1. EccoS revista científica
Centro Universitario Nove de Julho
eccos@uninove.br
ISSN (Versión impresa): 1517-1949
BRASIL
2000
Eduardo Santos
RESEÑEA DE quot;O ÓCIO CRIATIVO (ENTREVISTA A MARIA SERENA PALIERI)quot; DE
DOMENICO DE MASI
EccoS revista científica, dezembro, año/vol. 2, número 002
Centro Universitario Nove de Julho
São Paulo, Brasil
pp. 129-134
Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal
Universidad Autónoma del Estado de México
http://redalyc.uaemex.mx
2. Resenhas
EccoS Rev. Cient., UNINOVE, São Paulo: (v.2 n.2): 123-154
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo (entrevista a Maria Serena Pa-
lieri). Tradução Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
TRABALHO E PRAZER: ENFIM RECONCILIADOS?
Eduardo Santos* *Sociólogo, Mestrando em Ge-
ografia Humana (USP). Coor-
denador de Política Editorial e
Feita uma retrospectiva histórica mais adequada entre as partes, abrindo Editor de EccoS.
das relações entre trabalho e prazer ao a todas as classes possibilidades inéditas
longo do périplo humano no planeta, para uma convivência mais equilibrada,
dificilmente deixaremos de chegar à materializada por um capitalismo em
conclusão de que, parafraseando os que tecnologia e democracia política
compositores da música regional, es- favoreceriam uma distribuição mais
tas duas dimensões tão fundamentais igualitária dos frutos do trabalho.
quanto necessárias da vida humana Ledo engano! Hoje, no limiar de
sempre andaram “entre tapas e beijos”. um novo século, o canto de sereia no-
A reconciliação, que na canção aconte- vamente se faz ouvir, embalando-se na E
C
ce à noite nos espaços da intimidade, melodia de um avanço tecnológico sem C
é apenas aparente no primeiro caso: precedentes, que permitiria ao trabalho O
trabalho e prazer, no mais das vezes, – e aos trabalhadores – livrarem-se das S
reconciliam-se apenas em processos de tarefas pesadas e brutalizantes que sus- R
sublimação, com as decorrentes patolo- tentam a produção de bens e de valor, e E
gias que acometem os elos mais frágeis romperem os grilhões que os acorrentam V.
da corrente – os trabalhadores. aos desígnios do capital, para lembrar C
O nascimento do pensamento os termos do velho Marx. Há um novo I
filosófico no ocidente muito deve à rígi- engano no ar, desta vez oferecido em es- E
da separação operada pelos gregos entre N
cala global aos mais incautos: se não for T.
as dimensões do trabalho e do prazer: rompido o contrato social que legaliza a
uma, para os escravos e não cidadãos; propriedade privada e não for eliminada n. 2
outra, para os bem nascidos e proprietá- a legitimação cultural e ideológica que a v. 2
rios. A dupla revolução do século XVIII acompanha, aos trabalhadores só restará
– tecno-econômica e política ao mesmo conviver com uma exploração ‘mais dez.
tempo – parecia prenunciar uma relação humanizada’, em que prazer e trabalho 2000
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permanecem inimigos. zação dos procedimentos, na execução
Esta digressão serve como um de tarefas repetitivas e monótonas, nos
alerta introdutório à leitura deste li- valores da competição acirrada, entre
vro-entrevista de Domenico de Masi. outras características, tem seus dias
O sociólogo italiano, que há mais de contados, até porque se tornou con-
quinze anos pesquisa as mudanças nas traproducente;
formas de trabalho e em suas organiza-
ções gestoras, não deve ser visto como 3. o número médio de horas
um Messias que veio anunciar a nova trabalhadas durante a vida de uma pes-
eclesia, mesmo porque não há ingenui- soa vem diminuindo gradativamente
dade nem vulgarização em suas teses, e numa velocidade cada vez maior: o
embora haja contribuições importantes autor estima que em 2015 “cada tra-
e sobrem polêmicas. balhador disporá, em média, de trinta
Dentre essas polêmicas, destaca- mil horas de trabalho, contra as atuais
oitenta mil horas que ele atualmente
se a que defende uma drástica redução
desempenha (sic) entre os vinte e os
da jornada de trabalho, que beneficia-
sessenta anos.”(p. 267);
E
ria o prazer e, de quebra, aumentaria as
C vagas disponíveis. Toda a argumentação 4. a produtividade do trabalho
C do autor é construída a partir da cons- tem crescido ininterrupta e vertiginosa-
O
S
tatação de que: mente pelo menos nos últimos 20 anos
e o nível de emprego nem de longe a
R 1. vivemos um salto de época ba- acompanha, ao contrário: “nos últimos
E seado numa mudança de paradigmas, em
V.
dez anos (para se dar um exemplo), as
que coincidem três inovações diferentes: grandes empresas italianas produziram
C novas fontes energéticas, novas divisões 18% a mais com 22% a menos de tra-
I do trabalho e novas divisões do poder; balho humano” (p. 266);
E
N
T.
