1. A Cidade e as Serras, Eça de Queirós
Classificação da obra: romance finissecular do Realismo em Portugal
16 capítulos (8 para cada parte)
Foco narrativo: 1.ª pessoa, narrador participante
Personagens principais: Jacinto, Zé Fernandes (narrador)
Personagens secundárias: Grilo, Casimiro, Melchior, João Torrado, Joaninha
Tempo da narrativa: década finais do séc. XIX
Linguagem: mescla o coloquial como erudito, períodos extensos.
Resumo
O romance A Cidade e as Serras, publicado em 1901, é desenvolvimento do conto
“Civilização”, de Eça de Queirós. Uma personagem, José (“Zé”) Fernandes, relata a
história do protagonista Jacinto de Tormes. Na composição são destacados os episódios
diretamente relacionados com a personagem principal, ficando os fatos da história de Zé
Fernandes apenas como elos de ligação da história vivida por Jacinto. Desde o início, o
narrador apresenta um ponto de vista firme, depreciando a civilização da cidade.
Na primeira parte da narrativa, Zé Fernandes justifica sua aproximação de Jacinto (o
“Príncipe da Grã-Ventura”), ligando-se a ele por amizade fraternal em Paris. Jacinto
nascera e sempre morara em um palácio, nos Campos Elíseos, número 202. A mudança de
sua família de Tormes, Portugal, para Paris deveu-se a seu avô Jacinto Galião. Seu neto, ao
contrário do pai, que morrera tuberculoso, foi sempre fisicamente forte e, além de rico, era
inteligente, voltando toda sua atividade para o conhecimento. Mas detestava o campo e
amontoara em seu palácio, em livros, toda a conquista das filosofias e ciências, além dos
aparelhos tecnicamente mais sofisticados da época. E, para Jacinto, “o homem só é
superiormente feliz quando é superiormente civilizado”.
Zé Fernandes era decididamente contrário a essa orientação tecnicista e mecanizada
e vai registrando como Jacinto rompe totalmente com seu passado campesino,
deteriorando-se na cidade. A regeneração só ocorrerá com uma atitude assumida por
Jacinto, já na segunda parte da narrativa – nas serras.
Um dia Jacinto, enfastiado da vida urbana, participa a Zé Fernandes sua partida para
Portugal, a pretexto de reconstruir sua casa em Tormes, deslocando para lá os confortos do
palácio. Entretanto, o criado Grilo perde-se com as bagagens, que, por engano, foram
remetidas para Alba de Tormes, Espanha. Assim o supercivilizado Jacinto chega a Tormes
apenas com a roupa do corpo.
Em contato estreito com a natureza, Jacinto renova-se, primeiro liricamente, numa
atitude de encantamento, integrando-se depois na vida produtiva do campo, quando aplica
seus conhecimentos técnicos científicos à situação concreta de Tormes.
Sem romper totalmente com os valores da “civilização”, Jacinto adapta o que pode
ao campo. Modernizam-se dessa forma as serras, algumas reformas sociais são introduzidas
2. e a produtividade aumenta. Ao príncipe da Grã-Ventura, só faltava um lar, o que ocorre em
seguida, por meio de seu casamento com a prima de Zé Fernandes, Joaninha. Assim
completamente feliz, no cotidiano das serras, Jacinto não mais volta a Paris, e esquece as
companhias parisienses, como do grã-duque Casimiro, a condessa de Tréves, o conde de
Tréves, o banqueiro judeu Efraim, madame Oriol e outros.
Antologia
(...) o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado... (cap. I)
SUMA CIÊNCIA
X = SUMA FELICIDADE
SUMA POTÊNCIA
(cap.I)
Com estes olhos que recebemos da Madre Natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas
distinguir além, através da Avenida, naquela loja, uma vidraça alumiada. Nada mais! Se
eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples de um binóculo de corridas,
percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geléia e caixas de ameixa seca.
