O documento discute os conceitos de equilíbrio econômico-financeiro (EEF) em concessões e parcerias público-privadas. Apresenta que há divergências entre o senso comum jurídico sobre EEF e o que dizem os marcos legais. Discute também que os sistemas regulatórios e compensatórios têm funções distintas para manter o EEF, com ênfase na importância de se estabelecer critérios claros para reequilíbrios.
3. Sumário
1. EEF: o senso comum jurídico
2. O que os juristas dizem do marco legal, e o que o marco legal de fato diz
3. Funções do equilíbrio econômico-financeiro
4. Sistemas regulatórios e compensatórios
5. O que aprendemos sobre
EEF na Faculdade de
Direito?
•Objetivos
• Contrabalanço dos poderes exorbitantes da Administração Pública de alteração
do contrato
• Proteção contra qualquer eventos extraordinários, ordinários de consequencia
imprevisível, cujos riscos seriam do Poder Público
•Equação econômico-financeira é parâmetro para aferir desequilíbrio
e para reequilibrar o contrato:
• Equação caracterizada como: Encargos (custos) + Margem = Remuneração
•Forma-se na entrega da proposta
• Vinculada às condições originárias do contrato
•Vincula a Administração aos preços de insumos, materiais, encargos, margem etc.
utilizados para definir o preço global
6. Há lógica econômica no que os
juristas dizem sobre o tema?
• Proteção contra eventos extraordinários
•Faz sentido, desde que o extraordinário seja definido como exterior ao contrato
• O problema é evitar sobreposição de matriz de riscos legal sobre a contratual
• Proteção contra alterações unilaterais da Administração Pública
• Sim faz todo sentido
• Há lógica na idéia de equação econômico-financeira?
C+M=P
CInv + COp + M(TIR?) = Rt + Ra + Rc
•Distribuição de riscos?
•Faria sentido pós análise de riscos, do contrário funciona como “mark up” de
preços
7. Há lógica econômica no que os
juristas dizem sobre o tema?
• Faz sentido estabilizar as condições originárias da proposta?
• Para contratos de obra, sim
• Para contratos de concessão e PPP, é preciso distinguir
• Recomposição pela inclusão de novos investimentos – não
• Risco de haver ganhos de parte a parte que não decorrem do mérito das
partes, mas somente da mudança das condições econômicas
• Entendimento que, por lei, o concessionário não está obrigado a realizar
novos investimentos se o contrato não definir explicitamente
• Recomposição por riscos atribuídos ao concessionário – sim
• Qualquer outra forma de fazê-lo levaria à risco de perda de
rentabilidade, e põe em cheque a credibilidade da matriz de riscos
• A fragilidade da análise criadora da vinculação da Administração Pública a
proposta
8. EEF: o que os juristas dizem do
marco legal, e o que o marco legal,
de fato, diz
9. Marco legal sobre equilíbrio
econômico-financeiro
• Lei de Licitações
• Art. 65, inc. II, alínea “d”:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas,
nos seguintes casos:
(...)
II – por acordo das partes:
(...)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do
contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou
fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na
hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis,
retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso
fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”
(grifo nosso).
• Lei de Concessões
“Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu
equilíbrio econômico-financeiro” (grifo nosso).
10. Art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998)
(...)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante
processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”
(grifo nosso).
11. Art. 5, da Lei de PPP
“Art. 5. As cláusulas dos contratos de parceria público-privada
atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever:
(...)
III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a
caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica
extraordinária;
• Art. 5, inc. III, da Lei de PPP, permite a livre repartição dos riscos
– objetivo é o mesmo do art. 10, da Lei 8.987/95
– sua redação foi talhada para imunizá-lo contra o processo de
incompreensão que permeia a interpretação corrente do art. 10, da Lei
8.987/95
12. Proteção contra alteração do contrato
para atender ao interesse público
• A qualquer momento o Poder Público pode alterar as
especificações de serviço, os investimentos, tarifa etc.
• Por outro lado, fica assegurado ao parceiro privado a manutenção
do equilíbrio econômico-financeiro
•Lei 8.666/93
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta
Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de
interesse público, respeitados os direitos do contratado;
(…)
§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos
administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do
contratado.
§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras
do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio
contratual.”
13. Alguns equívocos na forma
tradicional de ver o tema
• Suposição de que há um núcleo duro na disposição constitucional que reflete o
pensamento da doutrina tradicional, e que pode ser usado para controlar leis que adotam
posições diferentes
• Distorção do texto do art. 65, II, d, da Lei 8.666/93, para dizer que há um mecanismo de
equilíbrio econômico-financeiro e uma matriz de riscos padrão, aplicável a todos os
contratos, independentemente da disciplina dos riscos previstos no contrato
• Confusão entre distribuição de riscos e mecanismos para recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro
• Nem os dispositivos legais, nem a visão tradicional do EEF diz qualquer coisa sobre como
recompor o EEF
•Por que? Algumas hipóteses para discussão:
•Doutrina é fruto de atividade de consultoria a iniciativa privada
• Ensino jurídico incapaz de compreender lógica econômica das questões jurídicas (entendimento de
economia é considerado interdisciplinaridade)
•Ensino e compreensão do direito é perinormativo
15. Funções do EEF
• Funções tradicionais do EEF - compensações
– Compensação por riscos assumidos no contrato por uma parte,
mas cujos eventos gravosos afeta à outra parte
– Compensação por novos investimentos exigidos
unilateralmente pelo Poder Concedente
– Compensação por descumprimento de contrato
• do Poder Concedente?!
• Do Concessionário?
– Compensações tarifárias na distribuição de energia
– Desconto do reequilíbrio no setor de rodovias e aeroportos
16. Funções do EEF
• Relação do EEF com os sistemas regulatórios –doutrina
jurídica ainda não percebeu...
– Regulação de premissas para formação do preço
• Transferência de ganhos de eficiência para os usuários?
– Fator X na metodologia do preço-teto
– Definição dos custos-teto na regulação por taxa de retorno
18. Sistemas regulatórios vs.
compensatórios
Sistemas Compensatórios Sistemas Regulatórios
Compensação por: Modificação das premissas de preço (custo e
(a) eventos que são risco de uma parte, rentabilidade) do contrato
mas que o evento gravoso atinge a
outra
FINALIDADE
(b) Compensação pela decisão de
inclusão de novo investimento
(c) Compensação por
descumprimentos contratuais
Taxa de retorno e outras premissas Regulação clássica por taxa de retorno
financeiras definidas no plano de e
ESPÉCIES
negócios (TIPOS IDEAIS)
Preço-teto tarifário
e
Fluxo de caixa marginal
Menor incerteza quanto a novos Grande incerteza quanto a novos
CONTEXTO CONTRATUAL
investimentos e demanda investimentos e demanda
Menor sofisticação e menores Alta sofisticação e estrutura para obtenção
ESTRUTURA PARA
exigências no que diz respeito a REGULAÇÃO
de informações
estrutura para obtenção de informações
É viável realizar mesmo em um ESTABILIDADE POLÍTICO- Necessidade de maior estabilidade
contexto de menor estabilidade REGULATÓRIA
Reequilíbrio (realizado nos processos Revisão contratual (ordinária)
PARA A DOUTRINA
de revisão ordinária ou extraordinária TRADICIONAL
do contrato)
Em regra, não Em regra, sim
Se a taxa de desconto do fluxo de caixa NECESSIDADE DE
marginal for por WACC, será necessário PORTFÓLIO DE PROJETOS
portfólio comparável COMPARÁVEIS
19. Procedimento para reequilíbrio por
TIR, com base em plano de
negócios
• Premissa: ocorrência de evento gravoso a uma
das partes, que é risco da outra
• Análise do evento gravoso e enquadramento
como risco da outra parte
• Cálculo do impacto, no fluxo de caixa, do evento
gravoso à parte atingida
• Se for por aumento/redução de tarifa:
– Cálculo da tarifa que colocaria a parte credora do
reequilíbrio na situação anterior à ocorrência do
evento em relação à rentabilidade prevista no
plano de negócios
20. Procedimento para reequilíbrio por
fluxo de caixa marginal
• Premissa: decisão do Governo de realizar novo investimento
na concessão, não previsto no contrato originário
• Realização da modelagem econômico-financeira do novo
investimento
– Custos de investimento: valores de mercado (?)
– Custos operacionais: valores de mercado(?)
