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2009
LITERATURA
NORTE-AMERICANA
Anderson Soares Gomes
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Todos os direitos reservados.
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por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G612L
Gomes, Anderson Soares
Literatura norte-americana / Anderson Soares Gomes. – Curitiba, PR: IESDE
Brasil, 2009.
216 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0383-9
1. Literatura americana - História e crítica. 2. Literatura americana - Aspectos
sociais. 3. Literatura e história - Estados Unidos. 4. Estados Unidos - História. 5. Cul-
tura - Estados Unidos. I. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. II. Título.
09-2430	 CDD: 810.9
CDU: 821.111(73).09
Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Rio), Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Ba-
charel em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Anderson Soares Gomes
Sumário
Literatura colonial e a América puritana...........................11
A chegada do Mayflower......................................................................................................... 12
O estabelecimento das treze colônias................................................................................ 14
A literatura colonial: o puritanismo e o Great Awakening............................................ 18
O período revolucionário.......................................................29
Os conflitos com a Inglaterra e a luta pela independência......................................... 29
Os“Pais Fundadores”................................................................................................................. 33
Os textos revolucionários........................................................................................................ 37
A prosa romântica.....................................................................47
O ideal romântico e a construção da identidade norte-americana......................... 47
O transcendentalismo.............................................................................................................. 52
A inspiração gótica.................................................................................................................... 59
A poesia romântica...................................................................69
A poesia de Edgar Allan Poe................................................................................................... 69
Walt Whitman: a busca por uma voz norte-americana................................................ 73
Emily Dickinson: a poesia de cunho metafísico.............................................................. 76
A Guerra Civil e a literatura correspondente...................87
Diferenças entre o norte e o sul dos EUA.......................................................................... 87
A escravidão e os textos abolicionistas.............................................................................. 90
Consequências do conflito: textos literários de temática da Guerra Civil............. 95
O Realismo norte-americano..............................................103
As mudanças socioeconômicas..........................................................................................104
Uma voz nacional: Mark Twain............................................................................................107
O Naturalismo............................................................................................................................112
Henry James: a literatura entre os Estados Unidos e a Europa................................116
A prosa norte-americana
na 1.ª metade do século XX.................................................125
F. Scott Fitzgerald e a Jazz Age.............................................................................................126
Ernest Hemingway e a precisão da escrita......................................................................130
William Faulkner e a tradição sulista.................................................................................133
John Steinbeck e a Grande Depressão.............................................................................136
A poesia norte-americana
na 1.ª metade do século XX.................................................147
Robert Frost: a natureza como poesia..............................................................................147
T.S. Eliot & Ezra Pound: trilhando caminhos modernos..............................................151
Elizabeth Bishop e sua relação com o Brasil...................................................................158
O teatro e as vertentes da prosa norte-
-americana na 2.ª metade do século XX.........................167
O teatro de Arthur Miller e Tennessee Williams............................................................168
A ascensão da literatura afro-americana.........................................................................174
Inovações na prosa: J.D. Salinger e New Journalism....................................................178
Possibilidades de ensino de literatura
norte-americana no ensino médio...................................189
A obra literária como produto de um momento histórico........................................190
Abordagens para o ensino da literatura norte-americana........................................194
Gabarito......................................................................................205
Referências.................................................................................213
Apresentação
No mundo contemporâneo, onde a cultura norte-americana se encontra prati-
camente onipresente nas formas de expressão ocidentais, é cada vez mais im-
portante investigar as maneiras através das quais os Estados Unidos se desenvol-
veram (historicamente, socialmente e artisticamente) de colônia inglesa à maior
potência mundial.
Tal desenvolvimento pode ser visto especialmente através de sua literatura. É na
literatura norte-americana que podemos aquilatar a quase totalidade do proces-
so histórico cultural dos Estados Unidos. A partir de seus principais textos (fic-
cionais ou não) e do pensamento de seus autores mais significativos, é possível
compreender como a identidade norte-americana foi sendo construída através
dos séculos.
Este material, portanto, se propõe como um estudo das mais relevantes obras
literárias produzidas nos Estados Unidos numa perspectiva histórico-social, para
assim se traçar um panorama do “homem norte-americano” – seus valores, suas
formas de expressão e sua visão de mundo.
Veremos neste trabalho a criação de um ideal para a América através da literatura,
começando com a saída dos peregrinos da Inglaterra e seu estabelecimento nas
treze colônias. Analisaremos então o processo de independência norte-america-
no, suas ideologias, seus principais nomes e textos. Assim, vamos estudar como
se deu a consolidação dos Estados Unidos através da literatura, passando pelo
período da Guerra Civil, o Romantismo e o Realismo. Por fim, no século XX, trata-
remos da ascensão de novos estilos literários que se tornaram essenciais para o
reconhecimento da escrita norte-americana como uma das mais representativas
da contemporaneidade.
O presente trabalho também abordará como a literatura dos Estados Unidos se
relaciona com outras formas de representação artísticas, como o cinema, a música
e o teatro. Dessa forma, será possível estabelecer uma ampla perspectiva das mu-
danças e do desenvolvimento da cultura norte-americana.
Que este trabalho sirva de inspiração e estímulo para que futuros profissionais
da área de Letras possam, de forma crítica e complexa, percorrer os sinuosos –
porém enriquecedores – caminhos traçados pelos principais nomes da literatura
produzida nos Estados Unidos.
Anderson Soares Gomes
Literatura colonial e a América puritana
Refletir sobre as expressões literárias da cultura norte-americana é,
mesmo que de forma subconsciente e intrínseca, refletir sobre a própria
natureza do nome do país que lhe deu origem.
Os Estados Unidos da América são um país que já em seu nome, no
plural, prenunciam uma natureza múltipla e variada, indicador que a for-
mação de seu território, seu povo e sua identidade foi construída através
da união de objetivos comuns e superação de diferenças. Uma das poucas
nações do mundo reconhecida por uma sigla (EUA, ou“USA”em inglês), os
Estados Unidos também têm por hábito referirem-se a si próprios como
“América”, e seus cidadãos como americanos.
Se o fato de se intitular “América” acaba gerando uma insatisfação por
parte de seus vizinhos da América Central e da América do Sul, não há
como negar que os Estados Unidos acabaram criando um novo significa-
do para o termo “América”, que ultrapassa os limites geográficos: a Amé-
rica é a terra da democracia, da liberdade individual e da oportunidade. É
claro, contudo, que nem sempre foi assim. Apesar de existirem evidências
de que o território da América do Norte já havia sido visitado pelos vikings
no século IX, é apenas com Cristóvão Colombo, em 1492, que a Europa
finalmente descobre o novo continente.
A Inglaterra a princípio ocupa um papel secundário na ocupação da
América, já que Portugal e Espanha tomam para si a maior parte do ter-
ritório. Inicialmente, os ingleses se dedicam à pirataria, roubando ouro
e prata de navios espanhóis e portugueses. Posteriormente, no entanto,
a Inglaterra concentra-se na exploração e investigação do território do
Novo Mundo.
PrimeiramentecomJohnCabotedepoiscomWalterRaleigh(quenomeia
a região a que chega de Virgínia, em homenagem à rainha Elizabeth I, a
“rainha virgem”), há uma tentativa real de colonização da América do Norte
por parte dos ingleses. Porém, as situações extremas a que esses primeiros
colonos foram submetidos (doenças, ataques de nativos, fome) puseram fim
a esse primeiro esboço de uma colônia de domínio inglês na América.
12
Literatura Norte-Americana
Com outro monarca no poder (James I), a Inglaterra tenta novamente implan-
tar uma colônia na América. A estratégia e a natureza desta nova empreitada,
no entanto, são diferentes daquelas usadas durante o reinado de Elizabeth I. Ao
invés de nobres desbravadores, esses novos colonizadores eram representantes
de empresas inglesas que, num esquema pré-capitalista, tinham autorização da
Coroa para explorar as terras do Novo Mundo. Assim, os ingleses finalmente al-
cançam o sucesso em seu processo de colonização e uma nova fase começa para
a América do Norte.
A chegada do Mayflower
O primeiro povoado inglês de caráter permanente na América do Norte foi
Jamestown (assim chamado em homenagem ao rei James I), naVirgínia em 1607.
Patrocinado pelaVirginia Company of London, Jamestown tem outro significado
muito especial: um dos colonos do povoado foi John Smith (1580-1631), um dos
mais importantes personagens da história colonial norte-americana.
Domíniopúblico.
John Smith.
John Smith foi um capitão inglês que, através de seus textos e sua fabulosa
biografia, definiu o perfil dos primeiros colonos americanos: aventureiro, des-
Literatura colonial e a América puritana
13
temido e promotor das belezas e das promessas do Novo Mundo. Em sua pro-
dução textual sobre a América (de cunho notadamente propagandista, já que
havia enorme interesse em atrair mais e mais colonos ingleses para o novo con-
tinente), Smith cria cenários, eventos e personagens de natureza quase mítica,
que servem de fundação não só para a literatura, mas também para a identidade
norte-americana. A América de John Smith é a“terra de oportunidades”, expres-
são que até hoje ecoa na mente daqueles que buscam nos Estados Unidos um
horizonte para um futuro de prosperidade.
O trabalho mais significativo de Smith é The General History of Virginia. Esta
obra, escrita quando Smith já havia retornado à Europa, serve não só como re-
gistro de sua permanência na colônia, mas também como artifício para tornar o
novo continente um lugar atraente para prováveis novos exploradores. É com
esse trabalho que Smith consolida a visão da América como o lugar da riqueza
abundante, da vida selvagem, dos prazeres e da liberdade individual.
Também é em The General History of Virginia que John Smith conta uma das
mais famosas narrativas da história norte-americana: sua aventura romântica
com a índia Pocahontas. O livro relata como Smith foi capturado por índios li-
derados pelo chefe índio Powhatan e feito prisioneiro. Pouco antes de ser morto
pelos indígenas, a filha de Powhatan, Pocahontas, se coloca entre Smith e os
índios e salva o capitão inglês da morte. A partir daí é construída uma narrativa
que indica uma história de amor entre os dois, já que a princesa indígena se
torna responsável por um maior contato entre sua tribo e os ingleses. Essa his-
tória de amor, no entanto, não tem um final feliz: Pocahontas se casa com outro
homem – um agricultor inglês – e vai para a Inglaterra, aceitando a fé cristã.
Diz-se que lá viveu infeliz, alimentando um desejo de retornar à América até o
momento de sua morte.
Atualmente, por mais que a história de John Smith e Pocahontas seja questio-
nada por historiadores, e que muito da narrativa de TheGeneralHistoryofVirginia
seja vista como ficção, não há como negar que o possível amor entre o capitão
inglês e a princesa indígena representou, de forma mitológica, a possibilidade
de união e prosperidade entre povos tão diferentes nesse Novo Mundo.
Os textos de John Smith sobre essa nova terra repleta de riquezas e oportu-
nidades em muito serviam para criar expectativas em futuros colonos. Contudo,
essa produção de literatura propagandista não foi a única razão para a ida de
ingleses para a América. Na Inglaterra, o crescimento das cidades com o êxodo
rural estava criando um excedente de mão de obra que não interessava à Coroa.
Órfãos e pessoas muito pobres (indo trabalhar em condições de semiescravidão)
14
Literatura Norte-Americana
também partiam em direção ao Novo Mundo. A ida de ingleses para a América
não era apenas uma busca por melhor qualidade de vida, mas também uma
fuga da situação econômico-social predatória em que se encontravam as classes
menos favorecidas.
Outro fator importantíssimo para a ida de ingleses para o novo continente
foi a perseguição religiosa. A Inglaterra, desde o reinado de Henrique VIII, tem
o anglicanismo como sua religião oficial. A criação da igreja anglicana coloca
diferentes grupos religiosos em conflito com a Coroa inglesa, em especial os pu-
ritanos, assim chamados porque acreditavam numa igreja mais simples e pura, e
que tinham como base os textos de Calvino escritos durante a Reforma Protes-
tante. Exercer sua fé na Inglaterra se tornava cada vez mais difícil, já que aqueles
que não praticavam a religião anglicana passaram a ser perseguidos, sendo pu-
níveis até mesmo com a pena de morte. Depois de uma tentativa fracassada de
estabelecimento na Holanda, os seguidores do puritanismo partem então para
o Novo Mundo.
Em 1620 chega ao porto de Plymouth, em Massachusetts, o Mayflower – navio
inglês que traz o primeiro grupo de “peregrinos” para o novo continente. Esses
colonos, conhecidos historicamente como Pilgrim Fathers (Pais Peregrinos) serão
responsáveis por formar a primeira fase da identidade norte-americana e seus
ensinamentos permanecem no imaginário dos Estados Unidos até hoje.
Esses peregrinos chegam à America determinados a fazer da América a“Terra
Prometida”, um novo começo para a história e para sua religião. Ao mesmo
tempo buscando a concretização de sua fé e um despertar de um novo ideal
de sociedade, esses peregrinos – assim chamados porque acentua sua natureza
religiosa – são os pastores, professores e empreendedores responsáveis pelo su-
cesso da colonização na América do Norte.
O estabelecimento das treze colônias
É preciso fazer uma importante distinção aqui no que concerne à colonização
ibérica (Portugal e Espanha) e à colonização inglesa. Portugueses e espanhóis
tinham um modelo de conquista do novo território claramente mais explorató-
rio, o que fazia com que as regiões sob o seu controle (a América Central, a Amé-
rica do Sul e até mesmo algumas partes da América do Norte, como a Flórida)
fossem vistas como grandes áreas de extração de riquezas para serem enviadas
para a Europa. A colonização inglesa na América do Norte, por outro lado, tinha
Literatura colonial e a América puritana
15
como objetivo central o povoamento daquela região, especialmente porque a
partir da chegada do Mayflower, as pessoas que chegavam àquela terra pouco
conhecida estavam em busca de um novo recomeço, longe das problemáticas
religiosas que tanto sofriam no velho continente. A terra é conquistada para se
morar nela.
No entanto, pode-se dizer que esses diferentes modelos de colonização não
eram em sua totalidade apenas de exploração ou apenas de povoamento. Nas
regiões controladas por portugueses e espanhóis, mesmo para extrair o ouro, a
prata ou pau-brasil, existia a necessidade de criação de cidades (como o Rio de
Janeiro ou a Cidade do México) e a miscigenação dos povos em muito contri-
buiu para a criação de uma nova identidade nacional. Já nas colônias inglesas, o
povoamento da região foi especialmente difícil, já que não havia um suporte do
Estado como na colonização ibérica (a viagem era feita por companhias particu-
lares) e não haviam riquezas abundantes facilmente encontráveis. Apenas anos
depois, com a expansão para o oeste americano e com a descoberta de ouro e
petróleo, o caráter exploratório da ocupação da terra se intensifica.
O início da colonização por parte dos peregrinos foi bastante difícil. Os inver-
nos eram bem rigorosos na região e vários colonos morriam de frio e de fome.
Além do mais, os variados conflitos com os nativos indígenas ainda era um fator
extra de perigo que os colonos tinham de lidar.
Mesmo assim, o embrião dos Estados Unidos se expande: mais e mais colo-
nos chegam à América, fugindo da perseguição religiosa, buscando melhor con-
dição econômica ou simplesmente em busca de um novo começo numa terra
inexplorada. Na Baía de Massachusetts, em 1630, ocorre uma imensa imigração
puritana que consolida de vez o protestantismo de Calvino por quase todo o
território. Outras regiões, porém, eram adeptas de outras religiões: em 1633, é
fundado na colônia de Maryland um povoado seguidor do catolicismo; em 1681,
William Penn funda na Pennsylvania uma colônia onde a população segue os
preceitos da doutrina Quaker.
Mesmo entre os protestantes calvinistas existiam diferenças que levaram à
expansão do território. Roger Williams, por exemplo, era um puritano em desa-
cordo com a íntima ligação entre a esfera política (o Estado) e a esfera religiosa
(o puritanismo) existente na região de Massachusetts. Ele parte em exílio e funda
uma nova colônia – Rhode Island.
Essa diversidade religiosa, ao contrário do que poderia imaginar, em muito
contribuiu para a necessidade de tolerância entre os territórios e a aceitação das
16
Literatura Norte-Americana
diferenças religiosas. Assim, cada cidadão tinha o direito de exercer sua liberdade
religiosa sem correr o risco de sofrer perseguição e discriminação – exatamente
a razão primordial da saída desses peregrinos da Europa, daí a necessidade de
evitar o mesmo erro que os ingleses.
Com a chegada de mais e mais colonos e a criação de novos territórios, os Es-
tados Unidos se expandem e então seu território se estabelece no que é chama-
do de “treze colônias”. É interessante notar que, diferentemente do que aconte-
ceu com outras regiões (como o Brasil, por exemplo), não há apenas uma grande
colônia sob domínio de uma nação europeia. O que existe é uma extensa região
que consiste em treze colônias distintas, cada uma com suas peculiaridades e
características – fator que em muito vai influenciar a história e a literatura dos
Estados Unidos até hoje.
TemáticaCartografia.
Literatura colonial e a América puritana
17
Mas nem só de colonos europeus e puritanos consistiam os Estados Unidos.
Essa parte da população é o que se costumou chamar de WASP, sigla que signi-
fica White-anglo-saxon-protestant (branco-anglo-saxão-protestante). Membros
desse grupo acabaram constituindo a parte mais rica e representativa do país,
deixando outras partes da sociedade à margem do progresso norte-americano.
Embora a chegada dos “Pais Peregrinos” tenha dado um impulso desenvol-
vimentista à América do Norte, existiam outros grupos também responsáveis
pela criação dos Estados Unidos – através de uma cultura, um estilo de vida e
uma visão de mundo bem distinta daquela apresentada pelos puritanos vindos
da Inglaterra. Talvez o mais importante desses grupos seja o dos índios norte-
-americanos, atualmente chamados de Native-Americans (Nativos-Americanos).
Como o próprio nome já indica, eles eram nativos da terra e já se encontravam
no território da América do Norte bem antes da chegada dos primeiros coloni-
zadores europeus.
O conhecimento que temos hoje da sociedade e da cultura do índio nativo
norte-americano passa inevitavelmente pelo olhar que o homem branco lançou
sobre ele assim que chegou à América. Portanto, é importante que a leitura de
textos que tratem do encontro entre colonizadores e indígenas sempre seja feita
com um olhar crítico, levando em consideração não só o período histórico, mas
também os interesses envolvidos.
Em The General History of Virginia, John Smith fala dos índios utilizando termos
como“bárbaros”e“selvagens”, enfatizando a natureza pagã e violenta dos nativos,
enquanto descreve a si mesmo sempre envolto em termos cristãos. Esse estilo
narrativoéaindamaisnotórionoepisódioemqueésalvodamorteporPocahontas,
como se Smith fosse uma espécie de“novo salvador”posto em calvário.
Essa visão do indígena como selvagem por muito perdurou no imaginário nor-
te-americano. Dentre as várias razões para isso, está o fato de os colonos ingleses
não terem interesse em catequizar os nativos, como ocorreu no Brasil por exem-
plo. Os índios eram sempre mantidos à distância, e o contato com eles era feito
apenas no que se relacionava à troca ou compra de mercadorias. Quando se deu
a expansão para o oeste norte-americano, a relação entre nativos e colonizadores
alcançou seu ponto mais conflituoso, com o extermínio de milhares de indígenas.
Felizmente, boa parte da cultura indígena foi preservada, especialmente atra-
vés da ficção mantida inicialmente através da tradição oral (histórias passadas
de geração em geração), que posteriormente serviriam como base para o sur-
gimento da native-american literature (literatura nativa-americana). Várias das
18
Literatura Norte-Americana
obras da literatura indígena norte-americana têm origem anônima, e misturam
mitos de criação de heróis com a própria história da sociedade nativa. Diferentes
tribos também possuem diferentes histórias de criação do mundo e do universo,
como a Gênese da tribo Blackfeet.
Outro grupo cuja importância é crescente nesse período inicial da coloniza-
ção dos Estados Unidos é o dos negros, cuja presença na América se fazia atra-
vés da escravidão. Eles vinham trazidos por navios ingleses que partiam para a
África, capturavam os escravos e os deixavam nas colônias americanas, para lá
buscar algodão, tabaco e outros produtos. A escravidão na América durou até
1861, mas até lá os negros viviam em condições degradantes de servidão, já que
não eram considerados capazes das mesmas atividades sociais e intelectuais
que os brancos e, portanto, não merecedores do termo cidadão.
Esses grupos, todavia, permanecem sempre à margem da sociedade branca
e protestante, que espalha por todas as treze colônias seu estilo de vida e seus
ideais de sociedade. Sociedade esta cuja mais importante característica é a pre-
sença da crença religiosa puritana em todas as esferas, da política ao lazer. É o
puritanismo que molda a vivência dos cidadãos dos Estados Unidos e serve de
impulso para os primeiros textos escritos em solo norte-americano.
A literatura colonial:
o puritanismo e o GreatAwakening
O puritanismo é a força motriz da sociedade norte-americana. É através dos
ideais norte-americanos que os primeiros peregrinos constroem não só escolas,
igrejas e universidades: eles constroem também uma ideia da América. Os Esta-
dos Unidos são mais do que um novo lar para esses colonos – são uma região
onde eles finalmente poderão construir a“nova Canaã”bíblica, já que eles acre-
ditam ser as pessoas escolhidas por Deus para concretizar um reino de prosperi-
dade na terra seguindo fielmente às leis cristãs.
Na Europa, os puritanos muito sofreram com a perseguição religiosa, já que
como adeptos do protestantismo calvinista, renegavam a doutrina do catolicis-
mo e do anglicanismo, as duas religiões predominantes da Inglaterra. Vários pu-
ritanos chegaram a ser torturados e até mesmo enforcados por exercer a sua fé.
Mesmo dentro de sua própria religião, existiam diferenças nas formas com que
aspessoasdeveriamseguirosensinamentosdaBíblia.Issosedavaporque,diferen-
Literatura colonial e a América puritana
19
temente do catolicismo (em que predomina uma interpretação dos textos bíblicos
e se deve respeitar a palavra do Papa), o puritanismo admite leituras pessoais e
individuais da Bíblia, fazendo com que formas de entendimento distintas surjam
de mesmos textos religiosos. Assim, dentro do movimento puritano surgem dife-
rentes segmentos como os amish e os quakers, que possuem uma outra visão de
como as lições das parábolas da Bíblia devem ser incorporadas no seu cotidiano.