Concluo, portanto, que é uma mercearia. Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os
olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva. (cap. I)
Era fartura! O meu Príncipe sentia abafadamente a fartura de Paris; e na Cidade, na
simbólica Cidade, fora de cuja vida culta e forte (como ele outrora gritava, iluminado) o
homem do século XIX nunca poderia saborear plenamente a "delícia de viver", ele não
encontrava agora forma de vida, espiritual ou social, que o interessasse, lhe valesse o
esforço de uma corrida curta numa tipoia fácil. Pobre Jacinto! (cap. V)
Só uma estreita e reluzente casta goza na Cidade e os gozos especiais que ele a cria. O
resto, a escura, imensa plebe, só nela sofre, e com sofrimento especiais, que só nela
existem! (cap.VI)
Acenamos um longo adeus àquele alegre Marizac. E recolhemos sem que Jacinto
emergisse do silêncio enrugado em que se abismara, com os braços rigidamente cruzados,
como remoendo pensamentos decisivos e forte. Depois, em frente ao Arco do Triunfo,
moveu a cabeça, murmurou:
– É muito grave deixar a Europa! (cap.VIII)
E eu estendia o braço, para receber dos carregadores açodados as nossas malas, os nossos
livros, as nossas mantas - quando, em silêncio, sem um apito, o trem despegou e rolou.
Ambos nos atiramos às vidraças, em brados furiosos:
– Pare! – As nossas malas, as nossas mantas!... Pára aqui!... Ó Grilo! Ó Grilo!
(cap. VIII)
Uma formidável moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do
lenço cruzado, ainda suada e esbraseada do calor da lareira, entrou esmagando o soalho,
3. com uma terrina a fumegar. E o Melchior, que seguia erguendo a infusa do vinho,
esperava que suas Incelências lhe perdoassem porque faltara tempo para o caldinho
apurar... Jacinto ocupou a sede ancestral - e durante momentos (de esgazeada ansiedade
para o caseiro excelente) esfregou energicamente, com a ponta da toalha, o garfo negro, a
fusca colher de estanho. Depois, desconfiado, provou o caldo, que era de galinha e
recendia. Provou - e levantou para mim, seu camarada de misérias, uns olhos que
brilharam, surpreendidos. Tornou a sorver uma colherada mais cheia, mais considerada. E
sorriu, com espanto: – “Está bom!” (cap. VIII)
Defronte, à porta do ferrador, o Severo, sobrinho do Melchior de Tormes e o mais
fino alveitar da serra, picava tabaco, escarranchado num banco. Mandei encher outro
quartinho: ele acariciou o pescoço da minha égua que já salvara dum esfriamento; e como
eu indagasse do nosso Melchior, o Severo contou que na véspera jantara com ele em
Tormes, e se abeirara também do fidalgo...
– Ora essa! Então o sr, D.Jacinto está em Tormes? (cap. IX)
– Alto lá! Nos quoque gens sumus et nostrum Virgilium sabemus!
Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas – como Catão
para chamar os servos, na Roma simples. E gritava:
– Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lavado, da fonte velha! Pulei, imensamente
divertido:
– Ó Jacinto! E as águas carbonatadas? E as fosfatadas? E as esterilizadas? E as
sódicas?...
O meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a aparição de
um grande copo, todo embaciado pela frescura nevada da água refulgente, que uma bela
moça trazia num prato. (cap. IX)
Arrastei então por Paris dias de imenso tédio. Ao longo do Boulevard revi nas vitrinas
todo o luxo, que já me enfartava havia cinco anos, sem uma graça nova, uma curta
frescura de invenção. (cap. XVI)
Questões
Texto para as questões 1 e 2:
SUMA CIÊNCIA
X = SUMA FELICIDADE
SUMA POTÊNCIA
1 (MACK). O ideal exposto anteriormente faz parte da filosofia de vida de importante
personagem de Eça de Queirós. Qual e em qual publicação se encontra?
2. Sabendo que tal livro pertenceu à última fase de seu autor, de que forma o desfecho do
enredo experimenta um retorno aos princípios românticos?
4. 3. (UFRS) Considere o enunciado abaixo e as três possibilidades para completá-lo.
Em A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, através das personagens Zé Fernandes e
Jacinto de Tormes, que vivem uma vida sofisticada na Paris finissecular, percebe-se
I - uma visão irônica da modernidade e do progresso através de descrições de inventos reais
e fictícios.
II - uma consciência dos conflitos que a vida moderna traz ao indivíduo que vive nas
grandes cidades.
III - uma mudança progressiva quanto ao modo de valorizar a vida junto à natureza e os
benefícios dela decorrentes.
Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e II.
e) I, II e III.
4.
Mas o que a cidade mais deteriora no homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta
dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância. (cap. VI)
Então recolhemos lentamente para casa, por uma vereda íngreme, que ensinara o Silvério,
e onde um leve enxurro vinha ainda, saltando e chalrando. De cada ramo tocado, rechovia
uma chuva leve. Toda a verdura, que bebera largamente, reluzia consolada. (cap.X)
Considere os elementos “ser humano” e “natureza”. Como eles são tratados nos ambientes
que distinguem o romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós