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Estranha Estirpe
De Audazes
de

Sante Uberto Barbieri

Do original argentino:
“Uma Extraña Estirpe de Audaces”

Tradução de
LUIZ A. CARUSO

IMPRENSA METODISTA
Estrada do Vergueiro, 2500
São Bernardo - SP

NOTAS DESTA EDIÇÃO ON LINE:
1 - Foram acrescentados ao texto do livro alguns sinônimos e
notas para essa edição eletrônica, sempre entre parênteses e
com a fonte na cor bordô.
2 - O livro publicado em português tem muitos erros de
composição e grafia. Conseguimos acertar quase tudo no texto
do livro, menos as notas de rodapé, que por falta de acesso a um
livro na edição original em espanhol, não tivemos como proceder
as correções. De modo que na presente edição, elas estão como
estão no livro em português.

1
DEDICATÓRIA
Em sinal de gratidão a meu mestre de História
Eclesiástica na “Southern Methodist U n i v e r s i t y ”
Dallas, Texas, U. S. A..,
DR. ROBERT W . GOODLOE

Que me revelou o mistério e encantamento
dessa “Estranha Estirpe de Audazes”
e
Flávia e Mary,
meus filhos, agora servindo ao Senhor na Bolívia,
para que recolham
as “Cintilações Inextinguíveis” dessa “Estirpe”
e sigam em pós de sua luz,
carinhosamente dedico estas páginas.
INDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - Os vanguardeiros - Parte I - Os antepassados de João e Carlos Wesley pela
linha paterna.
- Bartolomeu Wesley
- João Wesley, o avô
- Samuel Wesley, o pai
CAPÍTULO II - Os vanguardeiros - Parte II - Os antepassados de João e Carlos Wesley pela
linha materna
- João White
- Samuel Annesley, o avô
- Suzana Wesley, a mãe.
CAPÍTULO III - Um tição tirado ao fogo - João Wesley
CAPÍTULO IV - O arauto melodioso - Carlos Wesley
CAPÍTULO V - O filho de um taverneiro - Jorge Whitefield
CAPÍTULO VI - Uma estrela da Graça - Selina Shirle, a Lady e Condessa de Huntingdon
CAPÍTULO VII - O paladino da divina Misericórdia - João Guilherme de La Flechère
CAPÍTULO VIII - Tinhas Asas de Águia - Tomás Coke
CAPÍTULO IX - O profeta do Caminho Solitário - Francisco Asbury
CAPÍTULO X - O bando dos “irregulares” - Parte 1
- Tomas Maxfield
- João Nelson
- Maria Bosanquet
CAPÍTULO XI - O bando dos “irregulares” - Parte 2
- Os primos Filipe Embury e Bparbara Heck
- Robert Strawbrigde
- Capitão Webb
- Robert Williams
- John King
CAPÍTULO XII - Cintilações inextinguíveis

3
INTRODUÇÃO
A história é o único elemento em nossa vida social que nos liga ao passado.
Cortaríamos de nós mesmos uma importante parte se omitíssemos a história. Podemos existir
sem história, mas não viver; porque viver é, de certo modo, reviver a história de nosso povo,
encarnando em nós as inquietudes que povoaram corações e vontades que não existem mais.
Na história se refugia a vida que já foi, para não morrer, para ressuscitar, para continuar
vivendo, para obrigar-nos a viver. Por isto mesmo dizia Miguel de Unamuno: "É visão do
passado o que nos empuxa à conquista do porvir; com madeira de recordações armamos as
esperanças". Quando o presente nos parece trivial e comum, falto de estímulo e inspiração,
faz falta mirar ao passado, que é a história, para que nos sintamos "empuxados à conquista do
porvir".
E sublinhamos "a conquista do porvir", porque a visão do passado não nos deve
envolver no próprio passado, e sim nos levar as mais altas empresas e as mais arriscadas
aventuras; para que o acervo do passado se enriqueça com os fatos do presente. O
conhecimento do passado não se constituirá em cadeia, e sim no elemento que nos
fecunde mente e coração, espírito e vontade, e nos conceda poder para criar obras
formosas, verdejantes e eternas.
Por isso, nas páginas seguintes nos submergiremos no mar da história, não para nos
afogarmos nele, como que atraídos ao fundo pela voz de sereia encantadora, mas para
revitalizar e refrescar nossas energias dormidas e sair pelas praias do mundo, tendo nos lábios
o canto que entusiasma e no coração a fé que tudo arrisca.
Desejamos que os leitores destes breves estudos históricos, que giram ao redor de
alguns cabos de guerra do metodismo, se sintam com vigor suficiente para seguir no caminho
que eles deixaram marcados com os sulcos profundos de sua devoção e fé.
CAPÍTULO PRIMEIRO

OS VANGUARDEIROS - 1
Os antepassados de João e Carlos Wesley pela linha paterna

"O testemunho interno, filho, o testemunho
interno; esta é a prova, a prova mais verdadeira do
cristianismo".
Samuel Wesley

Ao ler o subtítulo dos dois primeiros capítulos, o leitor se perguntará que relação
tem os antepassados de João e Carlos W esley com os adaís (mentores) do
metodismo que estudaremos no restante do livro. À primeira vista parece não existir
conexão alguma, pois eles viveram antes do movimento metodista, e certamente não
teriam podido vislumbrar o que sucederia a ponto de sugerir orientações. Mas, quando
passamos em revista a vida desses antepassados, descobrimos que muitas das
características que distinguiram os iniciadores do movimento metodista já se revelavam no
caráter e na ação daqueles.
Podemos dizer que o movimento metodista no começo do século XVIII,
embora historicamente nele tenha seu princípio, suas raízes vão, contudo, até ao século
XVII ou antes, à semelhança da Reforma Protestante que não teve sua origem no século XVI
com Lutero, mas também muito tempo antes. Em Lutero a Reforma teve seu apogeu e
culminância. Forças e homens, desde muitas gerações anteriores, vinham preparando o
terreno, abandonando-o com o sangue de seu sacrifício. Do mesmo modo, o que
chamamos metodismo alcança seu triunfo em João e Carlos Wesley e outros. Não que
o metodismo já existisse como força, e sim que tinha vida embrionária no seio de certos
acontecimentos históricos. Os homens não são fenômenos que aparecem repentinamente e
se manifestam sem causa e motivos. Às vezes, ou quase sempre, são o resultado de forças
4
que se foram armazenando por muito tempo e que num instante irrompem, abrindo as
comportas para impor-se de maneira decisiva e renovadora.
A história do metodismo começa, pois, com os antepassados dos Wesley. De
fato, um historiador dessa família assevera que há traços dela já no século X, antes que a
Inglaterra estivesse unida sob um soberano. Pelo estudo que faz dos membros dessa
família, chega à seguinte conclusão:
"Pelo que até aqui podemos saber desta distinta família, verificamos que
seus membros se sobressaíam por seus conhecimentos, piedade, estro (talento)
poético e musical. Devemos, além disso, acrescentar outras características
igualmente peculiares: lealdade e fidalguia. Volvendo atrás, apenas um passo, ao
traçar sua genealogia, encontramos em ambos, o pai e a mãe de Bartolomeu
Wesley (deste falaremos mais adiante), pessoas às quais se permitiu mesclar com
as mentes notáveis de sua idade, que tiveram a distinção de tomar parte ativa na
formação daquela época em seus aspectos moral, religioso e social." (1)

1)

Não nos será possível deter-nos com todos eles, mas nos remontaremos pela
linha paterna de João e Carlos Wesley a representante de três gerações anteriores: a
Bartolomeu Wesley (1595 ou 96-1680); a João Wesley, o avô (1636-1678); e a Samuel
Wesley, o pai (1662-1735). E pela linha materna: a João White (1590-1644), avô materno de
Susana; Samuel Annesley (1620-1696), pai de Susana; e Susana Wesley, a mãe
(1669-1742).

5
Bartolomeu Wesley
Bartolomeu Wesley, bisavô de João e Carlos Wesley, era filho de Sir Herbert
Westley ou Wesley, do condado de Devon, e de Elizabet Wellesley, de Dongan, Irlanda.
Na família houve três filhos: de dois deles nada se sabe; somente Bartolomeu chegou a
entrar na história. No seio de sua família recebeu esmerada educação religiosa. Julgando
pelas influências religiosas manifestas por Bartolomeu, pode-se dizer que o espírito do
puritanismo já se ia desenvolvendo dentro da Igreja Nacional e que havia feito marca na
mente de seus pais.

Recebeu sua educação na Universidade de Oxford, onde estudou medicina e
teologia. Dele pouco se sabe até o ano 1640, quando a história nos diz que se encontrava à
frente da igreja da pequena aldeia de Gatherston e, pouco mais tarde, da de
Charmouth. O salário anual que essas duas igrejas lhe pagavam consistia de 35 libras
esterlinas e 10 shillings. Pastoreou-as até 1662, antes do "Ato de Uniformidade", quando o
expulsaram como "intruso". Durante seu ministério, e especialmente depois, fez grande uso
de seus conhecimentos médicos com muito êxito. Nada sabemos acerca do lugar de sua
morte, mas estamos certos de que teve de abandonar Charmouth em 1665 devido ao "Ato
das Cinco Milhas". Este "ato" exigia que todo pároco destituído de seu cargo devia viver,
pelo menos, cinco milhas, distante do lugar onde havia exercido seu ministério. Por essa
época já havia caído o governo puritano de Cromwell, que dominara na Inglaterra por cerca
de três lustros (qüinqüênios). Ao restabelecer-se a monarquia, todos os párocos adeptos do
puritanismo, que era a expressão religiosa adotada pelo governo de Cromwell, tiveram de
abandonar suas paróquias que seriam ocupadas por pessoas dispostas a sujeitar-se à
realeza e à forma tradicional do anglicanismo.
Foi em conseqüência desse mesmo "Ato", como veremos mais adiante, que seu
filho João Wesley (o avô de Carlos e João Wesley) morreu, prematuramente, aos 42 anos de
idade, em 1678. Este fato se agravou na mente do velho pai, de tal maneira, que seus
últimos anos foram bem amargos, levando-o mais depressa ao sepulcro. Desde que foi
afastado do cargo em 1662 e se viu obrigado a abandonar sua antiga habitação, esteve
sujeito a vexames, perseguições e limitações promovidas pela Igreja Oficial, que se
estabelecera com a monarquia. Devemos recordar que pelo "Ato de Uniformidade", os
ministros deviam renunciar a suas idéias puritanas e aceitar o novo estado de coisas, ou
então abandonar seus postos eclesiásticos. Mais de dois mil ministros tiveram de deixar suas
igrejas. Começou, para eles, uma série de duras experiências que teceram um

6
romance de aventuras extraordinárias, mas de tremendas vivências em que se pôs à
prova sua fé, visto como, por questão de consciência, não quiseram adaptar-se à nova
situação. Esses ministros, e os fiéis que com eles partilhavam as mesmas idéias religiosas
tiveram de reunir-se onde podiam: quer em casas isoladas, ou em sótãos, ou em palheiros
(lugar onde se guarda palha, paiol), ou onde quer que lhes fosse dado. Muitas vezes, para
chegar a tais lugares, tinham de valer-se de caminhos secretos e também postar vigias.
Apesar de toda essa vigilância e cautela, mui freqüentemente aprisionavam grupos e
líderes. Bartolomeu, depois de destituído, pode ficar em Charmouth até 1665, exercendo a
medicina, pela estima que lhe tinham seus paroquianos. Isto testifica acerca da
limpeza de seu caráter, o que lhe permitiu permanecer ali sem temer acusações de
parte da gente a que servira durante 21 anos. Sem dúvida, o que mais caracterizou esse
homem foi a firmeza de suas convicções.
Fizemos referência ao "Ato das Cinco Milhas", e nessa época ele já era um homem
velho, sentia-se esgotado depois de uma longa vida consumida em trabalhos, guerras
civis e lutas religiosas. Se, ao restabelecer-se a monarquia, houvesse renunciado a
suas convicções religiosas e se submetesse com passiva obediência às exigências da igreja
oficializada, poderia viver até o dia de sua morte, no seio de seus amigos paroquianos, aos
quais tanto estimava. Entretanto, preferiu ir-se e sofrer o desprezo do mundo. Suas
convicções lhe eram mais sagradas que a própria vida e a tranqüilidade. Isto nos ensina
que as almas honestas nunca podem trocar sua liberdade de consciência pela liberdade
de seus corpos. Preferem tomar sobre si a cruz e morrer por seus ideais. São os que
caminham adiante e se detêm somente quando chegam ao final do caminho, sem haver
cessado em sua luta por manter bem alto o estandarte de suas mais íntimas convicções. Se
Bartolomeu Wesley não houvesse deixado outra coisa atrás de si, além desta estrela
luminosa, já se justificaria plenamente sua trajetória no mundo. Certamente foi digno de
haver sido o bisavô de João e Carlos Wesley.
João Wesley, o avô
Aquele que leva o mesmo nome do que mais tarde fora, com seu irmão Carlos, o
fundador do metodismo, era filho do precedente, e como vimos, chegou a viver somente
42 anos. Foi o pai de Samuel Wesley que, por sua vez, viria a ser o progenitor dos
fundadores do metodismo. Como Bartolomeu, foi educado na Universidade de Oxford,
sob a direção de homens escolhidos dentre os mais proeminentes guias religiosos dos
grupos independentes que alimentavam tendências puritanas. Terminou seus estudos
obtendo o grau de Mestre em Artes lá pelos fins do ano 1657 ou princípios de 1658.

Seu lar lhe foi sua primeira escola de religião, e ali herdou o espírito piedoso que lhe
assinalou toda a vida. Na escola mantinha a mesma linha de conduta que fosse norma no
lar. Desde a infância seus pais o dedicaram ao serviço divino. Quando voltou de Oxford,
uniu-se à congregação a que seu pai servia, mas não pode ajudá-lo no ministério porque não
fora ordenado. No povoado de Weymouth fez-se membro de um grupo chamado "A Igreja
Reunida", perante o qual teve primeiramente ocasião de expor suas próprias
convicções religiosas. Tinha paixão pelas almas. Deu testemunho do Evangelho não
apenas diante da "Igreja Reunida" de Weymouth, mas também falou das "Boas Novas"
aos marinheiros com que costumava encontrar-se ao longo da costa. E, na pequena
aldeia de Radipole, juntou muita gente ao seu redor, ensinando-a a adorar e servir a
Deus. Nessa época contava somente 22 anos de idade, mas já ardia nele aquela paixão
evangelizadora que se manifestaria tão surpreendentemente no coração de seus netos
João e Carlos. Como eles, foi grande pregador itinerante, sem ter jamais cargo pastoral
próprio e regular. E, além disso, foi o protótipo do pregador a que João Wesley teve de
apelar para fazer sua obra: o pregador leigo.
Foi em 1658 que chegou a ser pastor de Winterborn-Whitchurch, no condado de
Dorset, embora de maneira irregular. Essa paróquia podia recompensá-lo apenas com 30l
libras esterlinas anuais. De passagem, notaremos quão minguados era sempre o sustento
que os Wesley obtinham de seus trabalhos pastorais! Talvez nisso encontremos a razão
por que João Wesley adquiriu o hábito tão frugal de viver (que se contenta com pouco para
a sua alimentação), que lhe permitiu separar tanto de seus haveres para dedicá-los ao bem
do próximo. Foi como que necessidade inerente a todos os membros dessa família ter de
ajustar-se a receitas mui exíguas. Apesar disso, nunca pensaram estar destituídos da graça
de Deus Altíssimo.
Em 1661, João foi chamado à presença do Bispo Ironside para explicar por que
ministrava ao povo sem haver sido ordenado ministro. As respostas que deu durante o
interrogatório evidenciaram seu espírito equilibrado, iluminado e fiel. Tão concludentes
foram, que o bom Bispo lhe disse, ao despedi-lo: “Adeus, meu bom senhor Wesley". Ele
convencera seu superior de que seu direito de pregar lhe era dado por autoridade que
emanava das próprias Sagradas Escrituras.
Seus inimigos (os que a ele se opunham) sempre fizeram o possível para que caísse
em desgraça, e, um dia, pouco depois de sua conversação com o Bispo, assaltaram-no
ao sair da igreja e o levaram ao cárcere, acusando-o de não querer submeter-se ao uso da
liturgia da Igreja Oficial.

Quando

o

soltaram,

voltou

a

seus

labores

em

Winterborn-Whitchurch. Ali continuou ministrando ao povo até agosto de 1662, quando foi
decretado o já mencionado "Ato de Uniformidade". Como seu pai, determinou-se não se
submeter às novas ordenanças eclesiásticas e preferiu renunciar a renegar suas convicções
pessoais. Com pesar deixou a igreja e se foi a um lugar denominado Melcombe; durante
esse período de transição nasceu Samuel, que seria o pai de João e Carlos Wesley.
Joã o v i u-s e n a co nt in gê nc i a d e su je it ar -s e à a j ud a ca r id osa de um
am igo desconhecido, que na época possuía uma casa vaga num lugar chamado Preston,
perto de Weymouth. Ali continuou, dia após dia, pregando o Evangelho. Mais de uma vez,
por esse motivo, teve de ocultar-se ou ser preso. Não obstante, jamais renunciou a seu
gr ande empen ho de salv ar almas. Es sas reiteradas t ribulaç ões levar am- no,
prematuramente, à morte. Nada, porém, foi suficientemente forte para fazê-lo renunciar à
sua alta vocação. Não se preocupava por faltar-lhe ordenação eclesiástica, e sim ia de um
lado para outro, ministrando sempre às almas necessitadas. Concluiu sua carreira num
lugar chamado Poole, continuando sempre como pregador local e servindo a um grupo
de pessoas às quais pregava dia após dia. Morreu como já mencionamos, antes de seu pai
Bartolomeu. Sua carreira foi curta, porém gloriosa. Jamais recebeu ordenação eclesiástica,
e, apesar disto, sempre se sentiu apoiado em seu trabalho pela aprovação divina. Isto era
suficiente para ele.
Tinha por costume levar um diário em que ia anotando suas ações. Gostava de
cultivar as línguas orientais. Era franco, leal, sincero e consagrado. Fez os maiores
sacrifícios no desempenho de sua missão. Dele se diz o seguinte:
"Em verdade, a história pessoal deste bom homem contém um epítome
(resumo) do metodismo que surgiria através da instrumentalidade de seus netos
João e Carlos. Seu estilo de pregação, conteúdo, maneira e êxito, tudo revela
uma semelhança surpreendente a deles e de seus colaboradores." (2)
Outro autor escreveu acerca do mesmo ponto, o seguinte:

"Embora o neto (João) tivesse mais êxito e se tornasse mais célebre, sem
dúvida, na história de João Wesley, o avô, podemos descobrir traços do ponto
de partida do espírito, ainda que não da forma, do metodismo." (3)
Samuel Wesley
Chegamos agora ao ponto onde nos cabe falar do neto de Bartolomeu Wesley.
Nasceu, como já vimos, em dezembro de 1662, durante um período turbulento. Não se
sabe exatamente onde nasceu. Morreu em Epworth, em abril de 1735, depois de longa
carreira dedicada ao trabalho da Igreja Anglicana. Filho e neto de não-conformistas
abandonou a tradição de seus antepassados e decidiu lançar sua sorte com a Igreja Oficial.
Quando chegou a esta decisão, estava estudando numa academia de Dissidentes. Contava
21 anos de idade nessa época. Deixou a academia e foi para Oxford a fim de matricular-se
no colégio "Exeter" na categoria de "estudante pobre". Isso aconteceu em agosto de 1683.
Ao abandonar os Dissidentes teve de custear seus próprios gastos. Iniciou a carreira
na Universidade com 45 shillings. Ali trabalhou como servente e ao mesmo tempo
ajudava seus condiscípulos no preparo das lições. Graduou-se Bacharel em Artes em
1688. Durante o tempo que ali esteve, e apesar do curso que deu à sua vida, não pode
deixar de revelar que nele ainda perdurava muito do que caracterizara seus
antepassados. Quando, anos mais tarde, seus filhos João e Carlos estavam tão
empenhados com o "Clube Santo", por eles organizado em Oxford, e tão metodicamente
assistiam os prisioneiros no "Castelo", ele lhes escreveu o seguinte:
"Segui adiante, em nome de Deus, pelo caminho reto em que vosso
Salvador vos tem dirigido e nas pisadas deixadas por vosso pai que vos
precedeu, pois quando era estudante em Oxford, também visitava o "Castelo", do
que me recordo com grande satisfação até ao dia de hoje." (4)
Verificamos, portanto, que o interesse pelos pobres e pessoas caídas em
desgraça era peculiaridade inerente ao temperamento dos Wesley.
Depois de formado, tomou conta de uma igreja, à qual serviu até que foi nomeado
capelão de bordo de um bote de guerra, mas não ficou muito tempo nesse posto. Passou a
servir por dois anos em um curato na cidade de Londres. Durante esse período casou-se
com Susana Annesley. Desse matrimônio nasceram dezenove filhos. Em 1691 foi
enviado à pequena paróquia de South Ormsby, onde ficou até princípios de 1697, quando foi
para o povoado de Epworth, no condado de Lincoln. Ali permaneceu até ao dia de sua morte,
em abril de 1735.
Sua vida incluiu o período da restauração do rei Carlos II que morreu em 1685, e do
governo de Jaime II que o sucedeu no reinado até 1688. Ambos se inclinaram para a Igreja
11
Católica, especialmente o último, que, ao favorecer esse culto, provocou grande discórdia
nacional. Esta atitude foi a causa por que a maior parte da nação se opôs a ele. Em 1688
estourou a revolução que obrigou Jaime II a refugiar-se na França. Guilherme III de Orange
e Maria, sua mulher, da casa real inglesa, foram declarados juntamente soberanos da
Inglaterra. Assumiram o posto em 1689 e governaram o país até 1714.
Coube a Samuel Wesley viver, portanto, durante uma época de grandes
convulsões políticas. Isto não foi tudo. Houve, também, notável mudança social na vida
da nação. Processava-se grande êxodo do campo para as cidades e vilas. O antigo
sistema feudal ia, pouco a pouco, perdendo seu poder, para dar lugar a uma crescente
vida comercial e industrial. Os filósofos Hobbes e Locke introduziram a filosofia
empírica na vida intelectual. O cientista Newton reduziu o mundo a uma máquina
harmônica e completamente sujeita as leis imutáveis. Despertou-se sede intensa por uma
vida pletórica (superabundante, exuberante) de riquezas e prazeres. Após o tratado de
paz de Utrecht, notou-se grande incremento no comércio e especulação.
Organizaram-se várias e notáveis companhias comerciais. Entre elas a Companhia dos
Mares do Sul (South Sea Co.), que se propunha explorar as riquezas da América espanhola,
considerada mina inesgotável.
Os reis Jorge I e Jorge II reinaram no período compreendido entre 1714-1760.
Além disso, desde 1689 se estabeleceu uma pendência com a França, que durou, com
ligeiras interrupções, cerca de cem anos. Guilherme III de Orange teve de lutar, ao
mesmo tempo, contra Irlanda e Escócia, para estabelecer-se no poder. Seu governo
trouxe consigo a corrupção política e religiosa da casa de Hanover, a cuja dinastia pertencia
Guilherme. Isto nos ajuda, por certo, a formar idéia geral da situação. Particularmente no
terreno religioso, as condições eram alarmantes, como o revela a citação que segue:
"Com a ascensão ao trono da casa de Hanover, a Igreja entrou num
período de vida anêmica e inativa: muitos estabelecimentos eclesiásticos
foram descuidados. Os serviços religiosos diários foram descontinuados, os
dias santificados já não eram levados em consideração; a Santa Comunhão
era observada ocasionalmente; pouco se cuidava dos pobres, e embora a Igreja
conservasse sua popularidade, o clero era preguiçoso e olhado com
desprezo. Ao submeter-se ao estabelecimento da coroa real, o clero
geralmente sacrificava suas convicções pelas conveniências, e por isso seu
caráter se envilecia (tornava-se vil, aviltado, desonrado). As promoções