Alguns preceitos religiosos estabelecidos por Calvino, entretanto, estavam
presentes na maior parte da sociedade puritana, dentre eles, a ideia de que o
pecado original manchou toda a existência humana, e por isso o homem era na-
turalmente corrupto e sujeito à maldade. Os puritanos também acreditavam que
o sacrifício de Jesus acabou por garantir o perdão de Deus, mas esse perdão não
é estendido a todos os homens – só alguns eleitos o ganhariam. Além disso, é
clara no puritanismo a ideia de que Deus escolhe, desde o princípio dos tempos,
aqueles que vão para o céu e aqueles que vão para o inferno.
É interessante comparar e contrastar os dogmas puritanos e católicos, espe-
cialmente ao considerarmos como a influência religiosa se fez tão presente no
período colonial das Américas. De forma geral, o catolicismo se volta mais para
o mundo após a morte, em que Deus julga-nos pelos atos que tivemos em vida.
Já a vida puritana se concentra nas provas terrenas da benção de Deus, através
do trabalho e da prosperidade.
O puritanismo também acredita que o bom cristão é aquele que vive bem
com os frutos do trabalho, produzindo, através de seu esforço e seus méritos, seus
meios de subsistência e conforto. Para o catolicismo, existe uma visão subjacente
de que o trabalho é punição, e de que a riqueza carrega em si um estigma
negativo, uma culpa.
Essas crenças calvinistas estiveram presentes em diversos estágios da coloni-
zação dos Estados Unidos. Os puritanos construíram seus vilarejos e depois suas
cidades acreditando que assim estariam realizando, através de seu trabalho, o
desejo de Deus de criar um novo paraíso, onde os homens viveriam seguindo as
leis bíblicas. Assim sendo, o próprio governo tinha o dever de fazer as pessoas
obedecerem à vontade divina. Existiam leis, por exemplo, que obrigavam as pes-
soas a irem à igreja, ou que puniam adúlteros.
Tal comunhão entre religião e governo foi crucial para que um episódio
como o dos julgamentos das bruxas no vilarejo de Salem fosse permitido. Um
dos mais vergonhosos momentos da história dos Estados Unidos, a série de
julgamentos e execuções de dezenas de colonos por bruxaria ocorridos em
20
Literatura Norte-Americana
Salem, Massachusetts, hoje é visto como consequência dos excessos da presença
puritana na administração das colônias.
Por outro lado, esse sentido de autodeterminação e trabalho recompensado
ajudou a estabelecer ideais de independência e liberdade que os norte-america-
nos consideram seus principais legados para o mundo ocidental. É através da ex-
periência puritana, com sua promessa de felicidade e recomeço, que os Estados
Unidos se formam sob a égide (amparo) do american dream (sonho americano)
– em linhas gerais, a ideia de que qualquer pessoa, não importa o seu passado
ou condição social, pode ser bem-sucedida.
É através da literatura que os homens e mulheres recém-chegados a essa
nova terra de oportunidades, mas também de perigos, iriam definir a América.
As colônias seriam o local onde não só a fé puritana seria testada, mas também
a língua inglesa e suas narrativas. Com seus textos, os primeiros escritores dos
Estados Unidos procuravam compreender e descobrir a natureza e os propósitos
desse novo mundo que se apresentava a eles.
Uma das figuras mais proeminentes deste período inicial foi William Bradford
(1590-1657). Eleito governador da colônia de Massachusetts por várias vezes,
Bradford também tem uma enorme importância histórica por ser um dos ideali-
zadores do chamado MayflowerCompact, o primeiro documento oficial compos-
to pelos peregrinos da colônia de Plymouth.
A mais importante obra de William Bradford, contudo, foi Of Plymouth Plan-
tation, um diário pessoal escrito entre 1620 e 1647, narrando a permanência dos
colonos na região de Massachusetts. O diário de Bradford conta a história da
partida do Mayflower, a difícil viagem, sua chegada na América e o posterior
povoamento e desenvolvimento da colônia.
Of Plymouth Plantation é uma obra extremamente rica por dois motivos fun-
damentais. Primeiramente, porque é o mais vívido e detalhado documento des-
crevendo o cotidiano, os problemas e o progresso em uma das mais importantes
das treze colônias no século XVII; a outra razão para a natureza complexa dos
escritos de Bradford é a mescla desse aspecto factual com os comentários e as
interpretações do autor, o que leva a um entendimento mais completo do perío-
do. Dessa forma, enquanto do ponto vista histórico, OfPlymouthPlantation pode
ser considerada como anais do período colonial; do ponto de vista literário os
diários de William Bradford são um material que atestam o estilo e a linguagem
de formação da literatura norte-americana.
Literatura colonial e a América puritana
21
O subtexto dos escritos dos diários indica uma forte influência dos ideais do
protestantismo calvinista, especialmente no que concernem aos objetivos puri-
tanos para a América. A narrativa de Bradford em muito lembra as grandes nar-
rativas bíblicas, com a busca da Terra Prometida pelo povo eleito, sendo guiado
pela mão divina em sua longa jornada.
O estilo e a linguagem dos escritos de Of Plymouth Plantation é aquele ca-
racterístico de todas as expressões artísticas realizadas por puritanos: simples e
livre de adornos. Bradford afirma que seus relatos vão atestar apenas a“simples
verdade”. Essa crença na unicidade dos fatos e no que é naturalmente verdadeiro
é um reflexo da presença dos ensinamentos da Bíblia no raciocínio do puritanis-
mo, em que é bem clara a distinção do que é certo e errado.
Como o próprioWilliam Bradford pôde ver posteriormente, contudo, a verda-
de não se mostrou de forma tão simples assim. À medida que os colonos se es-
tabelecem de forma mais bem sucedida na América e novas gerações sucedem
os“Pais Peregrinos”, a criação de uma estrutura comercial e lucrativa, o acúmulo
de terras e a busca pelo sucesso econômico são para o autor um distanciamento
do sonho de uma comunidade perfeita sob as leis de Deus.
Assim, ao final de Of Plymouth Plantation, a escrita de Bradford adquire um
tom de lamento e decepção, já que mais e mais as ações das novas gerações se
afastam dos ideais dos primeiros puritanos que desembarcaram do Mayflower.
Sobre essa nova perspectiva da vivência puritana nas treze colônias, o escritor
Malcolm Bradbury afirma:
The puritans persist in writing for themselves a central role in the sacred drama God had
designed for man to enact on the American stage, the stage of true history. In that recurrent
conflict between the ideal and the real, the utopian and the actual, the intentional and the
accidental, the mythic and the diurnal, can be read […] an essential legacy of the puritan
imagination to the American mind. (BRADBURY; ROLAND, 1992, p. 13-14)
A Nova Inglaterra (região nordeste da América do Norte) vinha então crescen-
do e, neste processo, procurava conciliar os preceitos bíblicos com o surgimento
de novas formas de relacionamento em sociedade. Se William Bradford tratou
dessa tensão através de entradas em seu diário, outros autores viram a situação
como uma grande oportunidade para expressar sua subjetividade e imaginação
poética.
AmaisbemsucedidanestatarefafoiAnneBradstreet(1612-1672),reconhecida
até hoje como um dos maiores nomes da poesia, não só norte-americana, mas
de toda a língua inglesa. Nascida na Inglaterra, Bradstreet chega acompanhada
22
Literatura Norte-Americana
de seu marido ao novo continente em 1630. Embora seu pai e seu marido tives-
sem fortes ligações políticas na América (ambos foram governadores da Baía de
Massachusetts), esse não é um aspecto particularmente importante nos textos
de Anne Bradstreet. Grande parte da riqueza de seus trabalhos poéticos encon-
tra-se na forma que ela escreveu sobre a atmosfera doméstica da vida puritana.
Com extrema sensibilidade ao tratar das adversidades presentes no cotidiano
do novo continente e com um tom metafísico que a permite ultrapassar a mera
descrição de eventos, Bradstreet desperta interesse não só pela importância his-
tórica, mas também pela qualidade de sua escrita.
Os poemas de Anne Bradstreet atestam de forma clara a complexidade da
realidade puritana. Sua escrita revela um pensamento livre, dotado de conside-
rável conhecimento poético (era admiradora de grandes poetas ingleses como
Philip Sidney e Edmund Spenser), mas que contrasta com a rigidez das regras
puritanas, especialmente quando se considera o papel de submissão a que as
mulheres eram relegadas. As regras rigorosas do puritanismo, pelo contrário, não
ofuscam o talento de Bradstreet. Seus poemas sobre o cotidiano e acontecimen-
tos marcantes do período são sempre tocantes porque, através deles, a autora
reforça sua fé nos ideais divinos em busca de consolo, proteção ou coragem.
Os trabalhos mais reconhecidos de Bradstreet, no entanto, são aqueles em que
a autora celebra o matrimônio como instituição, reafirmando o profundo amor
que tinha por seu marido, Simon. Como o marido costumava ficar longe em via-
gens de trabalho, a autora dedicava-lhe grande parte de seus poemas para aplacar
a dor da distância. Um dos mais famosos, ToMyDearandLovingHusband, aborda o
relacionamento do casal ligado a elementos da natureza, como se o próprio amor
de marido e mulher fosse necessário a um equilíbrio natural das coisas:
If ever two were one, then surely we.
If ever man were loved by wife, then thee;
If ever wife was happy in a man,
Compare with me, ye women, if you can.
I prize thy love more than whole mines of gold
Or all the riches that East doth hold.
My love is such that rivers cannot quench,
Nor ought but love from thee, give recompense.
Thy love is such I can no way repay,
The heavens reward thee manifold, I pray.
Then while we live, in love let’s so persevere
That when we live no more, we may live ever.
Anne Bradstreet.
Literatura colonial e a América puritana
23
Curiosamente, não foi por vontade própria que Anne Bradstreet se tornou a
primeira poetisa do novo continente a ter seus trabalhos publicados. Na verda-
de, foi seu cunhado que levou os manuscritos de seus poemas para a Inglaterra e
lá os teve publicados sob o título de The Tenth Muse Lately Sprung Up in America,
em 1650. Seus trabalhos desde então permaneceram cruciais para um maior en-
tendimento do período colonial e para o despertar de uma sensibilidade metafí-
sica que tanto influenciaria outros poetas americanos nos séculos seguintes.
A mais popular produção literária do período puritano, no entanto, não foi
nem o relato em forma de diário e nem a poesia – foi o sermão. Considerando a
presença das crenças e do estilo de vida puritano em todas as esferas da socie-
dade, nada mais natural que a forma de expressão máxima da América colonial
fosse a produção de textos religiosos para serem lidos nas pregações.
O centro da vida puritana era a igreja, e era lá que um dos atos mais essenciais
para o homem cristão acontecia: ouvir os sermões. Dada a natureza do puritanis-
mo, toda a atenção da cerimônia religiosa se voltava não para um altar, mas para
o púlpito; a força da fé se revelava não por imagens, mas pela palavra.
O sermão atinge o ápice de sua popularidade durante o movimento chamado
de Great Awakening (Grande Despertar). Fenômeno sociorreligioso ocorrido no
século XVIII, o Great Awakening foi uma reação por parte de pastores e homens
religiosos contra o formalismo a que o puritanismo estava sendo submetido,
com seus principais ideais sendo esquecidos ou adquirindo pouca importância.
Assim, pastores itinerantes iam de cidade em cidade pregando, de forma caris-
mática, sermões que em muito exaltavam os fiéis e renovavam sua fé. Apesar de
vários historiadores afirmarem que o Great Awakening não foi um movimento
organizado, não há como negar que a necessidade por parte de uma nova gera-
ção de pregadores foi essencial para revitalizar o puritanismo.
Uma das mais importantes figuras não só do Great Awakening mas de toda
a América Colonial foi Jonathan Edwards (1703-1758). Pastor, intelectual e teólo-
go, ele é considerado um dos símbolos do puritanismo na América. Uma análi-
se artificial pode classificar Edwards como um estereótipo do rígido pregador
puritano que, do alto de seu púlpito, incutia o medo e a culpa nos fiéis através
de exagerados sermões. Um olhar mais atencioso, todavia, indica que os textos
de Edwards (apesar de ratificarem a doutrina puritana do homem pecador e de
um Deus punitivo) também partilham muito da herança de John Locke e Isaac
Newton, dois nomes cruciais do racionalismo inglês que, entre outros pressu-
postos, acreditavam que o homem poderia trilhar o caminho da bondade.
24
Literatura Norte-Americana
É importante lembrar que os sermões são, essencialmente, textos para serem
lidosempúblico.JonathanEdwardstalveztenhasidoopastorquemelhorenten-
deu esse propósito da pregação, já que seus textos imediatamente estabelecem
com quem os ouve uma ligação emocional pouco comum em outros sermões
do período. Esses escritos de Edwards seguem, em sua maior parte, o formato
clássico do sermão puritano: primeiramente há o texto, (i.e.)isto é, a passagem
da Bíblia que vai servir de tópico central do trabalho escrito; a seguir, aparece
a doutrina, i.e. a lição que deve ser apreendida do texto; a terceira parte é a das
razões, i.e. provas ou fatos que confirmam a doutrina; finalmente, aparecem os
usos, i.e. a aplicação da doutrina por parte dos fiéis.
Utilizando essa estrutura clássica, o autor enfatiza o caráter irado de Deus e
o pecado inerente a todos os homens, que já nascem culpados. Essa atitude cal-
vinista conservadora, no entanto, é aliada ao pensamento mais racionalista de
Locke. Assim, Edwards também acredita, em seus sermões, que o homem pode
se aperfeiçoar e melhorar seus traços de caráter.
O sermão mais marcante de Jonathan Edwards é Sinners in the Hands of an
AngryGod. Nesse texto, dirigido a uma congregação em Massachusetts, Edwards
se utiliza de todo um arsenal imagístico para traduzir para os fiéis o poder e a
ira de Deus que, por um mero capricho, pode lançar todos os pecadores às
fornalhas do inferno. A presença dos homens no plano terreno, afirma Edwards,
se dá apenas pelo prazer de Deus, porque nada o impede de fazer com que os
homens impuros tenham o chão aberto sobre eles para que caiam nas chamas
eternas infernais.
Sinners in the Hands of an Angry God ilustra um dos pontos centrais do purita-
nismo (levado ao extremo pelos pastores do Great Awakening): o poder de Deus
está sempre em eterno contraste com a devassidão e a maldade humana. Essa
tensão é consequência do pecado original, mas também é a grande causadora
da culpa que atormenta o homem. Por outro lado, é essa mesma culpa que leva
o homem a buscar a redenção, o trabalho e o recomeço.
Assim os Estados Unidos, em seu começo, constroem toda uma organização
social em que a religião é ao mesmo tempo uma força motriz, mas também um
agente regulador de seu desenvolvimento. As lições da era puritana permane-
cem até hoje no imaginário norte-americano, promovendo um material vastíssi-
mo para que a literatura do país se tornasse uma das mais ricas e complexas do
mundo.
Literatura colonial e a América puritana
25
Texto complementar
Sinners in the hands of an angry God
(EDWARDS, 1989)
The wrath of God is like great waters that are dammed for the present;
they increase more and more, and rise higher and higher, till an outlet is
given; and the longer the stream is stopped, the more rapid and mighty is
its course, when once it is let loose. It is true, that judgment against your
evil works has not been executed hitherto; the floods of God’s vengeance
have been withheld; but your guilt in the mean time is constantly increasing,
and you are every day treasuring up more wrath; the waters are constantly
rising, and waxing more and more mighty; and there is nothing but the mere
pleasure of God, that holds the waters back, that are unwilling to be stopped,
and press hard to go forward. If God should only withdraw his hand from
the flood-gate, it would immediately fly open, and the fiery floods of the
fierceness and wrath of God, would rush forth with inconceivable fury, and
would come upon you with omnipotent power; and if your strength were
ten thousand times greater than it is, yea, ten thousand times greater than
the strength of the stoutest, sturdiest devil in hell, it would be nothing to
withstand or endure it.
The bow of God’s wrath is bent, and the arrow made ready on the string,
and justice bends the arrow at your heart, and strains the bow, and it is
nothing but the mere pleasure of God, and that of an angry God, without any
promise or obligation at all, that keeps the arrow one moment from being
made drunk with your blood. Thus all you that never passed under a great
change of heart, by the mighty power of the Spirit of God upon your souls;
all you that were never born again, and made new creatures, and raised from
being dead in sin, to a state of new, and before altogether unexperienced
light and life, are in the hands of an angry God. However you may have
reformed your life in many things, and may have had religious affections, and
may keep up a form of religion in your families and closets, and in the house
of God, it is nothing but his mere pleasure that keeps you from being this
26
Literatura Norte-Americana
moment swallowed up in everlasting destruction. However unconvinced
you may now be of the truth of what you hear, by and by you will be fully
convinced of it. Those that are gone from being in the like circumstances
with you, see that it was so with them; for destruction came suddenly upon
most of them; when they expected nothing of it, and while they were saying,
Peace and safety: now they see, that those things on which they depended
for peace and safety, were nothing but thin air and empty shadows.
Dicas de estudo
O site da Biblioteca do Congresso Norte-Americano tem análises bem com-
pletas e interessantes sobre o período colonial dos Estados Unidos, incluindo
textos de fundação do país e biografias dos Founding Fathers. Disponível em:
<http://www.americaslibrary.gov/cgi-bin/page.cgi/jb/colonial>
HYTNER, Nicholas. As Bruxas de Salem. 1992. Baseado na peça do dramaturgo
Arthur Miller, este filme concentra-se no julgamento e execução de vários colo-
nos na colônia de Salem no fim do século XVII, acusados de bruxaria. Exemplo
mais famoso dos excessos do puritanismo, esse triste episódio da história dos
Estados Unidos é sempre lembrado quando o país encontra-se envolto em uma
atmosfera de perseguição e intolerância.
Atividades
1.	 Como os escritos de John Smith serviram para construir uma visão particular
da América no imaginário europeu?
Literatura colonial e a América puritana
27
2.	 Qual a importância do puritanismo para o desenvolvimento da literatura dos
EUA?
3.	 Como a passagem do sermão Sinners in the Hands of an Angry God (texto
complementar) ilustra a relação de Deus com os pecadores de acordo com o
puritanismo?
O período revolucionário
Se no século XVII a América começa de forma gradual a desenvolver
uma literatura baseada, entre outros aspectos, no choque civilizatório
entre o Velho e o Novo Mundo, no século XVIII essa literatura vai ter como
matéria-prima uma nova forma de pensamento que levará a grandes mu-
danças políticas – especialmente à independência dos Estados Unidos.
Este foi um período de muita turbulência na Europa, com diversas guerras
e atritos políticos que levaram a diversas mudanças no governo inglês, o
que acabou afetando diretamente a relação que a Inglaterra tinha com as
colônias.
Eventualmente, foi o conflito de interesses entre o governo inglês e os
políticos e pensadores da América (altamente influenciados por uma pers-
pectiva iluminista) que levou ao desejo das colônias declararem indepen-
dência. Foi um processo muito difícil e trabalhoso – não só pelo inimigo
externo (a Inglaterra), mas também pela desconfiança dentro do próprio
território com relação à criação de um país único formado por treze colô-
nias diferentes.
A literatura dos Estados Unidos foi mais que influenciada por essa agi-
tação política – ela exerceu um papel fundamental na divulgação e con-
solidação das ideias revolucionárias que davam legitimidade à indepen-
dência. Foi com essa literatura, altamente baseada em conceitos racionais,
mas também tendo a rebelião contra a injustiça como uma questão cen-
tral, que uma nação finalmente se constituiu.
Os conflitos com a Inglaterra
e a luta pela independência
Em meados do século XVIII, as colônias da América se encontravam
numa situação bem diferente daquela que os primeiros peregrinos viram
quando desembarcaram do Mayflower em 1620. Os primeiros povoados
já tinham se tornado grandes cidades, não só em termos de extensão, mas
30
Literatura Norte-Americana
também em número de pessoas: na década de 1760, por exemplo, haviam 1,5
milhões de pessoas nas treze colônias – número seis vezes maior que em 1700.
Politicamente, as colônias já se encontravam em um confortável nível de
organização. Depois de décadas de experiência de governo, os americanos já
haviam se acostumado a uma estrutura colonial na qual eles possuíam uma
certa autonomia política. Em termos econômicos, a América também se encon-
trava em um estágio bem desenvolvido. As colônias do norte estabeleceram, por
um lado, um forte mercado interno (com a presença de manufaturas) e por outro
lado, exportavam peles e construíam navios para serem vendidos na Europa. As
colônias do sul também tinham um importante papel econômico, pois delas é
que saíam o principal produto de exportação das colônias: o tabaco.
Dessa forma, as treze colônias desfrutavam de um grau de liberdade e auto-
nomia pouco visto em outras regiões das Américas. Essa prosperidade e capa-
cidade de se autogovernar serviu para criar entre os colonos a sensação de que
todos faziam parte de um grande projeto – o projeto americano. Eles estavam
concretizando, de certa forma, o ideal puritano de construir uma nova socieda-
de, onde um“povo eleito”viveria em paz e igualdade.
Por mais que as treze colônias tivessem diferenças entre si (e em especial se
compararmos as da região norte com as da região sul), começa a se formar um
senso de nacionalidade até então inédito entre os colonos. As razões internas
para esse crescente nacionalismo vão se encontrar então com um motivo exter-
no para unir ainda mais a população: um inimigo em comum, a Inglaterra.
A Inglaterra, na metade do século XVIII, vinha de um grande conflito em terras
norte-americanas: foi a chamada Guerra dos Sete Anos (1756 – 1763). Neste con-
fronto, a França perde seu domínio sobre extensas faixas de terra que possuía na
América do Norte – entre elas, toda a região em torno do rio Mississipi e o atual
território do Canadá.
