Este documento discute os desafios energéticos globais e as soluções emergentes. Em três frases: A dependência mundial de combustíveis fósseis está a aquecer o planeta e esgotar as reservas, mas novas tecnologias de energia renovável como painéis solares, veículos elétricos e fusão nuclear prometem iluminar um caminho mais sustentável para o futuro da energia.
Edição especial energia national geographic - siemens
1. ediÇÃO especial
PORTUGAL
EnergIA O granDE dilema
dO nOSSo futuro
A hora
DESAFIOS E
soluÇÕEs
de mudar
2.
3. ILUMINAr
O CAMINHO
D
a minha infância no estado do oregon (EUA), conservo vivas duas Eis o futuro da luz.
Alimentada apenas por
imagens: as montanhas cobertas de neve já com o Verão bem avançado e oito watts de electricida-
a quinta da minha família em Portland, dividida em duas por uma estrada de, a lâmpada GeoBulb de
C. Crane utiliza díodos
asfaltada. As duas imagens traduzem o preço cada vez mais elevado que emissores de luz (LED, da
temos de pagar por termos desfrutado, durante décadas, de energia barata. sigla em inglês) e “dedos”
de malha de arame que
O degelo dessas montanhas próximas, que enchia os rios e as barragens dissipam o calor para
hidroeléctricas da região, trazia energia eléctrica até minha casa: energia emitir mais luz e menos
calor do que uma lâmpada
renovável, muito antes de esse se ter tornado um objectivo prioritário. No incandescente de 60
entanto, os verdadeiros reis eram os automóveis. Uma estrada dividiu em watts. Actualmente, estas
lâmpadas são muito mais
duas a nossa quinta de criação de ovelhas e a gasolina barata acabou por caras do que as
converter o campo num bairro residencial de pequenas moradias. incandescentes e a sua
fiabilidade ainda está em
Hoje, as neves estão a recuar porque o Inverno é cada vez mais curto teste, mas pode suceder
devido ao aumento da temperatura. As reservas de petróleo que fizeram que um dia ocupem um
lugar de destaque entre os
crescer os subúrbios já não são tão seguras nem tão baratas. Presos na descendentes dos frágeis
armadilha, precisamos de novas ideias e de novas tecnologias. filamentos criados por
Thomas Edison.
Esta edição especial da National Geographic explora esse desafio. Ao
longo de 124 anos, a revista descreveu com rigor o ambiente em que
vivemos. Actualmente, o nosso planeta está ameaçado pela dependência
dos combustíveis fósseis. O que podemos conseguir, e com que rapidez,
aplicando determinadas medidas de conservação? Podemos continuar a
queimar carvão para produzir energia sem que a emissão dos gases de
efeito de estufa dispare? O que faria falta para explorar a imensa fortuna
energética que se derrama, todos os dias, sobre a face da Terra sob a
forma de luz solar e vento?
O preço do petróleo flutuou muito devido às recentes turbulências eco-
nómicas e políticas, mas continuará a aumentar no futuro. A menos que
aprendamos a alimentar o nosso planeta com outras formas de energia,
talvez os nossos netos não saibam o que é viver em abundância energética,
nem conheçam as neves generosas que iluminaram a minha infância.
A energia para manter acesa uma lâmpada incan-
Perito da National Geographic
descente de 60 watts durante um ano custa cerca
em temas de ciência e ambiente
de cinco euros. Para uma lâmpada de tecnologia
LED, o custo equivalente seria de 1,10 euros.
2 E N E RG I A Tyrone Turner e n e r g I A 3
4. O NOSSO
DESAFIO
ENERGÉTICO
O mundo começa a reconhecer a sua dependência
dos combustíveis fósseis baratos e abundantes.
a comodidade do fogo é também a sua maldição.