12
dependiam exclusivamente da profissão que se f azia dos princípios
conservador es. A Igreja se considerava subordinada ao Estado. Sua
posição histórica e suas prerrogativas eram ignoradas. E era tratada pelos
políticos como se sua função principal fosse apoiar o governo." (5)
Sucintamente, este foi o mundo em que viveu Samuel W esley. Nós nos
maravilhamos de que em tal ambiente pudesse desenvolver-se um homem de seu porte.
Isso explica porque o meio ambiente pode não ser o único fator na formação de uma
personalidade. Porque, acima de tudo, o que se aninha no coração é o que faz, em última
análise, que uma vida floresça em virtude e utilidade. E o que Samuel armazenou nele foi
uma profunda fé nos valores permanentes da religião cristã.
Uma olhadela a Epworth nos ajudará a admirar ainda mais a pessoa de Samuel
Wesley. Epworth não era lugar muito grande. Era tão-só uma vila que contava com um
mercado e dois mil habitantes. Não obstante, distinguia-se por ser o lugar mais importante do
Distrito, conhecido com o nome de Ilha Axholme, cujas dimensões eram de 16 quilômetros
de comprimento por 6 quilômetros de largura. Epworth era a mais importante das sete
paróquias estabelecidas naquela região, e foi dedicada a Santo André. A paisagem não
era muito poética. Os terrenos pantanosos que circundavam a região davam-lhe aspecto
desolador. O solo era baixo e sujeito às inundações prolongadas. E ainda mais, os
habitantes não eram mui corteses com as pessoas que não fossem do mesmo estofo
(nível, categoria) social que eles.
O Rev. W. H. Fitchett nos pinta vividamente o caráter hostil dessa gente:
“Cinqüenta anos antes (que Samuel Wesley fosse estabelecer-se ali)
essa rude casta havia mantido uma guerra civil mal dissimulada com o
engenheiro holandês Comélio Vermuyden, a quem Guilherme de Orange havia
contratado para dessecar (tornar seco) esse velho pantanal: rompiam-lhe os
diques, espancavam seus operários, queimavam-Ihe as colheitas. Igual atitude
conservaram com o próprio

Samuel Wesley: acutilavam (golpeavam com

cutelo, agrediam com arma branca) suas vaquinhas e mutilavam as ovelhas;
rompiam os diques à noite para inundar-lhe o pequeno campo; perseguiam-no
amiúde por suas dívidas e trataram, não sem êxito, de queimar abertamente
a casa pastoral, para depois acusá-Io de que ele mesmo havia posto o fogo." (6)
Tal foi a comunidade a que serviu, durante trinta e nove anos, com paciência de
Jó. Perseguições, ódios, prisões não removeram de seu posto o pároco de Epworth.
Manteve sempre um temperamento decidido e valente. Uma vez e outra seus amigos
instaram com ele para que abandonasse esse lugar, mas ele não o fez. Em 1705
escreveu ao arcebispo de York, de sua prisão na fortaleza de Lincoln, o seguinte:
"A maioria de meus amigos me aconselha a abandonar Epworth, se é
que realmente me proponho sair daqui com vida. Confesso que não
compartilho essa idéia, porque imagino que posso ainda fazer algum bem ali;
sentir-me-ia covarde se desertasse do meu posto só porque o inimigo
concentra seus dardos inflamados contra mim. No momento chegaram a ferir- me,
mas creio que não poderão matar-me."(7)
Essas palavras "posso ainda fazer algum bem ali" expressam a confiança
maravilhosa de um homem sadio e de uma alma generosa. Oxalá muitos de nós tivesse o
mesmo espírito de resistência e esperança! Essa atitude merece respeito e admiração.
Evidentemente possuía a paciência de um santo. Mui poucas vezes se põem em
evidência os valores morais desse homem. Mas com freqüência se recordam com ironia sua
tediosa poesia e suas dívidas. Seria bom verificar se aqueles que acentuam sua inabilidade
financeira teriam podido fazer render melhor que ele seus minguados recebimentos,
diminuídos ainda mais pela hostilidade perversa de seus paroquianos! Talvez muitos
deles se entregassem ao desespero. Samuel fez o que esteve a seu alcance para
manter-se em dia, mas não lhe foi possível. Seu escasso salário e família numerosa não lho
permitiam. Extraordinário, sem dúvida, foi o fato que em meio a tantos tumultos e
necessidades, chegasse a escrever tanta poesia! Isso, certamente, o ajudou a viver.
Apesar de sua pobreza, empenhou-se em dar a seus filhos varões a melhor
educação que era possível obter na Inglaterra. Ele e sua esposa sacrificaram tudo a fim de
dotá-Ios convenientemente para a vida. Não se pode ler a carta que escreveu a seu filho
João, antes que este fosse ordenado, sem deixar de sentir grande admiração por esse
homem. Dizia-lhe, entre outras coisas:
"Lutarei durante por obter o dinheiro necessário para tua ordenação e o que for
necessário." (8)
Não somente providenciou dinheiro para os filhos que estavam na escola, mas
também, dia após dia, escrevia-Ihes cartas que eram de inapreciável mérito. As que

14
escreveram a seu filho Samuel (o mais velho dos varões), durante os anos 1706 a 1708 em
que este esteve na universidade, são de tal magnitude, que o lê-Ias ainda hoje nos comove.
Qualquer filho poderia sentir-se moral e espiritualmente elevado se seu pai lhas escrevesse.
Impregna-as um sensível espírito de piedade, amizade e sabedoria cristã. Não nos
admiremos, pois que seus filhos crescessem para ser tão sábios!
Um espírito heróico domina a fé de Samuel Wesley. Ante os desacertos mais
trágicos e provas mais terríveis de sua vida, sempre se manteve fiel a Deus. Jamais o
deixou de lado. Para ele, Deus era sempre o mesmo. Numa oração que nos deixou, dizia em
certo ponto:
"Estou cansado de minhas aflições, meu coração me falha, a luz de
meus olhos vai-se apagando,estou afundando-me em águas profundas e não
há quem possa ajudar-me. Mas ainda assim, espero em ti, meu Deus. Embora
todos me abandonem, o Senhor me susterá e nele encontrarei sempre a mais
verdadeira, a mais carinhosa, a mais compreensiva, infindável e poderosa
amizade. Deixem-me que nele eu alegre minha alma atribulada e descanse de
todas as minhas tristezas." (9)
Escrevendo ao Duque de Buckingham acerca do incêndio de sua casa pastoral
em 1709, depois de terminar de contar-lhe daquela noite trágica de incêndio, conclui:
“...tudo está perdido. Louvado seja Deus!" (10)
Esta última frase nos recorda a exclamação de Jó quando perdeu tudo o que de mais
querido possuíra na vida. Um pai, com tal fé e esse sereno espírito de submissão ao Senhor,
não podia senão influir de modo positivo na vida e pensamento de seus filhos. Esteve
sempre mui chegado a sua esposa. Não lhe deu toda a comodidade de que ela precisava,
mas lhe deu tudo o que esteve a seu alcance. Escrevendo a respeito dele, depois de
trinta anos de vida conjugal, Susana diz:
"Desde que tomei a meu esposo para o melhor ou para o pior, tenho
decidido permanecer sempre a seu lado. Onde ele viva, viverei eu; onde ele
morra, morrerei eu e ali serei sepultada. Queira Deus acabar comigo e fazer
mais ainda, se alguma outra coisa que não seja a própria morte nos chegue a
separar." (11)
Por sua vez, ele a tinha em grande estima. No semblante que deixou de sua

15
esposa, em seu poema ”A Vida de Cristo", encontramos estas duas linhas mui belas e
expressivas:
"Ela encheu de graça meu humilde teto e abençoou minha vida; em
sua bênção me foi muito mais que esposa." (12)
Samuel era homem erudito. Escreveu em latim seu último grande poema sobre
Jó. Amou muito a poesia. Foi uma das grandes paixões de sua vida. Ajudou-o em diversas
ocasiões a enfrentar as aperturas econômicas. Dominou bem o grego e o hebraico.
Gostava de estudar a Bíblia nas línguas originais. Conhecia também algo do idioma caldeu.
A João escreveu:
"Estou pensando, já faz algum tempo, em produzir uma edição em
formato oitavo da Bíblia Sagrada, em grego, hebraico, caldaico, no grego dos
Setenta e na Vulgata Latina, e já fiz alguns progressos nela." (13)
Nessa mesma carta pede a colaboração de João. Como vimos, Samuel foi fiel à
sua vocação pastoral. Por 39 anos batalhou com um povo quase selvagem. Mas
finalmente saiu vencedor. Em 1732 escreveu a seu filho Samuel

esforçando-se

por

induzi-lo a tomar seu posto. Uma das razões que lhe dava para que aceitasse sua
proposta, a que realmente põe em primeiro lugar, é esta:
"Minha primeira e maior razão para isso é que estou persuadido de que
servirás a Deus e a seu povo aqui melhor do que eu o fiz; embora, graças
sejam dadas a Deus!, depois de quase 40 anos de trabalho entre essa gente,
ela estará melhorando muito, havendo mais de cem presentes na última
celebração da Santa Ceia, quando geralmente não tenho tido mais de vinte." (14)
Uma vez e outra seus paroquianos tentaram destruir sua obra, mas nem por isso,
jamais se descoroçoou (desanimou). Prosseguiu seu caminho. Essa perseverança vamos
encontrá-Ia mais tarde aos adaís (líderes) metodistas, especialmente em seus filhos João e
Carlos. Estes, tampouco, recuaram quando se viram frente a frente com a oposição
mantida pelos clérigos da Igreja da Inglaterra. Coube-Ihes sofrer e esperar longo tempo,
mas finalmente os desprezados metodistas se impuseram à consciência pública,
contribuindo poderosamente para a própria vida nacional e melhorando sensivelmente
àqueles que os haviam perseguido e desprezado.

16
A religião de Samuel Wesley não era meramente formal. Ele acreditava que a pessoa
devia chegar a ter segurança interna da salvação. Sustentava que a alma devia manter
relação direta com seu Criador. Antes de morrer, ao ter certeza de seu fim próximo, disse a
João Wesley: “O testemunho interno, filho, o testemunho interno; esta é a prova, a prova
mais verdadeira do cristianismo.” (15)
E pouco antes de deixar este mundo exclamou:
"Pensai no céu, falai do céu; todo o tempo em que não estamos falando
do céu, está perdido." (16)
A religião era para Samuel a maior das realidades. Sempre foi seu mais alto refúgio
e seu mais acariciado interesse. Sem dúvida ele teve suas fraquezas. Nenhum homem é
perfeito. Tendo em conta, pois, a debilidade humana, seria melhor que avaliássemos o
homem pelo que haja produzido de bom e permanente. Está fora de dúvida que a
humanidade seria muito melhor se todos os pais fossem fiéis a seu Senhor e
dedicados a sua família como Samuel Wesley o foi, e se pudessem oferecer a Deus e à
sociedade o tipo de filhos que ele legou à Inglaterra e ao mundo.

NOTAS:
(1) Stevenson, G. J.: "Memorials of the 'Wesley Family", pág 4.
(2) Stevenson, G. J.: Op. Cit
(3) Pelo autor de "Wesley e seus Amigos”
4) Citado por Stevenson, G. J., Op. Cit. págs. 130-131, de uma carta que Samuel Wesley escreveu a seu filho João
com data de 21 de setembro de 1730.
(5) “Wesley and His Century", pág. 33. Stevenson, G. J., Op: Cit. pág. 92.
(6) “Wesley and His Century", pág. 33.
(7) Stevenson, G. J., Op: Cit. 92
(8) Stevenson, G. J., Op. Cit. pág 121
(9) Citado de Stevenson, G. J., Op. Cit. Pág 95.
(10) Ver carta em Stevenson, G. J., Op. Cit. 107-109.
(11) Citado de Stevenson, G. J., Op. Cit, pág 61.
Idem (She graces my humble roof, and blest my life, Blest me by a far greater name than wife).

(12)
(13)

Idem, pág. 120.
(14) Stevenson, G.J., Op. Cit. pág. 136.
(15) Idem, pág. 136.
(16) Idem, pág. 149.

17
CAPÍTULO SEGUNDO

OS VANGUARDEIROS - 2
Os antepassados de João e Carlos Wesley pela linha paterna

“...minha preocupação mais entranhável é por tua
alma imortal e por tua felicidade espiritual..."
Susana Wesley
Não muitas mulheres cristãs da têmpera e caráter de Susana Wesley, mãe de João e
Carlos Wesley, enumeram a história da Igreja. Susana possuía muitas características
que lhe deram lugar de destaque entre suas congêneres, principalmente pelo renome e.
obra de seus filhos. Não possuímos muitas notícias a respeito de seus antepassados, salvo
algumas memórias acerca do seu pai Samuel Annesley e de seu av materno, João
White, com os quais nos deteremos brevemente.

18
João White
João White era gaulês. Estudou também em Oxford, no Colégio de Jesus. Mais
tarde formou-se em leis e estabeleceu escritório de advocacia, de onde se empenhou na
defesa de muitos puritanos. Em 1636 foi eleito membro da Câmara dos Representantes,
opondo-se à política do rei Carlos I. Era presidente do "Comitê de Religião" e nessa
qualidade teve de haver-se com os casos de quase cem clérigos, cujas vidas não
harmonizavam com a posição que ocupavam. Como resultado dessa tarefa, que lhe
proporcionou ocasião para estudar a vida íntima do clero de sua época, publicou um
volume intitulado: "Primeiro Século de um Sacerdócio Malicioso e Escandaloso". Também foi
membro da "Assembléia de Teólogos" de Westminster. Consumiu-o cedo o zelo excessivo
com que se dedicava a suas múltiplas tarefas, a tal ponto que morreu ao contar tão-somente
54 anos de idade. Morreu em janeiro de 1644.
Uma coisa, entre outras, se impõe à recordação: num discurso que pronunciou no
parlamento, em 1641, tratou de provar que os ofícios de bispo e presbítero são a mesma
coisa. Asseverou, ainda, que as distinções que se fazem entre vigários, diáconos e outros
clérigos são produto de inovações humanas, sem razão de ser.

(1)

Não nos espantará,

pois, que João Wesley, seu bisneto, quase um século mais tarde, advogasse pela
igualdade de ordens entre o ofício de bispo, e de presbítero, e que o levasse, ante a
negativa de seu bispo, a ordenar alguns de seus pregadores itinerantes, ainda quando as leis
canônicas da Igreja da Inglaterra não lhe permitissem fazê-lo, a fim de prestar melhor serviço
eclesiástico por meio da Igreja Metodista que se havia formado na América do Norte, sob
alegação da independência política desse país.

19
Samuel Annesley
Da família do pai de Susana não temos outras notícias senão as do próprio Samuel
Annesley. Sabemos que era de linhagem aristocrática, primo-irmão do conde de
Anglesley, e que nascera no ano de 1620 na localidade de Haseley, Warwickshire. Seu pai
faleceu quando ele tinha apenas quatro anos de idade. Sua mãe, mulher mui piedosa,
ensinou-lhe a ter em muita estima a pureza de vida religiosa. Diz um seu biógrafo:
"Desde a infância seu coração sentiu o chamado para pregar, e, a fim de
estar em condições de fazer tal coisa, começou a ler a Bíblia seriamente
quando tinha somente 5 ou 6 anos de idade. E tal era seu ardor que se propôs ler
vinte capítulos por dia, costume que manteve até ao fim da vida." (2)

Quando completou quinze anos foi para a Universidade de Oxford, matriculando-se
no "Colégio da Rainha" (Queen's College), onde se graduou Mestre em Artes. Aos 24
anos decidiu dedicar-se ao trabalho da Igreja. Foi num período difícil para a Inglaterra, na
época em que seu rei estava contra o parlamento. Depois de receber diploma de Doutor em
Leis (LL.D.), foi nomeado capelão de um barco de guerra, posto que não o agradou,
abandonando-o logo para assumir a responsabilidade da paróquia de Cliffe, no condado de
Kent, em cujo pastorado permaneceu por muitos anos. A princípio os paroquianos não o
queriam, mas lamentaram quando os deixou. Sua fidelidade lhe havia ganho o amor do
povo. Teve de deixar o lugar por causa de algumas coisas duras que ele disse contra a
execução de Carlos I e contra Cromwell e outros oficiais da "Commonwealth". Em 1652
assumiu o cargo da pequena paróquia de São João Evangelista, em Londres. Em 1657 foi
nomeado leitor para a tarde de domingo na catedral de São Paulo. Mais tarde Ricardo
Cromwell (filho de Oliver Cromwell) nomeou-o vigário de São Gil onde serviu até 1662,
quando foi sancionado o "Ato de Uniformidade".
Era puritano convicto e, como Bartolomeu e João Wesley (o avô), manteve sua
liberdade de consciência renunciando aos privilégios de uma paróquia da Igreja Oficial.
Durante dez anos pregou em particular e sob circunstâncias difíceis. E pelo que se
chamou mais tarde o "Ato de Indulgência", obteve permissão para pregar no salão de
cultos de "Little Saint Helen's". Serviu ali com fidelidade até que foi chamado à vida
superior.
Casou-se duas vezes. Sua primeira esposa foi sepultada em 1649 e o único filho de
ambos faleceu também, em 1653. A segunda vez, desposou a filha de João White, em
1652, provavelmente depois de sua ida para Londres. De sua segunda esposa teve vinte e
quatro filhos, entre os quais Susana, mãe de João e Carlos Wesley, foi a última a
chegar. Era ela mulher de dotes piedosos e muita prudência, desvelando-se muito pela
instrução religiosa de seus filhos.
A casa de Samuel se constituiu em refúgio de muitos dissidentes e local de
encontro dos párocos não-conformistas. Aos jovens estudantes da "Academia dos
Dissidentes" era agradável estar em sua casa. Entre eles encontramos Samuel Wesley (pai
de João e Carlos), e sem dúvida, foi naquela época que travou conhecimento com aquela
com quem se casaria alguns anos mais tarde. Consta que o Dr. Annesley era mui frugal
em sua maneira de viver. Diz o historiador da família:
"Bebia tão-somente água. Estudava num cômodo no desvão de sua
casa, com as janelas abertas e sem aquecimento no verão ou no inverno.
Tinha uma renda considerável das propriedades que herdara, além de seu
salário, todavia separava para fins benevolentes a décima parte de tudo quanto
recebia, prática que punha em exercício antes de usar o restante em outras
coisas." (3)
Como verem os mais adiante, encontrarem os traços de algum as destas
características em seu neto João Wesley.
Susana Wesley
Susana Wesley ocupou o vigésimo quarto lugar entre os filhos que o Dr. Samuel
Annesley teve de seu segundo matrimônio. Nasceu ela em Londres, a 20 de janeiro de 1669.
Recebeu educação fora do comum para uma mulher de sua época. Além da língua materna,
estudou grego, latim e francês. De uma carta que seu esposo escrevera a seu filho Samuel
em 1707, infere-se que ela não tinha conhecimento mui esmerado de latim. O pai, ao
insinuar a seu filho que lhe escreva acerca de seus pensamentos mais íntimos, diz-lhe:
"...eu te prometo segredo, que mesmo tua mãe de nada saberá, a
menos que tu queiras que ela saiba, por isso seria conveniente que me
escrevesses em latim." (4)
Provavelmente ela o havia esquecido por não usá-lo, pois o Dr. Fitchett diz que o
conhecia em sua adolescência.(5)
Adornava-a uma inteligência brilhante e mente vivaz. Desde a infância manifestou
interesse incomum pela teologia. Depois de ponderar os motivos que haviam suscitado as
controvérsias entre os Dissidentes e a Igreja da Inglaterra, decidiu lançar sua sorte com esta.
Contava, então, 13 anos de idade. Casou-se com Samuel Wesley na primavera de 1689 e
trouxe ao mundo dezenove filhos no espaço de 21 anos. Sobreviveu sete anos além de seu
esposo. No entanto, quando faleceu, alcançou a mesma idade que ele tinha ao morrer,
isto é, 72 anos.
Nessa ocasião estava em Londres vivendo com seu filho João Wesley na
chamada Fundição (local de cultos que João Wesley adaptara de uma velha fundição de
canhões).
Certamente Susana foi uma das mais instruídas e inteligentes mulheres de sua
época. O Dr. Fitchett assevera que "ela era, provavelmente, a mulher mais capaz de toda a
Inglaterra em sua época".(6) Contudo, a grande glória de Susana não a encontramos em seus
conhecimentos intelectuais, e sim em seu poder de penetração e em sua
sensibilidade espiritual. Temos de admirá-la, também, por sua consagração aos
interesses e misteres do lar, pelo cuidado extremo que dedicou aos filhos, pela
intensidade de sua fé e a paciente integridade com que soube enfrentar as diversas e
contínuas provas de sua vida. Diz o Dr. Fitchett que lhe faltava veia humorística.
Possivelmente isso fosse verdade, mas devemos recordar,.nos de que era responsável
por uma família numerosa, e que muitas vezes tinha de engenhar para alimentá-la, de
modo particular quando o esposo estava no cárcere por causa das dívidas contraídas.
Estava sujeita a sofrer os desmandos do povo hostil, que, geralmente
demonstrava pouca ou nenhuma simpatia com sua família, e serenamente assistiu à
reiterada prova e humilhação de ver o esposo ir para o cárcere. Demais, sua saúde era
pobre, o que fez seu marido informar seu arcebispo: "Minha esposa está enferma a metade
do tempo". (7) Nestas circunstâncias era realmente difícil conservar veia humorística!
Foi esposa exemplar e mãe modelo. Como esposa sempre esteve pronta para
seguir o marido e secundá-lo em todas as ocasiões e provas. Por ele esteve disposta a
submeter-se aos maiores sacrifícios e a defendê-lo de qualquer ataque que alguém
ousasse fazer-lhe. Em todo sentido foi grande ajudadora, tanto em sua vida como em sua
obra. Como mãe, extremou-se em dispensar aos filhos o melhor e mais nobre do que é capaz
de oferecer a religião cristã. Talvez tenha sido mui severa e rígida em seus métodos
educativos. Todavia, o importante é que adotou um método e, acima de tudo, um método
digno dirigido para um fim elevado. Acostumava os filhos a ter horas marcadas para cada
dever, e ela foi a única professora que cada um deles teve na aldeia de Epworth. Seu
filho Samuel foi o único a quem providenciaram professor particular durante a infância.
Para Susana, o supremo no lar era a religião. Preocupava-se com extremo zelo
pela educação religiosa dos filhos. Esta foi a razão por que os filhos varões chegaram a ser
personagens tão distintos e úteis para o mundo todo. Separava, além

das devoções

familiares, uma hora semanal para cada um deles. No ano 1712 escreveu a seu esposo:
"Resolvi começar com meus próprios filhos e, portanto, me propus
observar o seguinte método: Tomo, da porção de tempo que posso
economizar cada noite, o necessário para discorrer com cada um deles,
separadamente, acerca do que seja sua principal necessidade. Segunda-feira
conversava com Molly, terça-feira com Hetty, quarta-feira com Mary, quinta-feira
com Jacky, sexta-feira com Patty, sábado com Carlos e domingo com Elimia e
Sukey juntas." (8)
Como vimos, a noite dedicada a João era a quinta-feira. Podemos imaginar a
influência que isso teria sobre sua jovem vida. Foi nesse mesmo ano quando escreveu
essa carta, que começou a ter reuniões em sua casa enquanto o esposo estava ausente
durante vários meses. Surpreendentemente a freqüência foi crescendo cada vez mais em