2. a sociedade industrial típica, 5. nas sociedades atuais, ditas
que vigorou até o início da década de 80, pós-industriais, as atividades físicas se
n. 2 baseada na produtividade do trabalho, rendem às atividades intelectuais; as
v. 2 na produção em escala, num grande atividades repetitivas, às criativas e o
contingente proletário, nas hierarquias diferencial produtivo é dado pela maior
dez. rígidas e centralizadas, nos controles aplicação de conhecimento às tarefas
2000 estritos sobre o trabalho, na burocrati- profissionais, em função da redução
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dos trabalhos braçais, que tendem a ser Alguns analistas da sociologia do
desenvolvidos pelas máquinas; trabalho, chatos de plantão, argumen-
tam que não há propriamente perda
6. o número de trabalhadores “co- de centralidade do trabalho enquanto
larinho branco” – os que desenvolvem categoria ontológica, mesmo que este
tarefas de natureza imaterial (planeja- argumento recenda a um certo arqué-
mento, controle, decisão, pesquisa etc.) tipo de ascendência judaico-cristã:
– atualmente suplantam aqueles que a própria forma de organização e a
atuam na linha de produção, bastando capacidade de criação de postos de
citar que na “IBM italiana, que é uma em- trabalho, vale dizer, empregos nas
presa industrial, existem dez mil depen- sociedades ditas modernas, é que
dentes (funcionários), dos quais somente vêm sendo inapelavel-mente batidas
seiscentos são operários. Por ‘operários’ pelas inovações tecno-lógicas, pela
entendemos ‘empregados tecnológicos’, reordenação espacial e operacional dos
que em nada se assemelham aos operários mecanismos que geram mais-valia e
analfabetos de tempos atrás” (p. 62). lucro. Trata-se, enfim, de um processo
extensivo e intensivo de reorganização
Como decorrência dessas evidên- do capital em escala mundial, como o
E
C
cias empíricas, constata-se que: é a própria globalização. C
a) os trabalhadores típicos das Nem por isso as teses de De Masi O
S
sociedades industriais não mais são o devem ser desconsideradas, até porque
protótipo do trabalho no novo tipo de a teoria nem sempre pode ser culpada R
sociedade nem representam uma classe por não conduzir à boa prática, e a boa E
intenção não deixa de ser um indicativo V.
revolucionária, o que equivale dizer
que eles não encarnam os problemas do justo interesse. Vamos às duas que C
e desafios centrais do mundo contem- consideramos principais: I
E
porâneo; N
1. organizações de todo tipo T.
b) do mesmo modo, as empresas conseguirão diferenciar-se no mercado
baseadas nos processos tayloristas/for- altamente competitivo pela capacidade n. 2
distas de produção, baseadas na estru- de inovar e antecipar o futuro, seja v. 2
tura piramidal de poder e no controle nos processos de produção de bens ou
exacerbado do trabalhador e do tempo serviços seja na tipologia de produtos e dez.
de trabalho, não são mais as campeãs de serviços que oferecem; 2000
inovação e de produtividade.
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2. organizações e pessoas devem pelo processo industrial, dependendo
se preparar para ocupar criativamente o de como se articulem as duas caracte-
tempo livre que resultará das inovações rísticas que definem este processo: as
tecnológicas aplicadas à produção, o que possibilidades materiais (econômicas) e
significa aproveitar o ócio para dedicá-lo imateriais (culturais). Fica claro que este
ao cultivo das artes, do intelecto e do salto dependerá do investimento maciço
corpo, dos trabalhos domésticos, dos e planejado em ciência, tecnologia e
cuidados com os filhos, da educação educação. Como exemplo, o autor cita
profissional e civil permanentes. o Silicon Valley , na Califórnia, que
Ampliando esquemas constru- era uma área deprimida econo-
ídos por outros autores, Domenico micamente, mas próxima de grandes
chega a uma divisão internacional do centros universitários como os de
trabalho que contempla as seguintes San Diego ou Santa Barbara: seus
etapas: Ideação – pesquisa as inovações jovens eram pobres, mas diplo-
e planeja o futuro; decisão / pesquisa e mados em Informática ou Biologia.
desenvolvimento – define os interesses O Silicon Valley passou, em poucos
E
C
comerciais e as condições necessárias anos, do rural ao pós-industrial, sem
C para o desenvolvimento da idéia; produ- jamais ter sido industrial e, portanto,
O ção – organiza todo o sistema produtivo sem ter tido que enfrentar, vencer
S
do bem ou processo ideado; consumo e superar a cultura industrial e sua
– distribuição e uso dos produtos resul- resistência às mudanças. (p. 124)
R
E tantes. Na visão do autor, o marketing
V. seria a inteligência que associa e organiza O sociólogo ainda nos lembra
C estas etapas. Esta formulação reproduz, da célebre frase cunhada pelo filósofo
I num plano mundial, a clássica divisão russo Alexandre Koyré – “Não é do
E do trabalho que vigora nos espaços trabalho que nasce a civilização, é do
N
T.