O fim da Guerra dos Sete Anos também serviu, de certa forma, para marcar
o fim do velho sistema de colonização inglês. A ideia de dotar as colônias de
uma considerável autonomia e de haver pouca influência da Coroa britânica em
assuntos que tivessem relação exclusivamente à população da América é aban-
donada. Passa a haver, por parte da Inglaterra, um maior controle, em diversos
aspectos, da vida colonial norte-americana.
Diversos fatores levaram a essa perda de liberdade política e econômica das
colônias inglesas. Primeiramente, o domínio territorial britânico na América au-
O período revolucionário
31
mentou consideravelmente. O que antes era uma pequena faixa de terra beiran-
do o Atlântico (as treze colônias), tinha se tornado toda a atual região do Canadá
e a região em torno do rio Mississipi. Para manter o controle sobre essa extensa
área, a estratégia de colonização antiga, utilizando empresas privadas para levar
colonos, não seria bem sucedida. Além disso, os ingleses teriam de lidar dessa
vez não com separatistas religiosos, mas com toda uma nova cultura indígena
presente nas novas regiões, assim como a população católica que havia sido co-
lonizada pelos franceses mais ao norte.
As consequências da Guerra dos Sete Anos, em especial, também afetaram
de forma direta a tranquilidade entre a Inglaterra e as colônias. Com o fim da
guerra, várias tropas britânicas permaneceram em território norte-americano,
o que aumentava a presença inglesa e servia para intimidar os colonos. Tributos
maiores também foram impostos para manter os soldados na América.
A interferência britânica em assuntos internos das colônias, até então pouco
vista, passa a ser a regra. Um dos principais conflitos nesse aspecto foi o desejo
de expansão por parte dos colonos para as novas regiões conquistadas, em espe-
cial aquelas que se estendiam até o rio Mississipi. Inicialmente, vários confrontos
surgiram entre indígenas e colonos, até que em 1763 o rei George III da Inglater-
ra, por decreto, afirma que os povos nativos têm soberania sobre as novas áreas
anexadas a oeste. Essa decisão do rei procura não só evitar novas guerras entre
índios e colonos (o que dificultaria a consolidação do império britânico), mas
também garantir o controle administrativo dessa imensa região ainda pouco
explorada. Assim, os colonos norte-americanos são proibidos de migrar para o
oeste e têm sua autonomia altamente ameaçada.
Mudanças no governo e na economia britânica também acabaram por afetar
a forma com que as colônias eram administradas. Com a ascensão da burguesia
a posições de poder, o comércio e a indústria inglesas começam um período de
grande desenvolvimento, com a construção de fábricas e uma crescente neces-
sidade de produção. Apesar de possuírem capital e mão de obra, faltava aos in-
gleses a matéria-prima, que vai ser buscada exatamente na América. Acentua-se
então o caráter exploratório por parte da Inglaterra.
Duas leis marcam de forma definitiva essa nova abordagem da colonização
inglesa. A primeira é a Lei da Moeda, de 1764, que impede que títulos de crédito
sejam emitidos nas colônias. Esses títulos eram usados como moeda corrente e
já estavam em falta. Com a promulgação da lei, a economia colonial é altamen-
te prejudicada. A segunda lei criada pelos ingleses é a Lei do Selo, de 1765. De
32
Literatura Norte-Americana
acordo com essa lei, todos os jornais, panfletos, contratos, licenças e outros do-
cumentos públicos passariam a receber um selo de cobrança e, portanto, seriam
taxados. É a partir dessa lei que ocorre a primeira organização das colônias para
resistir e protestar contra os abusos da Inglaterra. Protestos e passeatas toma-
ram as ruas e a elite colonial (que viu seus negócios serem taxados) ficou contra
os interesses do império britânico. Um massivo boicote aos produtos ingleses foi
realizado, dando imenso prejuízo à Coroa. A Lei do Selo é então revogada e as
colônias mostram a sua força.
No entanto, nenhum evento foi mais fundamental para provar que as colô-
nias estavam firmes em continuar garantindo seus direitos de escolha e liber-
dade que o chamado Boston Tea Party (Festa do Chá de Boston). O chá era um
produto muito consumido nas colônias, não só devido à tradição inglesa, mas
também pelo preço acessível. Todavia, quando a Inglaterra decide dar o mono-
pólio da venda do chá exportado para a Companhia das Índias Orientais (que se
encontrava à beira da falência), os preços inevitavelmente sobem.
Como reação a mais esse abuso praticado pela Inglaterra, um grupo de
homens disfarçados de indígenas sobe a bordo de navios ingleses ancorados
no porto de Boston e despeja todo o carregamento de chá no mar. Esse episó-
dio, conhecido como Boston Tea Party, fez com que a Coroa britânica tomasse
uma série de medidas para punir essa rebeldia por parte dos colonos. Essas me-
didas, que ficaram conhecidas como Coercive Acts (Leis Coercitivas), incluíam o
fechamento temporário do porto de Boston e a proibição de reuniões de assem-
bleias. A situação entre a Inglaterra e as colônias norte-americanas chega então
a um ponto crítico, e a ideia da independência dos Estados Unidos passa a ser
articulada.
Representantes das colônias se reúnem no Congresso Continental da Fila-
délfia para redigir um documento contra as medidas restritivas inglesas. Em res-
posta, a Inglaterra aumentou o número de tropas na América. Assim, em maio
de 1775, é realizado o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, em que é
feita uma declaração de guerra. Três meses depois, o rei declara que as colônias
norte-americanas encontram-se em estado de rebelião.
É importante lembrar, porém, que ainda havia certa resistência por parte de
vários setores norte-americanos quando se tratava da questão da independên-
cia. As elites sulistas não estavam totalmente seguras de que a separação com a
Inglaterra seria benéfica, já que o grande mercado consumidor de seus produ-
tos poderia ser perdido. Além disso, havia o receio de que o espírito de justiça
O período revolucionário
33
crescente poderia fazer com que os menos favorecidos (especialmente escravos)
começassem a lutar também por direitos iguais.
Em 4 de julho de 1776, é aprovada a Declaração de Independência dos Esta-
dos Unidos. Os conflitos com a Inglaterra se intensificavam, e os Estados Unidos
tinham formado o seu próprio exército – o chamado Exército Continental, sob
liderança de George Washington, que seria posteriormente o primeiro presiden-
te da nação. A vitória norte-americana nas batalhas não foi fácil. Contudo, três
fatores foram cruciais para a vitória dos agora ex-colonos: maior conhecimento
do território, o apoio das tropas sulistas (que os ingleses acreditavam que se
manteriam leais) e a ajuda militar da França, Espanha e Holanda.
Dessa forma, os Estados Unidos da América se tornam finalmente uma nação
independente. As pequenas treze ex-colônias inglesas têm agora o direito de
exercer a sua liberdade política, assim como a população adquire o direito de se
expandir pelo território da América do Norte. Mais do que a criação de um país, a
independência dos Estados Unidos garantiu o surgimento da primeira revolução
moderna, que serviria de base para várias outras nações do ocidente.
Os“Pais Fundadores”
O processo de independência dos Estados Unidos garantiu aos norte-ameri-
canos mais do que a libertação do controle inglês – ele serviu para unir todos os
estados sob um objetivo comum e criar entre eles um vínculo crucial para que
uma verdadeira nação, com uma identidade única, fosse estabelecida. Mais do
que ter um grande inimigo em comum (a Inglaterra) e ideais que os associas-
sem (liberdade, direitos iguais), era necessário que os Estados Unidos tivessem
figuras públicas representativas que o público não só reconhecesse como indis-
cutivelmente icônicas, mas também as usassem como base para a criação de
um novo homem norte-americano. Esses homens públicos foram fundamentais
para a consolidação dos diferentes estados sob apenas uma nação.
Símbolos do espírito republicano norte-americano, historicamente eles são co-
nhecidos como Founding Fathers (Pais Fundadores). Essa ideia de “pais da nação”
não é inédita na história norte-americana. Os primeiros habitantes das colônias re-
ceberamonomede“PaisPeregrinos”.Éinteressantenotaranecessidadedemarcar
o nascimento de uma nova fase da nação através dessas pessoas que, seja por sua
coragem, determinação, ou senso de justiça, se destacam de todas as outras para
iniciar um período de rompimento histórico com um passado de tirania.
34
Literatura Norte-Americana
No entanto, diferentemente dos peregrinos de Massachusetts que chegaram
a bordo do Mayflower, esses Pais Fundadores vão servir como emblemas de um
país recém-criado em busca de uma identidade própria. Eles serão consagrados
pelo povo norte-americano como os grandes heróis da nação e servirão como
exemplo de retidão e perseverança não só para políticos, mas para qualquer ci-
dadão dos Estados Unidos.
Os Pais Fundadores são reconhecidos como os homens que assinaram a De-
claração de Independência em 1776, participaram como líderes da guerra re-
volucionária contra a Inglaterra, ou foram responsáveis pela criação da Consti-
tuição dos Estados Unidos, em 1787. Eles foram militares, proprietários de terra,
mercadores, cientistas – e não coincidentemente, alguns deles se tornaram os
primeiros presidentes daquele jovem país. Dentre os Pais Fundadores (cujo
número quase chega a uma centena), três merecem destaque especial por sua
contribuição militar, política e filosófica para a realização de um ideal norte-ame-
ricano: George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson.
George Washington (1732-1799) foi uma das mais importantes figuras do perí-
odo revolucionário norte-americano. Militar exemplar, participou na Guerra dos
Sete Anos lutando contra os franceses e tornou-se símbolo máximo da vitória
norte-americana sobre os ingleses durante a guerra pela independência. Foi o
presidente da convenção que criou a constituição norte-americana e também
tornou-se o primeiro presidente dos Estados Unidos.
George Washington.
Domíniopúblico.
O período revolucionário
35
Washington é considerado um modelo para todos os presidentes norte-ame-
ricanos pois, num período crucial do país, conseguiu um acordo de paz com a
Inglaterra, reuniu todos os estados sob um único governo republicano e criou
um banco nacional. Mesmo que representante da elite colonial (era latifundiá-
rio e proprietário de escravos), até hoje George Washington continua sendo um
ícone da formação dos Estados Unidos.
Contudo, se Washington foi responsável por organizar o governo norte-ame-
ricano, Benjamin Franklin (1706-1790) criou grande parte do arcabouço filosófico
e intelectual por trás dele. Talvez o nome mais significativo do século XVIII nos
Estados Unidos, Franklin permanece até hoje como um ícone da política, da lite-
ratura e do pensamento norte-americano, não só pelo papel que desempenhou
no processo de independência, mas também por possuir ideias novas que vão
romper com a influência puritana e conceber ideais que permanecem no imagi-
nário ocidental até hoje.
Jornalista, cientista, diplomata e escritor, Benjamin Franklin nasceu numa fa-
mília pobre de Boston para tornar-se uma das grandes mentes da história dos
Estados Unidos. Começou a trabalhar escrevendo ensaios e gradualmente se
tornou o mais bem-sucedido editor do século XVIII na América do Norte. Ele
possuía seu próprio jornal (o Pennsylvania Gazette), e eventualmente publicava
nele seus artigos e sátiras.
Domíniopúblico.
No entanto, uma das obras mais famosas de Franklin é o Poor Richard’s Alma-
nac (Almanaque do Pobre Ricardo). O almanaque era provavelmente o tipo de
publicação mais popular nos Estados Unidos no século XVIII. Espécie de revista
que incluía diferentes tipos de informação (desde a previsão do tempo até piadas
e receitas culinárias), o almanaque foi a forma de expressão que Franklin utilizou
para articular seu ponto de vista de maneira bem-humorada, porém certeira.
36
Literatura Norte-Americana
O autor começou a publicar o Poor Richard’s Almanac em 1732 sob o pseudô-
nimo de Richard Saunders e até o fim de sua publicação em 1758, ele foi o alma-
naque mais lido do período colonial. Para cada edição do almanaque, Franklin
criava provérbios e frases de efeito para preencher os espaços da publicação. Em
1758 o autor coleta todos os ditados publicados nos 25 anos do Poor Richard’s
Almanac e os reúne no ensaio intitulado The Way to Wealth (O Caminho para a
Fortuna).
Nesse ensaio, o personagem Father Abraham (Pai Abraão) se aproxima de
um grupo de fregueses à porta de uma venda, esperando o momento de aber-
tura do local. A partir daí, Father Abraham começa a disparar suas máximas
sobre dinheiro, sucesso, prosperidade, trabalho e lazer. Pode-se dizer que Father
Abraham é um alter ego de Benjamin Franklin, pois os conselhos proferidos pelo
personagem são um reflexo direto do pensamento do autor.
Franklin é uma “personificação do ideal prático americano” (NABUCO, 2000,
p. 32) e sua visão de mundo serviu para criar uma das mais importantes contri-
buições do pensamento dos Estados Unidos para o ocidente: a ideia do self-made
man, isto é, o homem que triunfa através do seu próprio esforço. Por isso os pro-
vérbios presentes em The Way to Wealth se estabelecem sobre dois pilares funda-
mentais: a frugalidade (ou seja, ser prudente e econômico) e o trabalho duro.
Várias das máximas criadas por Franklin permanecem famosas até hoje no
mundo todo, o que indica como essa tradição do pensamento norte-americano
se tornou universal. Frases como“time is money” (tempo é dinheiro) ou “have you
somewhat to do tomorrow, do it today” (o que tiver para fazer amanhã, faça hoje),
entre outras, servem como exemplos da visão de mundo de Franklin, propa-
gando uma perspectiva de sucesso tipicamente fabricada nos Estados Unidos.
Ainda que essas ideias de Benjamin Franklin também sejam muitas vezes alvo
de críticas (especialmente no que concerne à obsessão dos americanos pelo di-
nheiro e bens materiais), é inegável que os provérbios de seu almanaque servem
como símbolos da estrutura capitalista e foram muito significativos no desenvol-
vimento de uma nova ideia de nação que estava surgindo.
Franklin também se destacou como cientista e inventor, pois sua visão huma-
nista ultrapassava a mera discussão de ideias – sua preocupação com o mundo
e com as pessoas que nele habitavam o impeliam a tomar soluções práticas na
resolução de problemas. Assim, Franklin inventa o para-raios e as lentes bifocais;
idealiza uma nova teoria de eletricidade, provando que os raios são de natureza
elétrica; funda a primeira biblioteca pública e o primeiro corpo de bombeiros da
O período revolucionário
37
Pennsylvania; concebeu inovadores mapas meteorológicos capazes de prever
tornados e tormentas.
Além disso, Benjamin Franklin foi um dos artífices da independência e pode-
-se dizer que sem sua presença ativa e sua perspicácia o processo revolucionário
teria sido ainda mais difícil. Até 1775 Franklin representou os interesses das co-
lônias na Inglaterra, chegando a ser visto como um dos principais propagadores
da rebelião na América. Posteriormente, foi enviado à França com o objetivo de
conseguir apoio para a iminente revolução. Mais do que ter auxiliado na realiza-
ção da Declaração de Independência, Franklin também é o único dos Pais Fun-
dadores a assinar os quatro documentos que propiciaram a criação dos Estados
Unidos: além da Declaração de Independência (1776), o Tratado de Aliança com
a França (1778), oTratado de Paris (1782) que dava fim à guerra com a Inglaterra,
e a Constituição Norte-Americana (1787).
Com uma vida tão rica, o autor ainda deu aos Estados Unidos o que alguns
críticos consideram o primeiro grande livro norte-americano: a Autobiografia de
BenjaminFranklin. Esta obra, publicada postumamente, é o trabalho mais conhe-
cido de Franklin e uma das mais lidas autobiografias do mundo. Na verdade, o
livro praticamente estabelece a autobiografia como gênero literário, dando-lhe
um estilo e formato próprios.
Na Autobiografia, a escrita de Franklin é simples e direta, narrando desde os
antecedentes puritanos de sua família até o papel que desempenhou na inde-
pendência norte-americana. O livro tornou-se um exemplo da realização do
American Dream (Sonho Americano), tendo Franklin como seu maior exemplo
– de filho de pais pobres passando pelo sucesso no mercado editorial até ser
um dos responsáveis pela criação da nação. A Autobiografia de Benjamin Franklin
pode ser lida como uma obra que serve de exemplo de superação para os jovens
norte-americanos, mas seu significado é ainda mais amplo: ela constitui o pró-
prio processo de desenvolvimento dos Estados Unidos.
Os textos revolucionários
ThomasJefferson(1743-1826),juntamentecomGeorgeWashingtoneBenjamin
Franklin, forma o trio de notáveis entre os “Pais Fundadores” responsáveis
pela criação e consolidação dos Estados Unidos assim que o país se torna
independente. Jefferson, porém, destaca-se por pensar toda a estratégia social e
intelectualqueserãoospilaresdessanovanação.AvisãonacionalistadeJefferson
38
Literatura Norte-Americana
– humanista, republicana, iluminista – vai estar presente em suas cartas, artigos,
e especialmente no seu principal texto, o mais importante documento do século
XVIII: a Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Thomas Jefferson.
Domíniopúblico.
Diferentemente de Benjamin Franklin, Jefferson vinha de uma família proe-
minente da Virgínia. Depois de entrar na universidade, começa a ler avidamen-
te e a colecionar livros com os quais monta uma imensa biblioteca (que pos-
teriormente dariam origem à Biblioteca do Congresso Norte-Americano). Suas
leituras são variadas, mas o jovem Thomas Jefferson desenvolveu um interesse
particular por autores associados ao movimento iluminista europeu, o que de
certa forma moldaria futuramente a forma através da qual os Estados Unidos
seriam formados.
O Iluminismo foi um período do pensamento ocidental em que, de forma
geral, toda a experiência humana foi dominada pela presença da razão. Foi a
época em que os grandes pensadores voltaram-se contra os preceitos religiosos
e das formas de governo tradicionais para tentar explicar o mundo de uma forma
científica. Os mistérios e milagres da Igreja dão lugar às explicações racionais de
Newton e Descartes; as organizações sociais e políticas estabelecidas há séculos
são substituídas por uma nova estrutura governamental, em que os princípios
básicos são a liberdade e os direitos individuais.
Também conhecido como Idade da Razão, o Iluminismo prima pela busca da
ordem e da estabilidade através do empirismo – a ideia de que o conhecimento
surge da experiência. Assim, o que antes era tido como inexplicável ou obscuro
passaaserinvestigado,poisacredita-sequeomundopodeserexplicadoatravésde
O período revolucionário
39
evidências e experiências, especialmente através da observação e método científi-
co. É sob esse paradigma que o pensamento revolucionário americano se forma.
O mais influente de todos os filósofos iluministas foi John Locke (1632-
1704). Parece uma grande ironia que foi exatamente um pensador inglês o
responsável por dar às colônias a base intelectual para começarem o movimento
de rebelião contra a Inglaterra. Mas fato é que suas principais teorias sobre o
governo, a sociedade e a noção de propriedade terão um impacto profundo
nos revolucionários norte-americanos e, especialmente, nos ideais de Thomas
Jefferson presentes na Declaração de Independência dos Estados Unidos. Vários
dospensamentosdeLockeresponderamdiretamenteaosanseiosenecessidades
da revolução norte-americana. Uma de suas mais importantes obras, Treatises
of Civil Government (Tratados sobre o Governo Civil), de 1690, vai fornecer uma
nova forma de organização político-social para aqueles que desejam se ver livres
das amarras dos colonizadores.
O principal conceito desenvolvido por Locke é o do contrato social. De acordo
com este princípio, haveria um acordo implícito entre os governos e o povo com
o objetivo de manter a ordem social e garantir a estabilidade de uma nação.
Dessa forma, a população deveria abrir mão de alguns direitos e seguir certas
leis, assim como o Estado deveria usar a estrutura governamental sem cometer
abusos de poder. Pode-se dizer portanto que, de acordo com o contrato social, a
legitimidade da autoridade do Estado é garantida apenas com o consentimento
da população governada.
Quando o contrato social é estabelecido e respeitado, o homem pode usu-
fruir de seus direitos naturais, como a felicidade e a liberdade. Nota-se aqui uma
diferença fundamental em relação ao pensamento calvinista presente durante
o período puritano. Se para os protestantes calvinistas o homem já nasce mau,
manchado pela culpa do pecado original, para o pensamento iluminista de
Locke o homem nasce como uma tábula rasa (uma folha de papel em branco) –
o que vai definir se ele se tornará bom ou mau é a sua experiência de vida.
Esse conceito da tábula rasa, presente em Essay Concerning Human Unders-
tanding (Ensaio sobre o Entendimento Humano), também de 1690, faz possível
a articulação de que os “homens bons” só seriam formados se inseridos em so-
ciedades também“boas”– ordenadas, bem-estruturadas, com direitos e deveres
definidos, ou seja, sociedades nas quais está presente o contrato social. Nessas
sociedades, portanto, o homem tem o direito de ser livre, buscando a prosperi-
dade e o bem-estar.
40
Literatura Norte-Americana
As ideias de Locke sobre a humanidade e a sociedade são sintomáticas do pe-
ríodo iluminista, em que a razão toma o lugar do místico e do inexplicável, espe-
cialmente no aspecto religioso. A noção de “direito divino dos reis”, através dos
quais acreditava-se que os monarcas eram escolhidos por Deus para governar
um povo, é refutada por Locke. No lugar da presença de Deus, o filósofo inglês
coloca uma estrutura racional bem definida – o contrato social.
Como todo acordo, todavia, o contrato social pode vir a ser quebrado. Se
o Estado abusa de seu poder de governo, é incapaz de garantir à população a
ordem social, ou seja, não garante aos cidadãos seus direitos naturais, é dever
dos membros dessa sociedade organizar uma revolução e substituir o governo.
Não é uma rebelião, mas uma luta em respeito à permanência do contrato social,
à liberdade e à felicidade. Tais preceitos estabelecidos por John Locke vão for-
necer um arcabouço filosófico para as colônias se libertarem do jugo (controle)
inglês. A partir do pensamento iluminista, os revolucionários norte-americanos
vão transformar o processo de independência dos Estados Unidos em algo muito
maior: a luta do homem pela preservação de seus direitos mais básicos.