22
número. Às vezes mais de duzentas pessoas vieram ouvir suas exortações e a leitura de
sermões. Duas vezes, por instigação do ajudante de seu esposo, ela recebeu do marido
sugestão para que desistisse de dirigir tais reuniões, por achar que era conduta
inconveniente para uma mulher. Não obstante, ela continuou adiante com esse costume. E
respondendo à segunda carta, que sobre o assunto lhe escrevera o esposo, disse-lhe:
"Se tu, sem dúvida, pensas que é conveniente dissolver esta assembléia,
não me digas que desejas que eu o faça, porque isso não seria suficiente para
satisfazer a minha consciência. Se assim for, envia-me tua ordem positiva, em
termos tão completos e terminantes que me absolvam de toda culpa e castigo por
haver descuidado esta oportunidade de fazer o bem, no dia em que tu e eu
apareçamos diante do grande e terrível tribunal de Nosso Senhor Jesus
Cristo." (9)
Diante dessa ordem inequívoca, Samuel Wesley nada mais disse, nem mencionou o
assunto em cartas posteriores. Ela, portanto, continuou com as reuniões, o que
conquistou para a Igreja a simpatia e o interesse do povo que por tantos anos antes se
havia conservado alheio aos interesses religiosos. Desta maneira, trouxe

ela

grandes

benefícios à obra do esposo, maiores do que este conseguira durante muitos anos de seu
ministério ali. João e Carlos estavam em casa nesse período. Certamente que tais
reuniões deviam ter deixado funda impressão em suas mentes infantis. Sua mãe estava
iniciando-os numa prática que eles adotariam mais tarde em todo seu ministério: a de
dirigir reuniões de caráter devocional e evangelizador fora da Igreja.
A educação religiosa que ela principiara em casa com cada um dos filhos não se
interrompia quando eles saíam do lar por seus estudos ou outras razões. Continuava seu
ministério maternal através de cartas. A leitura das cartas que ela escrevia a seus filhos e a
seu esposo nos seria de grande benefício, pelo profundo espírito de piedade que exala de
todas elas. Através das palavras que traduziam seus pensamentos, vislumbramos a alma
de uma mãe zelosa ajoelhada diante do Senhor, rogando por bênçãos
permanentes a favor dos filhos. Exemplo do espírito que a incitava a escrever essas cartas
encontramo-lo no seguinte fragmento de uma que escrevera a sua filha Susana:
"Tu sabes mui bem como te amo. Amo teu corpo e rogo ferventemente a
Deus Todo-poderoso que to mantenha com saúde, que te conceda todas as
23
coisas necessárias a teu bem-estar e sustento neste mundo. Entretanto, minha
preocupação mais entranhável é por tua alma imortal e por tua felicidade
espiritual. Não posso expressar melhor meu interesse nesse sentido, senão
esforçando-me por instilar-te, a todo instante, aqueles princípios de
conhecimento e verdade que são absolutamente necessários para que te
empenhes em levar aqui uma vida virtuosa, que é o único que pode
infalivelmente assegurar tua felicidade eterna." (10)
Ainda que muitas vezes estivesse impossibilitada de mover-se por suas
freqüentes enfermidades, não se escusava de cumprir com sua obrigação de mãe cristã, e
empenhava-se, então, em escrever longas cartas a seu Samuel, ou a João, ou a
Susana, ou a Carlos. Mesmo depois que eles se casaram e eram portadores de graus
acadêmicos, continuou seu ministério paciente e epistolar, exortando-os a viver sempre
junto ao Senhor, e a servi-lo. De sua parte, freqüentem ente os filhos a consultavam
quando se lhes apresentava algum assunto importante para resolver. Mais de uma vez
ajudou a João no desenvolver de seu movimento religioso. Especialmente útil foi seu
conselho quando, nas Sociedades Metodistas, se iniciou a pregação leiga. Sua palavra,
discreta e serena, mui amiúde evitou que seu filho João, levado pelo impulso do
momento, tomasse resoluções precipitadas.
Vale a pena notar que atrás de cada grande homem da História, quase
invariavelmente se descobre o grande, piedoso e amoroso coração de uma mãe
consagrada.
Sua fé em Deus e em Cristo era maravilhosa. Nada, nem ninguém podia separar seu
coração da companhia de Deus. Foi mulher que sofreu muito, mas tanto ela quanto seu
esposo jamais olvidaram que Deus era sua fortaleza e salvação. Cria firmemente na eficácia
da oração intercessória. Orava com seus filhos quando viviam a seu lado, e por eles
quando se achavam ausentes, dedicando sempre muito tempo a suas devoções. Era muito
organizada, meticulosa e severa em muitos de seus métodos. A esse respeito escreveu
certa ocasião:
"Quando era jovem e dedicava demasiado tempo a diversões infantis,
resolvi não gastar em passatempos nem um só dia, mais do que eu pudesse
dedicar a minhas devoções pessoais."
Alguém que a conheceu muito intimamente escreveu :
"A graça manifestava-se em todos os seus passos, o zelo se refletia em
seus filhos e cada gesto seu expressava divindade e amor."
Em seus empreendimentos era pertinaz e perseverante. Basta um incidente para
ilustrar essa característica. Um dia o esposo havia estado observando-a enquanto ela instruía
a um de seus filhos. Num dado momento interrompeu-a para dizer-lhe:
"Admira-me a tua paciência. Disseste aquele menino vinte vezes a
mesma coisa." A isso ela respondeu: "Se eu me houvesse contentado em
dizê-la somente dezenove vezes teria perdido tudo. Pudeste verificar que foi
somente a vigésima que coroou meu trabalho." (11)
É muito possível que sua religião pudesse parecer, às vezes, demasiado
mecânica e formal. Entretanto, impregnava-a uma fé e esperança portadoras de muitas
bênçãos morais e espirituais. Sem dúvida que é melhor ter um método, a não ter nenhum e
esquecer-se dos ditames de uma vida religiosa. Por certo que o mundo é mais rico no que
se refere aos valores morais e espirituais, pela vida que levou essa mulher piedosa e heróica,
cujas virtudes se manifestara;m e desenvolveram tão meritoriamente no seio de sua casa e
família. Um dos estudiosos da história do metodismo fez sobre seu caráter este elogioso
comentário:
"Tenho-me familiarizado com muitas mulheres piedosas e tenho lido
sobre a vida de outras, mas de uma mulher como essa, completa e perfeita,
nunca tenho ouvido falar, tampouco tenho lido que existisse e jamais tenho
entrado em contacto com uma de .tal magnitude. Apenas Salomão descreveu no
final de seus Provérbios a uma tal como esta, e adotando suas palavras, posso
dizer: "Muitas mulheres procedem virtuosamente, mm Susana Wesley a todas
sobrepuja'." (12)
Ela, em verdade, foi uma dessas almas que mui raras vezes passam entre nós, e
cujas vidas exalam a íntima graça divina: amando, servindo e sofrendo em nobre silêncio.
Bem-aventurada seja sua memória!

25
NOTAS:
(1) Stevenson, Q. J., Op. Cit., pág. 158.
(2) Mc Tyeire, H. N.: "History of Methodism”, pág. 20
(3) Pelo autor de "Wesley and his Friends", pág. 20.
(4) Stevenson, G. J., Op. Cit. Pág. 104.
(5) Idem, pág 15.
(6) Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 16.
(7) Fitchett, W. H., Op. Cit., pág. 18.
8) Citado de uma carta que ela escreveu a 6 de fevereiro de 1712, Stevenson, G. J., Op. Cit. pág. 195
(9) Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 197, citado de uma carta que ela escrevera em 25 de fevereiro de 1712.
(10) De uma carta escrita de Epworth, a 13 de janeiro de 1709 ou 1710, citada por Stevenson, G. J., Op. Cit. 281.
(11) Wiseman, F. Luke, "Charles Wesley", pág. 19.
(12) Clarke, Adam Dr., citado por Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 230.
CAPÍTULO TERCEIRO

UM TIÇÃO
TIRADO AO FOGO
“O Mundo é minha paróquia”
João Wesley

Entre os grandes evangelistas e reformadores da Igreja Cristã está João Wesley,
filho de Susana e Samuel Wesley, dos quais já falamos em páginas anteriores, e
certamente figura entre os mais destacados. Sua figura singular atrai, todavia, a lealdade de
muitos milhões ao redor da Terra, como alguém que soube interpretar a Cristo e
apresentá-lo às multidões com a graça perdoadora e redentora que aparece no
Evangelho.
Como a maioria dos grandes reformadores e evangelistas da História, ele não estava
interessado no estabelecimento de um novo corpo eclesiástico que levasse seu nome, e
sim numa renovação da vida da Igreja e na formação de uma consciência aberta aos influxos
da graça divina. Que seu movimento se concretizasse mais tarde em uma nova denominação
foi conseqüência de fatores que ele não pôde controlar. É importante recordar, em conexão,
que João Wesley, como seu irmão Carlos, jamais abandonou as fileiras da Igreja Anglicana
a cujo ministério se consagrara. Demonstra isto que diverso era seu propósito ao iniciar o
movimento que outros, e não ele, batizaram-no com o nome de Metodista.
Nasceu João Wesley no já descrito povoado de Epworth, a 17 de junho de 1703. Sob

26
a vigilância e tutela de sua mãe iniciou-se primeiramente nas lides do intelecto. No dia em
que completou cinco anos, como soia (costumava) acontecer com todo filho de Susana, teve
de aprender de cor todo o alfabeto. E o primeiro livro de leitura que teve na vida foi a Bíblia.
Cresceu numa atmosfera impregnada de piedade e disciplina. Sua mãe, como nos
lembramos, era muito rigorosa em seu método educativo, e bem depressa João teve de
aprender a chorar em silêncio quando era castigado sob o conceito bíblico, segundo o qual,
quando a mão paterna ou materna castiga, fá-Io para saúde de quem recebe a correção. O
amor de seus pais era, portanto, temperado com essa rigidez disciplinar, que fazia parte da
herança deixada a sua família por seus antepassados. A vida, mais do que gozo, era
disciplina que devia conduzir o indivíduo aos caminhos celestiais e salvá-lo das
tentações "do mundo, da carne e do diabo". Diz o seguinte um comentarista da vida familiar
dos Wesley:
"Não se julgava, então, que merecesse o nome de educação o que não
estivesse baseado no cristianismo e santificado pela Palavra de Deus e pela
oração. A religião familiar, no lar dos Wesley, formava parte essencial de sua
disciplina. E era caso de consciência instruir as crianças e dependentes sobre a
natureza de seus deveres sociais, morais e espirituais. Também tinham por prática
separar dias especiais para a oração, para a humilhação em épocas de
calamidades, e para a ação de graças ao ser recipientes de benefícios
especiais. " (1)
Já vimos como Susana escreveu a seu esposo em 1712 que ela tomara a
resolução de separar uma hora por semana para estar a sós com cada um dos filhos.
João tinha essa entrevista com sua mãe à noite de quinta-feira. Contava nessa época
apenas 9 anos. Entretanto essa foi uma das vivências que mais impressionaram o
menino, e sua recordação duraria toda a vida. Mais tarde, quando ele se encontrava longe do
lar e em meio de lutas de seu apostolado evangelizante, escreveu a sua mãe rogando-lhe
que ainda separasse para ele aquela hora, de maneira que ela pudesse acompanháIo com
seus rogos e orações, ou escrever-lhe sobre coisas de ordem espiritual.
Acostumou-se, desde cedo, a separar cada hora do dia para algo em particular. Buscava,
desse modo, aproveitar ao máximo seu tempo, para não desperdiçá-lo por falta de
disciplina ou em frivolidades.
Por duas vezes a casa pastoral foi incendiada pelo populacho da paróquia durante a
27
infância de João Wesley. Uma vez queimou-se apenas em parte, e outra (em 1709)
totalmente, ficando destruídos os móveis, livros e manuscritos do pai. Na segunda
ocasião a mãe estava enferma, e com dificuldade pode escapar, não sem chamuscar as
mãos e o rosto. João achava-se dormindo no segundo piso. Quando perceberam isto, o pai
tentou resgatá-lo, mas era impossível: o fogo já havia tomado conta da escada que levava ao
andar superior. Então convidou os que haviam acudido ao local a ajoelhar-se e pedir a Deus
que recebesse em seu seio a alma do filho. Nesse momento se ouviu o choro do menino
que assomava (apareceu) desesperado pela janela de seu quarto. Ato contínuo um homem
subiu sobre os ombros de outro com tempo suficiente para alcançá-lo e descê-lo, livrando-o
do perigo. Feito isto, o teto caiu em chamas para dentro da casa. E à luz das chamas que
devoravam os restos da mansão, ajoelharam-se o grupo da casa pastoral e os vizinhos, a
convite do pai: "Vinde, vizinhos, ajoelhemo-nos e agradeçamos a Deus que me deu meus
oito filhos. Que se vá a casa! Sou suficientemente rico!"

(2)

E Wesley recordaria mais

de uma vez, ao longo da vida, este terrível incidente. Num de seus retratos mandou
gravar como emblema uma casa em chamas e a legenda: "Um tição tirado ao fogo!"
Aos 11 anos, isto é, em 1714, teve de deixar o lar e ir para Londres, onde
freqüentou como aluno interno até 1719 a escola Charterhouse. Naqueles dias a vida de um
interno era mui severa, e os meninos eram tratados com disciplina rígida, quase como se
estivessem num mosteiro. A situação se agravava ainda mais quando o aluno procedia de lar
pobre. Muitas vezes devia sofrer vexames da parte daqueles que se sentiam
superiores por sua posição social ou haveres de seus pais. João era por índole um tanto
tímido, e durante esses anos freqüentemente teve de suportar a fome, porque seus
colegas - coisa que era permitida nos internatos daquela época - tiravam-lhe a comida do
prato. Como era de constituição franzina, e por conselho paterno, cedo de manhã corria certo
número de vezes ao redor do edifício principal da escola, para fortalecer as pernas e os
pulmões. Hoje em dia consideraríamos tal disciplina inadequada, e trataríamos de ver que
um menino, em tais condições, tomasse mais alimento e vitaminas! Porém essas eram
outras épocas e os meninos não eram tratados como tais, e sim como adultos em miniaturas.
Tinham de aprender na rudeza da vida a fazer-se fortes e homens.
Por certo que foram anos de prova esses passados na Charterhouse. Ainda mais,
durante os mesmos fortaleceu-se-Ihe o ânimo e ele se preparou para aquela disciplina
que lhe seria necessária mais tarde, quando teve de fazer frente a tanta oposição e
perseguição. E periodicamente, como que para alentá-lo, chegavam as cartas de seus
pais, exortando-o a permanecer fiel a sua tradição religiosa no meio de tantos meninos que
não haviam tido, nem remotamente, a mesma influência cristã. O certo é que João Wesley
não guardou em sua memória recordações mui gratas daqueles anos. Olhava para eles
sem nostalgia, com sentimento de alívio; que sorte que haviam ficado para trás na história de
sua vida!
Em 1720 entrou para a Universidade de Oxford, assim como o haviam feito seus
antepassados, permanecendo ali, com pequenos intervalos, até 1735. Nos átrios
universitários não encontrou muito incentivo para aprofundar a vida religiosa. Nunca chegou a
perverter-se pelos costumes livres, quando não licenciosos e profanos, de seus colegas.
A religião era para ele, mais do que gozo interior, a observância de regras estritas.
Durante os anos que esteve ali se inclinou, primeiro para o formalismo e, depois, para uma
disciplina férrea. Essa religião deixava nele, com freqüentes assomos (indícios,
suspeitas) de crise, um sabor de descontentamento. Buscava cumprir os requisitos
legais, entretanto sua alma parecia ter fome de algo que não conseguia obter, e que ele não
sabia exatamente o que era. Como conseqüência se excedia em atos de caridade e
misericórdia, especialmente entre os pobres, os encarcerados e os enfermos. O motivo era
sempre mais do que, por um sentimento de solidariedade, buscar aplacar a "ira de Deus"
através desses atos e aparecer justificado ante os olhos divinos. Essa luta entre uma religião
formal e uma vivência pessoal interna da presença de Deus, perduraria muitos anos depois
de concluir seu curso de Bacharel em Artes. Durante aqueles anos sua peregrinação
espiritual sofreu muitos altibaixos (altos e baixos), apesar de haver-se ordenado
diácono em 1725 e presbítero em 1728.
Entre as influências que o ajudaram em sua formação religiosa destacam-se três
autores: Thomas Kempis, Jeremias Taylor e William Law, além de seu contacto com os
morávios (cristãos de origem na Morávia, Alemanha, cujo grande líder foi o Conde de
Zinzendorf) e de uma experiência missionária na colônia da Geórgia, região que hoje em dia
faz parte da América do Norte. Esses escritores, de caráter profundamente religioso e às
vezes especulativo, habituaram-no a pensar agudamente nos problemas da vida e da
morte, relacionados com a revelação cristã. Os morávios o levaram a busca de uma
religião que fosse expressão da fé pessoal em Cristo. E sua experiência missionária lhe
ensinou que, antes de poder evangelizar outros, o evangelista deve ter uma convicção
pessoal, profunda e íntima. Mui significativa é a confissão que escreve em seu Diário, em
fevereiro de 1738, ao voltar de sua aventura missionária na América, vendo novamente as
costas da Inglaterra: "Fui à América para converter os índios, mas, oh! quem me
converterá a mim?"

29
Somente depois de muito buscar nos escaninhos de sua consciência, de praticar
longamente com seus amigos morávios, de participar em reuniões de oração e exortação
com eles, chega à plenitude de sua experiência religiosa. Foi nessa inolvidável
(inesquecível) noite de 24 de maio de 1738, enquanto se realizava uma humilde reunião num
salãozinho de uma ruela de Londres, chamada AIdersgate, dirigida, presumivelmente, por
um leigo, cujo nome se desconhece, quando mediava (lia) a leitura do prefácio de Lutero à
epístola de São Paulo aos Romanos, que sentiu o amor de Deus "derramar-se em seu
coração".
É bem conhecida a descrição que ele mesmo faz dessa experiência. Narra-a em seu
Diário:
“Cerca das nove menos um quarto (20:45h), enquanto ouvia a
descrição que Lutero fazia sobre a mudança que Deus opera no coração
através da fé em Cristo, senti que meu coração ardia de maneira estranha.
Senti que em verdade eu confiava em Cristo, em Cristo somente para a salvação
e que uma certeza me foi dada de que ele havia tirado meus pecados, em
verdade os meus, e que me havia salvo da lei do pecado e da morte. Comecei a
orar com todo meu poder por aqueles que de alguma maneira especial me
haviam perseguido e insultado. Então testifiquei diante de todos os presentes
do que pela primeira vez sentia em meu coração." (3)
Desde esse momento sentiu-se novo homem e saiu dali "jubiloso" para ir em busca de
seu irmão Carlos, que na época estava enfermo, para informá-lo acerca de seu achado em
Cristo. Sentia-se com novos brios e indescritível entusiasmo. Mais tarde, interpretando
sua própria vivência religiosa através dos anos, diria que antes de Aldersgate sua relação
para com Deus havia sido a de um escravo para com seu senhor, e depois dessa época, a
de um filho para com seu pai. Foi a transferência de uma religião do temor para uma
religião de amor, de uma relação legal para uma relação de fé.