Desde que os seres humanos aprenderam a dominar o calor,
a luz e o poder das chamas, o seu desejo de possuir estas três
formas de energia não parou de crescer. Um desejo incon-
trolado que conduziu a excessos perigosos e que produz
agora consequências sobre a Terra. O carvão, o petróleo e o
gás natural cobrem cerca de 80% das necessidades de ener-
gia do mundo e produzem a maioria das emissões de dió-
xido de carbono (CO2) e outros gases com efeito de estufa
que estão a aquecer o planeta. Segundo um relatório da
Agência Internacional de Energia (AIE), a procura poderá
aumentar quase 50% até ao ano 2030, com o consequente
aumento das emissões, uma tendência que, se não se alterar,
poderá elevar em 6ºC a temperatura média mundial. Em muitos países em
desenvolvimento,
O relatório conclui que a tendência é “manifestamente centenas de milhões de
insustentável, tanto para o ambiente como do ponto de vista pessoas obtêm mais de
75% dos seus recursos
económico e social”. Para desabituar a humanidade da sua energéticos a partir da
dependência dos combustíveis fósseis será precisa nada lenha. Apesar de as
partículas e as toxinas do
menos do que uma “revolução energética mundial”, diz fumo poderem ser noci-
Nobuo Tanaka, que foi director-executivo da AIE até vas para a saúde, a lenha
é barata e renovável, e as
Setembro de 2011. Isso será possível se o mundo investir suas emissões de gases
maciçamente em energias renováveis, reduzir as emissões com efeito de estufa são
baixas, ao contrário do
de carbono, melhorar a eficiência e apagar umas quantas carvão, do petróleo e do
luzes. Acontecerá? “Veremos”, diz ele. gás natural.
PETER ESSICK e n e r g I A 5
5. 1 tonelada
Quantidade de carvão
necessária para
fornecer energia
eléctrica a um lar nos
Estados Unidos durante
dois meses.
264 mil milhões
Número de toneladas
correspondentes
às reservas de carvão
dos Estados Unidos.
Ao ritmo de consumo
actual, durariam cerca
de 225 anos.
46
por cento – percenta-
gem da produção
mundial de antracite
correspondente à
China, o principal
produtor.
A central eléctrica
Hunter, do Utah,
alimenta a rede do
Oeste dos Estados
Unidos e está em plena
expansão. Consome 14
mil toneladas de carvão
por dia. Abundante e
acessível, o carvão gera
metade da energia
eléctrica daquele país,
mas também aquece
o planeta. Em 2007,
as centrais térmicas
dos Estados Unidos
libertaram para
a atmosfera 2.400
milhões de toneladas
de dióxido de
carbono, superadas
apenas pela China.
6 E NLefkowitz / Corbis
Lester E RG Í A directional: image credit goes here e n e r g I A 7
6. A majestosa torre Jin
Mao de Xangai domina
o novo distrito
financeiro, onde pratica-
mente todos os
edifícios têm menos de
20 anos. Para fomentar
a urbanização e o
rápido crescimento da
economia, a China
quadruplicou a sua
produção eléctrica
entre 1990 e 2006.
Provavelmente, o valor
voltará a duplicar antes
de 2020, à medida que
as cidades continuarem
a acender mais luzes.
Fritz Hoffmann e n e r g I A 9
7. VOLUME DAS RESERVAS MUNDIAIS DOCUMEN-
TADAS DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL LÍQUIDOS:
1,2 BILIÕES DE BARRIS. TEMPO QUE O MUNDO
DEMOROU PARA CONSUMIR O SEU PRIMEIRO
BILIÃO DE BARRIS DE PETRÓLEO: 140 ANOS.
TEMPO QUE DEMORARÁ PARA CONSUMIR O
BILIÃO SEGUINTE: 30 ANOS. A QUANTIDADE DE
GÁS NATURAL NECESSÁRIA PARA EXTRAIR UM
ÚNICO BARRIL DE PETRÓLEO DAS AREIAS BETU-
MINOSAS CANADIANAS PODERIA AQUECER UMA
CASA NORTE-AMERICANA MÉDIA DURANTE QUA-
TRO DIAS. ATÉ 2008, A CALIFÓRNIA CONSUMIU
MAIS GASOLINA DO QUE QUALQUER OUTRO PAÍS
DO MUNDO (SEM CONTAR obviamente COM OS
EUA), INCLUINDO A CHINA. CERCA DE DOIS TER-
ÇOS DE TODA A ENERGIA É CONSUMIDA NAS As imagens sísmicas
ÁREAS URBANAS, EMBORA APENAS METADE DA da Empresa Petrolífera
Anadarko, do Texas,
POPULAÇÃO DO MUNDO VIVA EM CIDADES. mostram uma secção
transversal tridimensional
da Terra a uma profundida-
de de 3.000 metros, sob o
leito do golfo do México,
onde olhos treinados
podem detectar possíveis
“armadilhas”, bolsas de
petróleo ou gás. Este tipo
de técnicas vanguardistas
é cada vez mais decisivo,
à medida que as
reservas diminuem.