microeconômicos, prendendo o autor tempo livre e do jogo” – e busca sua
a uma razão tributária do sistema capi- validação nos fundamentos de nossa
n. 2 talista tal como a conhecemos. civilização ocidental, a Grécia antiga,
v. 2 Para dar um pouco de fôlego aos quando o trabalho (aquilo que faz suar)
subdesenvolvidos, Domenico avalia que e também o comércio eram atividades
dez. é possível um país chegar ao estágio pós- delegadas aos escravos e aos não cida-
2000 industrial sem passar, necessariamente, dãos, reservando-se às classes altas o livre
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pensar, o deleite estético e intelectual, educacionais, com a perda da autono-
o direito ao ócio, além do cultivo do mia intelectual e criativa, outro.
corpo e as tarefas de guerra. O que se O autor tem a sensibilidade de
privilegiava eram atividades em que esclarecer sobre o perigo de o tempo
despontavam o caráter lúdico e estético, livre estar a serviço do velho ditado ‘o
o jogo e o ‘treinamento’ do espírito e do ócio é pai de todos os vícios’; para ele,
pensamento, sem estritas vinculações ao contrário, o tempo livre deve servir
com a aplicação imediata, a necessidade para promover o que ele chama de ócio
funcional ou a sobrevivência direta. Os criativo, aquele que se dirige a melhorar
resultados alcançados por esse tipo de a qualidade de nossas vidas e do meio
organização social, fundamentada no ambiente; a produzir criativamente sem
ócio criativo, podem ser apreciados até delimitações estritas de tempo e espaço,
hoje pelo desenvolvimento das artes, da para além de comandos e hierarquias
filosofia, da astronomia, das ciências, paralisantes; a conectar vida, traba-
da política... dos valores que erigiram a lho e felicidade em um único tempo,
civilização ocidental, enfim. exercitado livremente pelo próprio
Tudo isso é fato e já foi lembrado indivíduo, em casa ou no escritório,
E
nos primeiros parágrafos desta resenha, principalmente por meio da modali- C
mas não se deve esquecer de que cada dade do teletrabalho, que se associa ao C
uma dessas conquistas só foi possível uso das tecnologias de comunicação e O
S
graças ao trabalho real e concreto de informação. Não haverá lugar exclusivo
milhões de trabalhadores anônimos para criar e produzir, trabalhar e ganhar R
que, além de gerar valor econômico o pão. Assim, exercitar o ócio criativo E
implicará descansar o corpo e manter V.
não compartilhado, foi o responsável,
literalmente, pelo sustento das cabeças em atividade frenética o cérebro. C
pensantes que conferiam prazeres a suas A sociedade pós-industrial, I
vidas na mesma medida em que coman- para De Masi, pode superar estas dico- E
N
davam trabalho alheio. Cabe lembrar, tomias entre trabalho como sacrifício T.
ainda, que os mecanismos tayloristas e expiação e tempo livre como vício e
de exploração do trabalho vigoram lassidão, conjugando, no ócio criativo, n. 2
intensamente: o telemarketing , que prazer, trabalho e lazer. E pode fazê-lo, v. 2
exige um exagerado produtivismo ele- agora, em bases mais igualitárias, por
trônico, é um exemplo característico; a meio da difusão e uso dos extraordi- dez.
subordinação proletarizante das funções nários recursos propiciados pelas novas 2000
tecnologias, que liberarão o homem
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das tarefas monótonas, extenuantes e de motivação e beleza e não estará
pouco criativas. Nesse sentido, a refle- mais restrito à idéia de um horário de
xão do autor nos dá uma contribuição trabalho (sacrifício) e outro de lazer
extremamente importante, pelo reco- (prazer). Em suma, o resultado do
nhecimento da energia revolucionária, trabalho não dependerá de sistemas de
transformadora e criativa que o tempo controle burocraticamente organizados
livre poderá gerar, com impactos signifi- e intensamente vigiados, mas da cria-
cativos na mentalidade individual e co- tividade que só se explicita à medida
letiva e, quem sabe, no relacionamento que o sujeito produz em liberdade, flui
entre pessoas e povos. intensa e prazerosamente a vida junto
Para tanto, Domenico enfatiza a à família e aos amigos, viaja e conhece
necessidade de capacitar as pessoas para outras culturas e diferentes formas de
o exercício criativo de seu tempo livre. fazer e pensar.
Uma vez liberadas dos condiciona- A leitura de O Ócio Criativo é
mentos que sustentavam a sociedade importante para quem procura indícios
industrial, deverão aprender a usar de novas possibilidades para a felici-
E
esse tempo criativamente. Uma nova dade no âmbito de uma globalização
C mentalidade acerca da organização desenfreada. Quiçá as antevisões do au-
C do trabalho e da mensuração de seus tor resultem numa aproximação efetiva
O
S
resultados invadirá empresas e orga- entre trabalho e prazer, reconciliando
nizações de todo tipo. Isso significa uma ontologia constitutiva que o capital
R que a medida do bom trabalho não vem insistindo em contrariar.
E será mais dada exclusivamente pelo
V.
resultado material da produtividade;
C que o trabalho não será mais organizado
I no interior de escritórios desprovidos
E
N
T.
n. 2
v. 2
dez.
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