Não temos espaço suficiente para seguir toda sua trajetória espiritual desde 1724,
quando terminou o curso de Bacharel em Artes, até 1738, quando teve sua gloriosa
experiência. Já fizemos referência as suas ordenações. Mencionaremos ainda que em
1726, apenas um ano depois de sua primeira ordenação, foi nomeado tutor ("Fellow") na
Universidade de Oxford, no Colégio de "Lincoln", função que interrompeu entre 1727-
1729 para ser ajudante de seu pai na paróquia de Epworth.

Samuel alimentava

esperanças de que o filho o sucedesse após sua morte. Mas João voltou a Oxford em 1729,
insistindo com seu pai em que não se ajeitava mais viver longe dos átrios universitários.
Tinha ali muito mais tempo e oportunidade para satisfazer a sede de saber que
sempre o incitava a novos conhecimentos e estudos. Uma simples olhadela em seu
programa (atividades, agenda) intelectual daqueles dias nos claramente porque a vida em
Epworth não teve atração suficiente para retê-lo.
"Dava lições de grego e era monitor das classes; primeiro foi instrutor de
lógica e mais tarde de filosofia. Demais, em seu plano semanal de estudos
pessoais incluiu o hebraico, árabe, grego, latim, lógica, ética, metafísica, filosofia
natural, oratória, poesia e teologia." (4)
João Wesley permanece em seu posto de tutor e instrutor até o mês de outubro de
1735, quando se retira com seu irmão Carlos e outros dois companheiros
universitários para ir à Geórgia. Já fizemos referência a essa sua aventura missionária e
sua volta à Inglaterra que culminou com a experiência religiosa em Aldersgate.
Desde 1738 até 9 de março de 1791, dia de seu falecimento, não recuaria em sua
imortal obra evangelizadora, tarefa que levou a cabo em todo o Reino Unido da
Grã-Bretanha. Contar essa dramática história, cheia de emotivas e estranhas peripécias e
extraordinárias realizações no campo religioso, tomar-nos-ia muito espaço. Os que
desejam penetrar mais fundo na vida deste homem têm à sua disposição grande
variedade de livros e outros materiais. Temos espaço apenas para notar algumas das
muitas características desse longo ministério. Antes, porém, daremos outra nota
biográfica que pode ser de interesse para completar o quadro de confronto.
João Wesley, sempre tão sagaz e clarividente em seus contactos e conhecimentos da
natureza humana, foi muito infeliz na busca de uma companheira que o secundasse
(ajudasse, auxiliasse) em sua obra e lhe desse um lar onde refazer suas forças ao calor do
afeto familiar. Não teve êxito algum em várias tentativas que fizera, tanto na Inglaterra
como na América, e que terminaram por uma razão ou outra em desgostos e desilusões.
Finalmente, casou-se em 1752 com uma viúva, mãe de dois filhos, que havia sido esposa de
um comerciante de nome Vizelle ou Vazeille, mulher de certa inteligência, que
aparentava ter dotes suficientes para dar-lhe o lar de que necessitava. Mas logo

31
percebeu que essa não era mulher para seu temperamento e tarefas. Ele não era homem
que pudesse estar inerte em casa. Dois meses após o enlace (casamento) estava
novamente entregue de cheio (totalmente) à vida itinerante.
Ela o acompanhou por algum tempo, mas acostumada como estava a outro teor (ritmo)
de vida, não pode, naturalmente, dar-se a esse constante peregrinar. O Dr. Stevens a
descreve assim:
"Infensa (contrária, adversa) a viajar, desgostou-se igualmente com as
ausências habituais do esposo. Por fim seu desgosto tomou a forma de ciúmes
monomaníacos (seus ciúmes e desconfianças eram idéia fixa, obsessivos).
Durante quase vinte anos o perseguiu com suas suspeitas infundadas e
suas

importunações

intoleráveis.

Ante

essas

provações

destacou-se

admiravelmente a grandeza genuína do caráter de Wesley, posto que sua carreira
pública jamais cambaleou nem perdeu um jota (nada) de sua energia ou
êxito durante sua prolongada desgraça doméstica. Uma vez e outra ela o
abandonava, mas voltava em face das reiteradas insistências dele. Ela
abria, interpolava e expunha, então, perante seus inimigos (os que se
opunham a Wesley) a correspondência dele, e, algumas vezes, viajava até
cem milhas para ver, de uma janela, quem o acompanhava em sua carruagem.
Finalmente, tomando consigo porções de seu Diário e outros papéis, que
nunca devolveu, deixou-o em 1771 com a promessa de que j a ma i s v o l t a r i a . A
a l u s ã o q u e a e s t e f a t o e l e f a z e m s e u D i á r i o é caracteristicamente
lacônica. Não sabia, diz a causa imediata de sua determinação, e
acrescenta: "Non eam reliqui, non dimissi, non revocabo" ("Não a abandonei, não
a despedi, não a reclamarei de volta"). Viveu cerca de dez anos depois de
deixá-lo. Sua lápide sepulcral rememora suas virtudes como mãe e amiga, mas
não como esposa." ( 5)
Sabemos que tão logo depois de Aldersgate, João Wesley teve de fazer frente ao
antagonismo das autoridades eclesiásticas de sua própria Igreja, as quais achavam que
sua pregação, apesar de ser nitidamente bíblica e sincera, era de tipo revolucionário e
contrária aos cânones e ordenanças do eclesiasticismo oficial dominante. Viveu uma vida
peregrina de itinerante. Até onde lhe permitiram suas energias, viajou "a tempo e fora de
tempo", primeiro a cavalo e depois em carruagens. Calculou-se que andou cerca de
250.000 milhas, coisa assim de uns 400.000 quilômetros, e que pregou 42.400 sermões.

32
Naturalmente que estes não seriam todos diferentes; talvez seria melhor dizer que pregou
42.400 vezes, visto como confessou que só pregava bem um sermão depois de havê-lo
pregado umas trinta vezes. Possuía gênio organizador extraordinário que brotava de sua
maneira de ser metódico, pois jamais deixou de observar o hábito de dividir todas as
horas do dia entre suas diversas atividades, de tal maneira que sempre sobrasse algum
tempo para meditação, oração e estudo. Aos 82 anos ainda escrevia em seu Diário:
"Nunca me canso de escrever, de pregar e de viajar". Como ministro da Igreja Anglicana
jamais teve uma paróquia regular (uma igreja local onde exercesse seu pastorado) e,
apesar disso, não lhe cassaram as ordens. Mas quando lhe fecharam as portas da
Igreja, declarou: "O mundo é minha paróquia". Proclamava assim não apenas sua
independência das autoridades eclesiásticas mas também a amplitude de suas vistas.
Apesar de seu corpo estar sujeito a graves enfermidades, e mais de uma vez estar às
portas da morte, era de uma resistência admirável. Quase até ao fim de sua longa vida
esteve ativo, movendo-se de um lado para outro a fim de atender às múltiplas
necessidades de seu ministério. Nunca pensava em si mesmo, nem na possibilidade de
poupar energias. As necessidades humanas, fossem elas físicas, morais ou espirituais, não
lhe permitiam pensar em si mesmo. Toda a vida era uma oferenda a Deus, que se consumia
apaixonadamente no serviço a seus semelhantes. Comovedora é a anotação que registra em
seu Diário, quando já contava 81 anos:
"Terça-feira, 4 de janeiro de 1785. Durante esta estação usualmente
distribuímos carvão e pão entre os pobres da "sociedade" (grupo metodista). Mas
considerei que nas atuais circunstâncias necessitavam tanto de roupa como de
alimento. De modo que neste, assim como nos quatro dias seguintes, caminhei
pela cidade e solicitei duzentas libras esterlinas para vestir aos mais
necessitados. Sem dúvida foi trabalho duro, visto como a maioria das ruas
estavam cheias de neve em gelo, na qual mui amiúde me afundava até o
tornozelo, de maneira que meus pés andavam metidos na neve quase desde a
manhã até ao anoitecer. Passei muito bem até ao entardecer de sábado, mas
então tive de por-me na cama com violenta gripe, que agravava de hora em
hora, até que tive necessidade de que o Dr. Whitehead viesse ver-me às seis
horas da manhã. Sua primeira dose de medicamento me aliviou bastante e três ou
quatro mais completaram a cura. Se ele chegar a viver alguns anos, não duvido
que venha a ser um dos médicos mais eminentes da Europa."

33
Geralmente se levantava às 4h da manhã, e apesar de dizer que ele "nunca tinha
tempo para estar apressado", estava sempre em movimento e ocupado. Como o fizeram um
de seus avós, sua mãe, seu irmão Carlos e muitos outros de sua época, manteve um
diário, que hoje está reunido em muitos volumes, e cuja leitura ainda causa admiração de
quantos o lêem. Era, também, grande escritor de cartas, que foram recolhidas e formam
uma coleção considerável, estando também impressas. Além disso, era escritor incansável, e
tratou de muitos assuntos. Suas obras principais, porém, foram diversos comentários sobre
os textos bíblicos, especialmente do Novo Testamento, e as coleções de sermões para
pregadores itinerantes. Talvez nenhuma outra pessoa, por si mesma e por sua própria conta,
haja publicado tantos folhetos e livros como ele. Não só os distribuía pessoalmente, mas
também exortava a seus pregadores a que levassem sempre em suas maletas material
impresso para propagar a mensagem cristã. Entre os manuais que publicou tratou de uma
variedade de assuntos como teologia, poesia, música, história, moral, metafísica,
filosofia, política, etc. Procurava por em linguagem popular as obras mais clássicas. Seu
interesse na literatura não era pela literatura em si mesma, e sim para ilustrar (ensinar, dar
cultura) o povo de suas “sociedades”.
Certamente, se ele se houvesse dedicado à carreira militar teria chegado a ser um
grande estrategista, visto como na organização do movimento metodista demonstrou
possuir acabado caráter de organizador. Por isso que sua obra perdurou, não porque
somente era capaz de atrair para si as multidões a fim de ouvir suas mensagens, mas
também porque sabia agrupá-las em sociedades, classes e bands (pequenos grupos), de tal
maneira que mantinha constante supervisão sobre os aderentes e promovia desta maneira, o
aprofundamento de seu caráter cristão e a divulgação das doutrinas bíblicas.
Quando descobriu que os ministros da Igreja Anglicana não estavam dispostos a
acompanhá-lo em sua empresa (empreendimento) renovadora do espírito humano e dos
costumes sociais, lançou mão de pregadores leigos, não ordenados, aos quais mantinha em
constante movimento e dos quais exigia disciplina tão férrea quanto a sua, procurando
suplementar-Ihes a falta de conhecimentos teológicos pelas leituras abundantes e estudos de
caráter pessoal.
Não compreendia que houvesse pregadores capazes de cumprir com suas
obrigações de proclamar a mensagem cristã, sem estudo constante e diário de seis horas,
pelo menos. Isto se devia, em parte, porque ele mesmo se dedicava constantemente à
34
leitura, não só em horas de sossego ou tranqüilidade, mas também quando viajava a
cavalo.
Por certo não podemos dizer que João Wesley fosse um grande teólogo, como
Calvino ou Lutero. Foi, antes de tudo, um evangelista, um homem que deu lugar
proeminente à Bíblia, e de modo particular ao Novo Testamento. As "Notas" que escreveu
sobre o Novo Testamento vieram a ser uma espécie de compêndio normativo obrigatório para
qualquer pregador metodista. Em sua exposição bíblica não seguia nenhuma escola em
particular. Era Cristo que, em realidade, dominava seu pensamento e interpretação, e seu
espírito era a medida para julgar o valor de determinadas personagens ou idéias. Sua ênfase
estava centralizada em Cristo e na salvação que cada ser humano pode receber somente
pela fé nele. Apesar de o homem não se salvar pelas obras, estas são
imprescindíveis para revelar o caráter dessa fé. A salvação não é oferecida apenas a uns
quantos eleitos: a salvação está ao alcance de todo ser humano que atenda ao convite divino.
Deus em Cristo chama a todos os homens, e são estes os que decidem acerca de seu
destino, quer ao aceitar ou recusar a graça divina.

Assim, crendo que a salvação é universal (franca e possível para todos),
empenhou-se em proclamar e em que se proclamasse, com caráter de urgência, o
Evangelho "a tempo e fora de tempo ", em qualquer lugar e a toda gente, visto como "Deus
não faz acepção de pessoas", mas recebe a todo aquele que confessa seu pecado e aceita
seu perdão e sua graça. O Espírito Santo está ao alcance de qualquer pessoa que se
exponha a sua influência, e deve ser o poder dominante na vida do cristão, de tal maneira que
chegue a exclamar, por sua presença em sua vida: "Aba, Pai ", isto é, que sinta intimamente
que Deus é o Pai celestial que o ama, perdoa e salva, e que está sempre perto de quem o
busca. Ademais, o Espírito Santo conduz pelo caminho da santificação e perfeição a toda
pessoa que busque sua direção. Não obstante, João Wesley nunca afirmou que ele
mesmo houvesse alcançado tal grau de perfeição, capaz de eximi-lo de toda vigilância e
disciplina pessoal, embora cresse firmemente que a vontade de Deus é poderosa para
converter um pecador em um santo completo (uma pessoa com a vida santificada). Como
vemos, nada há de realmente novo na "teologia" de João Wesley, senão um destaque de
elementos que deveriam estar sempre à flor da consciência cristã. Um dos bispos da Igreja
Metodista ao considerar a natureza do Metodismo, escreveu:
"Não foi uma nova doutrina, mas uma nova vida que os primeiros
metodistas buscaram para si e para os outros. Conseguir que fosse real, no

35
coração e na conduta dos homens, o verdadeiro ideal do cristianismo, e manter a
experiência pessoal do mesmo e estendê-la a outros - esse era seu
propósito. A controvérsia deles não era com a Igreja ou as autoridades estatais,
mas com o pecado e Satanás. Seu único objetivo era o de salvar almas." (6)
Em conexão com isto, cabe consignar aqui a própria opinião de Wesley: "Creio que o
Deus misericordioso leva mais em consideração a vida e a maneira de ser dos homens que
suas idéias. Creio que aceita mais a bondade do coração que a glória do mundo".
Esta declaração de Wesley revela, ainda, que ele era mui tolerante, quanto a idéias
teológicas. Embora seja importante o que alguém pensa, é mais importante ainda o que esse
alguém é. Dizia também: "Dez mil opiniões podem separar-nos, mas se o teu coração
é como o meu, aperta-me a mão, porque somos irmãos".
Talvez não seja próprio que nesta época façamos as coisas da mesma maneira
como esse grande homem as levava a cabo, nem seja recomendável usar as mesmas figuras
de pensamento ao apresentar o Evangelho. Não obstante, o movimento metodista nos legou
características que são de valor permanente, e que jamais poderemos ignorar ou desprezar,
porque, em realidade, não emanam da mente ou vontade de João Wesley, mas da mente
e vontade de Cristo, que nos ordenou que fôssemos por todo o mundo pregando o Evangelho
a toda criatura.
Anualmente nossos irmãos metodistas da Inglaterra elegem um presidente de
sua Conferência Anual. Ao assumir o cargo, o novo presidente recebe das mãos do
anterior um pequeno livro surrado, como símbolo de autoridade: é o Novo Testamento que
João Wesley usava em suas pregações ao ar livre, quando as multidões que não cabiam nos
templos vinham a ele para ouvir a Palavra de Deus. Simbolicamente também recebemos de
suas mãos esse Livro Santo para que passemos, com a mesma paixão e urgência, seu
conteúdo às almas afligidas e aos corações extraviados.
Não podemos viver de uma tradição por muito heróica que seja. Em nós mesmos
temos de ouvir a urgência inquietante do "Ai de mim se não pregar o Evangelho!”

NOTAS:
(1) Beal, William Rev., citado por Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 16.
(2) Etevens, A., "History of Methodism", VoI. I, págs. 59 e 60.
(3) “A New History of Methodism", editado por Townsend, W. J. e outros, VoI. I, pág. 200.

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(4) “A New History of Methodism", VoI. I, pág. 178.
(5) Op. Cit., VoI. I, págs. 370-371.
(6) Mc Tyeire, H. N., “History of Methodism”, pág. 13.
CAPÍTULO QUARTO

O ARAUTO MELODIOSO
" Tudo em ti encontro, ó Cristo, e de nada mais preciso ".
Carlos Wesley

O décimo oitavo filho, o último varão de Samuel e Susana Wesley, foi Carlos, que
nasceu, segundo se presume, no dia 18 de dezembro de 1707 (alguns historiadores dão o
ano de 1708). Seu prematuro nascimento ocorreu algumas semanas antes do tempo, e ao
nascer parecia mais morto que vivo, já que não chorava nem abria os olhos.
Conservaram-no em algodões até a época em que devia nascer, e completado o tempo
normal, dizem que abriu os olhos e chorou. Como seu irmão João, do qual era mais novo
cinco anos, nasceu na casa pastoral de Epworth e foi submetido à mesma disciplina
familiar. Era de disposição mais jovial que seu irmão e dotado de estro (talento) poético.
João Gambold, seu companheiro do "Clube Santo", que chegou a ser bispo
morávio, dentre outras considerações que fizera a respeito de Carlos, deixou do seu
temperamento este retrato:
"Para pontilhar o caráter de Carlos, basta dizer que era homem feito
para a amizade. Por sua jovialidade e viveza (vivacidade) era capaz de suavizar
o coração de seus amigos, e, por seu hábito franco e independente, não deixava
lugar a incompreensões.“ (1)
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Em 1716 foi para a escola de Westminster. Seu irmão mais velho, Samuel, que vivia
em Londres e já tinha vida independente, pagava-lhe os estudos e o pai provia-lhe a roupa.
Mas evidenciou tal inteligência que lhe foi outorgado o prêmio "Aluno do Rei" (King's
Scholar). Segundo o historiador da escola de Westminster, essa distinção "conferia
para sempre, ao que a recebia, tal sentimento de orgulho que nenhum rapaz de outra escola
jamais experimentava. Haver sido Aluno do Rei não é mui pequena honra". (2) De aí em diante
suas despesas foram pagas pela fundação escolar (1721).
Nesse período apresentou-se a Carlos a oportunidade de ser herdeiro de um rico
parente de nome Garrett Wesley. Este possuía muitas propriedades na Irlanda e queria
adotar um rapaz de sua parentela que levasse o nome de Carlos. Escreveu, pois, à
família pastoral de Epworth perguntando se não contava em seu seio com alguém de tal
nome. Informado de que havia e se encontrava em Londres, enviou dinheiro para
mantê-Io estudando por alguns anos. Mais tarde foi vê-Io na escola e fez-Ihe pessoalmente o
oferecimento. Os pais não quiseram tomar a decisão, deixando que o rapaz mesmo
resolvesse, e ele declinou da oferta! O Sr. Garrett adotou, então, a um outro jovem de nome
Ricardo Colley, que mudou seu nome pelo de seu benfeitor. Viria a ser o avô do Duque
de Wellington, o vencedor de Napoleão, em Waterloo. Carlos abriu mão de uma fortuna e de
um título.
Em 1726 terminou os estudos secundários e entrou para a Universidade de Oxford,
onde foi eleito para freqüentar o colégio Christ Church, com uma bolsa de estudos de cem
libras esterlinas anuais. Assim como se distinguira anteriormente em seus estudos,
continuou sobressaindo-se na Universidade, a tal ponto que, como seu irmão, pouco
depois de graduar-se também foi nomeado tutor de seu colégio. Seguindo o exemplo de
seu irmão João, esforçou-se por levar vida metódica e séria. Foi ele que, em 1729, com
alguns outros companheiros da mesma tendência, fundou o que se chamou "Clube Santo".
Os que lhe aderiram eram poucos. Reuniam-se duas vezes por semana ao
entardecer, para dedicar o período das 6h às 9h à oração, ao estudo do Novo Testamento e
aos autores clássicos. Passavam em revista seu trabalho e faziam planos para os dias
seguintes. Também jejuavam duas vezes por semana, tratando ao mesmo tempo de fazer
um exame introspectivo, e participavam da Santa Ceia semanalmente. E com muita
diligência empregavam-se em atos de caridade e de visitas aos presos.