10 E N E RG I A Sarah Leen e n e r g I A 11
8. Garrafões de gasolina
aguardam comprador
numa rua poeirenta
da cidade de Doba,
próxima dos campos
petrolíferos do Chade.
A nascente indústria
petrolífera do país,
que começou a
exportar crude em
2003, depositou mais
de 2.200 milhões de
euros nos cofres do
Estado. O governo,
contudo, não cumpriu
a promessa de destinar
70% das receitas
do petróleo à ajuda
aos mais necessitados,
que só recebem uma
parte mínima desta
enorme riqueza.
12 e n e r g ía Pascal Maitre e n e r g i A 13
9. BARACK OBAMA AFIRMOU QUE GOSTARIA DE VER
UM MILHÃO DE VEÍCULOS ELÉCTRICOS NAS
ESTRADAS ANTES DE 2015. AO PREÇO ACTUAL DA
ELECTRICIDADE, O CUSTO DE FAZER FUNCIONAR
UM CARRO ELÉCTRICO NOS ESTADOS UNIDOS
EQUIVALE A PAGAR O LITRO DA GASOLINA A 14
CÊNTIMOS. O HAWAI, QUE DEPENDE DO PETRÓLEO
ESTRANGEIRO PARA COLMATAR A MAIOR PARTE
DAS SUAS NECESSIDADES ENERGÉTICAS, PREVÊ
INSTALAR ESTAÇÕES DE SERVIÇO ELÉCTRICAS
PARA REDUZIR EM 70% O USO DE COMBUSTÍVEIS
FÓSSEIS ANTES DE 2030. AS ENERGIAS
RENOVÁVEIS REPRESENTAVAM 18% DO TOTAL DA
PRODUÇÃO ELÉCTRICA MUNDIAL EM 2007, UM
VALOR QUE PODERÁ DUPLICAR ATÉ 2030.
O CARVÃO CONTINUA A DOMINAR E, DE Pronto para a produção em
série, o Aptera eléctrico
ACORDO COM AS PREVISÕES, A SUA PRODUÇÃO converte em realidade as
promessas de inovação.
AUMENTARÁ ATÉ 60% NOS PRÓXIMOS 25 ANOS. Elegante e veloz, consome
o equivalente a pouco mais
de um litro de gasolina por
100 quilómetros em
velocidade de auto-estrada.
Tem uma autonomia de
mais de 160 quilómetros
com uma única carga e
gasta cerca de um euro por
dia em electricidade, uma
vantagem para o bolso e
para o planeta.
14 E N E RG Í A
I Misha Gravenor e n e r g I A 15
10. 182 .000
Número de espelhos
parabólicos que giram
seguindo o percurso do
Sol na Nevada Solar
One, a central solar
que a empresa
espanhola Acciona
construiu no Nevada,
EUA (à direita).
73
,
Por cento — percenta-
gem de crescimento
anual da capacidade
instalada das energias
renováveis, a fonte de
energia que cresce
mais rapidamente.
Para captar o sol em
grande escala, a central
solar Nevada Solar One
“semeou” mais de cem
hectares de deserto
com espelhos parabóli-
cos. Concentram assim
o calor do sol para
gerar vapor que, por
sua vez, accionará
turbinas para produzir
energia. Com uma
produção capaz de
abastecer 14 mil lares,
é uma das maiores
centrais termoeléctri-
cas do mundo.
16 E N E RGi A Michael Melford e n e r g i A 17
11. No deserto do Saara,
um painel solar fornece
energia a uma casa
tradicional argelina.
Apesar de ser o
continente com maior
potencial fotovoltaico
e solar térmico, 70%
da população em
África não tem acesso
à rede eléctrica.
Várias empresas
internacionais planeiam
instalar enormes
centrais de energia
solar na área
subsariana, com o
objectivo de satisfazer
as necessidades
energéticas dos países
industrializados.
18 E N E RG I A Michael Runkel / Getty Images e n e r g I A 19
12. Raios laser fazem
explodir uma esfera
diminuta de isótopos
congelados de
hidrogénio, numa
experiência de fusão
realizada no Laboratório
de Energia Laser da
Universidade de
Rochester. Com picos
de geração de 30
terawatts (cerca de 30
vezes mais do que o
total da capacidade
eléctrica dos Estados
Unidos) durante um mil
milionésimo de
segundo, os 60 raios
convergentes podem
aquecer um alvo a mais
de vinte milhões de
graus e comprimi-lo
com a força de milhares
de milhões de atmos-
feras. Os investigadores
esperam demonstrar
que a implosão
resultante pode produzir
um ganho líquido de
energia de fusão, o que
representaria uma fonte
inesgotável de energia.