Thomas Jefferson, como grande leitor que era, percebeu isso melhor do que
qualquer outro dos Pais Fundadores da nação – e não é coincidência que foi
ele o escolhido para redigir o texto básico da Declaração de Independência dos
Estados Unidos. Nesse documento, o mais importante de toda a história norte-
americana, Jefferson faz mais que anunciar ao seu povo e ao mundo o surgimen-
to de uma nova nação – ele faz da independência norte-americana o símbolo
máximo dos direitos naturais da humanidade.
Em suas emblemáticas primeiras frases, a Declaração de Independência ecoa
os pensamentos de Locke – remetendo diretamente ao princípio de contrato
social – e transforma a luta contra a Inglaterra na luta universal do homem pelo
seu próprio direito à vida:
When in the Course of human events it becomes necessary for one people to dissolve the
political bands which have connected them with another and to assume among the powers
of the earth, the separate and equal station to which the Laws of Nature and of Nature’s God
entitle them, a decent respect to the opinions of mankind requires that they should declare
the causes which impel them to the separation.
We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed
by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the
pursuit of Happiness. – That to secure these rights, Governments are instituted among Men,
deriving their just powers from the consent of the governed, – That whenever any Form of
Government becomes destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to
abolish it, and to institute new Government, laying its foundation on such principles and
organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and
Happiness. (JEFFERSON, 1989, p. 689-691)
O período revolucionário
41
Jefferson estabelece, em seu texto, que é um direito do povo norte-america-
no tornar-se independente da Inglaterra, já que sua estrutura de governo não
torna mais possível aos cidadãos garantirem seus princípios básicos de segu-
rança e felicidade. Ao mesmo tempo documento oficial e texto revolucionário,
a Declaração de Independência dos Estados Unidos é o ápice do pensamento
filosófico norte-americano aliado a um senso prático de humanidade.
A Declaração de Independência, no entanto, foi um produto não só da influ-
ência iluminista nos ideais revolucionários norte-americanos, mas também de
uma sequência de outros textos escritos no século XVIII com o objetivo de infla-
mar a sociedade contra o domínio inglês. Esses textos revolucionários, de cunho
propagandista, foram fundamentais no período que antecede a guerra com a
Inglaterra e também durante o conflito em si.
De toda a produção do período, o autor mais significativo em se tratando de
convergir a população para o interesse comum da independência foi Thomas
Paine (1737-1809). Nascido na Inglaterra, Paine foi um dos principais defenso-
res da causa norte-americana. Após passar por uma série de crises financeiras
e pessoais, o autor chega à América em 1774 com uma carta de recomendação
de Benjamin Franklin e passa a trabalhar na Pennsylvania Magazine. O processo
revolucionário começava a se desenvolver, com a Inglaterra endurecendo mais
sua política controladora, prejudicando a autonomia e os interesses econômicos
das colônias.
Tomado pelo espírito rebelde da época, Paine publica em janeiro de 1776
um folheto de 50 páginas intitulado Common Sense (Senso Comum). Lançado
quando os colonos ainda discutiam sobre como responder aos abusos de poder
da Inglaterra, Common Sense propôs abertamente a separação com a Coroa bri-
tânica. O texto de Paine foi crucial para exaltar os revolucionários e apresentar
argumentos que validassem a independência.
O título do folheto remete à ideia central apresentada por Paine: as revoltas e
os conflitos na América não seriam resolvidos com a submissão dos colonos às
leis inglesas, quer eram notoriamente insultantes. A solução para o problema era
a busca instintiva por um “senso comum”, o que ele afirma na primeira frase: “In
the following pages I offer nothing more than simple facts, plain arguments and
common sense.”(PAINE, 1989, p. 694)
Essa atitude simples foi em parte a grande responsável pela popularização
de Common Sense e sua rápida aceitação nas colônias. Com seu estilo direto e
pontual, o autor ataca diretamente a monarquia inglesa, não só em relação aos
42
Literatura Norte-Americana
tributos e leis impostas aos colonos, mas também tendo em vista a própria razão
para a ida dos primeiros peregrinos para a América.
This New World hath been the asylum for the persecuted lovers of civil and religious liberty
from every part of Europe. Hither have they fled, not from the tender embraces of the mother,
but from the cruelty of the monster; and it is so far true of England, that the same tyranny which
drove the first emigrants from home, pursues their descendants still. (PAINE, 1989, p. 695)
Tal argumento, que relacionava a Inglaterra a um verdadeiro histórico de tira-
nia, em muito serviu para despertar os ânimos revolucionários.
De forma sistemática, Paine articula em seu texto as diferentes razões pelas
quais a relação com a Inglaterra é extremamente prejudicial às colônias. Sobre
a economia colonial, afirma:“Whenever a war breaks between England and any
foreign power, the trade of America goes to ruin, because of her connection with
Britain.” (PAINE, 1989, p. 696). Um dos pontos mais enfáticos levantados pelo
autor, contudo, é o próprio desejo de Deus que essa união entre a Inglaterra e a
América seja desfeita:
The blood of the slain, the weeping voice of nature cries,‘TIS TIME TO PART. Even the distance
at which the Almighty hath placed England and America is a strong and natural proof that the
authority of the one over the other, was never the design of Heaven [...] The Reformation was
preceded by the discovery of America: as if the Almighty graciously meant to open a sanctuary
to the persecuted in future years, when home should afford neither friendship nor safety.
(PAINE, 1989, p. 696-697)
Assim, Paine associa o fato de a Inglaterra e o continente americano estarem
separados por um oceano e o acontecimento da Reforma Protestante antes da
descoberta do Novo Mundo a sinais divinos, indicando que a América deveria
deixar de ser uma colônia.
O ponto principal levantado por Thomas Paine em Common Sense é que
apenas a independência será capaz de manter um estado de paz na América, já
que se um acordo fosse feito com a Inglaterra ele seria inevitavelmente seguido
por outros tipos de revoltas:
But the most powerful of all arguments is, that nothing but independence, i.e. a continental
form of government, can keep the peace of the continent and preserve it inviolate from civil
wars. I dread the event of a reconciliation with Britain now, as it is more than probable that it
will be followed by a revolt somewhere or other, the consequences of which may be far more
fatal than all the malice of Britain. (PAINE, 1989, p. 700)
Assim,oautorestabeleceaindependêncianãosócomooúnicocaminhopara
a autonomia, mas também para a paz continental. Seis meses depois, a Declara-
ção de Independência é assinada. A função desempenhada por Paine foi trans-
formar o ideal de liberdade americana numa luta real pelo direito à soberania.
O período revolucionário
43
Os Estados Unidos constituem-se então como uma nação livre e autônoma,
livres das amarras inglesas e procurando estabelecer suas próprias tradições
através de uma identidade própria. Mas o que definiria esse novo homem nor-
te-americano? Mais especialmente, de que natureza seria a cultura dos Estados
Unidos? Qual o papel de uma literatura escrita na América? Essas seriam as ques-
tões que ecoariam por toda a nova república durante o século XVIII.
Texto complementar
The way to wealth
(FRANKLIN, 1989)
“Friends,” said he, “the taxes are indeed very heavy, and, if those laid
on by the government were the only ones we had to pay, we might more
easily discharge them; but we have many others, and much more grievous
to some of us. We are taxed twice as much by our idleness, three times as
much by our pride, and four times as much by our folly; and from these taxes
the commissioners cannot ease or deliver us, by allowing an abatement.
However, let us hearken to good advice, and something may be done for us;
God helps them that help themselves, as Poor Richard says.
“I. It would be thought a hard government, that should tax its people one-
tenth part of their time, to be employed in its service; but idleness taxes many
ofusmuchmore;sloth,bybringingondiseases,absolutelyshortenslife. Sloth,
like rust, consumes faster than labor wears; while the used key is always bright, as
Poor Richard says. But dost thou love life, then do not squander time, for that is
thestufflifeismadeof, as Poor Richard says. How much more than is necessary
do we spend in sleep, forgetting, that The sleeping fox catches no poultry, and
that There will be sleeping enough in the grave, as Poor Richard says.
“If time be of all things the most precious, wasting time must be, as Poor Ri-
chard says, the greatest prodigality; since, as he elsewhere tells us, Lost time
isneverfoundagain;andwhatwecalltimeenough,alwaysproveslittleenough.
Let us then up and be doing, and doing to the purpose; so by diligence shall
we do more with less perplexity. Sloth makes all things difficult, but industry
all easy; and He that riseth late must trot all day, and shall scarce overtake his
44
Literatura Norte-Americana
business at night; while Laziness travels so slowly, that Poverty soon overtakes
him. Drive thy business, let not that drive thee; and Early to bed, and early to rise,
makes a man healthy, wealthy, and wise, as Poor Richard says.
“So what signifies wishing and hoping for better times? We may make
these times better, if we bestir ourselves. Industry need not wish, and he that
lives upon hopes will die fasting. There are no gains without pains; then help,
hands, for I have no lands; or, if I have, they are smartly taxed. He that hath
a trade hath an estate; and he that hath a calling, hath an office of profit and
honor, as Poor Richard says; but then the trade must be worked at, and the
calling followed, or neither the estate nor the office will enable us to pay our
taxes. If we are industrious, we shall never starve; for, At the working man’s
house hunger looks in, but dares not enter. Nor will the bailiff or the constable
enter, for Industry pays debts, while despair increaseth them. What though you
have found no treasure, nor has any rich relation left you a legacy, Diligence is
the mother of good luck, and God gives all things to industry. Then plough deep
while sluggards sleep, and you shall have corn to sell and to keep. Work while it
is called to-day, for you know not how much you may be hindered to-mor-
row. One, to-day is worth two to-morrows, as Poor Richard says; and further,
Never leave that till to-morrow, which you can do to-day. If you were a servant,
would you not be, ashamed that a good master should catch you idle? Are
you then your own master? Be ashamed to catch yourself idle, when there
is so much to be done for yourself, your family, your country, and your king.
Handle your tools without mittens; remember, that The cat in gloves catches
no mice, as Poor Richard says. It is true there is much to be done, and perhaps
you are weak-handed; but stick to it steadily, and you will see great effects;
for Constant dropping wears away stones; and By diligence and patience the
mouse ate in two the cable; and Little strokes fell great oaks.
Dicas de estudo
O filme Jefferson em Paris (James Ivory, 1995) aborda uma das mais obscu-
ras fases da vida do autor da Declaração da Independência dos Estados Unidos:
antes de se tornar presidente, Thomas Jefferson teria tido um relacionamento
com uma escrava que teria engravidado dele. O filme também traça um panora-
ma histórico bem interessante do final do século XVIII, com foco na relação entre
a França e os Estados Unidos.
O período revolucionário
45
O episódio do Boston Tea Party é tão marcante no ideal de formação dos Es-
tados Unidos que possui até mesmo um próprio museu. Com documentação da
época e até mesmo com as caixas de chá originais lançadas no porto de Boston
pelos colonos, visitar o site do museu é ter um panorama bem completo dos
primórdios do período revolucionário dos Estados Unidos.
Disponível em http://www.bostonteapartyship.com/index.asp
Atividades
1.	 Quais foram as principais causas do início da guerra revolucionária contra a
Inglaterra?
2.	 Como o pensamento iluminista influenciou as principais mentes por trás do
processo de independência dos Estados Unidos?
A prosa romântica
Os Estados Unidos da América adquirem sua independência em 1776,
no final do século XVIII. A guerra revolucionária com a Inglaterra garante
aos ex-colonos a tão sonhada autonomia política e econômica capaz de
garantir a esses agora cidadãos norte-americanos o direito à “vida, liber-
dade e à busca da felicidade”, como tão explicitamente está exposta em
sua Declaração de Independência.
Após essa ruptura no âmbito governamental, o próximo passo para
essa jovem nação seria se autoafirmar e definir a sua identidade. Ao invés
de se reconhecer pelo que não era (colônia ligada às tradições do Velho
Mundo), havia chegado a hora de os Estados Unidos se reconhecerem
pelo que eram. Essa compreensão da totalidade de seu potencial é
adquirida através de uma nova literatura que começa a ser produzida na
América. Essa produção literária vai desempenhar um imenso papel no
posicionamento único que a cultura norte-americana terá no decorrer de
todo o século XIX.
Mas qual será a forma e, especialmente, o conteúdo dessa nova
literatura que surge nos Estados Unidos? No âmbito da prosa, como os
romances, os ensaios, os contos e as críticas servirão para representar de
forma literária uma existência essencialmente norte-americana? Essas são
perguntas que vão ecoar por todo o chamado“Romantismo”nos Estados
Unidos – e os grandes escritores do período vão buscar as respostas
através das brilhantes obras que produzem.
O ideal romântico e a
construção da identidade norte-americana
É no século XIX que surge a primeira grande geração de escritores nos
Estados Unidos. Nomes comoWashington Irving, James Fenimore Cooper,
Nathaniel Hawthorne, Edgar Allan Poe, RalphWaldo Emerson, Henry David
Thoreau e Herman Melville formarão o primeiro grupo de autores que vão
48
Literatura Norte-Americana
dar legitimidade à prosa norte-americana e iniciarão uma tradição literária que
vai influenciar autores não só na América, mas no mundo inteiro.
O surgimento dessas grandes mentes que vão, pela primeira vez, consagrar
elementos culturais notadamente norte-americanos num âmbito global, é con-
sequência de dois aspectos distintos que ultrapassam os limites da literatura.
Um é de caráter interno e sociopolítico: o desenvolvimento e a expansão territo-
rial dos Estados Unidos. Outro é de caráter externo e artístico: a presença de uma
estética romântica na mentalidade europeia.
No século XIX, a população norte-americana aumenta em quase cinco vezes,
chegando a mais de 30 milhões de habitantes. Grande parte dessa população
parte para as novas terras conquistadas a oeste e o poder se descentraliza, com
a costa do Atlântico perdendo sua posição privilegiada de centro do poder e da
cultura dos Estados Unidos. Essa expansão territorial era justificada pela ideia do
Destino Manifesto. De acordo com esse conceito, os Estados Unidos tinham o di-
reito divino (ou seja, era o desejo de Deus) de se expandir por praticamente toda
a América do Norte. Surge um novo nacionalismo, em que os Estados Unidos
passam a representar toda a“América”. Seus ideais de liberdade e felicidade são
protegidos pela Providência.
Industrialmente, o país crescia de forma impressionante. As primeiras linhas
de produção em fábricas eram estabelecidas, assim como novas invenções (o
telégrafo, a máquina de costura) surgidas nos Estados Unidos alavancaram seu
desenvolvimento. As cidades prosperavam, e a população do campo cada vez
mais migrava para os centros urbanos. O nível educacional do país também
passava por uma onda de crescimento, em que cada vez mais revistas, jornais
e livros eram publicados para serem consumidos por um ávido público leitor.
No entanto, com a popularização do romance, mais escritores passam a ter seus
trabalhos publicados, inicialmente em capítulos inseridos em revistas semanais.
É assim que os grandes nomes da literatura norte-americana começam a ter seu
trabalho reconhecido.
Uma das maiores influências para a literatura norte-americana do século XIX,
no entanto, teve origem na Europa – o Velho Continente – cujas tradições os ex-
-colonos tanto ansiavam por romper. Foi especialmente (e ironicamente) na In-
glaterra que o mais importante movimento literário daquele período se desen-
volveu: o Romantismo. Na verdade, o Romantismo inglês surge ao final do século
XVIII e permanece relevante durante o século seguinte. As ideias básicas do pen-
samento romântico, ao chegarem à América, alteram profundamente a relação
que o homem desse Novo Continente tinha consigo mesmo e com a natureza.
A prosa romântica
49
De modo geral, as características básicas do Romantismo podem ser descritas
como“entusiasmo moral, fé no valor do individualismo e na percepção intuitiva,
e a ideia de que o mundo natural é uma fonte de bondade e a sociedade é uma
fonte de corrupção.”(McMICHAEL et al., 2001, p. 441). A crença no valor do indi-
vidual em muito combinava o histórico revolucionário do país, especialmente a
sua luta pelos direitos naturais de todo o homem. Da mesma forma, uma ênfase
nos aspectos da natureza era essencial ao período de expansão que a nação
vivia. Ao cruzar o Vale do Rio Mississipi e se desbravar por entre montanhas, pla-
nícies e rios desconhecidos, o explorador norte-americano pôde se deparar com
uma variedade natural totalmente nova que merecia ser interpretada e discuti-
da, servindo de pano de fundo para a criação de uma literatura.
A mais profunda contribuição do movimento romântico para a literatura nor-
te-americana do século XIX, contudo, foi a já mencionada fé“na percepção intui-
tiva”. O Romantismo é a escrita da emoção e da subjetividade. Assim, os grandes
autores do período rejeitavam fontes de conhecimento fundadas exclusivamen-
te na razão ou na experiência científica; pelo contrário, o aspecto misterioso da
natureza, os eventos inexplicáveis e a abundância de emoções era o que mais
interessava à literatura da época. Isso vai ser importante até mesmo no aspecto
religioso, em que o intelectualismo calvinista vai dar lugar a ideais de sociedade
em busca de um encontro com Deus através do que há de natural no mundo.
Os preceitos e as características do Romantismo, surgidos na Europa para ser-
virem de resposta a um neoclassicismo decadente, ganham uma outra conota-
ção ao chegarem aos Estados Unidos:
Coming to the United States at the moment of an awakening national consciousness, (the
Romantic movement) assumed an even more ardent nationalism than it had in the older
countries abroad. This attitude was expressed in the denial of tradition and of the European
inheritance, a delight in the grand scale and the infinite mysteries of nature on the unexplored
western continent and a pride in the “American ideas” which had so successfully created
the Republic [...] The creation of an American myth out of the new materials was its first and
greatest task. (SPILLER, 1967, p. 23)
A partir da citação acima, podemos entender que a inspiração no individualis-
mo e em elementos da natureza tinha um propósito bem específico quando pen-
samos no Romantismo inglês. Autores comoWilliamWordsworth e Percy Shelley
buscavam, entre outros aspectos, um contraponto ao racionalismo exacerbado
e aos problemas sociais causados pela revolução industrial na Inglaterra.
Nos Estados Unidos a situação é bem diferente. O século XIX foi o período
em que os Estados Unidos, após o processo de independência, tentam achar
uma forma de representação artística que seja capaz de exprimir uma identidade
50
Literatura Norte-Americana
nova, norte-americana, condizente com seus ideais revolucionários. É o momen-
to em que a cultura torna-se a expressão máxima do nacionalismo, e a arte torna-
-se o elemento crucial para definir o contexto dessa jovem nação. As músicas têm
um forte apelo patriótico; a pintura tem como tema as paisagens da América do
Norte; a arquitetura é monumentalmente inspirada em ideais gregos republica-
nos, em contraste com o estilo gótico inglês. A literatura deixa de ter temas polí-
ticos e religiosos como suas bases principais –“no lugar de sermões e manifestos,
surgem romances, contos e poemas”(McMICHAEL et al., 2001, p. 441).
Essa onda nacionalista, ao unir-se com as principais ideias românticas, vai ser a
forçamotriznaformaçãodeumaliteraturaessencialmentenorte-americanaquevai
dar voz aos anseios e pensamentos de toda uma geração. O amadurecimento literá-
rio dos Estados Unidos, todavia, se dará de forma gradativa. O romance foi a forma
literária adotada pela maioria dos autores da época, e as primeiras obras norte-ame-
ricanas ao final do século XVIII ainda procuravam um estilo de narrativa único, que
pudesse ao mesmo tempo interessar e representar aos leitores da época.
O primeiro autor que atinge esse propósito é Washington Irving (1783-1859).
Pode-se dizer que Irving é o escritor que desperta o interesse do mundo para
a produção literária que estava se desenvolvendo nos Estados Unidos. Ainda
assim, as obras do autor funcionam como um meio termo entre a sensibilidade
romântica importada da Inglaterra e da Alemanha e a necessidade de construir
uma mitologia na qual uma narrativa norte-americana pudesse se sustentar.
Muitos autores consideram Irving um verdadeiro embaixador das letras, buscan-
do“estabelecer conexões entre a escrita norte-americana e a tradição europeia.”
(BRADBURY; RULAND, 1992, p. 92)
O primeiro triunfo de Washington Irving é exatamente uma obra, em tom
irônico, que procura arquitetar uma tradição para a mais nova metrópole dos
Estados Unidos: Nova York. Como nativo da cidade, Irving conhecia muito bem
a origem holandesa da região e suas excentricidades. Assim, sob o pseudônimo
de Diedrich Knickerbocker, o autor publica em 1809 History of New York.Trabalho
de narrativa histórica, mas ao mesmo tempo satírico, esse livro dá origem a uma
geração de escritores inspirados pela paródia de Irving que viria a ser conhecida
como a“Escola Knickerbocker”de literatura, muito conhecida em Nova York nas
primeiras décadas do século XIX.
Em 1815 o autor faz uma viagem à Europa, onde entra em contato direto com
a tradição romântica doVelho Continente. O Romantismo inglês, com seu elogio
A prosa romântica
51
ao passado e à experiência medieval, assim como os contos populares alemães,
serviram de grande inspiração para o trabalho mais reconhecido de Washington
Irving: The Sketch Book of Geoffrey Crayon, Gent., publicado de forma seriada
entre 1819 e 1820. Usando dessa vez o pseudônimo de Geoffrey Crayon, o autor
escreveu 34 ensaios e contos na tentativa de transpor o espírito folclórico do
conto europeu para os Estados Unidos. O Sketch Book foi o primeiro livro norte-
-americano a ter sucesso não só na América, mas também na Europa. Os escritos
de Irving conseguiram criar uma mitologia popular para uma literatura em fase
de consolidação através de uma herança europeia.
Dos textos presentes no Sketch Book, dois vão se destacar e praticamente
fundar o imaginário popular da América. O primeiro é Rip Van Winkle, a história
de um camponês que, depois de beber um vinho mágico oferecido por fantas-
mas, dorme por 20 anos. Ao acordar, ele fica surpreso ao ver todas as mudanças
ocorridas em sua família e no seu vilarejo, mas o principal acontecimento de
todos foi a guerra revolucionária que culminou na independência dos Estados
Unidos. O próprio personagem Rip Van Winkle se torna uma lenda então, ao ter
vivenciado os acontecimentos anteriores à guerra e por não ter presenciado o
momento mais importante da história da nação.
