A peça Prometheus – A Tragédia do Fogo apresenta a história de forma não linear, com o palco dividido por cortinas e os atores interpretando em lados opostos, de modo que os espectadores em cada lado veem cenas diferentes. A diretora usa esta estrutura e elementos como figurino, som e luz para provocar reflexão sobre linguagens teatrais em vez de apenas contar a história. No desfecho, as cortinas se juntam no centro em forma de fogo simbólico.
1. Prometheus – A Tragédia do Fogo
Direção de Maria Thais
Cia de teatro Balagan
Peça apresentada no teatro da Tusp
De repente há um aviso a todos que estão na fila esperando a abertura
para a entrada no teatro da Tusp. “Pedimos perdão, mas a peça será feita em
‘semi-arena’, portanto no inicio da peça, alguns vão ter que permanecer-se em
pé, devido a nossa montagem, mas depois de dez minutos, todos poderão ir
para os seus lugares. Neste dez minutos, favor dar preferência a quem
necessita ficar sentado.”.
De certa maneira, sobressalta saber que vamos nos deparar com uma
montagem que deixará seus espectadores em pé à espera do que há de vir, já
que instiga pensar que motivos seriam estes e que propostas estarão sendo
levantadas pela cia. Entrando no teatro, a primeira impressão visual é o chão
com um carpete representado terra, rocha ou mesmo remetendo ao período
paleolítico; objetos toscos, penumbra em volta do espaço enquanto escutamos
um coro forte, típico dos grandes clássicos, que dizer, das tragédias gregas. E
é em grego arcaico com uma voz dominante enquanto outras vozes
acompanham o canto quase rustico, misturado num cacófato de choro e
lamento mas tampados pela cortina cor de terra ou rocha duma caverna com
desenhos rabiscados na cortina. Ouve-se o tambor, o grito, o canto seguido do
coro, o coro seguido do canto ou acompanhado do grito e novos tambores.
De repente os espaços são liberados quando as cortinas se abrem e as
pessoas podem sentar em seus espaços, se espalhando nas cadeiras em volta
da arena. Mas a maior surpresa da peça é quando a arena é cortada por uma
cortina e quem senta dum lado simplesmente não verá a apresentação no
outro. Quando os atores intercalam suas vozes num discurso quase
“Monólogo” e de repente, o som do outro lado vem para dar vida a este ponto
onde sentamos; deste lado podemos ouvir o discurso dramático da ave que
devora o fígado de Prometeu e do outro, intercalando num ritmo frenético, há
Pandora fazendo seu discurso, assim por diante, sem atrapalhar o discurso do
lado em que estamos, apenas assomar as interpretações sobre a peça. Algo
2. profundo, uma poética rasgada pelo espaço tosco, o som acústico que vem dos
instrumentos típicos da Grécia antiga. Assim, no decorrer da peça as cortinas
vão abrindo e fechando sucessivas vezes a fim de intercalarem cenas e
separarem; sempre com o discurso poético trágico amalgamado com o do
outro lado, o lado que não vamos ver. Quem se senta nos outros três pontos
não verá o que aqui se passa, e assim por diante.
A peça continua numa costura de retalhos, em que o espectador talvez
só compreenda se assistir quatro vezes, sentando em cada lado das cortinas
do teatro arena (O que deve ser deixado bem claro, não é este o propósito da
peça; faz parte da poética, o espectador está separado das cenas paralelas por
cortinas).
A maquiagem, o figurino, o trabalho corporal dos atores, tudo se
amálgama com a espécie de quebra-cabeça da peça de Prometheus – A
Tragédia do Fogo, tudo em perfeita congruência. Os atores trabalharam
profundamente no desenvolvimento de seus personagens, dando vida as aves,
as estéticas corpóreas, como na cena que todos atuam como a ave alçando
voo e o coro de ritmo. Há outras cenas que os irmãos Prometeu e Epimeteu
fazem um monólogo, talvez “bi-monólogo”, em que juntos, um de costas para o
outro transformam o seu texto poético em vida artística; que o texto isolado de
cada um se completa com o do outro.
Ademais o trabalho de Prometheus não cai no clichê de apenas querer
contar mais uma história de mais uma versão da grande tragédia, tão-somente,
Prometeu que já virou peça de teatro dramática, comédia, filme, desenho
infantil, HQ, jogos de Video-game e tantas outras linguagens contemporâneas.
O que a cia de teatro Balagan deseja fazer é retirar o espectador da zona de
conforto em assistir uma peça linear na narrativa, descontruindo a forma como
é contada, tornando o simples ato de fechar uma cortina para cortar a cena
num jogo corpóreo de grande profundidade poética das personas.
Não obstante a peça não fica somente na prolixidade de separar o palco
em que todos os olhos estarão apontados. Mas sim, o discurso poético é quase
como um quebra-cabeça e cada detalhe se retirado talvez desmanchasse o
desdobramento desta tragédia “contemporânea”: é figurino, corpo, sons,
músicas, coros, cantos, monólogos, chão, luzes que dão profundidade ao
arrebatamento com que o espectador entra em choque. O objetivo não é
3. explicar a história de Prometeu, (como já fora de tantas outras montagens), em
que qualquer filme da sessão da tarde seria capaz de explicar, ou mesmo a
Wikipedia; Mas sim, estimular uma reflexão ativa no espectador quanto as
linguagens que estão sendo trabalhadas no palco.
O espectador seria o fazedor de sua própria história ao assistir a peça,
desdobrando cena por cena para que os discursos monólogos repercutem num
entendimento, como na cena final das cortinas, são quatro cortinas que cortam
o palco arena num “+”, mas nesta cena, todas as cortinas são arrastadas para
o centro, formando uma espécime de fogo simbólico com as cortinas
transversas em espiral no desfecho das aves a narrar o discurso épico, poético
numa versão contemporânea da tragédia grega.
A cia. Balagan prova com este trabalho completamente bem
desenvolvido que está entre as melhores da cena paulistana de teatro
contemporâneo.
Observações:
A cia. de teatro Balagan já tem um pouco mais de dez anos. Mais
informações sobre a Cia: http://www.ciateatrobalagan.com.br
A diretora Maria Thais Lima Santos é doutora em Artes Cênicas e
Professora de Improvisação e Direção Teatral na UNICAMP (Universidade de
Campinas).