20 E N E RG I A Eugene Kowaluk / Cortesia do Laboratório n e r g I A 21
e de Energia Laser
da Universidade de Rochester
13. O nosso desafio energético
Por Bill McKibben
Estamos presos entre
um subsolo esgotado
e uma atmosfera
sobreaquecida. Teremos de demonstrar perícia se
quisermos sair daqui. O desfecho do dilema decidirá se este sécu-
lo passará à história como uma época de progresso continuado ou
como o início de uma longa e inexorável decadência. No fundo,
vamos saber se poderemos salvar este lar que é o nosso planeta.
A energia não é apenas mais um elemento da nossa economia.
Para todos os efeitos, ela é a economia. O economista John May-
nard Keynes disse certa vez que o nível de vida da maioria da
humanidade tinha, na melhor das hipóteses, duplicado no tempo
decorrido desde os primórdios da espécie até ao início do século
XVIII, quando aprendemos a usar carvão para operar as máquinas.
A partir daí, foi como se tivéssemos esfregado uma lâmpada da
qual saiu um génio disposto a trabalhar para nós a um preço razoá-
vel. Subitamente, no Ocidente consumidor de energia, o nível de
vida começou a duplicar com intervalos de algumas décadas.
Deixámos de depender exclusivamente da energia que podíamos
captar para alimentar os nossos músculos e os dos nossos animais
de carga, bem como do vento que soprava as velas dos nossos
barcos quando o Sol aquecia algum ponto do planeta e criava uma
diferença de pressão. De repente, tínhamos à nossa disposição um
capital enorme: os depósitos de fetos, plâncton e dinossauros
acumulados durante milhões de anos, que o tempo havia compri-
mido até convertê-los em carvão, gás e petróleo. Éramos, quase
literalmente, os felizes herdeiros de um antepassado muito rico
que morreu há muito tempo e cujo testamento acabava de ser
revelado. E começámos a gastar sem pensar duas vezes. Esse esban-
Na cidade alemã de
jamento converteu-nos no que somos. Cada uma das nossas revo-
Bergheim, as torres de luções (a industrial, a química, a electrónica e até a da informação)
refrigeração da central é tributária desse novo sangue que corre agora nas veias da nossa
térmica de Niederaus- economia. A revolução do consumo é porventura a que mais lhe
sem dominam a paisa-
deve. A nossa expansão urbanística descontrolada revelou-se a
gem. Este gigante forne-
ce electricidade a mais
maneira definitiva de multiplicar o consumo de combustível. As
de vinte milhões de casas cada vez maiores, com mais electrodomésticos e ligadas entre
pessoas. O carvão si por carros cada vez maiores e mais vazios fizeram que os con-
proporciona 41% da tadores da electricidade e das bombas de gasolina girassem mais
energia eléctrica, mas
rápido do que nunca. E qual foi a imagem que o nosso Ocidente
produz emissões de
mercúrio, dióxido de
desenvolvido enviou para o resto do mundo através do cinema e
enxofre e outras da televisão? Precisamente a do conforto. Não é de estranhar que
substâncias tóxicas. todos quisessem juntar-se à festa.
22 e n e rg Ia Ralph Orlowski / Getty Images
14. No início, a ideia não pareceu má. O “plano A” bro de 2008, a Agência Internacional de Energia fenómeno de retroalimentação. A fusão do solo anteriormente tínhamos considerado ou porven-
para a espécie humana era que todos seríamos calculou que a produção dos jazigos de petróleo permanentemente gelado (permafrost) na tundra tura tínhamos equacionado apenas uma vez: nos
ricos mais tarde ou mais cedo, passando por essa maduros do mundo estava a sofrer uma diminui- setentrional, por exemplo, liberta para a atmos- piores momentos do terror nuclear.
etapa de escravidão energética que havia funcio- ção anual de 6,7%, um ritmo que provavelmente fera mais dióxido de carbono e metano, outro O prestigiado climatólogo James Hansen, da
nado tão bem para os países industrializados. piorará com o tempo. Para compensar esse declí- gás de efeito de estufa. As estações mais quentes NASA, forneceu-nos um número para definir a
Claro que surgiriam problemas pelo caminho. As nio seria preciso encontrar todos os anos a pro- resultantes favorecem a difusão de pragas que nova condição crítica da vida tal como a conhe-
primeiras gerações de centrais térmicas de carvão dução de um novo Koweit ou explorar a fundo os acabam com milhões de hectares de árvores, e os cemos. James e os seus colaboradores estudaram
produziriam grandes nuvens de contaminação jazigos conhecidos. Muitos observadores pensam incêndios alimentados pela madeira morta acres- a relação histórica entre o carbono atmosférico
em Pequim, tal como tinha sucedido no passado que já deixámos para trás o auge da produção centam mais nuvens de carbono à atmosfera. e fenómenos como o aumento do nível do mar
na Grã-Bretanha, e as vastas frotas de veículos petrolífera; os mais optimistas crêem que é uma Não os produzimos directamente, mas na origem (durante toda a história humana até ao início da
poluiriam o céu da China, como havia aconteci- questão de anos. Mas o futuro não oferece muitas estamos nós novamente. É evidente que os nos- revolução industrial, o ar não conteve mais de 275
do na Califórnia. Mas com alguma rapidez, à dúvidas. O preço do barril de crude já flutuou em sos carros e fábricas iniciaram uma reacção em
medida que o aumento da energia produzisse função de crises e entusiasmos no mercado, mas cadeia à escala mundial, o que, em retrospectiva,
não deveria surpreender-nos. No fim de contas,
mais riqueza, também nesses lugares haveria manter-se-á alto. E o preço da gasolina terá de
pegámos em todo aquele carbono acumulado ao
O carvão é o mais sujo
dinheiro para instalar filtros nas chaminés e cata- acompanhar essa evolução.
lisadores nos tubos de escape e em pouco tempo Quais são as opções? Há os outros combustí- longo de milhões de anos (o plâncton e os antigos dos combustíveis: quando
o ar voltaria a estar limpo. veis fósseis. Mas o gás natural não durará muito fetos armazenados) e libertámo-lo na atmosfera arde, liberta para a atmosfera
Tudo parecia estar a funcionar de acordo com mais. O substituto mais óbvio é o carvão, do qual no espaço de algumas gerações. Como pudemos grandes quantidades de CO2.
o planeado. Durante a década de 1990, a nossa ainda restam reservas, mas a sua utilização con- esperar que os problemas não emergissem?
prosperidade e o nosso modelo de uso maciço de duz-nos directamente à outra face do problema. Inclusivamente agora, somente duas décadas
energia começaram a estender-se para a Ásia. Mas Este é o mais sujo dos combustíveis; quando arde, depois de os meios de comunicação terem come- partes por milhão de CO2) e depois analisaram os
havia dois pequenos problemas – pormenores que liberta para a atmosfera quantidades muito gran- çado a falar do aquecimento global, estamos cla- dados mais recentes do planeta. A sua conclusão:
anteriormente não tínhamos considerado e que, des de dióxido de carbono, o principal culpado ramente à beira de uma série de pontos de infle- “Se a humanidade deseja conservar o planeta em
na realidade, não queríamos ter em conta, apesar do aquecimento global que, tal como o pico do xão. Os dados prevêem um aumento rápido dos que a civilização se desenvolveu e ao qual a vida
de serem cada vez mais evidentes. Há vinte anos, petróleo, está a chegar muito mais rapidamente períodos secos (porque o ar quente retém mais na Terra está adaptada […], será preciso reduzir
os poucos que pensavam no aquecimento global do que gostaríamos. vapor de água do que o ar frio) e o consequente o CO2 dos seus actuais 385 ppm para um máxi-
viam-no como uma ameaça improvável e longín- No Verão de 2007, por exemplo, o Árctico aumento de chuvas torrenciais e inundações (o mo de 350 ppm.” O número actual é demasiado
qua. No início do novo século, a maioria das pes- derreteu. No final do Verão, havia cerca de 22% que sobe tem de descer), assim como uma ex- elevado e é por isso que o Árctico está a fundir.
soas não tinha ouvido falar do pico do petróleo. menos de gelo marinho do que em toda a histó- pansão chocante dos mosquitos transmissores O aquecimento do planeta não é um problema
Agora os dois conceitos são as duas faces de uma ria desde que existem registos. Um degelo seme- de doenças e uma redução drástica dos glaciares para o futuro, mas sim uma crise do presente.