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Porque esse grupo se regia por um horário estrito e viviam uma vida ordenada,
suportava a zombaria dos colegas que pouco se consagravam aos estudos e à piedade.
Seus componentes eram apodados (apelidados pejorativamente) de “metodistas”,
nome que mais tarde se daria igualmente aos que vieram a formar parte das "Sociedades
Unidas" fundadas por João Wesley. Este, nessa época, como já vimos, encontrava-se em
Epworth ajudando o pai nas lides ministeriais. Quando voltou encontrou o "Clube Santo" em
pleno funcionamento, e como coisa, natural aderiu a ele. Por ser o mais velho e o mais
responsável, foi-lhe confiada a direção do grupo.
Nesse mesmo ano (1729) Carlos adotou o costume de manter um diário, hábito que
teve por quase cinqüenta anos.
Apesar de haver concluído os estudos e de haver sido ordenado clérigo da Igreja
Anglicana, permaneceu na Universidade em sua função de tutor até 14 de outubro de 1735
quando, com seu irmão João, foi para a Geórgia, na América do Norte. Sua atribuição era
servir de secretário do General Oglethorpe, governador da então Colônia. Sua estada,
porém, durou menos de um ano, porque em agosto de 1736 embarcou de retorno à terra
natal onde chegou em dezembro. Suas experiências em terras americanas não foram
muito mais felizes do que as de seu irmão. Passou muito tempo enfermo, e as intrigas
que se armaram ali contra ele chegaram a tal ponto que quiseram assassiná-lo. Depois de
um período tumultuoso, durante o qual se indispôs com o general, decidiu deixar a Geórgia e
reassumir o ministério em sua terra natal.
Voltou à Universidade de Oxford onde continuou com os labores de instrutor e com a
visitação aos presos na prisão comumente conhecida pelo nome de "Castelo". Devido a seu
estado físico não começou a pregar até metade do ano 1737, e, quando o fez, sua pregação
revelava-se como algo mui formal e lhe faltava aquele fogo que pudesse proporcionar-lhe a
satisfação íntima que anelava. Nesse mesmo ano entrou em contato com os morávios
(cristãos originários da Moravia, Alemanha) e teve conversações freqüentes com o Conde de
Zinzendorf, líder do movimento, e que nessa ocasião se encontrava em Londres fazendo
provisões a favor dos imigrantes morávios estabelecidos, ou por estabelecer-se, na
colônia de Geórgia. Entre os que se aprestavam (dispuseram) para ir à Geórgia estava o
pastor Pedro Böhler, que procurou Carlos na Universidade para que este lhe ensinasse
inglês. Foi durante essas aulas que Carlos Wesley adquiriu mais cabal conhecimento da
vida religiosa dos morávios e se instruiu mais a fundo sobre a natureza da oração e da fé.
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Em fevereiro de 1738 Carlos caiu muito enfermo. Uma noite, sendo já bem tarde e
estando ele muito mal, visitou-o Pedro Böhler. Carlos pediu-lhe que orasse a seu favor.
Depois da oração, disse-lhe: "Tu não morrerás". Três dias depois disto melhorou e
parecia voltar novamente à plenitude da vida. Os médicos lhe recomendaram que
mantivesse sua posição em Oxford e não tratasse, como pensava, de voltar à Geórgia.
No mês de maio o encontramos vivendo em casa de João Bray, a quem descreve como
"um pobre mecânico ignorante, que não conhece outra coisa senão a Cristo, e que por
conhecê-lo sabe discernir todas as coisas". Foi viver com ele para aproveitar sua simples
companhia espiritual e descobrir o segredo de uma vida religiosa tão cheia de íntimo gozo
e isenta de apreensões. Ainda estava muito fraco quando foi viver na casa de João Bray. Tão
debilitado estava que tiveram de levá-lo numa cadeira. Freqüentemente convidava Bray
para orar com ele e por ele. Foi nesse período que um de seus amigos, o Holland,
o familiarizou com o comentário que Lutero fez sobre a carta de São Paulo aos Gálatas.
Sua leitura lhe fez muito bem e Carlos chegou a compreender claramente o que era viver pela
fé. E o que mais o impressionou foi a referência à passagem: "... que me amou e a si mesmo
se entregou por mim". Na noite desse mesmo mês, que era Pentecoste, chegou
finalmente à convicção íntima de que possuía a verdadeira fé em Cristo, antecipando-se três
dias à experiência que seu irmão teria na rua Aldersgate e da qual já fizemos
referência. Sentiu-se renovado não só no espírito mas também no corpo. Para comemorar
tão transcendental acontecimento, na terça-feira seguinte escreveu o que é considerado o
primeiro hino metodista. Sua primeira linha diz assim:
"W here shall my wondering soul begin?"
(Onde minha alma errante encontrará refúgio?)
Nesse hino expressa sua inaptidão para celebrar em seus justos termos o
extraordinário acontecimento de sua recuperação física e espiritual, e compara-se a um
"tição tirado ao fogo eterno". Confia, porém, em que lhe será dado como proclamar a
bondade de Deus que o arrancara das garras do inferno para convertê-lo num de seus
filhos, ou por haver recebido a certeza de que seus pecados haviam sido perdoados,
fazendo-o gozar, assim, o céu por antecipação. Pergunta se seria justo e apropriado
ocultar esse sinal do favor divino em seu coração, sem partilhar com outros o privilégio da
salvação. Responde que não; ainda que o diabo e suas hostes arremetessem contra ele,
teria de proclamar igualmente que Jesus sempre é o mesmo amigo dos pecadores. E
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termina fazendo um apelo comovente, chamando os pecadores de qualquer natureza a
que venham receber o abraço daquele que está com seus braços estendidos
esperando-os.
Ao que parece, este foi o hino que cantaram na noite de 24 para celebrar a notável
experiência religiosa de seu irmão João, quando este voltou jubiloso depois da reunião de
Aldersgate em companhia de outros que com ele haviam estado juntos, para comemorar o
acontecido. Um ano mais tarde, ao comemorar o primeiro aniversário de sua
experiência, Carlos escreveria aquele outro hino tão querido dos cristãos evangélicos do
mundo inteiro, e que começa assim:
"Oh for a thousand tongues to sing"
(Quem me dera ter mil vozes para celebrar).
Ele que desejava, como diz o original, possuir "mil línguas" para cantar a glória de
seu Senhor. E através de sua longa carreira chegou a escrever algo em torno de seis mil e
seiscentos hinos, numa média de três por semana. Talvez esses hinos, mais que a própria
pregação, penetraram na consciência e vida daqueles que foram alcançados pelo
movimento metodista. O maravilhoso está em que induziram um povo triste e
desanimado a cantar, e muitas vezes a emoção era tão profunda que chegava a arrancar
lágrimas dos que cantavam! Lutero disse em certa ocasião sobre o emprego religioso da boa
música: "O diabo pode agüentar qualquer coisa, exceto a boa música, e esta o faz rugir".
Por certo o diabo teve de rugir freqüentes vezes ante o efeito benéfico das canções de Carlos!
Com freqüência a urgência da inspiração era tal que, ao chegar a algum local, descia do
cavalo correndo e gritando: "Dai-me papel, papel e tinta". Outras vezes, sobre a própria cela
de sua cavalgadura, escrevia no papel o sentir tumultuário (agitado) de seu coração
inflamado.
Em 1739 publicou seu primeiro hinário com o título "Hymns and Sacred Poems"
(Hinos e Poemas Sacros). No mesmo ano se fizeram três edições desse hinário.
Escreveu sobre uma variedade ilimitada de temas que incluem toda a escala da vida
religiosa. Diz um comentarista:
"A variedade dos assuntos que ocupavam sua mente é tão extensa que pode incluir
quase todo acontecimento ou circunstância concebível na vida." (3)
45
41
João de La Flechère (ver capítulo sétimo) escrevendo sobre a coleção de hinos que
Carlos e João Wesley publicaram e seu valor para a vida religiosa dessa época, disse as
seguintes palavras: "Uma das maiores bênçãos com que Deus agraciou os metodistas,
depois da Bíblia, são suas coleções de hinos".
La Flechère tinha razão. Apesar de a maioria dos hinos de Carlos caírem no olvido
(esquecimento), pois só serviram ao momento e à época que os inspiraram, já que não
tinham valor literário ou devocional permanente, uns tantos ficaram formando parte da
hinologia cristã universal. O que estas páginas escreve (ou seja, o autor desse livro), certa
vez se encontrava em Londres num entardecer de domingo. Perto do hotel havia uma
igreja Batista, e ali resolveu assistir ao culto, por não aventurar-se a ir mais longe.
Quando entrou no templo, faltando uns minutos para começar o serviço religioso, tomou
de um hinário e leu a introdução. Dizia o compilador (o organizador do hinário) que aqueles
hinos haviam sido escolhidos com o propósito de que estivessem enquadrados dentro da
tradição Batista. Quando o pastor se levantou e anunciou o primeiro hino congregacional,
este era da pena (de autoria) de Carlos Wesley!
Tão logo Carlos melhorou de saúde, voltou com renovadas forças para a vida pública
pregando sem cessar, onde quer que a ocasião se lhe apresentasse, embora não o tenha
feito ao ar livre até junho de 1739, época em que começou a pregar aos mineiros da região de
Moorfields. Um de seus temas favoritos baseava-se nas palavras de Cristo: "Vinde a mim
todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei". Desde 1739 até 1771 o
centro principal de suas atividades foi a cidade de Bristol e mais tarde seria Londres.
Como seu irmão João, esteve sempre ocupado em viagens, indo de povoado em povoado.
Especialmente durante os primeiros anos do movimento, sua vida esteve sujeita a
constantes ameaças e tumultos promovidos pelo populacho instigado pelos clérigos
regulares. Entre os anos 1741-1743 de maneira especial esteve em sério perigo muitas
vezes. É pena que não possamos acompanhá-lo nessas aventuras, que reeditam em muitas
instâncias cenas comovedoras dos primeiros tempos do cristianismo. No entanto, para
dar uma idéia de sua têmpera (temperamento, inteireza de caráter), serenidade e valentia,
citaremos o que ele mesmo escreveu em seu Diário acerca dos ataques que o populacho
dirigiu contra uma capela no interior da Inglaterra, onde ele se encontrava dirigindo um culto.
Diz o Diário:
46
42
"...eles resolveram demolir a casa de oração e começaram a obra
enquanto estávamos orando e louvando a Deus. Foi uma ocasião gloriosa para
nós. Cada palavra de exortação penetrou fundo. Cada oração encontrou eco e
muitos acharam o espírito de glória descansando sobre eles."
A turbamulta (grande multidão, turbilhão) continuou durante grande parte da noite
em seu intento de derrubar as paredes e penetrar a casa. Ele e a congregação se
conservaram onde estavam, pois não teria sido prudente retirar-se do local. Não
conseguiram os atacantes seu intento; apesar disso, pela manhã se verificou que
parte do edifício estava destruído. O evangelista comenta em seu Diário:
"E seus gritos, de quando em quando, me despertaram durante a
noite, mas creio que eu dormi mais que os outros".
Dominado por seu espírito de aventura e irresistível senso de responsabilidade pela
salvação do próximo, às 5h da manhã animou-se a sair da casa para pregar ao ar livre
nessa mesma cidade. Fê-lo durante todo o dia sob constantes ameaças. À noite, ao
regressar a seu quarto, encontrou-o desmantelado (destruído). Não obstante, passou
ali a noite exposto ao frio e ao perigo.
Dessa fibra indômita eram não somente ele e seu irmão João, mas todos aqueles
que nesses dias os acompanhavam na gloriosa aventura de pregar o Evangelho a toda
criatura. Apesar de não ser pregador itinerante do tipo de seu irmão João, sem dúvida não lhe
ficou na traseira, pelo menos até 8 de abril de 1749, época de seu casamento, quando limitou
suas saídas. Então se dedicou mais à obra literária, especialmente a poética. Seu irmão
João, muito a contragosto, consentiu no casamento de Carlos, pois temia que isso viria, como
de fato veio, diminuir a atividade de seu ministério itinerante.
Carlos Wesley casou-se com a senhorita Sara Gwynne. Em virtude disso, João lhe
dava uma anuidade de cem libras esterlinas, provenientes da venda de livros que publicava.
Carlos e Sara formaram um lar modelo, pois eram admiravelmente congeniais (tinham
gênios que combinavam, feitos um para o outro). Quando se casaram tinha ela a reputação
de ser mulher mui formosa, mas alguns anos depois foi acometida de varíola, que a
desfigurou completamente.
47
43
No dia de seu casamento Carlos se levantou às quatro horas da manhã e com seu
irmão João e outros familiares, passou quatro horas em oração, cantando salmos e hinos
antes da cerimônia. João abençoou as bodas. Em conexão com isto desejamos sublinhar
que, apesar das diferenças de temperamento e de nem sempre coincidir nos pormenores das
resoluções e nas atitudes que tomavam, especialmente com relação à Igreja Oficial (Carlos
neste ponto era mais conservador que João), raramente encontramos dois irmãos
estimando-se e querendo-se tão estreitamente como eles, colaborando com tanta eficácia e
por tantos anos na mesma obra. Carlos morreu no dia 29 de março de 1788, quando tinha
pouco mais de 80 anos e foi sepultado no dia 5 de abril no cemitério da Igreja de Marylebone.
Sua esposa sobreviveu a ele longo tempo. Terminou ela sua carreira terrenal aos 92
anos, falecendo em 1822. De seus filhos (tiveram oito e apenas três cresceram)
somente dois, Carlos e Samuel, herdariam seu temperamento artístico. Costumavam dar
concertos no "living" de sua casa e a esses concertos compareciam muitos dos mais
notáveis músicos de Londres. João Wesley assistia ocasionalmente a essas tertúlias
(reuniões familiares) musicais, embora não harmonizassem com seu temperamento.
Uma das características mais salientes da longa carreira ministerial de Carlos Wesley
foi a de exercer incessantemente seu ministério entre os prisioneiros, aos quais dedicava
terna consideração. Recordemo-nos de que, naquela época, especialmente os
desprotegidos da sorte (pobres e miseráveis), e às vezes por motivos que hoje possam
nos parecer triviais, eram condenados a muitos anos de prisão e em cárceres que mais
pareciam círculos infernais. Número impressionante deles eram condenados a morrer na
forca. Era muito comum justiçar ao mesmo tempo alguns deles a fim de fazer disso um
espetáculo público para escarmento (lição, exemplo) dos demais. A referência que o
historiador Stevens faz de seu ministério particular aos prisioneiros é a que segue:
"Até o último ano de vida manteve seu hábito metodista de ministrar aos
condenados das prisões, tal como o fizera primeiramente em Oxford, visitando-os
em suas celas e apresentando seus casos às congregações para que se orasse
publicamente. A última de suas publicações poéticas, publicada somente três
anos antes de sua morte, tinha por título: "Orações para Malfeitores
Condenados".

(4)