– Receitas: projeção seguindo melhores práticas(?) a partir da
receita real
– TIR de referência pode ser produto de:
• Negociação
• Fórmula paramétrica contratual
• Fórmula contratual definindo o cálculo do WACC a ser
utilizado
• O novo fluxo deve ter valor presente líquido igual a zero
• Se, em vista das características do novo investimento, não for
possível gerar o efeito de valor presente líquido igual a zero
no fluxo marginal, esse efeito será gerado por meio de ajuste
no fluxo de caixa original
21. Comparando os sistemas
compensatórios
Reequilíbrio por TIR Reequilíbrio por fluxo marginal
Eventos que são risco de uma Inclusão de novos investimentos
PROTEÇÃO
parte, mas afetem a outra
CONTRA
parte
Investimentos previstos no Apenas novos investimentos
CONTEXTO
contrato
Geralmente, os da proposta Mercado
CUSTOS
originária
Proposta originária DEMANDA ?
Proposta originária Critério de cálculo previsto no
TIR
contrato
22. Problemas que estamos enfrentando com
sistemas compensatórios no setor de
transportes
• Pretensão de utilizar a metodologia do fluxo de caixa marginal
para compensação por riscos que são de uma parte e afetem a
outra
– Risco de perda de rentabilidade cada vez que ocorre evento que é
risco da outra parte
– Perda de credibilidade da própria matriz de riscos
• Não estabelecimento da taxa de desconto para uso do fluxo de
caixa marginal no contrato
– Não é problema para novos investimentos, se o parceiro privado
puder se recusar a realizar
– É problema para a compensação por riscos da outra parte –
aumenta risco da compensação ser inadequada
• Aumento do risco regulatório em setores em que a
independência das agências reguladoras anda combalida
– Diretores interinos – nomeados por decreto e demissíveis ad
nutum
– Prazo de vacância dos cargos – inviabilidade de decisão
– Perfil dos diretores das agências
23. Regulação por taxa de retorno
• Origem: experiência dos EUA
• Objetivo:
– assegurar ao regulado taxa de retorno razoável sobre
investimentos
• Necessidade de
– separação entre custos controláveis e não controláveis
– estipulação de limites para custos controláveis
– Estipulação de taxa adequada de retorno
• Evitar super ou sub investimento
• Excedentes de
– custos controláveis devem penalizar a taxa de retorno
– custos não controláveis devem ser compensados por aumento de
tarifa ou aumento do pagamento público
• Desafios principais:
– Estabelecer limites adequados para os custos
– Definir o que é taxa de retorno razoável e revisá-la
periodicamente ao longo do contrato
24. Regulação por preço-teto
• Origem: academia no Reino Unido
• Objetivo originário:
– Deslocar o foco da regulação dos custos para o preço do
serviço, evitando, assim, ao menos parcialmente, os efeitos
da assimetria de informações sobre custos
• Consequência:
– Utilização da tarifa/pagamento como teto
– Aplicação de deflator (fator X) na tarifa para forçar
transferência de ganhos de eficiência setoriais do regulado
para os usuários/poder público
– Aplicação de componente (fator Y) para transferência ao
preço de aumento/redução de custos não controláveis
• Desafios principais:
– Estabelecer metodologia para cálculo do Fator X
– Necessidade de analisar custos quando se fizer necessária
alteração relevante nos indicadores de serviço do contrato
• Para isso, será necessário ter acompanhamento de custos
26. Problemas que estamos enfrentando com
sistemas regulatórios no setor de
transportes
• Fator X
– Criado em setores que a evolução tecnológica
produz ganhos operacionais extraordinários
– Contratos não preveem metodologia de cálculo
– Regulador responsável por determinar a posteriori
– Não há limites o que cria dificuldade de prever
impactos financeiros da aplicação do fator X
27. Compensações por
descumprimento de contrato
• Por descumprimento do concessionário -
desconto do reequilíbrio, fator D (às vezes fator
Q)
– Necessidade de métricas claras
– O problema da sobreposição com multas e a
dificuldade de distinguir até onde é compensação,
até onde é punição
• Por descumprimento do Poder Concedente
– Tem sido usado como substitutivo de multas
28. Algumas referências importantes
sobre o reequilíbrio econômico-
financeiro
• Compensação por taxa de retorno (inclusive com os erros
relativos à desconsideração da matriz de riscos contratual) –
contratos de concessão tradicional do setor de rodovias
• Fluxo de caixa marginal apenas para novos investimentos -
BR 116/324 e BA 093 (também para “desconto do
reequilíbrio”)
• Regulação por taxa de retorno – a experiência da ANEEL nos
contratos de distribuição
• Regulação por preço-teto – as fórmulas constantes dos
editais de concessão aeroportuária
• Concessão da Linha 04 do Metrô de São Paulo (a ideia de
recomposição do equilíbrio como instrumento residual)