ameaça cada vez mais premente, que limita as alter- lhante, no Verão seguinte, abriu brevemente e de que dão de beber às cidades andinas ou ao sub- Instantaneamente, 350 converteu-se no nú-
nativas num momento em que precisamos deses- forma simultânea as passagens do Noroeste e do continente da Índia. Talvez mais ominosos ainda mero mais importante do globo, o limiar da ân-
peradamente delas. Se os analisarmos com Nordeste, o que deu pela primeira vez ao ser hu- são os dados sobre os grandes campos de gelo sia de todo um planeta. Voltar pouco a pouco
cuidado, talvez nos mostrem a cara com que o mano a oportunidade de circum-navegar todo o da Gronelândia e do Oeste da Antárctida, que a esse nível exigirá adoptar alterações de uma
futuro se nos apresenta: parte da energia que neces- Árctico em águas abertas. Este degelo antecipou-- nos estão a obrigar a redefinir a expressão “ve- magnitude difícil de imaginar. Segundo James
sitamos esgotar-se-á e não poderemos usar o res- -se trinta anos às previsões efectuadas pelos mo- locidade glaciar”. Escavadas inferiormente por Hansen, em 2030 não se deveria queimar car-
to sob risco de destruirmos a atmosfera. Será um delos informáticos do aquecimento global e foi mares cada vez mais quentes, as camadas geladas vão em nenhuma parte do planeta e, no mundo
futuro muito diferente do que tínhamos pensado. uma confirmação de que estamos efectivamente estão a deslizar até ao oceano. Segundo estudos desenvolvido, a meta deveria ser atingida antes
Um pouco de matemática mostrar-nos-á a a aquecer o planeta. Não há outra explicação. Pior recentes, um aumento de dois metros do nível dessa data. O abandono da economia dos com-
causa. Alguns peritos prevêem que o consumo ainda: o degelo faz parte de uma cadeia de fenó- do mar está dentro da esfera de possibilidades no bustíveis fósseis implicará a perda de enormes
mundial de energia aumentará 50% até 2030. menos retroalimentados que amplificam o aque- decurso deste século. Seria um duro teste para a investimentos em tecnologia antiga à qual ainda
É um bom número redondo para resumir o dese- cimento: em vez do bonito manto de gelo que civilização porque converteria a maioria das ci- restam várias décadas de vida útil. Teremos de
jo de frigoríficos, televisores, cubos de gelo, ham- cobria o Árctico, um espelho que reflectia 80% da dades costeiras do mundo num equivalente de deixar de resgatar instituições financeiras para
búrgueres e motocicletas das pessoas de todo o radiação solar incidente e a devolvia ao espaço, Nova Orleães após o furacão Katrina, e grande começar a resgatar centrais térmicas de carvão.
planeta e talvez também de um pequeno aparelho de repente temos grandes extensões azuis de água parte das terras mais férteis em algo semelhan- E a menos que alguém tenha um plano para
de ar condicionado nos trópicos. que absorvem 80% dos raios do sol. te ao delta do Ayerawaddy, em Myanmar, onde convencer o mundo de que na realidade não ne-
O que não está claro é de onde sairá toda essa Nós pusemos o aquecimento em marcha, mas em 2008 o tufão Nargis inundou os arrozais com cessita de frigoríficos, também teremos de en-
energia, uma vez que vivemos na época em que o agora a natureza encarregou-se do assunto e está água do mar. Esta perspectiva coloca em dúvida contrar outras fontes que nos ofereçam toda essa
petróleo está a começar a esgotar-se. Em Novem- a trabalhar por sua conta. E este não é o único a actividade humana de uma maneira que nunca energia. Essa é a tarefa da nossa geração.
24 E N E RG I A e n e r g I A 25
15. Soluções
PODEMOS EUROPA ARMÉNIA 70
ISLÂNDIA
153 Consumo
de carvão
1.172.462 LETÓNIA
MOLDÁVIA ALBÂNIA
168
LIMPAR
110 117 LUXEMBURGO
153 SUÍÇA 171
BIELORRÚSSIA 230 LITUÂNIA 408 De 1980 a 2006, o consumo de
CROÁCIA 915 NORUEGA 1.012 carvão aumentou dois terços,
O CARVÃO? IRLANDA 2.908 SUÉCIA 3.484
PORTUGAL
5.476
igualando o ritmo do consumo
total de energia. Na China, o
uso de carvão triplicou.
