uma escadaria ladeada por budas, elefantes e dragões e terminava no portão principal que dava para as ruas. Muitos visitantes chegavam à cidade naquele momento, para comemorar o nascimento de Gautama Sidarta, o Buda. Era o tradicional festival do Vesak, que ocorre no mês de maio. Na periferia da cidade, jovem que carregava um cesto de fibra vegetal nas costas; atravessava uma ponte pênsil, feita com tábuas e cordas, sobre um profundo precipício. Aquele jovem, provavelmente um agricultor ou comerciante, também seguia em direção à cidade. Do outro lado da ponte, um cão ladrava para ele e quebrava o silêncio monótono do vale. Na dimensão do astral eu podia ouvir o pulsar compassado e calmo do meu coração dentro corpo estático. Havia uma ligação perfeita entre o espírito que vagava livre e o corpo material. Romper essa frágil ligação acarretaria no que as pessoas chamam de morte. Ou seja, a libertação definitiva do espírito do corpo. Contudo, eu estava plenamente consciente de que transitava em terras estranhas. Sabia quando meu espírito deveria regressar à sua morada e ele agia conforme minha vontade. Continuando a viagem, na velocidade do pensamento, cheguei a um lugar estranho e sem habitações, que possuía um céu azul com algumas nuvens brancas esparsas. No solo abaixo de mim, milhões de flores coloridas embelezavam a paisagem na base das montanhas. Novamente, em um piscar de olhos, o cenário mudou. Surgiu a noite com o céu abarrotado de estrelas cintilantes. Onde uma lua prateada e enorme iluminava um deserto imenso. No qual, um vento insistente e ruidoso removia a areia e formava imensas dunas itinerantes. Adiante, nas montanhas, os lobos choravam para a lua. Perto dali, Indiferente a tudo mais, uma caravana de peregrinos seguia pacientemente em direção à cidade sagrada de Meca. Que lugar lindo! Vivendo no outro lado do mundo, nem imaginava que um dia conheceria um lugar assim... 39