Outro conto muito famoso de Washington Irving presente no Sketch Book é
The Legend of Sleepy Hollow. Assim como Rip Van Winkle, é baseado num conto
folclórico alemão sobre um cavaleiro sem cabeça que assombra um vilarejo.
Como geralmente faz, Irving transporta essa história popularesca europeia para
os Estados Unidos, situando a narrativa em Nova York e fazendo o cavaleiro
perder a cabeça com uma bala de canhão disparada numa batalha durante a
guerra pela independência.
Se Washington Irving concentrou sua produção nos contos e histórias po-
pulares inspirados pela tradição folclórica europeia, James Fenimore Cooper
(1789-1851) vai dedicar-se ao desenvolvimento de um formato para o romance
norte-americano instituindo seus próprios mitos de criação. Usando a recente
história e política dos Estados Unidos, Cooper vai fundar um estilo romântico
norte-americano que servirá de molde para que o público leitor passe a reco-
nhecer o seu passado através de moldes literários.
O primeiro romance aclamado de Cooper é TheSpy, de 1821, e é a partir dessa
obra que o autor vai receber o título que de certa forma vai persegui-lo até hoje: o
“Walter Scott da América”. Scott foi um dos grandes escritores ingleses do século
XIX, fundador do gênero romance histórico – de forma geral, uma narrativa fic-
Literatura Puritana
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Literatura Puritana

  • 2. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. ©2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Júpiter Images CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G612L Gomes, Anderson Soares Literatura norte-americana / Anderson Soares Gomes. – Curitiba, PR: IESDE Brasil, 2009. 216 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-0383-9 1. Literatura americana - História e crítica. 2. Literatura americana - Aspectos sociais. 3. Literatura e história - Estados Unidos. 4. Estados Unidos - História. 5. Cul- tura - Estados Unidos. I. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. II. Título. 09-2430 CDD: 810.9 CDU: 821.111(73).09
  • 3. Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC- Rio), Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Ba- charel em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Anderson Soares Gomes
  • 4.
  • 5. Sumário Literatura colonial e a América puritana...........................11 A chegada do Mayflower......................................................................................................... 12 O estabelecimento das treze colônias................................................................................ 14 A literatura colonial: o puritanismo e o Great Awakening............................................ 18 O período revolucionário.......................................................29 Os conflitos com a Inglaterra e a luta pela independência......................................... 29 Os“Pais Fundadores”................................................................................................................. 33 Os textos revolucionários........................................................................................................ 37 A prosa romântica.....................................................................47 O ideal romântico e a construção da identidade norte-americana......................... 47 O transcendentalismo.............................................................................................................. 52 A inspiração gótica.................................................................................................................... 59 A poesia romântica...................................................................69 A poesia de Edgar Allan Poe................................................................................................... 69 Walt Whitman: a busca por uma voz norte-americana................................................ 73 Emily Dickinson: a poesia de cunho metafísico.............................................................. 76
  • 6. A Guerra Civil e a literatura correspondente...................87 Diferenças entre o norte e o sul dos EUA.......................................................................... 87 A escravidão e os textos abolicionistas.............................................................................. 90 Consequências do conflito: textos literários de temática da Guerra Civil............. 95 O Realismo norte-americano..............................................103 As mudanças socioeconômicas..........................................................................................104 Uma voz nacional: Mark Twain............................................................................................107 O Naturalismo............................................................................................................................112 Henry James: a literatura entre os Estados Unidos e a Europa................................116 A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX.................................................125 F. Scott Fitzgerald e a Jazz Age.............................................................................................126 Ernest Hemingway e a precisão da escrita......................................................................130 William Faulkner e a tradição sulista.................................................................................133 John Steinbeck e a Grande Depressão.............................................................................136 A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX.................................................147 Robert Frost: a natureza como poesia..............................................................................147 T.S. Eliot & Ezra Pound: trilhando caminhos modernos..............................................151 Elizabeth Bishop e sua relação com o Brasil...................................................................158
  • 7. O teatro e as vertentes da prosa norte- -americana na 2.ª metade do século XX.........................167 O teatro de Arthur Miller e Tennessee Williams............................................................168 A ascensão da literatura afro-americana.........................................................................174 Inovações na prosa: J.D. Salinger e New Journalism....................................................178 Possibilidades de ensino de literatura norte-americana no ensino médio...................................189 A obra literária como produto de um momento histórico........................................190 Abordagens para o ensino da literatura norte-americana........................................194 Gabarito......................................................................................205 Referências.................................................................................213
  • 8.
  • 9. Apresentação No mundo contemporâneo, onde a cultura norte-americana se encontra prati- camente onipresente nas formas de expressão ocidentais, é cada vez mais im- portante investigar as maneiras através das quais os Estados Unidos se desenvol- veram (historicamente, socialmente e artisticamente) de colônia inglesa à maior potência mundial. Tal desenvolvimento pode ser visto especialmente através de sua literatura. É na literatura norte-americana que podemos aquilatar a quase totalidade do proces- so histórico cultural dos Estados Unidos. A partir de seus principais textos (fic- cionais ou não) e do pensamento de seus autores mais significativos, é possível compreender como a identidade norte-americana foi sendo construída através dos séculos. Este material, portanto, se propõe como um estudo das mais relevantes obras literárias produzidas nos Estados Unidos numa perspectiva histórico-social, para assim se traçar um panorama do “homem norte-americano” – seus valores, suas formas de expressão e sua visão de mundo. Veremos neste trabalho a criação de um ideal para a América através da literatura, começando com a saída dos peregrinos da Inglaterra e seu estabelecimento nas treze colônias. Analisaremos então o processo de independência norte-america- no, suas ideologias, seus principais nomes e textos. Assim, vamos estudar como se deu a consolidação dos Estados Unidos através da literatura, passando pelo período da Guerra Civil, o Romantismo e o Realismo. Por fim, no século XX, trata- remos da ascensão de novos estilos literários que se tornaram essenciais para o reconhecimento da escrita norte-americana como uma das mais representativas da contemporaneidade. O presente trabalho também abordará como a literatura dos Estados Unidos se relaciona com outras formas de representação artísticas, como o cinema, a música e o teatro. Dessa forma, será possível estabelecer uma ampla perspectiva das mu- danças e do desenvolvimento da cultura norte-americana. Que este trabalho sirva de inspiração e estímulo para que futuros profissionais da área de Letras possam, de forma crítica e complexa, percorrer os sinuosos – porém enriquecedores – caminhos traçados pelos principais nomes da literatura produzida nos Estados Unidos. Anderson Soares Gomes
  • 10.
  • 11. Literatura colonial e a América puritana Refletir sobre as expressões literárias da cultura norte-americana é, mesmo que de forma subconsciente e intrínseca, refletir sobre a própria natureza do nome do país que lhe deu origem. Os Estados Unidos da América são um país que já em seu nome, no plural, prenunciam uma natureza múltipla e variada, indicador que a for- mação de seu território, seu povo e sua identidade foi construída através da união de objetivos comuns e superação de diferenças. Uma das poucas nações do mundo reconhecida por uma sigla (EUA, ou“USA”em inglês), os Estados Unidos também têm por hábito referirem-se a si próprios como “América”, e seus cidadãos como americanos. Se o fato de se intitular “América” acaba gerando uma insatisfação por parte de seus vizinhos da América Central e da América do Sul, não há como negar que os Estados Unidos acabaram criando um novo significa- do para o termo “América”, que ultrapassa os limites geográficos: a Amé- rica é a terra da democracia, da liberdade individual e da oportunidade. É claro, contudo, que nem sempre foi assim. Apesar de existirem evidências de que o território da América do Norte já havia sido visitado pelos vikings no século IX, é apenas com Cristóvão Colombo, em 1492, que a Europa finalmente descobre o novo continente. A Inglaterra a princípio ocupa um papel secundário na ocupação da América, já que Portugal e Espanha tomam para si a maior parte do ter- ritório. Inicialmente, os ingleses se dedicam à pirataria, roubando ouro e prata de navios espanhóis e portugueses. Posteriormente, no entanto, a Inglaterra concentra-se na exploração e investigação do território do Novo Mundo. PrimeiramentecomJohnCabotedepoiscomWalterRaleigh(quenomeia a região a que chega de Virgínia, em homenagem à rainha Elizabeth I, a “rainha virgem”), há uma tentativa real de colonização da América do Norte por parte dos ingleses. Porém, as situações extremas a que esses primeiros colonos foram submetidos (doenças, ataques de nativos, fome) puseram fim a esse primeiro esboço de uma colônia de domínio inglês na América.
  • 12. 12 Literatura Norte-Americana Com outro monarca no poder (James I), a Inglaterra tenta novamente implan- tar uma colônia na América. A estratégia e a natureza desta nova empreitada, no entanto, são diferentes daquelas usadas durante o reinado de Elizabeth I. Ao invés de nobres desbravadores, esses novos colonizadores eram representantes de empresas inglesas que, num esquema pré-capitalista, tinham autorização da Coroa para explorar as terras do Novo Mundo. Assim, os ingleses finalmente al- cançam o sucesso em seu processo de colonização e uma nova fase começa para a América do Norte. A chegada do Mayflower O primeiro povoado inglês de caráter permanente na América do Norte foi Jamestown (assim chamado em homenagem ao rei James I), naVirgínia em 1607. Patrocinado pelaVirginia Company of London, Jamestown tem outro significado muito especial: um dos colonos do povoado foi John Smith (1580-1631), um dos mais importantes personagens da história colonial norte-americana. Domíniopúblico. John Smith. John Smith foi um capitão inglês que, através de seus textos e sua fabulosa biografia, definiu o perfil dos primeiros colonos americanos: aventureiro, des-
  • 13. Literatura colonial e a América puritana 13 temido e promotor das belezas e das promessas do Novo Mundo. Em sua pro- dução textual sobre a América (de cunho notadamente propagandista, já que havia enorme interesse em atrair mais e mais colonos ingleses para o novo con- tinente), Smith cria cenários, eventos e personagens de natureza quase mítica, que servem de fundação não só para a literatura, mas também para a identidade norte-americana. A América de John Smith é a“terra de oportunidades”, expres- são que até hoje ecoa na mente daqueles que buscam nos Estados Unidos um horizonte para um futuro de prosperidade. O trabalho mais significativo de Smith é The General History of Virginia. Esta obra, escrita quando Smith já havia retornado à Europa, serve não só como re- gistro de sua permanência na colônia, mas também como artifício para tornar o novo continente um lugar atraente para prováveis novos exploradores. É com esse trabalho que Smith consolida a visão da América como o lugar da riqueza abundante, da vida selvagem, dos prazeres e da liberdade individual. Também é em The General History of Virginia que John Smith conta uma das mais famosas narrativas da história norte-americana: sua aventura romântica com a índia Pocahontas. O livro relata como Smith foi capturado por índios li- derados pelo chefe índio Powhatan e feito prisioneiro. Pouco antes de ser morto pelos indígenas, a filha de Powhatan, Pocahontas, se coloca entre Smith e os índios e salva o capitão inglês da morte. A partir daí é construída uma narrativa que indica uma história de amor entre os dois, já que a princesa indígena se torna responsável por um maior contato entre sua tribo e os ingleses. Essa his- tória de amor, no entanto, não tem um final feliz: Pocahontas se casa com outro homem – um agricultor inglês – e vai para a Inglaterra, aceitando a fé cristã. Diz-se que lá viveu infeliz, alimentando um desejo de retornar à América até o momento de sua morte. Atualmente, por mais que a história de John Smith e Pocahontas seja questio- nada por historiadores, e que muito da narrativa de TheGeneralHistoryofVirginia seja vista como ficção, não há como negar que o possível amor entre o capitão inglês e a princesa indígena representou, de forma mitológica, a possibilidade de união e prosperidade entre povos tão diferentes nesse Novo Mundo. Os textos de John Smith sobre essa nova terra repleta de riquezas e oportu- nidades em muito serviam para criar expectativas em futuros colonos. Contudo, essa produção de literatura propagandista não foi a única razão para a ida de ingleses para a América. Na Inglaterra, o crescimento das cidades com o êxodo rural estava criando um excedente de mão de obra que não interessava à Coroa. Órfãos e pessoas muito pobres (indo trabalhar em condições de semiescravidão)
  • 14. 14 Literatura Norte-Americana também partiam em direção ao Novo Mundo. A ida de ingleses para a América não era apenas uma busca por melhor qualidade de vida, mas também uma fuga da situação econômico-social predatória em que se encontravam as classes menos favorecidas. Outro fator importantíssimo para a ida de ingleses para o novo continente foi a perseguição religiosa. A Inglaterra, desde o reinado de Henrique VIII, tem o anglicanismo como sua religião oficial. A criação da igreja anglicana coloca diferentes grupos religiosos em conflito com a Coroa inglesa, em especial os pu- ritanos, assim chamados porque acreditavam numa igreja mais simples e pura, e que tinham como base os textos de Calvino escritos durante a Reforma Protes- tante. Exercer sua fé na Inglaterra se tornava cada vez mais difícil, já que aqueles que não praticavam a religião anglicana passaram a ser perseguidos, sendo pu- níveis até mesmo com a pena de morte. Depois de uma tentativa fracassada de estabelecimento na Holanda, os seguidores do puritanismo partem então para o Novo Mundo. Em 1620 chega ao porto de Plymouth, em Massachusetts, o Mayflower – navio inglês que traz o primeiro grupo de “peregrinos” para o novo continente. Esses colonos, conhecidos historicamente como Pilgrim Fathers (Pais Peregrinos) serão responsáveis por formar a primeira fase da identidade norte-americana e seus ensinamentos permanecem no imaginário dos Estados Unidos até hoje. Esses peregrinos chegam à America determinados a fazer da América a“Terra Prometida”, um novo começo para a história e para sua religião. Ao mesmo tempo buscando a concretização de sua fé e um despertar de um novo ideal de sociedade, esses peregrinos – assim chamados porque acentua sua natureza religiosa – são os pastores, professores e empreendedores responsáveis pelo su- cesso da colonização na América do Norte. O estabelecimento das treze colônias É preciso fazer uma importante distinção aqui no que concerne à colonização ibérica (Portugal e Espanha) e à colonização inglesa. Portugueses e espanhóis tinham um modelo de conquista do novo território claramente mais explorató- rio, o que fazia com que as regiões sob o seu controle (a América Central, a Amé- rica do Sul e até mesmo algumas partes da América do Norte, como a Flórida) fossem vistas como grandes áreas de extração de riquezas para serem enviadas para a Europa. A colonização inglesa na América do Norte, por outro lado, tinha
  • 15. Literatura colonial e a América puritana 15 como objetivo central o povoamento daquela região, especialmente porque a partir da chegada do Mayflower, as pessoas que chegavam àquela terra pouco conhecida estavam em busca de um novo recomeço, longe das problemáticas religiosas que tanto sofriam no velho continente. A terra é conquistada para se morar nela. No entanto, pode-se dizer que esses diferentes modelos de colonização não eram em sua totalidade apenas de exploração ou apenas de povoamento. Nas regiões controladas por portugueses e espanhóis, mesmo para extrair o ouro, a prata ou pau-brasil, existia a necessidade de criação de cidades (como o Rio de Janeiro ou a Cidade do México) e a miscigenação dos povos em muito contri- buiu para a criação de uma nova identidade nacional. Já nas colônias inglesas, o povoamento da região foi especialmente difícil, já que não havia um suporte do Estado como na colonização ibérica (a viagem era feita por companhias particu- lares) e não haviam riquezas abundantes facilmente encontráveis. Apenas anos depois, com a expansão para o oeste americano e com a descoberta de ouro e petróleo, o caráter exploratório da ocupação da terra se intensifica. O início da colonização por parte dos peregrinos foi bastante difícil. Os inver- nos eram bem rigorosos na região e vários colonos morriam de frio e de fome. Além do mais, os variados conflitos com os nativos indígenas ainda era um fator extra de perigo que os colonos tinham de lidar. Mesmo assim, o embrião dos Estados Unidos se expande: mais e mais colo- nos chegam à América, fugindo da perseguição religiosa, buscando melhor con- dição econômica ou simplesmente em busca de um novo começo numa terra inexplorada. Na Baía de Massachusetts, em 1630, ocorre uma imensa imigração puritana que consolida de vez o protestantismo de Calvino por quase todo o território. Outras regiões, porém, eram adeptas de outras religiões: em 1633, é fundado na colônia de Maryland um povoado seguidor do catolicismo; em 1681, William Penn funda na Pennsylvania uma colônia onde a população segue os preceitos da doutrina Quaker. Mesmo entre os protestantes calvinistas existiam diferenças que levaram à expansão do território. Roger Williams, por exemplo, era um puritano em desa- cordo com a íntima ligação entre a esfera política (o Estado) e a esfera religiosa (o puritanismo) existente na região de Massachusetts. Ele parte em exílio e funda uma nova colônia – Rhode Island. Essa diversidade religiosa, ao contrário do que poderia imaginar, em muito contribuiu para a necessidade de tolerância entre os territórios e a aceitação das
  • 16. 16 Literatura Norte-Americana diferenças religiosas. Assim, cada cidadão tinha o direito de exercer sua liberdade religiosa sem correr o risco de sofrer perseguição e discriminação – exatamente a razão primordial da saída desses peregrinos da Europa, daí a necessidade de evitar o mesmo erro que os ingleses. Com a chegada de mais e mais colonos e a criação de novos territórios, os Es- tados Unidos se expandem e então seu território se estabelece no que é chama- do de “treze colônias”. É interessante notar que, diferentemente do que aconte- ceu com outras regiões (como o Brasil, por exemplo), não há apenas uma grande colônia sob domínio de uma nação europeia. O que existe é uma extensa região que consiste em treze colônias distintas, cada uma com suas peculiaridades e características – fator que em muito vai influenciar a história e a literatura dos Estados Unidos até hoje. TemáticaCartografia.