ESLOVÉNIA
5.230 MACEDÓNIA
ARÁBIA 6.091
Como parte do plano para fomentar a independência energética e ÁSIA SINGAPURA SAUDITA
ÁUSTRIA
3.488.879 7 21 GEÓRGIA 5.936 CONSUMO TOTAL DE CARVÃO
23 FINLÂNDIA
SÍRIA MILHÕES DE TONELADAS, 2006
combater as alterações climáticas, Barack Obama prometeu 9 AFEGANISTÃO
33 BÉLGICA
8.192
EUROPA
BUTÃO 65
7.416
TAJIQUISTÃO 95 ÁSIA
“desenvolver e aplicar tecnologia limpa para o uso do carvão”. No SRI LANKA 101 DINAMARCA
8.481 AMÉRICA DO NORTE
ESLOVÁQUIA
LAOS 120 8.390 ÁFRICA
entanto, o prémio Nobel Al Gore e outros peritos argumentam que LÍBANO 200 AMÉRICA DO SUL
HUNGRIA
MYANMAR 239
BÓSNIA - 11.825 OCEÂNIA
o conceito de “carvão limpo” é em si mesmo contraditório. Quem NEPAL 302 -HERZEGOVINA
9.124 HOLANDA
AMÉRICA PANAMÁ EL BANGLADESH 700 12.338
tem razão? Tudo depende da definição de “limpo”. Essa fonte de DO NORTE 2 SALVADOR
2
QUIRGUÍZIA 907
1.090.368 COSTA IRÃO 1.930
RICA CUBA ESTÓNIA
energia contém uma grande quantidade de contaminantes, em 2 30 JAMAICA 32 USBEQUISTÃO 3.050 14.454
NICARÁGUA 115 FRANÇA
MONGÓLIA 5.693
ILHAS VIRGENS 22.827
especial dióxido de enxofre, azoto e vestígios de mercúrio. Há EUA 290 HONDURAS 130 PAQUISTÃO 7.539 ITÁLIA
GUATEMALA 396 25.204
muito tempo que o enxofre é eliminado através da trituração e REPÚBLICA FILIPINAS 10.146
DOMINICANA 398 MÉXICO
19.105 BULGÁRIA
MALÁSIA 11.923 27.901
lavagem do carvão antes da sua queima e do uso de filtros nas MALAWI NIGÉRIA
ÁFRICA
2 CANADÁ ISRAEL
188.536 8 MOÇAMBIQUE
59.312 ROMÉNIA
chaminés para captar os resíduos. Mediante os sistemas modernos NAMÍBIA
MADAGÁSCAR
23 12.175
38.066
4 VIETNAME
10 18.705 ESPANHA
de leito fluidizado, que queimam o carvão a temperaturas TANZÂNIA 68
INDONÉSIA
38.659
SENEGAL 160 21.837 SÉRVIA E
QUÉNIA 140 MONTENEGRO
relativamente baixas, reduzindo assim a formação de óxido de NÍGER 178
ESTADOS TAILÂNDIA 39.750
ZÂMBIA 171 28.641
REP. DEM. DO CONGO 306 UNIDOS REP. CHECA
1.010.554
azoto (smog), as centrais que usam este combustível eliminam SUAZILÂNDIA 220 COREIA
DO NORTE
58.525
MAURÍCIA 330
ARGÉLIA 409 33.437
UCRÂNIA
95% ou mais dos contaminantes que causam chuva ácida. Talvez AMÉRICA URUGUAI ARGENTINA TAIWAN 66.095
DO SUL 3 822 BOTSWANA 938 63.539
EGIPTO
32.239 1.130
VENEZUELA
isso seja “limpo” em comparação com os dados do passado, mas 70
CAZAQUISTÃO
GRÉCIA
PERU 66.799
1.140 COLÔMBIA ZIMBABWE 69.082
serve de pouco para neutralizar outra ameaça: o CO2, o elemento 4.011 3.266
REINO
TURQUIA UNIDO
que mais aquece o planeta. Os partidários do uso do carvão CHILE MARROCOS 78.299 67.320
4.732 4.625
apregoam agora o conceito de “captura e armazenamento do BRASIL
21.461
COREIA
85.378 POLÓNIA
NOVA 140.434
OCEÂNIA FIJI 12 ZELÂNDA ÁFRICA SUL
carbono”, que consiste em extrair o CO2, enviá-lo através de 145.325 3.135 176.548 JAPÃO
NOVA 179.299
tubagens para uma área de acumulação e injectá-lo no subsolo, CALEDÓNIA
300
RÚSSIA
ÍNDIA 223.571
499.601
um processo que poderia reduzir 90% das emissões de CO2.