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As raízes do metodismo

  • 1. Estranha Estirpe De Audazes de Sante Uberto Barbieri Do original argentino: “Uma Extraña Estirpe de Audaces” Tradução de LUIZ A. CARUSO IMPRENSA METODISTA Estrada do Vergueiro, 2500 São Bernardo - SP NOTAS DESTA EDIÇÃO ON LINE: 1 - Foram acrescentados ao texto do livro alguns sinônimos e notas para essa edição eletrônica, sempre entre parênteses e com a fonte na cor bordô. 2 - O livro publicado em português tem muitos erros de composição e grafia. Conseguimos acertar quase tudo no texto do livro, menos as notas de rodapé, que por falta de acesso a um livro na edição original em espanhol, não tivemos como proceder as correções. De modo que na presente edição, elas estão como estão no livro em português. 1
  • 2. DEDICATÓRIA Em sinal de gratidão a meu mestre de História Eclesiástica na “Southern Methodist U n i v e r s i t y ” Dallas, Texas, U. S. A.., DR. ROBERT W . GOODLOE Que me revelou o mistério e encantamento dessa “Estranha Estirpe de Audazes” e Flávia e Mary, meus filhos, agora servindo ao Senhor na Bolívia, para que recolham as “Cintilações Inextinguíveis” dessa “Estirpe” e sigam em pós de sua luz, carinhosamente dedico estas páginas.
  • 3. INDICE INTRODUÇÃO CAPÍTULO I - Os vanguardeiros - Parte I - Os antepassados de João e Carlos Wesley pela linha paterna. - Bartolomeu Wesley - João Wesley, o avô - Samuel Wesley, o pai CAPÍTULO II - Os vanguardeiros - Parte II - Os antepassados de João e Carlos Wesley pela linha materna - João White - Samuel Annesley, o avô - Suzana Wesley, a mãe. CAPÍTULO III - Um tição tirado ao fogo - João Wesley CAPÍTULO IV - O arauto melodioso - Carlos Wesley CAPÍTULO V - O filho de um taverneiro - Jorge Whitefield CAPÍTULO VI - Uma estrela da Graça - Selina Shirle, a Lady e Condessa de Huntingdon CAPÍTULO VII - O paladino da divina Misericórdia - João Guilherme de La Flechère CAPÍTULO VIII - Tinhas Asas de Águia - Tomás Coke CAPÍTULO IX - O profeta do Caminho Solitário - Francisco Asbury CAPÍTULO X - O bando dos “irregulares” - Parte 1 - Tomas Maxfield - João Nelson - Maria Bosanquet CAPÍTULO XI - O bando dos “irregulares” - Parte 2 - Os primos Filipe Embury e Bparbara Heck - Robert Strawbrigde - Capitão Webb - Robert Williams - John King CAPÍTULO XII - Cintilações inextinguíveis 3
  • 4. INTRODUÇÃO A história é o único elemento em nossa vida social que nos liga ao passado. Cortaríamos de nós mesmos uma importante parte se omitíssemos a história. Podemos existir sem história, mas não viver; porque viver é, de certo modo, reviver a história de nosso povo, encarnando em nós as inquietudes que povoaram corações e vontades que não existem mais. Na história se refugia a vida que já foi, para não morrer, para ressuscitar, para continuar vivendo, para obrigar-nos a viver. Por isto mesmo dizia Miguel de Unamuno: "É visão do passado o que nos empuxa à conquista do porvir; com madeira de recordações armamos as esperanças". Quando o presente nos parece trivial e comum, falto de estímulo e inspiração, faz falta mirar ao passado, que é a história, para que nos sintamos "empuxados à conquista do porvir". E sublinhamos "a conquista do porvir", porque a visão do passado não nos deve envolver no próprio passado, e sim nos levar as mais altas empresas e as mais arriscadas aventuras; para que o acervo do passado se enriqueça com os fatos do presente. O conhecimento do passado não se constituirá em cadeia, e sim no elemento que nos fecunde mente e coração, espírito e vontade, e nos conceda poder para criar obras formosas, verdejantes e eternas. Por isso, nas páginas seguintes nos submergiremos no mar da história, não para nos afogarmos nele, como que atraídos ao fundo pela voz de sereia encantadora, mas para revitalizar e refrescar nossas energias dormidas e sair pelas praias do mundo, tendo nos lábios o canto que entusiasma e no coração a fé que tudo arrisca. Desejamos que os leitores destes breves estudos históricos, que giram ao redor de alguns cabos de guerra do metodismo, se sintam com vigor suficiente para seguir no caminho que eles deixaram marcados com os sulcos profundos de sua devoção e fé.
  • 5. CAPÍTULO PRIMEIRO OS VANGUARDEIROS - 1 Os antepassados de João e Carlos Wesley pela linha paterna "O testemunho interno, filho, o testemunho interno; esta é a prova, a prova mais verdadeira do cristianismo". Samuel Wesley Ao ler o subtítulo dos dois primeiros capítulos, o leitor se perguntará que relação tem os antepassados de João e Carlos W esley com os adaís (mentores) do metodismo que estudaremos no restante do livro. À primeira vista parece não existir conexão alguma, pois eles viveram antes do movimento metodista, e certamente não teriam podido vislumbrar o que sucederia a ponto de sugerir orientações. Mas, quando passamos em revista a vida desses antepassados, descobrimos que muitas das características que distinguiram os iniciadores do movimento metodista já se revelavam no caráter e na ação daqueles. Podemos dizer que o movimento metodista no começo do século XVIII, embora historicamente nele tenha seu princípio, suas raízes vão, contudo, até ao século XVII ou antes, à semelhança da Reforma Protestante que não teve sua origem no século XVI com Lutero, mas também muito tempo antes. Em Lutero a Reforma teve seu apogeu e culminância. Forças e homens, desde muitas gerações anteriores, vinham preparando o terreno, abandonando-o com o sangue de seu sacrifício. Do mesmo modo, o que chamamos metodismo alcança seu triunfo em João e Carlos Wesley e outros. Não que o metodismo já existisse como força, e sim que tinha vida embrionária no seio de certos acontecimentos históricos. Os homens não são fenômenos que aparecem repentinamente e se manifestam sem causa e motivos. Às vezes, ou quase sempre, são o resultado de forças 4
  • 6. que se foram armazenando por muito tempo e que num instante irrompem, abrindo as comportas para impor-se de maneira decisiva e renovadora. A história do metodismo começa, pois, com os antepassados dos Wesley. De fato, um historiador dessa família assevera que há traços dela já no século X, antes que a Inglaterra estivesse unida sob um soberano. Pelo estudo que faz dos membros dessa família, chega à seguinte conclusão: "Pelo que até aqui podemos saber desta distinta família, verificamos que seus membros se sobressaíam por seus conhecimentos, piedade, estro (talento) poético e musical. Devemos, além disso, acrescentar outras características igualmente peculiares: lealdade e fidalguia. Volvendo atrás, apenas um passo, ao traçar sua genealogia, encontramos em ambos, o pai e a mãe de Bartolomeu Wesley (deste falaremos mais adiante), pessoas às quais se permitiu mesclar com as mentes notáveis de sua idade, que tiveram a distinção de tomar parte ativa na formação daquela época em seus aspectos moral, religioso e social." (1) 1) Não nos será possível deter-nos com todos eles, mas nos remontaremos pela linha paterna de João e Carlos Wesley a representante de três gerações anteriores: a Bartolomeu Wesley (1595 ou 96-1680); a João Wesley, o avô (1636-1678); e a Samuel Wesley, o pai (1662-1735). E pela linha materna: a João White (1590-1644), avô materno de Susana; Samuel Annesley (1620-1696), pai de Susana; e Susana Wesley, a mãe (1669-1742). 5
  • 7. Bartolomeu Wesley Bartolomeu Wesley, bisavô de João e Carlos Wesley, era filho de Sir Herbert Westley ou Wesley, do condado de Devon, e de Elizabet Wellesley, de Dongan, Irlanda. Na família houve três filhos: de dois deles nada se sabe; somente Bartolomeu chegou a entrar na história. No seio de sua família recebeu esmerada educação religiosa. Julgando pelas influências religiosas manifestas por Bartolomeu, pode-se dizer que o espírito do puritanismo já se ia desenvolvendo dentro da Igreja Nacional e que havia feito marca na mente de seus pais. Recebeu sua educação na Universidade de Oxford, onde estudou medicina e teologia. Dele pouco se sabe até o ano 1640, quando a história nos diz que se encontrava à frente da igreja da pequena aldeia de Gatherston e, pouco mais tarde, da de Charmouth. O salário anual que essas duas igrejas lhe pagavam consistia de 35 libras esterlinas e 10 shillings. Pastoreou-as até 1662, antes do "Ato de Uniformidade", quando o expulsaram como "intruso". Durante seu ministério, e especialmente depois, fez grande uso de seus conhecimentos médicos com muito êxito. Nada sabemos acerca do lugar de sua morte, mas estamos certos de que teve de abandonar Charmouth em 1665 devido ao "Ato das Cinco Milhas". Este "ato" exigia que todo pároco destituído de seu cargo devia viver, pelo menos, cinco milhas, distante do lugar onde havia exercido seu ministério. Por essa época já havia caído o governo puritano de Cromwell, que dominara na Inglaterra por cerca de três lustros (qüinqüênios). Ao restabelecer-se a monarquia, todos os párocos adeptos do puritanismo, que era a expressão religiosa adotada pelo governo de Cromwell, tiveram de abandonar suas paróquias que seriam ocupadas por pessoas dispostas a sujeitar-se à realeza e à forma tradicional do anglicanismo. Foi em conseqüência desse mesmo "Ato", como veremos mais adiante, que seu filho João Wesley (o avô de Carlos e João Wesley) morreu, prematuramente, aos 42 anos de idade, em 1678. Este fato se agravou na mente do velho pai, de tal maneira, que seus últimos anos foram bem amargos, levando-o mais depressa ao sepulcro. Desde que foi afastado do cargo em 1662 e se viu obrigado a abandonar sua antiga habitação, esteve sujeito a vexames, perseguições e limitações promovidas pela Igreja Oficial, que se estabelecera com a monarquia. Devemos recordar que pelo "Ato de Uniformidade", os ministros deviam renunciar a suas idéias puritanas e aceitar o novo estado de coisas, ou então abandonar seus postos eclesiásticos. Mais de dois mil ministros tiveram de deixar suas igrejas. Começou, para eles, uma série de duras experiências que teceram um 6
  • 8. romance de aventuras extraordinárias, mas de tremendas vivências em que se pôs à prova sua fé, visto como, por questão de consciência, não quiseram adaptar-se à nova situação. Esses ministros, e os fiéis que com eles partilhavam as mesmas idéias religiosas tiveram de reunir-se onde podiam: quer em casas isoladas, ou em sótãos, ou em palheiros (lugar onde se guarda palha, paiol), ou onde quer que lhes fosse dado. Muitas vezes, para chegar a tais lugares, tinham de valer-se de caminhos secretos e também postar vigias. Apesar de toda essa vigilância e cautela, mui freqüentemente aprisionavam grupos e líderes. Bartolomeu, depois de destituído, pode ficar em Charmouth até 1665, exercendo a medicina, pela estima que lhe tinham seus paroquianos. Isto testifica acerca da limpeza de seu caráter, o que lhe permitiu permanecer ali sem temer acusações de parte da gente a que servira durante 21 anos. Sem dúvida, o que mais caracterizou esse homem foi a firmeza de suas convicções. Fizemos referência ao "Ato das Cinco Milhas", e nessa época ele já era um homem velho, sentia-se esgotado depois de uma longa vida consumida em trabalhos, guerras civis e lutas religiosas. Se, ao restabelecer-se a monarquia, houvesse renunciado a suas convicções religiosas e se submetesse com passiva obediência às exigências da igreja oficializada, poderia viver até o dia de sua morte, no seio de seus amigos paroquianos, aos quais tanto estimava. Entretanto, preferiu ir-se e sofrer o desprezo do mundo. Suas convicções lhe eram mais sagradas que a própria vida e a tranqüilidade. Isto nos ensina que as almas honestas nunca podem trocar sua liberdade de consciência pela liberdade de seus corpos. Preferem tomar sobre si a cruz e morrer por seus ideais. São os que caminham adiante e se detêm somente quando chegam ao final do caminho, sem haver cessado em sua luta por manter bem alto o estandarte de suas mais íntimas convicções. Se Bartolomeu Wesley não houvesse deixado outra coisa atrás de si, além desta estrela luminosa, já se justificaria plenamente sua trajetória no mundo. Certamente foi digno de haver sido o bisavô de João e Carlos Wesley.
  • 9. João Wesley, o avô Aquele que leva o mesmo nome do que mais tarde fora, com seu irmão Carlos, o fundador do metodismo, era filho do precedente, e como vimos, chegou a viver somente 42 anos. Foi o pai de Samuel Wesley que, por sua vez, viria a ser o progenitor dos fundadores do metodismo. Como Bartolomeu, foi educado na Universidade de Oxford, sob a direção de homens escolhidos dentre os mais proeminentes guias religiosos dos grupos independentes que alimentavam tendências puritanas. Terminou seus estudos obtendo o grau de Mestre em Artes lá pelos fins do ano 1657 ou princípios de 1658. Seu lar lhe foi sua primeira escola de religião, e ali herdou o espírito piedoso que lhe assinalou toda a vida. Na escola mantinha a mesma linha de conduta que fosse norma no lar. Desde a infância seus pais o dedicaram ao serviço divino. Quando voltou de Oxford, uniu-se à congregação a que seu pai servia, mas não pode ajudá-lo no ministério porque não fora ordenado. No povoado de Weymouth fez-se membro de um grupo chamado "A Igreja Reunida", perante o qual teve primeiramente ocasião de expor suas próprias convicções religiosas. Tinha paixão pelas almas. Deu testemunho do Evangelho não apenas diante da "Igreja Reunida" de Weymouth, mas também falou das "Boas Novas" aos marinheiros com que costumava encontrar-se ao longo da costa. E, na pequena aldeia de Radipole, juntou muita gente ao seu redor, ensinando-a a adorar e servir a Deus. Nessa época contava somente 22 anos de idade, mas já ardia nele aquela paixão evangelizadora que se manifestaria tão surpreendentemente no coração de seus netos João e Carlos. Como eles, foi grande pregador itinerante, sem ter jamais cargo pastoral próprio e regular. E, além disso, foi o protótipo do pregador a que João Wesley teve de apelar para fazer sua obra: o pregador leigo. Foi em 1658 que chegou a ser pastor de Winterborn-Whitchurch, no condado de Dorset, embora de maneira irregular. Essa paróquia podia recompensá-lo apenas com 30l libras esterlinas anuais. De passagem, notaremos quão minguados era sempre o sustento que os Wesley obtinham de seus trabalhos pastorais! Talvez nisso encontremos a razão por que João Wesley adquiriu o hábito tão frugal de viver (que se contenta com pouco para a sua alimentação), que lhe permitiu separar tanto de seus haveres para dedicá-los ao bem do próximo. Foi como que necessidade inerente a todos os membros dessa família ter de ajustar-se a receitas mui exíguas. Apesar disso, nunca pensaram estar destituídos da graça de Deus Altíssimo.
  • 10. Em 1661, João foi chamado à presença do Bispo Ironside para explicar por que ministrava ao povo sem haver sido ordenado ministro. As respostas que deu durante o interrogatório evidenciaram seu espírito equilibrado, iluminado e fiel. Tão concludentes foram, que o bom Bispo lhe disse, ao despedi-lo: “Adeus, meu bom senhor Wesley". Ele convencera seu superior de que seu direito de pregar lhe era dado por autoridade que emanava das próprias Sagradas Escrituras. Seus inimigos (os que a ele se opunham) sempre fizeram o possível para que caísse em desgraça, e, um dia, pouco depois de sua conversação com o Bispo, assaltaram-no ao sair da igreja e o levaram ao cárcere, acusando-o de não querer submeter-se ao uso da liturgia da Igreja Oficial. Quando o soltaram, voltou a seus labores em Winterborn-Whitchurch. Ali continuou ministrando ao povo até agosto de 1662, quando foi decretado o já mencionado "Ato de Uniformidade". Como seu pai, determinou-se não se submeter às novas ordenanças eclesiásticas e preferiu renunciar a renegar suas convicções pessoais. Com pesar deixou a igreja e se foi a um lugar denominado Melcombe; durante esse período de transição nasceu Samuel, que seria o pai de João e Carlos Wesley. Joã o v i u-s e n a co nt in gê nc i a d e su je it ar -s e à a j ud a ca r id osa de um am igo desconhecido, que na época possuía uma casa vaga num lugar chamado Preston, perto de Weymouth. Ali continuou, dia após dia, pregando o Evangelho. Mais de uma vez, por esse motivo, teve de ocultar-se ou ser preso. Não obstante, jamais renunciou a seu gr ande empen ho de salv ar almas. Es sas reiteradas t ribulaç ões levar am- no, prematuramente, à morte. Nada, porém, foi suficientemente forte para fazê-lo renunciar à sua alta vocação. Não se preocupava por faltar-lhe ordenação eclesiástica, e sim ia de um lado para outro, ministrando sempre às almas necessitadas. Concluiu sua carreira num lugar chamado Poole, continuando sempre como pregador local e servindo a um grupo de pessoas às quais pregava dia após dia. Morreu como já mencionamos, antes de seu pai Bartolomeu. Sua carreira foi curta, porém gloriosa. Jamais recebeu ordenação eclesiástica, e, apesar disto, sempre se sentiu apoiado em seu trabalho pela aprovação divina. Isto era suficiente para ele. Tinha por costume levar um diário em que ia anotando suas ações. Gostava de cultivar as línguas orientais. Era franco, leal, sincero e consagrado. Fez os maiores sacrifícios no desempenho de sua missão. Dele se diz o seguinte: "Em verdade, a história pessoal deste bom homem contém um epítome (resumo) do metodismo que surgiria através da instrumentalidade de seus netos
  • 11. João e Carlos. Seu estilo de pregação, conteúdo, maneira e êxito, tudo revela uma semelhança surpreendente a deles e de seus colaboradores." (2) Outro autor escreveu acerca do mesmo ponto, o seguinte: "Embora o neto (João) tivesse mais êxito e se tornasse mais célebre, sem dúvida, na história de João Wesley, o avô, podemos descobrir traços do ponto de partida do espírito, ainda que não da forma, do metodismo." (3)
  • 12. Samuel Wesley Chegamos agora ao ponto onde nos cabe falar do neto de Bartolomeu Wesley. Nasceu, como já vimos, em dezembro de 1662, durante um período turbulento. Não se sabe exatamente onde nasceu. Morreu em Epworth, em abril de 1735, depois de longa carreira dedicada ao trabalho da Igreja Anglicana. Filho e neto de não-conformistas abandonou a tradição de seus antepassados e decidiu lançar sua sorte com a Igreja Oficial. Quando chegou a esta decisão, estava estudando numa academia de Dissidentes. Contava 21 anos de idade nessa época. Deixou a academia e foi para Oxford a fim de matricular-se no colégio "Exeter" na categoria de "estudante pobre". Isso aconteceu em agosto de 1683. Ao abandonar os Dissidentes teve de custear seus próprios gastos. Iniciou a carreira na Universidade com 45 shillings. Ali trabalhou como servente e ao mesmo tempo ajudava seus condiscípulos no preparo das lições. Graduou-se Bacharel em Artes em 1688. Durante o tempo que ali esteve, e apesar do curso que deu à sua vida, não pode deixar de revelar que nele ainda perdurava muito do que caracterizara seus antepassados. Quando, anos mais tarde, seus filhos João e Carlos estavam tão empenhados com o "Clube Santo", por eles organizado em Oxford, e tão metodicamente assistiam os prisioneiros no "Castelo", ele lhes escreveu o seguinte: "Segui adiante, em nome de Deus, pelo caminho reto em que vosso Salvador vos tem dirigido e nas pisadas deixadas por vosso pai que vos precedeu, pois quando era estudante em Oxford, também visitava o "Castelo", do que me recordo com grande satisfação até ao dia de hoje." (4) Verificamos, portanto, que o interesse pelos pobres e pessoas caídas em desgraça era peculiaridade inerente ao temperamento dos Wesley. Depois de formado, tomou conta de uma igreja, à qual serviu até que foi nomeado capelão de bordo de um bote de guerra, mas não ficou muito tempo nesse posto. Passou a servir por dois anos em um curato na cidade de Londres. Durante esse período casou-se com Susana Annesley. Desse matrimônio nasceram dezenove filhos. Em 1691 foi enviado à pequena paróquia de South Ormsby, onde ficou até princípios de 1697, quando foi para o povoado de Epworth, no condado de Lincoln. Ali permaneceu até ao dia de sua morte, em abril de 1735. Sua vida incluiu o período da restauração do rei Carlos II que morreu em 1685, e do governo de Jaime II que o sucedeu no reinado até 1688. Ambos se inclinaram para a Igreja 11
  • 13. Católica, especialmente o último, que, ao favorecer esse culto, provocou grande discórdia nacional. Esta atitude foi a causa por que a maior parte da nação se opôs a ele. Em 1688 estourou a revolução que obrigou Jaime II a refugiar-se na França. Guilherme III de Orange e Maria, sua mulher, da casa real inglesa, foram declarados juntamente soberanos da Inglaterra. Assumiram o posto em 1689 e governaram o país até 1714. Coube a Samuel Wesley viver, portanto, durante uma época de grandes convulsões políticas. Isto não foi tudo. Houve, também, notável mudança social na vida da nação. Processava-se grande êxodo do campo para as cidades e vilas. O antigo sistema feudal ia, pouco a pouco, perdendo seu poder, para dar lugar a uma crescente vida comercial e industrial. Os filósofos Hobbes e Locke introduziram a filosofia empírica na vida intelectual. O cientista Newton reduziu o mundo a uma máquina harmônica e completamente sujeita as leis imutáveis. Despertou-se sede intensa por uma vida pletórica (superabundante, exuberante) de riquezas e prazeres. Após o tratado de paz de Utrecht, notou-se grande incremento no comércio e especulação. Organizaram-se várias e notáveis companhias comerciais. Entre elas a Companhia dos Mares do Sul (South Sea Co.), que se propunha explorar as riquezas da América espanhola, considerada mina inesgotável. Os reis Jorge I e Jorge II reinaram no período compreendido entre 1714-1760. Além disso, desde 1689 se estabeleceu uma pendência com a França, que durou, com ligeiras interrupções, cerca de cem anos. Guilherme III de Orange teve de lutar, ao mesmo tempo, contra Irlanda e Escócia, para estabelecer-se no poder. Seu governo trouxe consigo a corrupção política e religiosa da casa de Hanover, a cuja dinastia pertencia Guilherme. Isto nos ajuda, por certo, a formar idéia geral da situação. Particularmente no terreno religioso, as condições eram alarmantes, como o revela a citação que segue: "Com a ascensão ao trono da casa de Hanover, a Igreja entrou num período de vida anêmica e inativa: muitos estabelecimentos eclesiásticos foram descuidados. Os serviços religiosos diários foram descontinuados, os dias santificados já não eram levados em consideração; a Santa Comunhão era observada ocasionalmente; pouco se cuidava dos pobres, e embora a Igreja conservasse sua popularidade, o clero era preguiçoso e olhado com desprezo. Ao submeter-se ao estabelecimento da coroa real, o clero geralmente sacrificava suas convicções pelas conveniências, e por isso seu caráter se envilecia (tornava-se vil, aviltado, desonrado). As promoções 12
  • 14. dependiam exclusivamente da profissão que se f azia dos princípios conservador es. A Igreja se considerava subordinada ao Estado. Sua posição histórica e suas prerrogativas eram ignoradas. E era tratada pelos políticos como se sua função principal fosse apoiar o governo." (5) Sucintamente, este foi o mundo em que viveu Samuel W esley. Nós nos maravilhamos de que em tal ambiente pudesse desenvolver-se um homem de seu porte. Isso explica porque o meio ambiente pode não ser o único fator na formação de uma personalidade. Porque, acima de tudo, o que se aninha no coração é o que faz, em última análise, que uma vida floresça em virtude e utilidade. E o que Samuel armazenou nele foi uma profunda fé nos valores permanentes da religião cristã. Uma olhadela a Epworth nos ajudará a admirar ainda mais a pessoa de Samuel Wesley. Epworth não era lugar muito grande. Era tão-só uma vila que contava com um mercado e dois mil habitantes. Não obstante, distinguia-se por ser o lugar mais importante do Distrito, conhecido com o nome de Ilha Axholme, cujas dimensões eram de 16 quilômetros de comprimento por 6 quilômetros de largura. Epworth era a mais importante das sete paróquias estabelecidas naquela região, e foi dedicada a Santo André. A paisagem não era muito poética. Os terrenos pantanosos que circundavam a região davam-lhe aspecto desolador. O solo era baixo e sujeito às inundações prolongadas. E ainda mais, os habitantes não eram mui corteses com as pessoas que não fossem do mesmo estofo (nível, categoria) social que eles. O Rev. W. H. Fitchett nos pinta vividamente o caráter hostil dessa gente: “Cinqüenta anos antes (que Samuel Wesley fosse estabelecer-se ali) essa rude casta havia mantido uma guerra civil mal dissimulada com o engenheiro holandês Comélio Vermuyden, a quem Guilherme de Orange havia contratado para dessecar (tornar seco) esse velho pantanal: rompiam-lhe os diques, espancavam seus operários, queimavam-Ihe as colheitas. Igual atitude conservaram com o próprio Samuel Wesley: acutilavam (golpeavam com cutelo, agrediam com arma branca) suas vaquinhas e mutilavam as ovelhas; rompiam os diques à noite para inundar-lhe o pequeno campo; perseguiam-no amiúde por suas dívidas e trataram, não sem êxito, de queimar abertamente a casa pastoral, para depois acusá-Io de que ele mesmo havia posto o fogo." (6)
  • 15. Tal foi a comunidade a que serviu, durante trinta e nove anos, com paciência de Jó. Perseguições, ódios, prisões não removeram de seu posto o pároco de Epworth. Manteve sempre um temperamento decidido e valente. Uma vez e outra seus amigos instaram com ele para que abandonasse esse lugar, mas ele não o fez. Em 1705 escreveu ao arcebispo de York, de sua prisão na fortaleza de Lincoln, o seguinte: "A maioria de meus amigos me aconselha a abandonar Epworth, se é que realmente me proponho sair daqui com vida. Confesso que não compartilho essa idéia, porque imagino que posso ainda fazer algum bem ali; sentir-me-ia covarde se desertasse do meu posto só porque o inimigo concentra seus dardos inflamados contra mim. No momento chegaram a ferir- me, mas creio que não poderão matar-me."(7) Essas palavras "posso ainda fazer algum bem ali" expressam a confiança maravilhosa de um homem sadio e de uma alma generosa. Oxalá muitos de nós tivesse o mesmo espírito de resistência e esperança! Essa atitude merece respeito e admiração. Evidentemente possuía a paciência de um santo. Mui poucas vezes se põem em evidência os valores morais desse homem. Mas com freqüência se recordam com ironia sua tediosa poesia e suas dívidas. Seria bom verificar se aqueles que acentuam sua inabilidade financeira teriam podido fazer render melhor que ele seus minguados recebimentos, diminuídos ainda mais pela hostilidade perversa de seus paroquianos! Talvez muitos deles se entregassem ao desespero. Samuel fez o que esteve a seu alcance para manter-se em dia, mas não lhe foi possível. Seu escasso salário e família numerosa não lho permitiam. Extraordinário, sem dúvida, foi o fato que em meio a tantos tumultos e necessidades, chegasse a escrever tanta poesia! Isso, certamente, o ajudou a viver. Apesar de sua pobreza, empenhou-se em dar a seus filhos varões a melhor educação que era possível obter na Inglaterra. Ele e sua esposa sacrificaram tudo a fim de dotá-Ios convenientemente para a vida. Não se pode ler a carta que escreveu a seu filho João, antes que este fosse ordenado, sem deixar de sentir grande admiração por esse homem. Dizia-lhe, entre outras coisas: "Lutarei durante por obter o dinheiro necessário para tua ordenação e o que for necessário." (8) Não somente providenciou dinheiro para os filhos que estavam na escola, mas também, dia após dia, escrevia-Ihes cartas que eram de inapreciável mérito. As que 14
  • 16. escreveram a seu filho Samuel (o mais velho dos varões), durante os anos 1706 a 1708 em que este esteve na universidade, são de tal magnitude, que o lê-Ias ainda hoje nos comove. Qualquer filho poderia sentir-se moral e espiritualmente elevado se seu pai lhas escrevesse. Impregna-as um sensível espírito de piedade, amizade e sabedoria cristã. Não nos admiremos, pois que seus filhos crescessem para ser tão sábios! Um espírito heróico domina a fé de Samuel Wesley. Ante os desacertos mais trágicos e provas mais terríveis de sua vida, sempre se manteve fiel a Deus. Jamais o deixou de lado. Para ele, Deus era sempre o mesmo. Numa oração que nos deixou, dizia em certo ponto: "Estou cansado de minhas aflições, meu coração me falha, a luz de meus olhos vai-se apagando,estou afundando-me em águas profundas e não há quem possa ajudar-me. Mas ainda assim, espero em ti, meu Deus. Embora todos me abandonem, o Senhor me susterá e nele encontrarei sempre a mais verdadeira, a mais carinhosa, a mais compreensiva, infindável e poderosa amizade. Deixem-me que nele eu alegre minha alma atribulada e descanse de todas as minhas tristezas." (9) Escrevendo ao Duque de Buckingham acerca do incêndio de sua casa pastoral em 1709, depois de terminar de contar-lhe daquela noite trágica de incêndio, conclui: “...tudo está perdido. Louvado seja Deus!" (10) Esta última frase nos recorda a exclamação de Jó quando perdeu tudo o que de mais querido possuíra na vida. Um pai, com tal fé e esse sereno espírito de submissão ao Senhor, não podia senão influir de modo positivo na vida e pensamento de seus filhos. Esteve sempre mui chegado a sua esposa. Não lhe deu toda a comodidade de que ela precisava, mas lhe deu tudo o que esteve a seu alcance. Escrevendo a respeito dele, depois de trinta anos de vida conjugal, Susana diz: "Desde que tomei a meu esposo para o melhor ou para o pior, tenho decidido permanecer sempre a seu lado. Onde ele viva, viverei eu; onde ele morra, morrerei eu e ali serei sepultada. Queira Deus acabar comigo e fazer mais ainda, se alguma outra coisa que não seja a própria morte nos chegue a separar." (11) Por sua vez, ele a tinha em grande estima. No semblante que deixou de sua 15
  • 17. esposa, em seu poema ”A Vida de Cristo", encontramos estas duas linhas mui belas e expressivas: "Ela encheu de graça meu humilde teto e abençoou minha vida; em sua bênção me foi muito mais que esposa." (12) Samuel era homem erudito. Escreveu em latim seu último grande poema sobre Jó. Amou muito a poesia. Foi uma das grandes paixões de sua vida. Ajudou-o em diversas ocasiões a enfrentar as aperturas econômicas. Dominou bem o grego e o hebraico. Gostava de estudar a Bíblia nas línguas originais. Conhecia também algo do idioma caldeu. A João escreveu: "Estou pensando, já faz algum tempo, em produzir uma edição em formato oitavo da Bíblia Sagrada, em grego, hebraico, caldaico, no grego dos Setenta e na Vulgata Latina, e já fiz alguns progressos nela." (13) Nessa mesma carta pede a colaboração de João. Como vimos, Samuel foi fiel à sua vocação pastoral. Por 39 anos batalhou com um povo quase selvagem. Mas finalmente saiu vencedor. Em 1732 escreveu a seu filho Samuel esforçando-se por induzi-lo a tomar seu posto. Uma das razões que lhe dava para que aceitasse sua proposta, a que realmente põe em primeiro lugar, é esta: "Minha primeira e maior razão para isso é que estou persuadido de que servirás a Deus e a seu povo aqui melhor do que eu o fiz; embora, graças sejam dadas a Deus!, depois de quase 40 anos de trabalho entre essa gente, ela estará melhorando muito, havendo mais de cem presentes na última celebração da Santa Ceia, quando geralmente não tenho tido mais de vinte." (14) Uma vez e outra seus paroquianos tentaram destruir sua obra, mas nem por isso, jamais se descoroçoou (desanimou). Prosseguiu seu caminho. Essa perseverança vamos encontrá-Ia mais tarde aos adaís (líderes) metodistas, especialmente em seus filhos João e Carlos. Estes, tampouco, recuaram quando se viram frente a frente com a oposição mantida pelos clérigos da Igreja da Inglaterra. Coube-Ihes sofrer e esperar longo tempo, mas finalmente os desprezados metodistas se impuseram à consciência pública, contribuindo poderosamente para a própria vida nacional e melhorando sensivelmente àqueles que os haviam perseguido e desprezado. 16
  • 18. A religião de Samuel Wesley não era meramente formal. Ele acreditava que a pessoa devia chegar a ter segurança interna da salvação. Sustentava que a alma devia manter relação direta com seu Criador. Antes de morrer, ao ter certeza de seu fim próximo, disse a João Wesley: “O testemunho interno, filho, o testemunho interno; esta é a prova, a prova mais verdadeira do cristianismo.” (15) E pouco antes de deixar este mundo exclamou: "Pensai no céu, falai do céu; todo o tempo em que não estamos falando do céu, está perdido." (16) A religião era para Samuel a maior das realidades. Sempre foi seu mais alto refúgio e seu mais acariciado interesse. Sem dúvida ele teve suas fraquezas. Nenhum homem é perfeito. Tendo em conta, pois, a debilidade humana, seria melhor que avaliássemos o homem pelo que haja produzido de bom e permanente. Está fora de dúvida que a humanidade seria muito melhor se todos os pais fossem fiéis a seu Senhor e dedicados a sua família como Samuel Wesley o foi, e se pudessem oferecer a Deus e à sociedade o tipo de filhos que ele legou à Inglaterra e ao mundo. NOTAS: (1) Stevenson, G. J.: "Memorials of the 'Wesley Family", pág 4. (2) Stevenson, G. J.: Op. Cit (3) Pelo autor de "Wesley e seus Amigos” 4) Citado por Stevenson, G. J., Op. Cit. págs. 130-131, de uma carta que Samuel Wesley escreveu a seu filho João com data de 21 de setembro de 1730. (5) “Wesley and His Century", pág. 33. Stevenson, G. J., Op: Cit. pág. 92. (6) “Wesley and His Century", pág. 33. (7) Stevenson, G. J., Op: Cit. 92 (8) Stevenson, G. J., Op. Cit. pág 121 (9) Citado de Stevenson, G. J., Op. Cit. Pág 95. (10) Ver carta em Stevenson, G. J., Op. Cit. 107-109. (11) Citado de Stevenson, G. J., Op. Cit, pág 61. Idem (She graces my humble roof, and blest my life, Blest me by a far greater name than wife). (12) (13) Idem, pág. 120. (14) Stevenson, G.J., Op. Cit. pág. 136. (15) Idem, pág. 136. (16) Idem, pág. 149. 17
  • 19. CAPÍTULO SEGUNDO OS VANGUARDEIROS - 2 Os antepassados de João e Carlos Wesley pela linha paterna “...minha preocupação mais entranhável é por tua alma imortal e por tua felicidade espiritual..." Susana Wesley Não muitas mulheres cristãs da têmpera e caráter de Susana Wesley, mãe de João e Carlos Wesley, enumeram a história da Igreja. Susana possuía muitas características que lhe deram lugar de destaque entre suas congêneres, principalmente pelo renome e. obra de seus filhos. Não possuímos muitas notícias a respeito de seus antepassados, salvo algumas memórias acerca do seu pai Samuel Annesley e de seu av materno, João White, com os quais nos deteremos brevemente. 18
  • 20. João White João White era gaulês. Estudou também em Oxford, no Colégio de Jesus. Mais tarde formou-se em leis e estabeleceu escritório de advocacia, de onde se empenhou na defesa de muitos puritanos. Em 1636 foi eleito membro da Câmara dos Representantes, opondo-se à política do rei Carlos I. Era presidente do "Comitê de Religião" e nessa qualidade teve de haver-se com os casos de quase cem clérigos, cujas vidas não harmonizavam com a posição que ocupavam. Como resultado dessa tarefa, que lhe proporcionou ocasião para estudar a vida íntima do clero de sua época, publicou um volume intitulado: "Primeiro Século de um Sacerdócio Malicioso e Escandaloso". Também foi membro da "Assembléia de Teólogos" de Westminster. Consumiu-o cedo o zelo excessivo com que se dedicava a suas múltiplas tarefas, a tal ponto que morreu ao contar tão-somente 54 anos de idade. Morreu em janeiro de 1644. Uma coisa, entre outras, se impõe à recordação: num discurso que pronunciou no parlamento, em 1641, tratou de provar que os ofícios de bispo e presbítero são a mesma coisa. Asseverou, ainda, que as distinções que se fazem entre vigários, diáconos e outros clérigos são produto de inovações humanas, sem razão de ser. (1) Não nos espantará, pois, que João Wesley, seu bisneto, quase um século mais tarde, advogasse pela igualdade de ordens entre o ofício de bispo, e de presbítero, e que o levasse, ante a negativa de seu bispo, a ordenar alguns de seus pregadores itinerantes, ainda quando as leis canônicas da Igreja da Inglaterra não lhe permitissem fazê-lo, a fim de prestar melhor serviço eclesiástico por meio da Igreja Metodista que se havia formado na América do Norte, sob alegação da independência política desse país. 19
  • 21. Samuel Annesley Da família do pai de Susana não temos outras notícias senão as do próprio Samuel Annesley. Sabemos que era de linhagem aristocrática, primo-irmão do conde de Anglesley, e que nascera no ano de 1620 na localidade de Haseley, Warwickshire. Seu pai faleceu quando ele tinha apenas quatro anos de idade. Sua mãe, mulher mui piedosa, ensinou-lhe a ter em muita estima a pureza de vida religiosa. Diz um seu biógrafo: "Desde a infância seu coração sentiu o chamado para pregar, e, a fim de estar em condições de fazer tal coisa, começou a ler a Bíblia seriamente quando tinha somente 5 ou 6 anos de idade. E tal era seu ardor que se propôs ler vinte capítulos por dia, costume que manteve até ao fim da vida." (2) Quando completou quinze anos foi para a Universidade de Oxford, matriculando-se no "Colégio da Rainha" (Queen's College), onde se graduou Mestre em Artes. Aos 24 anos decidiu dedicar-se ao trabalho da Igreja. Foi num período difícil para a Inglaterra, na época em que seu rei estava contra o parlamento. Depois de receber diploma de Doutor em Leis (LL.D.), foi nomeado capelão de um barco de guerra, posto que não o agradou, abandonando-o logo para assumir a responsabilidade da paróquia de Cliffe, no condado de Kent, em cujo pastorado permaneceu por muitos anos. A princípio os paroquianos não o queriam, mas lamentaram quando os deixou. Sua fidelidade lhe havia ganho o amor do povo. Teve de deixar o lugar por causa de algumas coisas duras que ele disse contra a execução de Carlos I e contra Cromwell e outros oficiais da "Commonwealth". Em 1652 assumiu o cargo da pequena paróquia de São João Evangelista, em Londres. Em 1657 foi nomeado leitor para a tarde de domingo na catedral de São Paulo. Mais tarde Ricardo Cromwell (filho de Oliver Cromwell) nomeou-o vigário de São Gil onde serviu até 1662, quando foi sancionado o "Ato de Uniformidade". Era puritano convicto e, como Bartolomeu e João Wesley (o avô), manteve sua liberdade de consciência renunciando aos privilégios de uma paróquia da Igreja Oficial. Durante dez anos pregou em particular e sob circunstâncias difíceis. E pelo que se chamou mais tarde o "Ato de Indulgência", obteve permissão para pregar no salão de cultos de "Little Saint Helen's". Serviu ali com fidelidade até que foi chamado à vida superior. Casou-se duas vezes. Sua primeira esposa foi sepultada em 1649 e o único filho de
  • 22. ambos faleceu também, em 1653. A segunda vez, desposou a filha de João White, em 1652, provavelmente depois de sua ida para Londres. De sua segunda esposa teve vinte e quatro filhos, entre os quais Susana, mãe de João e Carlos Wesley, foi a última a chegar. Era ela mulher de dotes piedosos e muita prudência, desvelando-se muito pela instrução religiosa de seus filhos. A casa de Samuel se constituiu em refúgio de muitos dissidentes e local de encontro dos párocos não-conformistas. Aos jovens estudantes da "Academia dos Dissidentes" era agradável estar em sua casa. Entre eles encontramos Samuel Wesley (pai de João e Carlos), e sem dúvida, foi naquela época que travou conhecimento com aquela com quem se casaria alguns anos mais tarde. Consta que o Dr. Annesley era mui frugal em sua maneira de viver. Diz o historiador da família: "Bebia tão-somente água. Estudava num cômodo no desvão de sua casa, com as janelas abertas e sem aquecimento no verão ou no inverno. Tinha uma renda considerável das propriedades que herdara, além de seu salário, todavia separava para fins benevolentes a décima parte de tudo quanto recebia, prática que punha em exercício antes de usar o restante em outras coisas." (3) Como verem os mais adiante, encontrarem os traços de algum as destas características em seu neto João Wesley.
  • 23. Susana Wesley Susana Wesley ocupou o vigésimo quarto lugar entre os filhos que o Dr. Samuel Annesley teve de seu segundo matrimônio. Nasceu ela em Londres, a 20 de janeiro de 1669. Recebeu educação fora do comum para uma mulher de sua época. Além da língua materna, estudou grego, latim e francês. De uma carta que seu esposo escrevera a seu filho Samuel em 1707, infere-se que ela não tinha conhecimento mui esmerado de latim. O pai, ao insinuar a seu filho que lhe escreva acerca de seus pensamentos mais íntimos, diz-lhe: "...eu te prometo segredo, que mesmo tua mãe de nada saberá, a menos que tu queiras que ela saiba, por isso seria conveniente que me escrevesses em latim." (4) Provavelmente ela o havia esquecido por não usá-lo, pois o Dr. Fitchett diz que o conhecia em sua adolescência.(5) Adornava-a uma inteligência brilhante e mente vivaz. Desde a infância manifestou interesse incomum pela teologia. Depois de ponderar os motivos que haviam suscitado as controvérsias entre os Dissidentes e a Igreja da Inglaterra, decidiu lançar sua sorte com esta. Contava, então, 13 anos de idade. Casou-se com Samuel Wesley na primavera de 1689 e trouxe ao mundo dezenove filhos no espaço de 21 anos. Sobreviveu sete anos além de seu esposo. No entanto, quando faleceu, alcançou a mesma idade que ele tinha ao morrer, isto é, 72 anos. Nessa ocasião estava em Londres vivendo com seu filho João Wesley na chamada Fundição (local de cultos que João Wesley adaptara de uma velha fundição de canhões). Certamente Susana foi uma das mais instruídas e inteligentes mulheres de sua época. O Dr. Fitchett assevera que "ela era, provavelmente, a mulher mais capaz de toda a Inglaterra em sua época".(6) Contudo, a grande glória de Susana não a encontramos em seus conhecimentos intelectuais, e sim em seu poder de penetração e em sua sensibilidade espiritual. Temos de admirá-la, também, por sua consagração aos interesses e misteres do lar, pelo cuidado extremo que dedicou aos filhos, pela intensidade de sua fé e a paciente integridade com que soube enfrentar as diversas e contínuas provas de sua vida. Diz o Dr. Fitchett que lhe faltava veia humorística. Possivelmente isso fosse verdade, mas devemos recordar,.nos de que era responsável por uma família numerosa, e que muitas vezes tinha de engenhar para alimentá-la, de
  • 24. modo particular quando o esposo estava no cárcere por causa das dívidas contraídas. Estava sujeita a sofrer os desmandos do povo hostil, que, geralmente demonstrava pouca ou nenhuma simpatia com sua família, e serenamente assistiu à reiterada prova e humilhação de ver o esposo ir para o cárcere. Demais, sua saúde era pobre, o que fez seu marido informar seu arcebispo: "Minha esposa está enferma a metade do tempo". (7) Nestas circunstâncias era realmente difícil conservar veia humorística! Foi esposa exemplar e mãe modelo. Como esposa sempre esteve pronta para seguir o marido e secundá-lo em todas as ocasiões e provas. Por ele esteve disposta a submeter-se aos maiores sacrifícios e a defendê-lo de qualquer ataque que alguém ousasse fazer-lhe. Em todo sentido foi grande ajudadora, tanto em sua vida como em sua obra. Como mãe, extremou-se em dispensar aos filhos o melhor e mais nobre do que é capaz de oferecer a religião cristã. Talvez tenha sido mui severa e rígida em seus métodos educativos. Todavia, o importante é que adotou um método e, acima de tudo, um método digno dirigido para um fim elevado. Acostumava os filhos a ter horas marcadas para cada dever, e ela foi a única professora que cada um deles teve na aldeia de Epworth. Seu filho Samuel foi o único a quem providenciaram professor particular durante a infância. Para Susana, o supremo no lar era a religião. Preocupava-se com extremo zelo pela educação religiosa dos filhos. Esta foi a razão por que os filhos varões chegaram a ser personagens tão distintos e úteis para o mundo todo. Separava, além das devoções familiares, uma hora semanal para cada um deles. No ano 1712 escreveu a seu esposo: "Resolvi começar com meus próprios filhos e, portanto, me propus observar o seguinte método: Tomo, da porção de tempo que posso economizar cada noite, o necessário para discorrer com cada um deles, separadamente, acerca do que seja sua principal necessidade. Segunda-feira conversava com Molly, terça-feira com Hetty, quarta-feira com Mary, quinta-feira com Jacky, sexta-feira com Patty, sábado com Carlos e domingo com Elimia e Sukey juntas." (8) Como vimos, a noite dedicada a João era a quinta-feira. Podemos imaginar a influência que isso teria sobre sua jovem vida. Foi nesse mesmo ano quando escreveu essa carta, que começou a ter reuniões em sua casa enquanto o esposo estava ausente durante vários meses. Surpreendentemente a freqüência foi crescendo cada vez mais em 22
  • 25. número. Às vezes mais de duzentas pessoas vieram ouvir suas exortações e a leitura de sermões. Duas vezes, por instigação do ajudante de seu esposo, ela recebeu do marido sugestão para que desistisse de dirigir tais reuniões, por achar que era conduta inconveniente para uma mulher. Não obstante, ela continuou adiante com esse costume. E respondendo à segunda carta, que sobre o assunto lhe escrevera o esposo, disse-lhe: "Se tu, sem dúvida, pensas que é conveniente dissolver esta assembléia, não me digas que desejas que eu o faça, porque isso não seria suficiente para satisfazer a minha consciência. Se assim for, envia-me tua ordem positiva, em termos tão completos e terminantes que me absolvam de toda culpa e castigo por haver descuidado esta oportunidade de fazer o bem, no dia em que tu e eu apareçamos diante do grande e terrível tribunal de Nosso Senhor Jesus Cristo." (9) Diante dessa ordem inequívoca, Samuel Wesley nada mais disse, nem mencionou o assunto em cartas posteriores. Ela, portanto, continuou com as reuniões, o que conquistou para a Igreja a simpatia e o interesse do povo que por tantos anos antes se havia conservado alheio aos interesses religiosos. Desta maneira, trouxe ela grandes benefícios à obra do esposo, maiores do que este conseguira durante muitos anos de seu ministério ali. João e Carlos estavam em casa nesse período. Certamente que tais reuniões deviam ter deixado funda impressão em suas mentes infantis. Sua mãe estava iniciando-os numa prática que eles adotariam mais tarde em todo seu ministério: a de dirigir reuniões de caráter devocional e evangelizador fora da Igreja. A educação religiosa que ela principiara em casa com cada um dos filhos não se interrompia quando eles saíam do lar por seus estudos ou outras razões. Continuava seu ministério maternal através de cartas. A leitura das cartas que ela escrevia a seus filhos e a seu esposo nos seria de grande benefício, pelo profundo espírito de piedade que exala de todas elas. Através das palavras que traduziam seus pensamentos, vislumbramos a alma de uma mãe zelosa ajoelhada diante do Senhor, rogando por bênçãos permanentes a favor dos filhos. Exemplo do espírito que a incitava a escrever essas cartas encontramo-lo no seguinte fragmento de uma que escrevera a sua filha Susana: "Tu sabes mui bem como te amo. Amo teu corpo e rogo ferventemente a Deus Todo-poderoso que to mantenha com saúde, que te conceda todas as 23
  • 26. coisas necessárias a teu bem-estar e sustento neste mundo. Entretanto, minha preocupação mais entranhável é por tua alma imortal e por tua felicidade espiritual. Não posso expressar melhor meu interesse nesse sentido, senão esforçando-me por instilar-te, a todo instante, aqueles princípios de conhecimento e verdade que são absolutamente necessários para que te empenhes em levar aqui uma vida virtuosa, que é o único que pode infalivelmente assegurar tua felicidade eterna." (10) Ainda que muitas vezes estivesse impossibilitada de mover-se por suas freqüentes enfermidades, não se escusava de cumprir com sua obrigação de mãe cristã, e empenhava-se, então, em escrever longas cartas a seu Samuel, ou a João, ou a Susana, ou a Carlos. Mesmo depois que eles se casaram e eram portadores de graus acadêmicos, continuou seu ministério paciente e epistolar, exortando-os a viver sempre junto ao Senhor, e a servi-lo. De sua parte, freqüentem ente os filhos a consultavam quando se lhes apresentava algum assunto importante para resolver. Mais de uma vez ajudou a João no desenvolver de seu movimento religioso. Especialmente útil foi seu conselho quando, nas Sociedades Metodistas, se iniciou a pregação leiga. Sua palavra, discreta e serena, mui amiúde evitou que seu filho João, levado pelo impulso do momento, tomasse resoluções precipitadas. Vale a pena notar que atrás de cada grande homem da História, quase invariavelmente se descobre o grande, piedoso e amoroso coração de uma mãe consagrada. Sua fé em Deus e em Cristo era maravilhosa. Nada, nem ninguém podia separar seu coração da companhia de Deus. Foi mulher que sofreu muito, mas tanto ela quanto seu esposo jamais olvidaram que Deus era sua fortaleza e salvação. Cria firmemente na eficácia da oração intercessória. Orava com seus filhos quando viviam a seu lado, e por eles quando se achavam ausentes, dedicando sempre muito tempo a suas devoções. Era muito organizada, meticulosa e severa em muitos de seus métodos. A esse respeito escreveu certa ocasião: "Quando era jovem e dedicava demasiado tempo a diversões infantis, resolvi não gastar em passatempos nem um só dia, mais do que eu pudesse dedicar a minhas devoções pessoais."