  • 17. Literatura colonial e a América puritana 17 Mas nem só de colonos europeus e puritanos consistiam os Estados Unidos. Essa parte da população é o que se costumou chamar de WASP, sigla que signi- fica White-anglo-saxon-protestant (branco-anglo-saxão-protestante). Membros desse grupo acabaram constituindo a parte mais rica e representativa do país, deixando outras partes da sociedade à margem do progresso norte-americano. Embora a chegada dos “Pais Peregrinos” tenha dado um impulso desenvol- vimentista à América do Norte, existiam outros grupos também responsáveis pela criação dos Estados Unidos – através de uma cultura, um estilo de vida e uma visão de mundo bem distinta daquela apresentada pelos puritanos vindos da Inglaterra. Talvez o mais importante desses grupos seja o dos índios norte- -americanos, atualmente chamados de Native-Americans (Nativos-Americanos). Como o próprio nome já indica, eles eram nativos da terra e já se encontravam no território da América do Norte bem antes da chegada dos primeiros coloni- zadores europeus. O conhecimento que temos hoje da sociedade e da cultura do índio nativo norte-americano passa inevitavelmente pelo olhar que o homem branco lançou sobre ele assim que chegou à América. Portanto, é importante que a leitura de textos que tratem do encontro entre colonizadores e indígenas sempre seja feita com um olhar crítico, levando em consideração não só o período histórico, mas também os interesses envolvidos. Em The General History of Virginia, John Smith fala dos índios utilizando termos como“bárbaros”e“selvagens”, enfatizando a natureza pagã e violenta dos nativos, enquanto descreve a si mesmo sempre envolto em termos cristãos. Esse estilo narrativoéaindamaisnotórionoepisódioemqueésalvodamorteporPocahontas, como se Smith fosse uma espécie de“novo salvador”posto em calvário. Essa visão do indígena como selvagem por muito perdurou no imaginário nor- te-americano. Dentre as várias razões para isso, está o fato de os colonos ingleses não terem interesse em catequizar os nativos, como ocorreu no Brasil por exem- plo. Os índios eram sempre mantidos à distância, e o contato com eles era feito apenas no que se relacionava à troca ou compra de mercadorias. Quando se deu a expansão para o oeste norte-americano, a relação entre nativos e colonizadores alcançou seu ponto mais conflituoso, com o extermínio de milhares de indígenas. Felizmente, boa parte da cultura indígena foi preservada, especialmente atra- vés da ficção mantida inicialmente através da tradição oral (histórias passadas de geração em geração), que posteriormente serviriam como base para o sur- gimento da native-american literature (literatura nativa-americana). Várias das
  • 18. 18 Literatura Norte-Americana obras da literatura indígena norte-americana têm origem anônima, e misturam mitos de criação de heróis com a própria história da sociedade nativa. Diferentes tribos também possuem diferentes histórias de criação do mundo e do universo, como a Gênese da tribo Blackfeet. Outro grupo cuja importância é crescente nesse período inicial da coloniza- ção dos Estados Unidos é o dos negros, cuja presença na América se fazia atra- vés da escravidão. Eles vinham trazidos por navios ingleses que partiam para a África, capturavam os escravos e os deixavam nas colônias americanas, para lá buscar algodão, tabaco e outros produtos. A escravidão na América durou até 1861, mas até lá os negros viviam em condições degradantes de servidão, já que não eram considerados capazes das mesmas atividades sociais e intelectuais que os brancos e, portanto, não merecedores do termo cidadão. Esses grupos, todavia, permanecem sempre à margem da sociedade branca e protestante, que espalha por todas as treze colônias seu estilo de vida e seus ideais de sociedade. Sociedade esta cuja mais importante característica é a pre- sença da crença religiosa puritana em todas as esferas, da política ao lazer. É o puritanismo que molda a vivência dos cidadãos dos Estados Unidos e serve de impulso para os primeiros textos escritos em solo norte-americano. A literatura colonial: o puritanismo e o GreatAwakening O puritanismo é a força motriz da sociedade norte-americana. É através dos ideais norte-americanos que os primeiros peregrinos constroem não só escolas, igrejas e universidades: eles constroem também uma ideia da América. Os Esta- dos Unidos são mais do que um novo lar para esses colonos – são uma região onde eles finalmente poderão construir a“nova Canaã”bíblica, já que eles acre- ditam ser as pessoas escolhidas por Deus para concretizar um reino de prosperi- dade na terra seguindo fielmente às leis cristãs. Na Europa, os puritanos muito sofreram com a perseguição religiosa, já que como adeptos do protestantismo calvinista, renegavam a doutrina do catolicis- mo e do anglicanismo, as duas religiões predominantes da Inglaterra. Vários pu- ritanos chegaram a ser torturados e até mesmo enforcados por exercer a sua fé. Mesmo dentro de sua própria religião, existiam diferenças nas formas com que aspessoasdeveriamseguirosensinamentosdaBíblia.Issosedavaporque,diferen-
  • 19. Literatura colonial e a América puritana 19 temente do catolicismo (em que predomina uma interpretação dos textos bíblicos e se deve respeitar a palavra do Papa), o puritanismo admite leituras pessoais e individuais da Bíblia, fazendo com que formas de entendimento distintas surjam de mesmos textos religiosos. Assim, dentro do movimento puritano surgem dife- rentes segmentos como os amish e os quakers, que possuem uma outra visão de como as lições das parábolas da Bíblia devem ser incorporadas no seu cotidiano. Alguns preceitos religiosos estabelecidos por Calvino, entretanto, estavam presentes na maior parte da sociedade puritana, dentre eles, a ideia de que o pecado original manchou toda a existência humana, e por isso o homem era na- turalmente corrupto e sujeito à maldade. Os puritanos também acreditavam que o sacrifício de Jesus acabou por garantir o perdão de Deus, mas esse perdão não é estendido a todos os homens – só alguns eleitos o ganhariam. Além disso, é clara no puritanismo a ideia de que Deus escolhe, desde o princípio dos tempos, aqueles que vão para o céu e aqueles que vão para o inferno. É interessante comparar e contrastar os dogmas puritanos e católicos, espe- cialmente ao considerarmos como a influência religiosa se fez tão presente no período colonial das Américas. De forma geral, o catolicismo se volta mais para o mundo após a morte, em que Deus julga-nos pelos atos que tivemos em vida. Já a vida puritana se concentra nas provas terrenas da benção de Deus, através do trabalho e da prosperidade. O puritanismo também acredita que o bom cristão é aquele que vive bem com os frutos do trabalho, produzindo, através de seu esforço e seus méritos, seus meios de subsistência e conforto. Para o catolicismo, existe uma visão subjacente de que o trabalho é punição, e de que a riqueza carrega em si um estigma negativo, uma culpa. Essas crenças calvinistas estiveram presentes em diversos estágios da coloni- zação dos Estados Unidos. Os puritanos construíram seus vilarejos e depois suas cidades acreditando que assim estariam realizando, através de seu trabalho, o desejo de Deus de criar um novo paraíso, onde os homens viveriam seguindo as leis bíblicas. Assim sendo, o próprio governo tinha o dever de fazer as pessoas obedecerem à vontade divina. Existiam leis, por exemplo, que obrigavam as pes- soas a irem à igreja, ou que puniam adúlteros. Tal comunhão entre religião e governo foi crucial para que um episódio como o dos julgamentos das bruxas no vilarejo de Salem fosse permitido. Um dos mais vergonhosos momentos da história dos Estados Unidos, a série de julgamentos e execuções de dezenas de colonos por bruxaria ocorridos em
  • 20. 20 Literatura Norte-Americana Salem, Massachusetts, hoje é visto como consequência dos excessos da presença puritana na administração das colônias. Por outro lado, esse sentido de autodeterminação e trabalho recompensado ajudou a estabelecer ideais de independência e liberdade que os norte-america- nos consideram seus principais legados para o mundo ocidental. É através da ex- periência puritana, com sua promessa de felicidade e recomeço, que os Estados Unidos se formam sob a égide (amparo) do american dream (sonho americano) – em linhas gerais, a ideia de que qualquer pessoa, não importa o seu passado ou condição social, pode ser bem-sucedida. É através da literatura que os homens e mulheres recém-chegados a essa nova terra de oportunidades, mas também de perigos, iriam definir a América. As colônias seriam o local onde não só a fé puritana seria testada, mas também a língua inglesa e suas narrativas. Com seus textos, os primeiros escritores dos Estados Unidos procuravam compreender e descobrir a natureza e os propósitos desse novo mundo que se apresentava a eles. Uma das figuras mais proeminentes deste período inicial foi William Bradford (1590-1657). Eleito governador da colônia de Massachusetts por várias vezes, Bradford também tem uma enorme importância histórica por ser um dos ideali- zadores do chamado MayflowerCompact, o primeiro documento oficial compos- to pelos peregrinos da colônia de Plymouth. A mais importante obra de William Bradford, contudo, foi Of Plymouth Plan- tation, um diário pessoal escrito entre 1620 e 1647, narrando a permanência dos colonos na região de Massachusetts. O diário de Bradford conta a história da partida do Mayflower, a difícil viagem, sua chegada na América e o posterior povoamento e desenvolvimento da colônia. Of Plymouth Plantation é uma obra extremamente rica por dois motivos fun- damentais. Primeiramente, porque é o mais vívido e detalhado documento des- crevendo o cotidiano, os problemas e o progresso em uma das mais importantes das treze colônias no século XVII; a outra razão para a natureza complexa dos escritos de Bradford é a mescla desse aspecto factual com os comentários e as interpretações do autor, o que leva a um entendimento mais completo do perío- do. Dessa forma, enquanto do ponto vista histórico, OfPlymouthPlantation pode ser considerada como anais do período colonial; do ponto de vista literário os diários de William Bradford são um material que atestam o estilo e a linguagem de formação da literatura norte-americana.
  • 21. Literatura colonial e a América puritana 21 O subtexto dos escritos dos diários indica uma forte influência dos ideais do protestantismo calvinista, especialmente no que concernem aos objetivos puri- tanos para a América. A narrativa de Bradford em muito lembra as grandes nar- rativas bíblicas, com a busca da Terra Prometida pelo povo eleito, sendo guiado pela mão divina em sua longa jornada. O estilo e a linguagem dos escritos de Of Plymouth Plantation é aquele ca- racterístico de todas as expressões artísticas realizadas por puritanos: simples e livre de adornos. Bradford afirma que seus relatos vão atestar apenas a“simples verdade”. Essa crença na unicidade dos fatos e no que é naturalmente verdadeiro é um reflexo da presença dos ensinamentos da Bíblia no raciocínio do puritanis- mo, em que é bem clara a distinção do que é certo e errado. Como o próprioWilliam Bradford pôde ver posteriormente, contudo, a verda- de não se mostrou de forma tão simples assim. À medida que os colonos se es- tabelecem de forma mais bem sucedida na América e novas gerações sucedem os“Pais Peregrinos”, a criação de uma estrutura comercial e lucrativa, o acúmulo de terras e a busca pelo sucesso econômico são para o autor um distanciamento do sonho de uma comunidade perfeita sob as leis de Deus. Assim, ao final de Of Plymouth Plantation, a escrita de Bradford adquire um tom de lamento e decepção, já que mais e mais as ações das novas gerações se afastam dos ideais dos primeiros puritanos que desembarcaram do Mayflower. Sobre essa nova perspectiva da vivência puritana nas treze colônias, o escritor Malcolm Bradbury afirma: The puritans persist in writing for themselves a central role in the sacred drama God had designed for man to enact on the American stage, the stage of true history. In that recurrent conflict between the ideal and the real, the utopian and the actual, the intentional and the accidental, the mythic and the diurnal, can be read […] an essential legacy of the puritan imagination to the American mind. (BRADBURY; ROLAND, 1992, p. 13-14) A Nova Inglaterra (região nordeste da América do Norte) vinha então crescen- do e, neste processo, procurava conciliar os preceitos bíblicos com o surgimento de novas formas de relacionamento em sociedade. Se William Bradford tratou dessa tensão através de entradas em seu diário, outros autores viram a situação como uma grande oportunidade para expressar sua subjetividade e imaginação poética. AmaisbemsucedidanestatarefafoiAnneBradstreet(1612-1672),reconhecida até hoje como um dos maiores nomes da poesia, não só norte-americana, mas de toda a língua inglesa. Nascida na Inglaterra, Bradstreet chega acompanhada
  • 22. 22 Literatura Norte-Americana de seu marido ao novo continente em 1630. Embora seu pai e seu marido tives- sem fortes ligações políticas na América (ambos foram governadores da Baía de Massachusetts), esse não é um aspecto particularmente importante nos textos de Anne Bradstreet. Grande parte da riqueza de seus trabalhos poéticos encon- tra-se na forma que ela escreveu sobre a atmosfera doméstica da vida puritana. Com extrema sensibilidade ao tratar das adversidades presentes no cotidiano do novo continente e com um tom metafísico que a permite ultrapassar a mera descrição de eventos, Bradstreet desperta interesse não só pela importância his- tórica, mas também pela qualidade de sua escrita. Os poemas de Anne Bradstreet atestam de forma clara a complexidade da realidade puritana. Sua escrita revela um pensamento livre, dotado de conside- rável conhecimento poético (era admiradora de grandes poetas ingleses como Philip Sidney e Edmund Spenser), mas que contrasta com a rigidez das regras puritanas, especialmente quando se considera o papel de submissão a que as mulheres eram relegadas. As regras rigorosas do puritanismo, pelo contrário, não ofuscam o talento de Bradstreet. Seus poemas sobre o cotidiano e acontecimen- tos marcantes do período são sempre tocantes porque, através deles, a autora reforça sua fé nos ideais divinos em busca de consolo, proteção ou coragem. Os trabalhos mais reconhecidos de Bradstreet, no entanto, são aqueles em que a autora celebra o matrimônio como instituição, reafirmando o profundo amor que tinha por seu marido, Simon. Como o marido costumava ficar longe em via- gens de trabalho, a autora dedicava-lhe grande parte de seus poemas para aplacar a dor da distância. Um dos mais famosos, ToMyDearandLovingHusband, aborda o relacionamento do casal ligado a elementos da natureza, como se o próprio amor de marido e mulher fosse necessário a um equilíbrio natural das coisas: If ever two were one, then surely we. If ever man were loved by wife, then thee; If ever wife was happy in a man, Compare with me, ye women, if you can. I prize thy love more than whole mines of gold Or all the riches that East doth hold. My love is such that rivers cannot quench, Nor ought but love from thee, give recompense. Thy love is such I can no way repay, The heavens reward thee manifold, I pray. Then while we live, in love let’s so persevere That when we live no more, we may live ever. Anne Bradstreet.
  • 23. Literatura colonial e a América puritana 23 Curiosamente, não foi por vontade própria que Anne Bradstreet se tornou a primeira poetisa do novo continente a ter seus trabalhos publicados. Na verda- de, foi seu cunhado que levou os manuscritos de seus poemas para a Inglaterra e lá os teve publicados sob o título de The Tenth Muse Lately Sprung Up in America, em 1650. Seus trabalhos desde então permaneceram cruciais para um maior en- tendimento do período colonial e para o despertar de uma sensibilidade metafí- sica que tanto influenciaria outros poetas americanos nos séculos seguintes. A mais popular produção literária do período puritano, no entanto, não foi nem o relato em forma de diário e nem a poesia – foi o sermão. Considerando a presença das crenças e do estilo de vida puritano em todas as esferas da socie- dade, nada mais natural que a forma de expressão máxima da América colonial fosse a produção de textos religiosos para serem lidos nas pregações. O centro da vida puritana era a igreja, e era lá que um dos atos mais essenciais para o homem cristão acontecia: ouvir os sermões. Dada a natureza do puritanis- mo, toda a atenção da cerimônia religiosa se voltava não para um altar, mas para o púlpito; a força da fé se revelava não por imagens, mas pela palavra. O sermão atinge o ápice de sua popularidade durante o movimento chamado de Great Awakening (Grande Despertar). Fenômeno sociorreligioso ocorrido no século XVIII, o Great Awakening foi uma reação por parte de pastores e homens religiosos contra o formalismo a que o puritanismo estava sendo submetido, com seus principais ideais sendo esquecidos ou adquirindo pouca importância. Assim, pastores itinerantes iam de cidade em cidade pregando, de forma caris- mática, sermões que em muito exaltavam os fiéis e renovavam sua fé. Apesar de vários historiadores afirmarem que o Great Awakening não foi um movimento organizado, não há como negar que a necessidade por parte de uma nova gera- ção de pregadores foi essencial para revitalizar o puritanismo. Uma das mais importantes figuras não só do Great Awakening mas de toda a América Colonial foi Jonathan Edwards (1703-1758). Pastor, intelectual e teólo- go, ele é considerado um dos símbolos do puritanismo na América. Uma análi- se artificial pode classificar Edwards como um estereótipo do rígido pregador puritano que, do alto de seu púlpito, incutia o medo e a culpa nos fiéis através de exagerados sermões. Um olhar mais atencioso, todavia, indica que os textos de Edwards (apesar de ratificarem a doutrina puritana do homem pecador e de um Deus punitivo) também partilham muito da herança de John Locke e Isaac Newton, dois nomes cruciais do racionalismo inglês que, entre outros pressu- postos, acreditavam que o homem poderia trilhar o caminho da bondade.
  • 24. 24 Literatura Norte-Americana É importante lembrar que os sermões são, essencialmente, textos para serem lidosempúblico.JonathanEdwardstalveztenhasidoopastorquemelhorenten- deu esse propósito da pregação, já que seus textos imediatamente estabelecem com quem os ouve uma ligação emocional pouco comum em outros sermões do período. Esses escritos de Edwards seguem, em sua maior parte, o formato clássico do sermão puritano: primeiramente há o texto, (i.e.)isto é, a passagem da Bíblia que vai servir de tópico central do trabalho escrito; a seguir, aparece a doutrina, i.e. a lição que deve ser apreendida do texto; a terceira parte é a das razões, i.e. provas ou fatos que confirmam a doutrina; finalmente, aparecem os usos, i.e. a aplicação da doutrina por parte dos fiéis. Utilizando essa estrutura clássica, o autor enfatiza o caráter irado de Deus e o pecado inerente a todos os homens, que já nascem culpados. Essa atitude cal- vinista conservadora, no entanto, é aliada ao pensamento mais racionalista de Locke. Assim, Edwards também acredita, em seus sermões, que o homem pode se aperfeiçoar e melhorar seus traços de caráter. O sermão mais marcante de Jonathan Edwards é Sinners in the Hands of an AngryGod. Nesse texto, dirigido a uma congregação em Massachusetts, Edwards se utiliza de todo um arsenal imagístico para traduzir para os fiéis o poder e a ira de Deus que, por um mero capricho, pode lançar todos os pecadores às fornalhas do inferno. A presença dos homens no plano terreno, afirma Edwards, se dá apenas pelo prazer de Deus, porque nada o impede de fazer com que os homens impuros tenham o chão aberto sobre eles para que caiam nas chamas eternas infernais. Sinners in the Hands of an Angry God ilustra um dos pontos centrais do purita- nismo (levado ao extremo pelos pastores do Great Awakening): o poder de Deus está sempre em eterno contraste com a devassidão e a maldade humana. Essa tensão é consequência do pecado original, mas também é a grande causadora da culpa que atormenta o homem. Por outro lado, é essa mesma culpa que leva o homem a buscar a redenção, o trabalho e o recomeço. Assim os Estados Unidos, em seu começo, constroem toda uma organização social em que a religião é ao mesmo tempo uma força motriz, mas também um agente regulador de seu desenvolvimento. As lições da era puritana permane- cem até hoje no imaginário norte-americano, promovendo um material vastíssi- mo para que a literatura do país se tornasse uma das mais ricas e complexas do mundo.
  • 25. Literatura colonial e a América puritana 25 Texto complementar Sinners in the hands of an angry God (EDWARDS, 1989) The wrath of God is like great waters that are dammed for the present; they increase more and more, and rise higher and higher, till an outlet is given; and the longer the stream is stopped, the more rapid and mighty is its course, when once it is let loose. It is true, that judgment against your evil works has not been executed hitherto; the floods of God’s vengeance have been withheld; but your guilt in the mean time is constantly increasing, and you are every day treasuring up more wrath; the waters are constantly rising, and waxing more and more mighty; and there is nothing but the mere pleasure of God, that holds the waters back, that are unwilling to be stopped, and press hard to go forward. If God should only withdraw his hand from the flood-gate, it would immediately fly open, and the fiery floods of the fierceness and wrath of God, would rush forth with inconceivable fury, and would come upon you with omnipotent power; and if your strength were ten thousand times greater than it is, yea, ten thousand times greater than the strength of the stoutest, sturdiest devil in hell, it would be nothing to withstand or endure it. The bow of God’s wrath is bent, and the arrow made ready on the string, and justice bends the arrow at your heart, and strains the bow, and it is nothing but the mere pleasure of God, and that of an angry God, without any promise or obligation at all, that keeps the arrow one moment from being made drunk with your blood. Thus all you that never passed under a great change of heart, by the mighty power of the Spirit of God upon your souls; all you that were never born again, and made new creatures, and raised from being dead in sin, to a state of new, and before altogether unexperienced light and life, are in the hands of an angry God. However you may have reformed your life in many things, and may have had religious affections, and may keep up a form of religion in your families and closets, and in the house of God, it is nothing but his mere pleasure that keeps you from being this
  • 26. 26 Literatura Norte-Americana moment swallowed up in everlasting destruction. However unconvinced you may now be of the truth of what you hear, by and by you will be fully convinced of it. Those that are gone from being in the like circumstances with you, see that it was so with them; for destruction came suddenly upon most of them; when they expected nothing of it, and while they were saying, Peace and safety: now they see, that those things on which they depended for peace and safety, were nothing but thin air and empty shadows. Dicas de estudo O site da Biblioteca do Congresso Norte-Americano tem análises bem com- pletas e interessantes sobre o período colonial dos Estados Unidos, incluindo textos de fundação do país e biografias dos Founding Fathers. Disponível em: <http://www.americaslibrary.gov/cgi-bin/page.cgi/jb/colonial> HYTNER, Nicholas. As Bruxas de Salem. 1992. Baseado na peça do dramaturgo Arthur Miller, este filme concentra-se no julgamento e execução de vários colo- nos na colônia de Salem no fim do século XVII, acusados de bruxaria. Exemplo mais famoso dos excessos do puritanismo, esse triste episódio da história dos Estados Unidos é sempre lembrado quando o país encontra-se envolto em uma atmosfera de perseguição e intolerância. Atividades 1. Como os escritos de John Smith serviram para construir uma visão particular da América no imaginário europeu?
  • 27. Literatura colonial e a América puritana 27 2. Qual a importância do puritanismo para o desenvolvimento da literatura dos EUA? 3. Como a passagem do sermão Sinners in the Hands of an Angry God (texto complementar) ilustra a relação de Deus com os pecadores de acordo com o puritanismo?
  • 28.