ALEMANHA
Os críticos assinalam que a captura de carbono também reduz a 244.459
eficiência das centrais, o que aumenta a procura de combustível
AUSTRÁLIA
141.878
em 50%. Obama disse que ainda não dispomos da tecnologia CHINA
2.355.783
necessária para limpar o carvão de maneira eficiente, mas o
investimento de 150 mil milhões de dólares em tecnologias limpas
previsto pelo seu governo poderia mudar as coisas.
26 E N E RG Í A Fonte do GRÁFICO: agência de informação de energia
16. SOLUÇÕES
O QUE É UMA
REDE INTELIGENTE?
O que aconteceria se todo o sangue do nosso corpo circulasse numa única direcção? Foi mais ou menos
isso que sucedeu no “organismo eléctrico” dos países industrializados desde que se criou, há mais de um
século, a rede eléctrica: um gigantesco sistema unidireccional de centrais que alimentam subestações, a
partir das quais esse sangue vital é canalizado através de linhas de alta tensão (à direita) até à economia,
mas com escassa capacidade de reabastecer ou de conhecer as suas pulsações durante o trajecto.
Contudo, tudo isso está a mudar, porque a procura de eficiência energética empurra as companhias para
a construção de uma rede “inteligente”. Em vez do sistema antiquado que simplesmente distribui energia
aos utilizadores, uma rede inteligente permite que estes produzam parte da sua electricidade (e inclusiva-
mente devolvam a restante ao sistema, para que outros a usem) mediante instalações domésticas de
energia eólica e solar, bem como outros microgeradores. Uma rede inteligente caracteriza-se, além disso,
pela capacidade de calcular a “distribuição”, como acontece com a Internet, que se ajusta em função das
necessidades do momento. Por exemplo, poderia programar-se uma máquina de lavar para se ligar
quando a rede indicasse que está num momento de baixa procura, quando o preço do consumo é menor.
Se uma central sofresse uma avaria, pequenas “ilhas” de distribuição da potência (desde painéis fotovol-
taicos nos telhados das casas até células de armazenamento de energia) poderiam ocupar o seu lugar,
pelo menos para manter os serviços mínimos como os semáforos nas ruas e os quartéis de bombeiros.
O resultado final seria uma rede que faria coincidir o fornecimento com a procura, o que aumentaria
a eficiência e reduziria a necessidade de construir mais centrais eléctricas.
28 E N E RGi A sam robinson / getty images e n e r g i A 29
17. A ENERGIA NAS
NOSSAS VIDAS
um gesto simples: carregamos num botão ou num inter-
ruptor e acende-se a lâmpada, o televisor, o termóstato ou o
carro. Acções simples ao alcance da mão, multiplicadas por
milhões de mãos, que bebem de longínquas fontes de ener-
gia como centrais eléctricas de carvão, refinarias de petróleo,
centrais nucleares ou turbinas hidroeléctricas. Para o bem
ou para o mal, essas fontes fazem funcionar grande parte do
nosso mundo. Custos ambientais à parte, o preço económi-
co de carregar no interruptor varia segundo as oscilações do
preço das matérias-primas, os problemas de transporte ou
de transmissão e outras questões políticas que escapam ao
nosso controlo.
As instalações da BASF
No entanto, quase tudo o que requer energia (as casas, os em Ludwigshafen
escritórios, as fábricas, os tractores e os automóveis) poderia (Alemanha) empregam
33 mil trabalhadores e
funcionar de maneira mais económica e eficiente, aplicando consomem um volume de
um pouco de senso comum. Isolar melhor as casas, ajustar energia que poderia
iluminar dois milhões
os termóstatos, levantar o pé do acelerador. Sem esquecer as de habitações e aquecer
técnicas inovadoras e os esboços avançados que estão a sur- outro meio milhão. A BASF
actua em todo o sector
gir no vasto horizonte da energia, desde a sua oferta e pro- energético: perfura em
cura até à sua conservação. busca de petróleo, produz
polímeros plásticos e uma
Sucede com a energia o mesmo que com as calorias. miríade de outros produtos
É necessário consumi-la, mas com prudência. Consumamos e desenvolve projectos
verdes que favorecem o
apenas o necessário, tomemos decisões saudáveis, reduzamos desenvolvimento
ao mínimo o desperdício. Vivamos bem. sustentável.
30 E N E RG I A
RGi BASF e n e r g I A 31
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