  • 29. O período revolucionário Se no século XVII a América começa de forma gradual a desenvolver uma literatura baseada, entre outros aspectos, no choque civilizatório entre o Velho e o Novo Mundo, no século XVIII essa literatura vai ter como matéria-prima uma nova forma de pensamento que levará a grandes mu- danças políticas – especialmente à independência dos Estados Unidos. Este foi um período de muita turbulência na Europa, com diversas guerras e atritos políticos que levaram a diversas mudanças no governo inglês, o que acabou afetando diretamente a relação que a Inglaterra tinha com as colônias. Eventualmente, foi o conflito de interesses entre o governo inglês e os políticos e pensadores da América (altamente influenciados por uma pers- pectiva iluminista) que levou ao desejo das colônias declararem indepen- dência. Foi um processo muito difícil e trabalhoso – não só pelo inimigo externo (a Inglaterra), mas também pela desconfiança dentro do próprio território com relação à criação de um país único formado por treze colô- nias diferentes. A literatura dos Estados Unidos foi mais que influenciada por essa agi- tação política – ela exerceu um papel fundamental na divulgação e con- solidação das ideias revolucionárias que davam legitimidade à indepen- dência. Foi com essa literatura, altamente baseada em conceitos racionais, mas também tendo a rebelião contra a injustiça como uma questão cen- tral, que uma nação finalmente se constituiu. Os conflitos com a Inglaterra e a luta pela independência Em meados do século XVIII, as colônias da América se encontravam numa situação bem diferente daquela que os primeiros peregrinos viram quando desembarcaram do Mayflower em 1620. Os primeiros povoados já tinham se tornado grandes cidades, não só em termos de extensão, mas
  • 30. 30 Literatura Norte-Americana também em número de pessoas: na década de 1760, por exemplo, haviam 1,5 milhões de pessoas nas treze colônias – número seis vezes maior que em 1700. Politicamente, as colônias já se encontravam em um confortável nível de organização. Depois de décadas de experiência de governo, os americanos já haviam se acostumado a uma estrutura colonial na qual eles possuíam uma certa autonomia política. Em termos econômicos, a América também se encon- trava em um estágio bem desenvolvido. As colônias do norte estabeleceram, por um lado, um forte mercado interno (com a presença de manufaturas) e por outro lado, exportavam peles e construíam navios para serem vendidos na Europa. As colônias do sul também tinham um importante papel econômico, pois delas é que saíam o principal produto de exportação das colônias: o tabaco. Dessa forma, as treze colônias desfrutavam de um grau de liberdade e auto- nomia pouco visto em outras regiões das Américas. Essa prosperidade e capa- cidade de se autogovernar serviu para criar entre os colonos a sensação de que todos faziam parte de um grande projeto – o projeto americano. Eles estavam concretizando, de certa forma, o ideal puritano de construir uma nova socieda- de, onde um“povo eleito”viveria em paz e igualdade. Por mais que as treze colônias tivessem diferenças entre si (e em especial se compararmos as da região norte com as da região sul), começa a se formar um senso de nacionalidade até então inédito entre os colonos. As razões internas para esse crescente nacionalismo vão se encontrar então com um motivo exter- no para unir ainda mais a população: um inimigo em comum, a Inglaterra. A Inglaterra, na metade do século XVIII, vinha de um grande conflito em terras norte-americanas: foi a chamada Guerra dos Sete Anos (1756 – 1763). Neste con- fronto, a França perde seu domínio sobre extensas faixas de terra que possuía na América do Norte – entre elas, toda a região em torno do rio Mississipi e o atual território do Canadá. O fim da Guerra dos Sete Anos também serviu, de certa forma, para marcar o fim do velho sistema de colonização inglês. A ideia de dotar as colônias de uma considerável autonomia e de haver pouca influência da Coroa britânica em assuntos que tivessem relação exclusivamente à população da América é aban- donada. Passa a haver, por parte da Inglaterra, um maior controle, em diversos aspectos, da vida colonial norte-americana. Diversos fatores levaram a essa perda de liberdade política e econômica das colônias inglesas. Primeiramente, o domínio territorial britânico na América au-
  • 31. O período revolucionário 31 mentou consideravelmente. O que antes era uma pequena faixa de terra beiran- do o Atlântico (as treze colônias), tinha se tornado toda a atual região do Canadá e a região em torno do rio Mississipi. Para manter o controle sobre essa extensa área, a estratégia de colonização antiga, utilizando empresas privadas para levar colonos, não seria bem sucedida. Além disso, os ingleses teriam de lidar dessa vez não com separatistas religiosos, mas com toda uma nova cultura indígena presente nas novas regiões, assim como a população católica que havia sido co- lonizada pelos franceses mais ao norte. As consequências da Guerra dos Sete Anos, em especial, também afetaram de forma direta a tranquilidade entre a Inglaterra e as colônias. Com o fim da guerra, várias tropas britânicas permaneceram em território norte-americano, o que aumentava a presença inglesa e servia para intimidar os colonos. Tributos maiores também foram impostos para manter os soldados na América. A interferência britânica em assuntos internos das colônias, até então pouco vista, passa a ser a regra. Um dos principais conflitos nesse aspecto foi o desejo de expansão por parte dos colonos para as novas regiões conquistadas, em espe- cial aquelas que se estendiam até o rio Mississipi. Inicialmente, vários confrontos surgiram entre indígenas e colonos, até que em 1763 o rei George III da Inglater- ra, por decreto, afirma que os povos nativos têm soberania sobre as novas áreas anexadas a oeste. Essa decisão do rei procura não só evitar novas guerras entre índios e colonos (o que dificultaria a consolidação do império britânico), mas também garantir o controle administrativo dessa imensa região ainda pouco explorada. Assim, os colonos norte-americanos são proibidos de migrar para o oeste e têm sua autonomia altamente ameaçada. Mudanças no governo e na economia britânica também acabaram por afetar a forma com que as colônias eram administradas. Com a ascensão da burguesia a posições de poder, o comércio e a indústria inglesas começam um período de grande desenvolvimento, com a construção de fábricas e uma crescente neces- sidade de produção. Apesar de possuírem capital e mão de obra, faltava aos in- gleses a matéria-prima, que vai ser buscada exatamente na América. Acentua-se então o caráter exploratório por parte da Inglaterra. Duas leis marcam de forma definitiva essa nova abordagem da colonização inglesa. A primeira é a Lei da Moeda, de 1764, que impede que títulos de crédito sejam emitidos nas colônias. Esses títulos eram usados como moeda corrente e já estavam em falta. Com a promulgação da lei, a economia colonial é altamen- te prejudicada. A segunda lei criada pelos ingleses é a Lei do Selo, de 1765. De
  • 32. 32 Literatura Norte-Americana acordo com essa lei, todos os jornais, panfletos, contratos, licenças e outros do- cumentos públicos passariam a receber um selo de cobrança e, portanto, seriam taxados. É a partir dessa lei que ocorre a primeira organização das colônias para resistir e protestar contra os abusos da Inglaterra. Protestos e passeatas toma- ram as ruas e a elite colonial (que viu seus negócios serem taxados) ficou contra os interesses do império britânico. Um massivo boicote aos produtos ingleses foi realizado, dando imenso prejuízo à Coroa. A Lei do Selo é então revogada e as colônias mostram a sua força. No entanto, nenhum evento foi mais fundamental para provar que as colô- nias estavam firmes em continuar garantindo seus direitos de escolha e liber- dade que o chamado Boston Tea Party (Festa do Chá de Boston). O chá era um produto muito consumido nas colônias, não só devido à tradição inglesa, mas também pelo preço acessível. Todavia, quando a Inglaterra decide dar o mono- pólio da venda do chá exportado para a Companhia das Índias Orientais (que se encontrava à beira da falência), os preços inevitavelmente sobem. Como reação a mais esse abuso praticado pela Inglaterra, um grupo de homens disfarçados de indígenas sobe a bordo de navios ingleses ancorados no porto de Boston e despeja todo o carregamento de chá no mar. Esse episó- dio, conhecido como Boston Tea Party, fez com que a Coroa britânica tomasse uma série de medidas para punir essa rebeldia por parte dos colonos. Essas me- didas, que ficaram conhecidas como Coercive Acts (Leis Coercitivas), incluíam o fechamento temporário do porto de Boston e a proibição de reuniões de assem- bleias. A situação entre a Inglaterra e as colônias norte-americanas chega então a um ponto crítico, e a ideia da independência dos Estados Unidos passa a ser articulada. Representantes das colônias se reúnem no Congresso Continental da Fila- délfia para redigir um documento contra as medidas restritivas inglesas. Em res- posta, a Inglaterra aumentou o número de tropas na América. Assim, em maio de 1775, é realizado o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, em que é feita uma declaração de guerra. Três meses depois, o rei declara que as colônias norte-americanas encontram-se em estado de rebelião. É importante lembrar, porém, que ainda havia certa resistência por parte de vários setores norte-americanos quando se tratava da questão da independên- cia. As elites sulistas não estavam totalmente seguras de que a separação com a Inglaterra seria benéfica, já que o grande mercado consumidor de seus produ- tos poderia ser perdido. Além disso, havia o receio de que o espírito de justiça
  • 33. O período revolucionário 33 crescente poderia fazer com que os menos favorecidos (especialmente escravos) começassem a lutar também por direitos iguais. Em 4 de julho de 1776, é aprovada a Declaração de Independência dos Esta- dos Unidos. Os conflitos com a Inglaterra se intensificavam, e os Estados Unidos tinham formado o seu próprio exército – o chamado Exército Continental, sob liderança de George Washington, que seria posteriormente o primeiro presiden- te da nação. A vitória norte-americana nas batalhas não foi fácil. Contudo, três fatores foram cruciais para a vitória dos agora ex-colonos: maior conhecimento do território, o apoio das tropas sulistas (que os ingleses acreditavam que se manteriam leais) e a ajuda militar da França, Espanha e Holanda. Dessa forma, os Estados Unidos da América se tornam finalmente uma nação independente. As pequenas treze ex-colônias inglesas têm agora o direito de exercer a sua liberdade política, assim como a população adquire o direito de se expandir pelo território da América do Norte. Mais do que a criação de um país, a independência dos Estados Unidos garantiu o surgimento da primeira revolução moderna, que serviria de base para várias outras nações do ocidente. Os“Pais Fundadores” O processo de independência dos Estados Unidos garantiu aos norte-ameri- canos mais do que a libertação do controle inglês – ele serviu para unir todos os estados sob um objetivo comum e criar entre eles um vínculo crucial para que uma verdadeira nação, com uma identidade única, fosse estabelecida. Mais do que ter um grande inimigo em comum (a Inglaterra) e ideais que os associas- sem (liberdade, direitos iguais), era necessário que os Estados Unidos tivessem figuras públicas representativas que o público não só reconhecesse como indis- cutivelmente icônicas, mas também as usassem como base para a criação de um novo homem norte-americano. Esses homens públicos foram fundamentais para a consolidação dos diferentes estados sob apenas uma nação. Símbolos do espírito republicano norte-americano, historicamente eles são co- nhecidos como Founding Fathers (Pais Fundadores). Essa ideia de “pais da nação” não é inédita na história norte-americana. Os primeiros habitantes das colônias re- ceberamonomede“PaisPeregrinos”.Éinteressantenotaranecessidadedemarcar o nascimento de uma nova fase da nação através dessas pessoas que, seja por sua coragem, determinação, ou senso de justiça, se destacam de todas as outras para iniciar um período de rompimento histórico com um passado de tirania.
  • 34. 34 Literatura Norte-Americana No entanto, diferentemente dos peregrinos de Massachusetts que chegaram a bordo do Mayflower, esses Pais Fundadores vão servir como emblemas de um país recém-criado em busca de uma identidade própria. Eles serão consagrados pelo povo norte-americano como os grandes heróis da nação e servirão como exemplo de retidão e perseverança não só para políticos, mas para qualquer ci- dadão dos Estados Unidos. Os Pais Fundadores são reconhecidos como os homens que assinaram a De- claração de Independência em 1776, participaram como líderes da guerra re- volucionária contra a Inglaterra, ou foram responsáveis pela criação da Consti- tuição dos Estados Unidos, em 1787. Eles foram militares, proprietários de terra, mercadores, cientistas – e não coincidentemente, alguns deles se tornaram os primeiros presidentes daquele jovem país. Dentre os Pais Fundadores (cujo número quase chega a uma centena), três merecem destaque especial por sua contribuição militar, política e filosófica para a realização de um ideal norte-ame- ricano: George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. George Washington (1732-1799) foi uma das mais importantes figuras do perí- odo revolucionário norte-americano. Militar exemplar, participou na Guerra dos Sete Anos lutando contra os franceses e tornou-se símbolo máximo da vitória norte-americana sobre os ingleses durante a guerra pela independência. Foi o presidente da convenção que criou a constituição norte-americana e também tornou-se o primeiro presidente dos Estados Unidos. George Washington. Domíniopúblico.
  • 35. O período revolucionário 35 Washington é considerado um modelo para todos os presidentes norte-ame- ricanos pois, num período crucial do país, conseguiu um acordo de paz com a Inglaterra, reuniu todos os estados sob um único governo republicano e criou um banco nacional. Mesmo que representante da elite colonial (era latifundiá- rio e proprietário de escravos), até hoje George Washington continua sendo um ícone da formação dos Estados Unidos. Contudo, se Washington foi responsável por organizar o governo norte-ame- ricano, Benjamin Franklin (1706-1790) criou grande parte do arcabouço filosófico e intelectual por trás dele. Talvez o nome mais significativo do século XVIII nos Estados Unidos, Franklin permanece até hoje como um ícone da política, da lite- ratura e do pensamento norte-americano, não só pelo papel que desempenhou no processo de independência, mas também por possuir ideias novas que vão romper com a influência puritana e conceber ideais que permanecem no imagi- nário ocidental até hoje. Jornalista, cientista, diplomata e escritor, Benjamin Franklin nasceu numa fa- mília pobre de Boston para tornar-se uma das grandes mentes da história dos Estados Unidos. Começou a trabalhar escrevendo ensaios e gradualmente se tornou o mais bem-sucedido editor do século XVIII na América do Norte. Ele possuía seu próprio jornal (o Pennsylvania Gazette), e eventualmente publicava nele seus artigos e sátiras. Domíniopúblico. No entanto, uma das obras mais famosas de Franklin é o Poor Richard’s Alma- nac (Almanaque do Pobre Ricardo). O almanaque era provavelmente o tipo de publicação mais popular nos Estados Unidos no século XVIII. Espécie de revista que incluía diferentes tipos de informação (desde a previsão do tempo até piadas e receitas culinárias), o almanaque foi a forma de expressão que Franklin utilizou para articular seu ponto de vista de maneira bem-humorada, porém certeira.
  • 36. 36 Literatura Norte-Americana O autor começou a publicar o Poor Richard’s Almanac em 1732 sob o pseudô- nimo de Richard Saunders e até o fim de sua publicação em 1758, ele foi o alma- naque mais lido do período colonial. Para cada edição do almanaque, Franklin criava provérbios e frases de efeito para preencher os espaços da publicação. Em 1758 o autor coleta todos os ditados publicados nos 25 anos do Poor Richard’s Almanac e os reúne no ensaio intitulado The Way to Wealth (O Caminho para a Fortuna). Nesse ensaio, o personagem Father Abraham (Pai Abraão) se aproxima de um grupo de fregueses à porta de uma venda, esperando o momento de aber- tura do local. A partir daí, Father Abraham começa a disparar suas máximas sobre dinheiro, sucesso, prosperidade, trabalho e lazer. Pode-se dizer que Father Abraham é um alter ego de Benjamin Franklin, pois os conselhos proferidos pelo personagem são um reflexo direto do pensamento do autor. Franklin é uma “personificação do ideal prático americano” (NABUCO, 2000, p. 32) e sua visão de mundo serviu para criar uma das mais importantes contri- buições do pensamento dos Estados Unidos para o ocidente: a ideia do self-made man, isto é, o homem que triunfa através do seu próprio esforço. Por isso os pro- vérbios presentes em The Way to Wealth se estabelecem sobre dois pilares funda- mentais: a frugalidade (ou seja, ser prudente e econômico) e o trabalho duro. Várias das máximas criadas por Franklin permanecem famosas até hoje no mundo todo, o que indica como essa tradição do pensamento norte-americano se tornou universal. Frases como“time is money” (tempo é dinheiro) ou “have you somewhat to do tomorrow, do it today” (o que tiver para fazer amanhã, faça hoje), entre outras, servem como exemplos da visão de mundo de Franklin, propa- gando uma perspectiva de sucesso tipicamente fabricada nos Estados Unidos. Ainda que essas ideias de Benjamin Franklin também sejam muitas vezes alvo de críticas (especialmente no que concerne à obsessão dos americanos pelo di- nheiro e bens materiais), é inegável que os provérbios de seu almanaque servem como símbolos da estrutura capitalista e foram muito significativos no desenvol- vimento de uma nova ideia de nação que estava surgindo. Franklin também se destacou como cientista e inventor, pois sua visão huma- nista ultrapassava a mera discussão de ideias – sua preocupação com o mundo e com as pessoas que nele habitavam o impeliam a tomar soluções práticas na resolução de problemas. Assim, Franklin inventa o para-raios e as lentes bifocais; idealiza uma nova teoria de eletricidade, provando que os raios são de natureza elétrica; funda a primeira biblioteca pública e o primeiro corpo de bombeiros da
  • 37. O período revolucionário 37 Pennsylvania; concebeu inovadores mapas meteorológicos capazes de prever tornados e tormentas. Além disso, Benjamin Franklin foi um dos artífices da independência e pode- -se dizer que sem sua presença ativa e sua perspicácia o processo revolucionário teria sido ainda mais difícil. Até 1775 Franklin representou os interesses das co- lônias na Inglaterra, chegando a ser visto como um dos principais propagadores da rebelião na América. Posteriormente, foi enviado à França com o objetivo de conseguir apoio para a iminente revolução. Mais do que ter auxiliado na realiza- ção da Declaração de Independência, Franklin também é o único dos Pais Fun- dadores a assinar os quatro documentos que propiciaram a criação dos Estados Unidos: além da Declaração de Independência (1776), o Tratado de Aliança com a França (1778), oTratado de Paris (1782) que dava fim à guerra com a Inglaterra, e a Constituição Norte-Americana (1787). Com uma vida tão rica, o autor ainda deu aos Estados Unidos o que alguns críticos consideram o primeiro grande livro norte-americano: a Autobiografia de BenjaminFranklin. Esta obra, publicada postumamente, é o trabalho mais conhe- cido de Franklin e uma das mais lidas autobiografias do mundo. Na verdade, o livro praticamente estabelece a autobiografia como gênero literário, dando-lhe um estilo e formato próprios. Na Autobiografia, a escrita de Franklin é simples e direta, narrando desde os antecedentes puritanos de sua família até o papel que desempenhou na inde- pendência norte-americana. O livro tornou-se um exemplo da realização do American Dream (Sonho Americano), tendo Franklin como seu maior exemplo – de filho de pais pobres passando pelo sucesso no mercado editorial até ser um dos responsáveis pela criação da nação. A Autobiografia de Benjamin Franklin pode ser lida como uma obra que serve de exemplo de superação para os jovens norte-americanos, mas seu significado é ainda mais amplo: ela constitui o pró- prio processo de desenvolvimento dos Estados Unidos. Os textos revolucionários ThomasJefferson(1743-1826),juntamentecomGeorgeWashingtoneBenjamin Franklin, forma o trio de notáveis entre os “Pais Fundadores” responsáveis pela criação e consolidação dos Estados Unidos assim que o país se torna independente. Jefferson, porém, destaca-se por pensar toda a estratégia social e intelectualqueserãoospilaresdessanovanação.AvisãonacionalistadeJefferson
  • 38. 38 Literatura Norte-Americana – humanista, republicana, iluminista – vai estar presente em suas cartas, artigos, e especialmente no seu principal texto, o mais importante documento do século XVIII: a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Thomas Jefferson. Domíniopúblico. Diferentemente de Benjamin Franklin, Jefferson vinha de uma família proe- minente da Virgínia. Depois de entrar na universidade, começa a ler avidamen- te e a colecionar livros com os quais monta uma imensa biblioteca (que pos- teriormente dariam origem à Biblioteca do Congresso Norte-Americano). Suas leituras são variadas, mas o jovem Thomas Jefferson desenvolveu um interesse particular por autores associados ao movimento iluminista europeu, o que de certa forma moldaria futuramente a forma através da qual os Estados Unidos seriam formados. O Iluminismo foi um período do pensamento ocidental em que, de forma geral, toda a experiência humana foi dominada pela presença da razão. Foi a época em que os grandes pensadores voltaram-se contra os preceitos religiosos e das formas de governo tradicionais para tentar explicar o mundo de uma forma científica. Os mistérios e milagres da Igreja dão lugar às explicações racionais de Newton e Descartes; as organizações sociais e políticas estabelecidas há séculos são substituídas por uma nova estrutura governamental, em que os princípios básicos são a liberdade e os direitos individuais. Também conhecido como Idade da Razão, o Iluminismo prima pela busca da ordem e da estabilidade através do empirismo – a ideia de que o conhecimento surge da experiência. Assim, o que antes era tido como inexplicável ou obscuro passaaserinvestigado,poisacredita-sequeomundopodeserexplicadoatravésde
  • 39. O período revolucionário 39 evidências e experiências, especialmente através da observação e método científi- co. É sob esse paradigma que o pensamento revolucionário americano se forma. O mais influente de todos os filósofos iluministas foi John Locke (1632- 1704). Parece uma grande ironia que foi exatamente um pensador inglês o responsável por dar às colônias a base intelectual para começarem o movimento de rebelião contra a Inglaterra. Mas fato é que suas principais teorias sobre o governo, a sociedade e a noção de propriedade terão um impacto profundo nos revolucionários norte-americanos e, especialmente, nos ideais de Thomas Jefferson presentes na Declaração de Independência dos Estados Unidos. Vários dospensamentosdeLockeresponderamdiretamenteaosanseiosenecessidades da revolução norte-americana. Uma de suas mais importantes obras, Treatises of Civil Government (Tratados sobre o Governo Civil), de 1690, vai fornecer uma nova forma de organização político-social para aqueles que desejam se ver livres das amarras dos colonizadores. O principal conceito desenvolvido por Locke é o do contrato social. De acordo com este princípio, haveria um acordo implícito entre os governos e o povo com o objetivo de manter a ordem social e garantir a estabilidade de uma nação. Dessa forma, a população deveria abrir mão de alguns direitos e seguir certas leis, assim como o Estado deveria usar a estrutura governamental sem cometer abusos de poder. Pode-se dizer portanto que, de acordo com o contrato social, a legitimidade da autoridade do Estado é garantida apenas com o consentimento da população governada. Quando o contrato social é estabelecido e respeitado, o homem pode usu- fruir de seus direitos naturais, como a felicidade e a liberdade. Nota-se aqui uma diferença fundamental em relação ao pensamento calvinista presente durante o período puritano. Se para os protestantes calvinistas o homem já nasce mau, manchado pela culpa do pecado original, para o pensamento iluminista de Locke o homem nasce como uma tábula rasa (uma folha de papel em branco) – o que vai definir se ele se tornará bom ou mau é a sua experiência de vida. Esse conceito da tábula rasa, presente em Essay Concerning Human Unders- tanding (Ensaio sobre o Entendimento Humano), também de 1690, faz possível a articulação de que os “homens bons” só seriam formados se inseridos em so- ciedades também“boas”– ordenadas, bem-estruturadas, com direitos e deveres definidos, ou seja, sociedades nas quais está presente o contrato social. Nessas sociedades, portanto, o homem tem o direito de ser livre, buscando a prosperi- dade e o bem-estar.
  • 40. 40 Literatura Norte-Americana As ideias de Locke sobre a humanidade e a sociedade são sintomáticas do pe- ríodo iluminista, em que a razão toma o lugar do místico e do inexplicável, espe- cialmente no aspecto religioso. A noção de “direito divino dos reis”, através dos quais acreditava-se que os monarcas eram escolhidos por Deus para governar um povo, é refutada por Locke. No lugar da presença de Deus, o filósofo inglês coloca uma estrutura racional bem definida – o contrato social. Como todo acordo, todavia, o contrato social pode vir a ser quebrado. Se o Estado abusa de seu poder de governo, é incapaz de garantir à população a ordem social, ou seja, não garante aos cidadãos seus direitos naturais, é dever dos membros dessa sociedade organizar uma revolução e substituir o governo. Não é uma rebelião, mas uma luta em respeito à permanência do contrato social, à liberdade e à felicidade. Tais preceitos estabelecidos por John Locke vão for- necer um arcabouço filosófico para as colônias se libertarem do jugo (controle) inglês. A partir do pensamento iluminista, os revolucionários norte-americanos vão transformar o processo de independência dos Estados Unidos em algo muito maior: a luta do homem pela preservação de seus direitos mais básicos. Thomas Jefferson, como grande leitor que era, percebeu isso melhor do que qualquer outro dos Pais Fundadores da nação – e não é coincidência que foi ele o escolhido para redigir o texto básico da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Nesse documento, o mais importante de toda a história norte- americana, Jefferson faz mais que anunciar ao seu povo e ao mundo o surgimen- to de uma nova nação – ele faz da independência norte-americana o símbolo máximo dos direitos naturais da humanidade. Em suas emblemáticas primeiras frases, a Declaração de Independência ecoa os pensamentos de Locke – remetendo diretamente ao princípio de contrato social – e transforma a luta contra a Inglaterra na luta universal do homem pelo seu próprio direito à vida: When in the Course of human events it becomes necessary for one people to dissolve the political bands which have connected them with another and to assume among the powers of the earth, the separate and equal station to which the Laws of Nature and of Nature’s God entitle them, a decent respect to the opinions of mankind requires that they should declare the causes which impel them to the separation. We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness. – That to secure these rights, Governments are instituted among Men, deriving their just powers from the consent of the governed, – That whenever any Form of Government becomes destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to abolish it, and to institute new Government, laying its foundation on such principles and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and Happiness. (JEFFERSON, 1989, p. 689-691)
  • 41. O período revolucionário 41 Jefferson estabelece, em seu texto, que é um direito do povo norte-america- no tornar-se independente da Inglaterra, já que sua estrutura de governo não torna mais possível aos cidadãos garantirem seus princípios básicos de segu- rança e felicidade. Ao mesmo tempo documento oficial e texto revolucionário, a Declaração de Independência dos Estados Unidos é o ápice do pensamento filosófico norte-americano aliado a um senso prático de humanidade. A Declaração de Independência, no entanto, foi um produto não só da influ- ência iluminista nos ideais revolucionários norte-americanos, mas também de uma sequência de outros textos escritos no século XVIII com o objetivo de infla- mar a sociedade contra o domínio inglês. Esses textos revolucionários, de cunho propagandista, foram fundamentais no período que antecede a guerra com a Inglaterra e também durante o conflito em si. De toda a produção do período, o autor mais significativo em se tratando de convergir a população para o interesse comum da independência foi Thomas Paine (1737-1809). Nascido na Inglaterra, Paine foi um dos principais defenso- res da causa norte-americana. Após passar por uma série de crises financeiras e pessoais, o autor chega à América em 1774 com uma carta de recomendação de Benjamin Franklin e passa a trabalhar na Pennsylvania Magazine. O processo revolucionário começava a se desenvolver, com a Inglaterra endurecendo mais sua política controladora, prejudicando a autonomia e os interesses econômicos das colônias. Tomado pelo espírito rebelde da época, Paine publica em janeiro de 1776 um folheto de 50 páginas intitulado Common Sense (Senso Comum). Lançado quando os colonos ainda discutiam sobre como responder aos abusos de poder da Inglaterra, Common Sense propôs abertamente a separação com a Coroa bri- tânica. O texto de Paine foi crucial para exaltar os revolucionários e apresentar argumentos que validassem a independência. O título do folheto remete à ideia central apresentada por Paine: as revoltas e os conflitos na América não seriam resolvidos com a submissão dos colonos às leis inglesas, quer eram notoriamente insultantes. A solução para o problema era a busca instintiva por um “senso comum”, o que ele afirma na primeira frase: “In the following pages I offer nothing more than simple facts, plain arguments and common sense.”(PAINE, 1989, p. 694) Essa atitude simples foi em parte a grande responsável pela popularização de Common Sense e sua rápida aceitação nas colônias. Com seu estilo direto e pontual, o autor ataca diretamente a monarquia inglesa, não só em relação aos
  • 42. 42 Literatura Norte-Americana tributos e leis impostas aos colonos, mas também tendo em vista a própria razão para a ida dos primeiros peregrinos para a América. This New World hath been the asylum for the persecuted lovers of civil and religious liberty from every part of Europe. Hither have they fled, not from the tender embraces of the mother, but from the cruelty of the monster; and it is so far true of England, that the same tyranny which drove the first emigrants from home, pursues their descendants still. (PAINE, 1989, p. 695) Tal argumento, que relacionava a Inglaterra a um verdadeiro histórico de tira- nia, em muito serviu para despertar os ânimos revolucionários. De forma sistemática, Paine articula em seu texto as diferentes razões pelas quais a relação com a Inglaterra é extremamente prejudicial às colônias. Sobre a economia colonial, afirma:“Whenever a war breaks between England and any foreign power, the trade of America goes to ruin, because of her connection with Britain.” (PAINE, 1989, p. 696). Um dos pontos mais enfáticos levantados pelo autor, contudo, é o próprio desejo de Deus que essa união entre a Inglaterra e a América seja desfeita: The blood of the slain, the weeping voice of nature cries,‘TIS TIME TO PART. Even the distance at which the Almighty hath placed England and America is a strong and natural proof that the authority of the one over the other, was never the design of Heaven [...] The Reformation was preceded by the discovery of America: as if the Almighty graciously meant to open a sanctuary to the persecuted in future years, when home should afford neither friendship nor safety. (PAINE, 1989, p. 696-697) Assim, Paine associa o fato de a Inglaterra e o continente americano estarem separados por um oceano e o acontecimento da Reforma Protestante antes da descoberta do Novo Mundo a sinais divinos, indicando que a América deveria deixar de ser uma colônia. O ponto principal levantado por Thomas Paine em Common Sense é que apenas a independência será capaz de manter um estado de paz na América, já que se um acordo fosse feito com a Inglaterra ele seria inevitavelmente seguido por outros tipos de revoltas: But the most powerful of all arguments is, that nothing but independence, i.e. a continental form of government, can keep the peace of the continent and preserve it inviolate from civil wars. I dread the event of a reconciliation with Britain now, as it is more than probable that it will be followed by a revolt somewhere or other, the consequences of which may be far more fatal than all the malice of Britain. (PAINE, 1989, p. 700) Assim,oautorestabeleceaindependêncianãosócomooúnicocaminhopara a autonomia, mas também para a paz continental. Seis meses depois, a Declara- ção de Independência é assinada. A função desempenhada por Paine foi trans- formar o ideal de liberdade americana numa luta real pelo direito à soberania.
  • 43. O período revolucionário 43 Os Estados Unidos constituem-se então como uma nação livre e autônoma, livres das amarras inglesas e procurando estabelecer suas próprias tradições através de uma identidade própria. Mas o que definiria esse novo homem nor- te-americano? Mais especialmente, de que natureza seria a cultura dos Estados Unidos? Qual o papel de uma literatura escrita na América? Essas seriam as ques- tões que ecoariam por toda a nova república durante o século XVIII. Texto complementar The way to wealth (FRANKLIN, 1989) “Friends,” said he, “the taxes are indeed very heavy, and, if those laid on by the government were the only ones we had to pay, we might more easily discharge them; but we have many others, and much more grievous to some of us. We are taxed twice as much by our idleness, three times as much by our pride, and four times as much by our folly; and from these taxes the commissioners cannot ease or deliver us, by allowing an abatement. However, let us hearken to good advice, and something may be done for us; God helps them that help themselves, as Poor Richard says. “I. It would be thought a hard government, that should tax its people one- tenth part of their time, to be employed in its service; but idleness taxes many ofusmuchmore;sloth,bybringingondiseases,absolutelyshortenslife. Sloth, like rust, consumes faster than labor wears; while the used key is always bright, as Poor Richard says. But dost thou love life, then do not squander time, for that is thestufflifeismadeof, as Poor Richard says. How much more than is necessary do we spend in sleep, forgetting, that The sleeping fox catches no poultry, and that There will be sleeping enough in the grave, as Poor Richard says. “If time be of all things the most precious, wasting time must be, as Poor Ri- chard says, the greatest prodigality; since, as he elsewhere tells us, Lost time isneverfoundagain;andwhatwecalltimeenough,alwaysproveslittleenough. Let us then up and be doing, and doing to the purpose; so by diligence shall we do more with less perplexity. Sloth makes all things difficult, but industry all easy; and He that riseth late must trot all day, and shall scarce overtake his
  • 44. 44 Literatura Norte-Americana business at night; while Laziness travels so slowly, that Poverty soon overtakes him. Drive thy business, let not that drive thee; and Early to bed, and early to rise, makes a man healthy, wealthy, and wise, as Poor Richard says. “So what signifies wishing and hoping for better times? We may make these times better, if we bestir ourselves. Industry need not wish, and he that lives upon hopes will die fasting. There are no gains without pains; then help, hands, for I have no lands; or, if I have, they are smartly taxed. He that hath a trade hath an estate; and he that hath a calling, hath an office of profit and honor, as Poor Richard says; but then the trade must be worked at, and the calling followed, or neither the estate nor the office will enable us to pay our taxes. If we are industrious, we shall never starve; for, At the working man’s house hunger looks in, but dares not enter. Nor will the bailiff or the constable enter, for Industry pays debts, while despair increaseth them. What though you have found no treasure, nor has any rich relation left you a legacy, Diligence is the mother of good luck, and God gives all things to industry. Then plough deep while sluggards sleep, and you shall have corn to sell and to keep. Work while it is called to-day, for you know not how much you may be hindered to-mor- row. One, to-day is worth two to-morrows, as Poor Richard says; and further, Never leave that till to-morrow, which you can do to-day. If you were a servant, would you not be, ashamed that a good master should catch you idle? Are you then your own master? Be ashamed to catch yourself idle, when there is so much to be done for yourself, your family, your country, and your king. Handle your tools without mittens; remember, that The cat in gloves catches no mice, as Poor Richard says. It is true there is much to be done, and perhaps you are weak-handed; but stick to it steadily, and you will see great effects; for Constant dropping wears away stones; and By diligence and patience the mouse ate in two the cable; and Little strokes fell great oaks. Dicas de estudo O filme Jefferson em Paris (James Ivory, 1995) aborda uma das mais obscu- ras fases da vida do autor da Declaração da Independência dos Estados Unidos: antes de se tornar presidente, Thomas Jefferson teria tido um relacionamento com uma escrava que teria engravidado dele. O filme também traça um panora- ma histórico bem interessante do final do século XVIII, com foco na relação entre a França e os Estados Unidos.
  • 45. O período revolucionário 45 O episódio do Boston Tea Party é tão marcante no ideal de formação dos Es- tados Unidos que possui até mesmo um próprio museu. Com documentação da época e até mesmo com as caixas de chá originais lançadas no porto de Boston pelos colonos, visitar o site do museu é ter um panorama bem completo dos primórdios do período revolucionário dos Estados Unidos. Disponível em http://www.bostonteapartyship.com/index.asp Atividades 1. Quais foram as principais causas do início da guerra revolucionária contra a Inglaterra? 2. Como o pensamento iluminista influenciou as principais mentes por trás do processo de independência dos Estados Unidos?
  • 46.
  • 47. A prosa romântica Os Estados Unidos da América adquirem sua independência em 1776, no final do século XVIII. A guerra revolucionária com a Inglaterra garante aos ex-colonos a tão sonhada autonomia política e econômica capaz de garantir a esses agora cidadãos norte-americanos o direito à “vida, liber- dade e à busca da felicidade”, como tão explicitamente está exposta em sua Declaração de Independência. Após essa ruptura no âmbito governamental, o próximo passo para essa jovem nação seria se autoafirmar e definir a sua identidade. Ao invés de se reconhecer pelo que não era (colônia ligada às tradições do Velho Mundo), havia chegado a hora de os Estados Unidos se reconhecerem pelo que eram. Essa compreensão da totalidade de seu potencial é adquirida através de uma nova literatura que começa a ser produzida na América. Essa produção literária vai desempenhar um imenso papel no posicionamento único que a cultura norte-americana terá no decorrer de todo o século XIX. Mas qual será a forma e, especialmente, o conteúdo dessa nova literatura que surge nos Estados Unidos? No âmbito da prosa, como os romances, os ensaios, os contos e as críticas servirão para representar de forma literária uma existência essencialmente norte-americana? Essas são perguntas que vão ecoar por todo o chamado“Romantismo”nos Estados Unidos – e os grandes escritores do período vão buscar as respostas através das brilhantes obras que produzem. O ideal romântico e a construção da identidade norte-americana É no século XIX que surge a primeira grande geração de escritores nos Estados Unidos. Nomes comoWashington Irving, James Fenimore Cooper, Nathaniel Hawthorne, Edgar Allan Poe, RalphWaldo Emerson, Henry David Thoreau e Herman Melville formarão o primeiro grupo de autores que vão
  • 48. 48 Literatura Norte-Americana dar legitimidade à prosa norte-americana e iniciarão uma tradição literária que vai influenciar autores não só na América, mas no mundo inteiro. O surgimento dessas grandes mentes que vão, pela primeira vez, consagrar elementos culturais notadamente norte-americanos num âmbito global, é con- sequência de dois aspectos distintos que ultrapassam os limites da literatura. Um é de caráter interno e sociopolítico: o desenvolvimento e a expansão territo- rial dos Estados Unidos. Outro é de caráter externo e artístico: a presença de uma estética romântica na mentalidade europeia. No século XIX, a população norte-americana aumenta em quase cinco vezes, chegando a mais de 30 milhões de habitantes. Grande parte dessa população parte para as novas terras conquistadas a oeste e o poder se descentraliza, com a costa do Atlântico perdendo sua posição privilegiada de centro do poder e da cultura dos Estados Unidos. Essa expansão territorial era justificada pela ideia do Destino Manifesto. De acordo com esse conceito, os Estados Unidos tinham o di- reito divino (ou seja, era o desejo de Deus) de se expandir por praticamente toda a América do Norte. Surge um novo nacionalismo, em que os Estados Unidos passam a representar toda a“América”. Seus ideais de liberdade e felicidade são protegidos pela Providência. Industrialmente, o país crescia de forma impressionante. As primeiras linhas de produção em fábricas eram estabelecidas, assim como novas invenções (o telégrafo, a máquina de costura) surgidas nos Estados Unidos alavancaram seu desenvolvimento. As cidades prosperavam, e a população do campo cada vez mais migrava para os centros urbanos. O nível educacional do país também passava por uma onda de crescimento, em que cada vez mais revistas, jornais e livros eram publicados para serem consumidos por um ávido público leitor. No entanto, com a popularização do romance, mais escritores passam a ter seus trabalhos publicados, inicialmente em capítulos inseridos em revistas semanais. É assim que os grandes nomes da literatura norte-americana começam a ter seu trabalho reconhecido. Uma das maiores influências para a literatura norte-americana do século XIX, no entanto, teve origem na Europa – o Velho Continente – cujas tradições os ex- -colonos tanto ansiavam por romper. Foi especialmente (e ironicamente) na In- glaterra que o mais importante movimento literário daquele período se desen- volveu: o Romantismo. Na verdade, o Romantismo inglês surge ao final do século XVIII e permanece relevante durante o século seguinte. As ideias básicas do pen- samento romântico, ao chegarem à América, alteram profundamente a relação que o homem desse Novo Continente tinha consigo mesmo e com a natureza.
  • 49. A prosa romântica 49 De modo geral, as características básicas do Romantismo podem ser descritas como“entusiasmo moral, fé no valor do individualismo e na percepção intuitiva, e a ideia de que o mundo natural é uma fonte de bondade e a sociedade é uma fonte de corrupção.”(McMICHAEL et al., 2001, p. 441). A crença no valor do indi- vidual em muito combinava o histórico revolucionário do país, especialmente a sua luta pelos direitos naturais de todo o homem. Da mesma forma, uma ênfase nos aspectos da natureza era essencial ao período de expansão que a nação vivia. Ao cruzar o Vale do Rio Mississipi e se desbravar por entre montanhas, pla- nícies e rios desconhecidos, o explorador norte-americano pôde se deparar com uma variedade natural totalmente nova que merecia ser interpretada e discuti- da, servindo de pano de fundo para a criação de uma literatura. A mais profunda contribuição do movimento romântico para a literatura nor- te-americana do século XIX, contudo, foi a já mencionada fé“na percepção intui- tiva”. O Romantismo é a escrita da emoção e da subjetividade. Assim, os grandes autores do período rejeitavam fontes de conhecimento fundadas exclusivamen- te na razão ou na experiência científica; pelo contrário, o aspecto misterioso da natureza, os eventos inexplicáveis e a abundância de emoções era o que mais interessava à literatura da época. Isso vai ser importante até mesmo no aspecto religioso, em que o intelectualismo calvinista vai dar lugar a ideais de sociedade em busca de um encontro com Deus através do que há de natural no mundo. Os preceitos e as características do Romantismo, surgidos na Europa para ser- virem de resposta a um neoclassicismo decadente, ganham uma outra conota- ção ao chegarem aos Estados Unidos: Coming to the United States at the moment of an awakening national consciousness, (the Romantic movement) assumed an even more ardent nationalism than it had in the older countries abroad. This attitude was expressed in the denial of tradition and of the European inheritance, a delight in the grand scale and the infinite mysteries of nature on the unexplored western continent and a pride in the “American ideas” which had so successfully created the Republic [...] The creation of an American myth out of the new materials was its first and greatest task. (SPILLER, 1967, p. 23) A partir da citação acima, podemos entender que a inspiração no individualis- mo e em elementos da natureza tinha um propósito bem específico quando pen- samos no Romantismo inglês. Autores comoWilliamWordsworth e Percy Shelley buscavam, entre outros aspectos, um contraponto ao racionalismo exacerbado e aos problemas sociais causados pela revolução industrial na Inglaterra. Nos Estados Unidos a situação é bem diferente. O século XIX foi o período em que os Estados Unidos, após o processo de independência, tentam achar uma forma de representação artística que seja capaz de exprimir uma identidade
  • 50. 50 Literatura Norte-Americana nova, norte-americana, condizente com seus ideais revolucionários. É o momen- to em que a cultura torna-se a expressão máxima do nacionalismo, e a arte torna- -se o elemento crucial para definir o contexto dessa jovem nação. As músicas têm um forte apelo patriótico; a pintura tem como tema as paisagens da América do Norte; a arquitetura é monumentalmente inspirada em ideais gregos republica- nos, em contraste com o estilo gótico inglês. A literatura deixa de ter temas polí- ticos e religiosos como suas bases principais –“no lugar de sermões e manifestos, surgem romances, contos e poemas”(McMICHAEL et al., 2001, p. 441). Essa onda nacionalista, ao unir-se com as principais ideias românticas, vai ser a forçamotriznaformaçãodeumaliteraturaessencialmentenorte-americanaquevai dar voz aos anseios e pensamentos de toda uma geração. O amadurecimento literá- rio dos Estados Unidos, todavia, se dará de forma gradativa. O romance foi a forma literária adotada pela maioria dos autores da época, e as primeiras obras norte-ame- ricanas ao final do século XVIII ainda procuravam um estilo de narrativa único, que pudesse ao mesmo tempo interessar e representar aos leitores da época. O primeiro autor que atinge esse propósito é Washington Irving (1783-1859). Pode-se dizer que Irving é o escritor que desperta o interesse do mundo para a produção literária que estava se desenvolvendo nos Estados Unidos. Ainda assim, as obras do autor funcionam como um meio termo entre a sensibilidade romântica importada da Inglaterra e da Alemanha e a necessidade de construir uma mitologia na qual uma narrativa norte-americana pudesse se sustentar. Muitos autores consideram Irving um verdadeiro embaixador das letras, buscan- do“estabelecer conexões entre a escrita norte-americana e a tradição europeia.” (BRADBURY; RULAND, 1992, p. 92) O primeiro triunfo de Washington Irving é exatamente uma obra, em tom irônico, que procura arquitetar uma tradição para a mais nova metrópole dos Estados Unidos: Nova York. Como nativo da cidade, Irving conhecia muito bem a origem holandesa da região e suas excentricidades. Assim, sob o pseudônimo de Diedrich Knickerbocker, o autor publica em 1809 History of New York.Trabalho de narrativa histórica, mas ao mesmo tempo satírico, esse livro dá origem a uma geração de escritores inspirados pela paródia de Irving que viria a ser conhecida como a“Escola Knickerbocker”de literatura, muito conhecida em Nova York nas primeiras décadas do século XIX. Em 1815 o autor faz uma viagem à Europa, onde entra em contato direto com a tradição romântica doVelho Continente. O Romantismo inglês, com seu elogio
  • 51. A prosa romântica 51 ao passado e à experiência medieval, assim como os contos populares alemães, serviram de grande inspiração para o trabalho mais reconhecido de Washington Irving: The Sketch Book of Geoffrey Crayon, Gent., publicado de forma seriada entre 1819 e 1820. Usando dessa vez o pseudônimo de Geoffrey Crayon, o autor escreveu 34 ensaios e contos na tentativa de transpor o espírito folclórico do conto europeu para os Estados Unidos. O Sketch Book foi o primeiro livro norte- -americano a ter sucesso não só na América, mas também na Europa. Os escritos de Irving conseguiram criar uma mitologia popular para uma literatura em fase de consolidação através de uma herança europeia. Dos textos presentes no Sketch Book, dois vão se destacar e praticamente fundar o imaginário popular da América. O primeiro é Rip Van Winkle, a história de um camponês que, depois de beber um vinho mágico oferecido por fantas- mas, dorme por 20 anos. Ao acordar, ele fica surpreso ao ver todas as mudanças ocorridas em sua família e no seu vilarejo, mas o principal acontecimento de todos foi a guerra revolucionária que culminou na independência dos Estados Unidos. O próprio personagem Rip Van Winkle se torna uma lenda então, ao ter vivenciado os acontecimentos anteriores à guerra e por não ter presenciado o momento mais importante da história da nação. Outro conto muito famoso de Washington Irving presente no Sketch Book é The Legend of Sleepy Hollow. Assim como Rip Van Winkle, é baseado num conto folclórico alemão sobre um cavaleiro sem cabeça que assombra um vilarejo. Como geralmente faz, Irving transporta essa história popularesca europeia para os Estados Unidos, situando a narrativa em Nova York e fazendo o cavaleiro perder a cabeça com uma bala de canhão disparada numa batalha durante a guerra pela independência. Se Washington Irving concentrou sua produção nos contos e histórias po- pulares inspirados pela tradição folclórica europeia, James Fenimore Cooper (1789-1851) vai dedicar-se ao desenvolvimento de um formato para o romance norte-americano instituindo seus próprios mitos de criação. Usando a recente história e política dos Estados Unidos, Cooper vai fundar um estilo romântico norte-americano que servirá de molde para que o público leitor passe a reco- nhecer o seu passado através de moldes literários. O primeiro romance aclamado de Cooper é TheSpy, de 1821, e é a partir dessa obra que o autor vai receber o título que de certa forma vai persegui-lo até hoje: o “Walter Scott da América”. Scott foi um dos grandes escritores ingleses do século XIX, fundador do gênero romance histórico – de forma geral, uma narrativa fic-