  • 27. Alguém que a conheceu muito intimamente escreveu : "A graça manifestava-se em todos os seus passos, o zelo se refletia em seus filhos e cada gesto seu expressava divindade e amor." Em seus empreendimentos era pertinaz e perseverante. Basta um incidente para ilustrar essa característica. Um dia o esposo havia estado observando-a enquanto ela instruía a um de seus filhos. Num dado momento interrompeu-a para dizer-lhe: "Admira-me a tua paciência. Disseste aquele menino vinte vezes a mesma coisa." A isso ela respondeu: "Se eu me houvesse contentado em dizê-la somente dezenove vezes teria perdido tudo. Pudeste verificar que foi somente a vigésima que coroou meu trabalho." (11) É muito possível que sua religião pudesse parecer, às vezes, demasiado mecânica e formal. Entretanto, impregnava-a uma fé e esperança portadoras de muitas bênçãos morais e espirituais. Sem dúvida que é melhor ter um método, a não ter nenhum e esquecer-se dos ditames de uma vida religiosa. Por certo que o mundo é mais rico no que se refere aos valores morais e espirituais, pela vida que levou essa mulher piedosa e heróica, cujas virtudes se manifestara;m e desenvolveram tão meritoriamente no seio de sua casa e família. Um dos estudiosos da história do metodismo fez sobre seu caráter este elogioso comentário: "Tenho-me familiarizado com muitas mulheres piedosas e tenho lido sobre a vida de outras, mas de uma mulher como essa, completa e perfeita, nunca tenho ouvido falar, tampouco tenho lido que existisse e jamais tenho entrado em contacto com uma de .tal magnitude. Apenas Salomão descreveu no final de seus Provérbios a uma tal como esta, e adotando suas palavras, posso dizer: "Muitas mulheres procedem virtuosamente, mm Susana Wesley a todas sobrepuja'." (12) Ela, em verdade, foi uma dessas almas que mui raras vezes passam entre nós, e cujas vidas exalam a íntima graça divina: amando, servindo e sofrendo em nobre silêncio. Bem-aventurada seja sua memória! 25
  • 28. NOTAS: (1) Stevenson, Q. J., Op. Cit., pág. 158. (2) Mc Tyeire, H. N.: "History of Methodism”, pág. 20 (3) Pelo autor de "Wesley and his Friends", pág. 20. (4) Stevenson, G. J., Op. Cit. Pág. 104. (5) Idem, pág 15. (6) Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 16. (7) Fitchett, W. H., Op. Cit., pág. 18. 8) Citado de uma carta que ela escreveu a 6 de fevereiro de 1712, Stevenson, G. J., Op. Cit. pág. 195 (9) Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 197, citado de uma carta que ela escrevera em 25 de fevereiro de 1712. (10) De uma carta escrita de Epworth, a 13 de janeiro de 1709 ou 1710, citada por Stevenson, G. J., Op. Cit. 281. (11) Wiseman, F. Luke, "Charles Wesley", pág. 19. (12) Clarke, Adam Dr., citado por Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 230.
  • 29. CAPÍTULO TERCEIRO UM TIÇÃO TIRADO AO FOGO “O Mundo é minha paróquia” João Wesley Entre os grandes evangelistas e reformadores da Igreja Cristã está João Wesley, filho de Susana e Samuel Wesley, dos quais já falamos em páginas anteriores, e certamente figura entre os mais destacados. Sua figura singular atrai, todavia, a lealdade de muitos milhões ao redor da Terra, como alguém que soube interpretar a Cristo e apresentá-lo às multidões com a graça perdoadora e redentora que aparece no Evangelho. Como a maioria dos grandes reformadores e evangelistas da História, ele não estava interessado no estabelecimento de um novo corpo eclesiástico que levasse seu nome, e sim numa renovação da vida da Igreja e na formação de uma consciência aberta aos influxos da graça divina. Que seu movimento se concretizasse mais tarde em uma nova denominação foi conseqüência de fatores que ele não pôde controlar. É importante recordar, em conexão, que João Wesley, como seu irmão Carlos, jamais abandonou as fileiras da Igreja Anglicana a cujo ministério se consagrara. Demonstra isto que diverso era seu propósito ao iniciar o movimento que outros, e não ele, batizaram-no com o nome de Metodista. Nasceu João Wesley no já descrito povoado de Epworth, a 17 de junho de 1703. Sob 26
  • 30. a vigilância e tutela de sua mãe iniciou-se primeiramente nas lides do intelecto. No dia em que completou cinco anos, como soia (costumava) acontecer com todo filho de Susana, teve de aprender de cor todo o alfabeto. E o primeiro livro de leitura que teve na vida foi a Bíblia. Cresceu numa atmosfera impregnada de piedade e disciplina. Sua mãe, como nos lembramos, era muito rigorosa em seu método educativo, e bem depressa João teve de aprender a chorar em silêncio quando era castigado sob o conceito bíblico, segundo o qual, quando a mão paterna ou materna castiga, fá-Io para saúde de quem recebe a correção. O amor de seus pais era, portanto, temperado com essa rigidez disciplinar, que fazia parte da herança deixada a sua família por seus antepassados. A vida, mais do que gozo, era disciplina que devia conduzir o indivíduo aos caminhos celestiais e salvá-lo das tentações "do mundo, da carne e do diabo". Diz o seguinte um comentarista da vida familiar dos Wesley: "Não se julgava, então, que merecesse o nome de educação o que não estivesse baseado no cristianismo e santificado pela Palavra de Deus e pela oração. A religião familiar, no lar dos Wesley, formava parte essencial de sua disciplina. E era caso de consciência instruir as crianças e dependentes sobre a natureza de seus deveres sociais, morais e espirituais. Também tinham por prática separar dias especiais para a oração, para a humilhação em épocas de calamidades, e para a ação de graças ao ser recipientes de benefícios especiais. " (1) Já vimos como Susana escreveu a seu esposo em 1712 que ela tomara a resolução de separar uma hora por semana para estar a sós com cada um dos filhos. João tinha essa entrevista com sua mãe à noite de quinta-feira. Contava nessa época apenas 9 anos. Entretanto essa foi uma das vivências que mais impressionaram o menino, e sua recordação duraria toda a vida. Mais tarde, quando ele se encontrava longe do lar e em meio de lutas de seu apostolado evangelizante, escreveu a sua mãe rogando-lhe que ainda separasse para ele aquela hora, de maneira que ela pudesse acompanháIo com seus rogos e orações, ou escrever-lhe sobre coisas de ordem espiritual. Acostumou-se, desde cedo, a separar cada hora do dia para algo em particular. Buscava, desse modo, aproveitar ao máximo seu tempo, para não desperdiçá-lo por falta de disciplina ou em frivolidades. Por duas vezes a casa pastoral foi incendiada pelo populacho da paróquia durante a 27
  • 31. infância de João Wesley. Uma vez queimou-se apenas em parte, e outra (em 1709) totalmente, ficando destruídos os móveis, livros e manuscritos do pai. Na segunda ocasião a mãe estava enferma, e com dificuldade pode escapar, não sem chamuscar as mãos e o rosto. João achava-se dormindo no segundo piso. Quando perceberam isto, o pai tentou resgatá-lo, mas era impossível: o fogo já havia tomado conta da escada que levava ao andar superior. Então convidou os que haviam acudido ao local a ajoelhar-se e pedir a Deus que recebesse em seu seio a alma do filho. Nesse momento se ouviu o choro do menino que assomava (apareceu) desesperado pela janela de seu quarto. Ato contínuo um homem subiu sobre os ombros de outro com tempo suficiente para alcançá-lo e descê-lo, livrando-o do perigo. Feito isto, o teto caiu em chamas para dentro da casa. E à luz das chamas que devoravam os restos da mansão, ajoelharam-se o grupo da casa pastoral e os vizinhos, a convite do pai: "Vinde, vizinhos, ajoelhemo-nos e agradeçamos a Deus que me deu meus oito filhos. Que se vá a casa! Sou suficientemente rico!" (2) E Wesley recordaria mais de uma vez, ao longo da vida, este terrível incidente. Num de seus retratos mandou gravar como emblema uma casa em chamas e a legenda: "Um tição tirado ao fogo!" Aos 11 anos, isto é, em 1714, teve de deixar o lar e ir para Londres, onde freqüentou como aluno interno até 1719 a escola Charterhouse. Naqueles dias a vida de um interno era mui severa, e os meninos eram tratados com disciplina rígida, quase como se estivessem num mosteiro. A situação se agravava ainda mais quando o aluno procedia de lar pobre. Muitas vezes devia sofrer vexames da parte daqueles que se sentiam superiores por sua posição social ou haveres de seus pais. João era por índole um tanto tímido, e durante esses anos freqüentemente teve de suportar a fome, porque seus colegas - coisa que era permitida nos internatos daquela época - tiravam-lhe a comida do prato. Como era de constituição franzina, e por conselho paterno, cedo de manhã corria certo número de vezes ao redor do edifício principal da escola, para fortalecer as pernas e os pulmões. Hoje em dia consideraríamos tal disciplina inadequada, e trataríamos de ver que um menino, em tais condições, tomasse mais alimento e vitaminas! Porém essas eram outras épocas e os meninos não eram tratados como tais, e sim como adultos em miniaturas. Tinham de aprender na rudeza da vida a fazer-se fortes e homens. Por certo que foram anos de prova esses passados na Charterhouse. Ainda mais, durante os mesmos fortaleceu-se-Ihe o ânimo e ele se preparou para aquela disciplina que lhe seria necessária mais tarde, quando teve de fazer frente a tanta oposição e perseguição. E periodicamente, como que para alentá-lo, chegavam as cartas de seus pais, exortando-o a permanecer fiel a sua tradição religiosa no meio de tantos meninos que
  • 32. não haviam tido, nem remotamente, a mesma influência cristã. O certo é que João Wesley não guardou em sua memória recordações mui gratas daqueles anos. Olhava para eles sem nostalgia, com sentimento de alívio; que sorte que haviam ficado para trás na história de sua vida! Em 1720 entrou para a Universidade de Oxford, assim como o haviam feito seus antepassados, permanecendo ali, com pequenos intervalos, até 1735. Nos átrios universitários não encontrou muito incentivo para aprofundar a vida religiosa. Nunca chegou a perverter-se pelos costumes livres, quando não licenciosos e profanos, de seus colegas. A religião era para ele, mais do que gozo interior, a observância de regras estritas. Durante os anos que esteve ali se inclinou, primeiro para o formalismo e, depois, para uma disciplina férrea. Essa religião deixava nele, com freqüentes assomos (indícios, suspeitas) de crise, um sabor de descontentamento. Buscava cumprir os requisitos legais, entretanto sua alma parecia ter fome de algo que não conseguia obter, e que ele não sabia exatamente o que era. Como conseqüência se excedia em atos de caridade e misericórdia, especialmente entre os pobres, os encarcerados e os enfermos. O motivo era sempre mais do que, por um sentimento de solidariedade, buscar aplacar a "ira de Deus" através desses atos e aparecer justificado ante os olhos divinos. Essa luta entre uma religião formal e uma vivência pessoal interna da presença de Deus, perduraria muitos anos depois de concluir seu curso de Bacharel em Artes. Durante aqueles anos sua peregrinação espiritual sofreu muitos altibaixos (altos e baixos), apesar de haver-se ordenado diácono em 1725 e presbítero em 1728. Entre as influências que o ajudaram em sua formação religiosa destacam-se três autores: Thomas Kempis, Jeremias Taylor e William Law, além de seu contacto com os morávios (cristãos de origem na Morávia, Alemanha, cujo grande líder foi o Conde de Zinzendorf) e de uma experiência missionária na colônia da Geórgia, região que hoje em dia faz parte da América do Norte. Esses escritores, de caráter profundamente religioso e às vezes especulativo, habituaram-no a pensar agudamente nos problemas da vida e da morte, relacionados com a revelação cristã. Os morávios o levaram a busca de uma religião que fosse expressão da fé pessoal em Cristo. E sua experiência missionária lhe ensinou que, antes de poder evangelizar outros, o evangelista deve ter uma convicção pessoal, profunda e íntima. Mui significativa é a confissão que escreve em seu Diário, em fevereiro de 1738, ao voltar de sua aventura missionária na América, vendo novamente as costas da Inglaterra: "Fui à América para converter os índios, mas, oh! quem me converterá a mim?" 29
  • 33. Somente depois de muito buscar nos escaninhos de sua consciência, de praticar longamente com seus amigos morávios, de participar em reuniões de oração e exortação com eles, chega à plenitude de sua experiência religiosa. Foi nessa inolvidável (inesquecível) noite de 24 de maio de 1738, enquanto se realizava uma humilde reunião num salãozinho de uma ruela de Londres, chamada AIdersgate, dirigida, presumivelmente, por um leigo, cujo nome se desconhece, quando mediava (lia) a leitura do prefácio de Lutero à epístola de São Paulo aos Romanos, que sentiu o amor de Deus "derramar-se em seu coração". É bem conhecida a descrição que ele mesmo faz dessa experiência. Narra-a em seu Diário: “Cerca das nove menos um quarto (20:45h), enquanto ouvia a descrição que Lutero fazia sobre a mudança que Deus opera no coração através da fé em Cristo, senti que meu coração ardia de maneira estranha. Senti que em verdade eu confiava em Cristo, em Cristo somente para a salvação e que uma certeza me foi dada de que ele havia tirado meus pecados, em verdade os meus, e que me havia salvo da lei do pecado e da morte. Comecei a orar com todo meu poder por aqueles que de alguma maneira especial me haviam perseguido e insultado. Então testifiquei diante de todos os presentes do que pela primeira vez sentia em meu coração." (3) Desde esse momento sentiu-se novo homem e saiu dali "jubiloso" para ir em busca de seu irmão Carlos, que na época estava enfermo, para informá-lo acerca de seu achado em Cristo. Sentia-se com novos brios e indescritível entusiasmo. Mais tarde, interpretando sua própria vivência religiosa através dos anos, diria que antes de Aldersgate sua relação para com Deus havia sido a de um escravo para com seu senhor, e depois dessa época, a de um filho para com seu pai. Foi a transferência de uma religião do temor para uma religião de amor, de uma relação legal para uma relação de fé. Não temos espaço suficiente para seguir toda sua trajetória espiritual desde 1724, quando terminou o curso de Bacharel em Artes, até 1738, quando teve sua gloriosa experiência. Já fizemos referência as suas ordenações. Mencionaremos ainda que em 1726, apenas um ano depois de sua primeira ordenação, foi nomeado tutor ("Fellow") na Universidade de Oxford, no Colégio de "Lincoln", função que interrompeu entre 1727-
  • 34. 1729 para ser ajudante de seu pai na paróquia de Epworth. Samuel alimentava esperanças de que o filho o sucedesse após sua morte. Mas João voltou a Oxford em 1729, insistindo com seu pai em que não se ajeitava mais viver longe dos átrios universitários. Tinha ali muito mais tempo e oportunidade para satisfazer a sede de saber que sempre o incitava a novos conhecimentos e estudos. Uma simples olhadela em seu programa (atividades, agenda) intelectual daqueles dias nos claramente porque a vida em Epworth não teve atração suficiente para retê-lo. "Dava lições de grego e era monitor das classes; primeiro foi instrutor de lógica e mais tarde de filosofia. Demais, em seu plano semanal de estudos pessoais incluiu o hebraico, árabe, grego, latim, lógica, ética, metafísica, filosofia natural, oratória, poesia e teologia." (4) João Wesley permanece em seu posto de tutor e instrutor até o mês de outubro de 1735, quando se retira com seu irmão Carlos e outros dois companheiros universitários para ir à Geórgia. Já fizemos referência a essa sua aventura missionária e sua volta à Inglaterra que culminou com a experiência religiosa em Aldersgate. Desde 1738 até 9 de março de 1791, dia de seu falecimento, não recuaria em sua imortal obra evangelizadora, tarefa que levou a cabo em todo o Reino Unido da Grã-Bretanha. Contar essa dramática história, cheia de emotivas e estranhas peripécias e extraordinárias realizações no campo religioso, tomar-nos-ia muito espaço. Os que desejam penetrar mais fundo na vida deste homem têm à sua disposição grande variedade de livros e outros materiais. Temos espaço apenas para notar algumas das muitas características desse longo ministério. Antes, porém, daremos outra nota biográfica que pode ser de interesse para completar o quadro de confronto. João Wesley, sempre tão sagaz e clarividente em seus contactos e conhecimentos da natureza humana, foi muito infeliz na busca de uma companheira que o secundasse (ajudasse, auxiliasse) em sua obra e lhe desse um lar onde refazer suas forças ao calor do afeto familiar. Não teve êxito algum em várias tentativas que fizera, tanto na Inglaterra como na América, e que terminaram por uma razão ou outra em desgostos e desilusões. Finalmente, casou-se em 1752 com uma viúva, mãe de dois filhos, que havia sido esposa de um comerciante de nome Vizelle ou Vazeille, mulher de certa inteligência, que aparentava ter dotes suficientes para dar-lhe o lar de que necessitava. Mas logo 31
  • 35. percebeu que essa não era mulher para seu temperamento e tarefas. Ele não era homem que pudesse estar inerte em casa. Dois meses após o enlace (casamento) estava novamente entregue de cheio (totalmente) à vida itinerante. Ela o acompanhou por algum tempo, mas acostumada como estava a outro teor (ritmo) de vida, não pode, naturalmente, dar-se a esse constante peregrinar. O Dr. Stevens a descreve assim: "Infensa (contrária, adversa) a viajar, desgostou-se igualmente com as ausências habituais do esposo. Por fim seu desgosto tomou a forma de ciúmes monomaníacos (seus ciúmes e desconfianças eram idéia fixa, obsessivos). Durante quase vinte anos o perseguiu com suas suspeitas infundadas e suas importunações intoleráveis. Ante essas provações destacou-se admiravelmente a grandeza genuína do caráter de Wesley, posto que sua carreira pública jamais cambaleou nem perdeu um jota (nada) de sua energia ou êxito durante sua prolongada desgraça doméstica. Uma vez e outra ela o abandonava, mas voltava em face das reiteradas insistências dele. Ela abria, interpolava e expunha, então, perante seus inimigos (os que se opunham a Wesley) a correspondência dele, e, algumas vezes, viajava até cem milhas para ver, de uma janela, quem o acompanhava em sua carruagem. Finalmente, tomando consigo porções de seu Diário e outros papéis, que nunca devolveu, deixou-o em 1771 com a promessa de que j a ma i s v o l t a r i a . A a l u s ã o q u e a e s t e f a t o e l e f a z e m s e u D i á r i o é caracteristicamente lacônica. Não sabia, diz a causa imediata de sua determinação, e acrescenta: "Non eam reliqui, non dimissi, non revocabo" ("Não a abandonei, não a despedi, não a reclamarei de volta"). Viveu cerca de dez anos depois de deixá-lo. Sua lápide sepulcral rememora suas virtudes como mãe e amiga, mas não como esposa." ( 5) Sabemos que tão logo depois de Aldersgate, João Wesley teve de fazer frente ao antagonismo das autoridades eclesiásticas de sua própria Igreja, as quais achavam que sua pregação, apesar de ser nitidamente bíblica e sincera, era de tipo revolucionário e contrária aos cânones e ordenanças do eclesiasticismo oficial dominante. Viveu uma vida peregrina de itinerante. Até onde lhe permitiram suas energias, viajou "a tempo e fora de tempo", primeiro a cavalo e depois em carruagens. Calculou-se que andou cerca de 250.000 milhas, coisa assim de uns 400.000 quilômetros, e que pregou 42.400 sermões. 32
  • 36. Naturalmente que estes não seriam todos diferentes; talvez seria melhor dizer que pregou 42.400 vezes, visto como confessou que só pregava bem um sermão depois de havê-lo pregado umas trinta vezes. Possuía gênio organizador extraordinário que brotava de sua maneira de ser metódico, pois jamais deixou de observar o hábito de dividir todas as horas do dia entre suas diversas atividades, de tal maneira que sempre sobrasse algum tempo para meditação, oração e estudo. Aos 82 anos ainda escrevia em seu Diário: "Nunca me canso de escrever, de pregar e de viajar". Como ministro da Igreja Anglicana jamais teve uma paróquia regular (uma igreja local onde exercesse seu pastorado) e, apesar disso, não lhe cassaram as ordens. Mas quando lhe fecharam as portas da Igreja, declarou: "O mundo é minha paróquia". Proclamava assim não apenas sua independência das autoridades eclesiásticas mas também a amplitude de suas vistas. Apesar de seu corpo estar sujeito a graves enfermidades, e mais de uma vez estar às portas da morte, era de uma resistência admirável. Quase até ao fim de sua longa vida esteve ativo, movendo-se de um lado para outro a fim de atender às múltiplas necessidades de seu ministério. Nunca pensava em si mesmo, nem na possibilidade de poupar energias. As necessidades humanas, fossem elas físicas, morais ou espirituais, não lhe permitiam pensar em si mesmo. Toda a vida era uma oferenda a Deus, que se consumia apaixonadamente no serviço a seus semelhantes. Comovedora é a anotação que registra em seu Diário, quando já contava 81 anos: "Terça-feira, 4 de janeiro de 1785. Durante esta estação usualmente distribuímos carvão e pão entre os pobres da "sociedade" (grupo metodista). Mas considerei que nas atuais circunstâncias necessitavam tanto de roupa como de alimento. De modo que neste, assim como nos quatro dias seguintes, caminhei pela cidade e solicitei duzentas libras esterlinas para vestir aos mais necessitados. Sem dúvida foi trabalho duro, visto como a maioria das ruas estavam cheias de neve em gelo, na qual mui amiúde me afundava até o tornozelo, de maneira que meus pés andavam metidos na neve quase desde a manhã até ao anoitecer. Passei muito bem até ao entardecer de sábado, mas então tive de por-me na cama com violenta gripe, que agravava de hora em hora, até que tive necessidade de que o Dr. Whitehead viesse ver-me às seis horas da manhã. Sua primeira dose de medicamento me aliviou bastante e três ou quatro mais completaram a cura. Se ele chegar a viver alguns anos, não duvido que venha a ser um dos médicos mais eminentes da Europa." 33
  • 37. Geralmente se levantava às 4h da manhã, e apesar de dizer que ele "nunca tinha tempo para estar apressado", estava sempre em movimento e ocupado. Como o fizeram um de seus avós, sua mãe, seu irmão Carlos e muitos outros de sua época, manteve um diário, que hoje está reunido em muitos volumes, e cuja leitura ainda causa admiração de quantos o lêem. Era, também, grande escritor de cartas, que foram recolhidas e formam uma coleção considerável, estando também impressas. Além disso, era escritor incansável, e tratou de muitos assuntos. Suas obras principais, porém, foram diversos comentários sobre os textos bíblicos, especialmente do Novo Testamento, e as coleções de sermões para pregadores itinerantes. Talvez nenhuma outra pessoa, por si mesma e por sua própria conta, haja publicado tantos folhetos e livros como ele. Não só os distribuía pessoalmente, mas também exortava a seus pregadores a que levassem sempre em suas maletas material impresso para propagar a mensagem cristã. Entre os manuais que publicou tratou de uma variedade de assuntos como teologia, poesia, música, história, moral, metafísica, filosofia, política, etc. Procurava por em linguagem popular as obras mais clássicas. Seu interesse na literatura não era pela literatura em si mesma, e sim para ilustrar (ensinar, dar cultura) o povo de suas “sociedades”. Certamente, se ele se houvesse dedicado à carreira militar teria chegado a ser um grande estrategista, visto como na organização do movimento metodista demonstrou possuir acabado caráter de organizador. Por isso que sua obra perdurou, não porque somente era capaz de atrair para si as multidões a fim de ouvir suas mensagens, mas também porque sabia agrupá-las em sociedades, classes e bands (pequenos grupos), de tal maneira que mantinha constante supervisão sobre os aderentes e promovia desta maneira, o aprofundamento de seu caráter cristão e a divulgação das doutrinas bíblicas. Quando descobriu que os ministros da Igreja Anglicana não estavam dispostos a acompanhá-lo em sua empresa (empreendimento) renovadora do espírito humano e dos costumes sociais, lançou mão de pregadores leigos, não ordenados, aos quais mantinha em constante movimento e dos quais exigia disciplina tão férrea quanto a sua, procurando suplementar-Ihes a falta de conhecimentos teológicos pelas leituras abundantes e estudos de caráter pessoal. Não compreendia que houvesse pregadores capazes de cumprir com suas obrigações de proclamar a mensagem cristã, sem estudo constante e diário de seis horas, pelo menos. Isto se devia, em parte, porque ele mesmo se dedicava constantemente à 34
  • 38. leitura, não só em horas de sossego ou tranqüilidade, mas também quando viajava a cavalo. Por certo não podemos dizer que João Wesley fosse um grande teólogo, como Calvino ou Lutero. Foi, antes de tudo, um evangelista, um homem que deu lugar proeminente à Bíblia, e de modo particular ao Novo Testamento. As "Notas" que escreveu sobre o Novo Testamento vieram a ser uma espécie de compêndio normativo obrigatório para qualquer pregador metodista. Em sua exposição bíblica não seguia nenhuma escola em particular. Era Cristo que, em realidade, dominava seu pensamento e interpretação, e seu espírito era a medida para julgar o valor de determinadas personagens ou idéias. Sua ênfase estava centralizada em Cristo e na salvação que cada ser humano pode receber somente pela fé nele. Apesar de o homem não se salvar pelas obras, estas são imprescindíveis para revelar o caráter dessa fé. A salvação não é oferecida apenas a uns quantos eleitos: a salvação está ao alcance de todo ser humano que atenda ao convite divino. Deus em Cristo chama a todos os homens, e são estes os que decidem acerca de seu destino, quer ao aceitar ou recusar a graça divina. Assim, crendo que a salvação é universal (franca e possível para todos), empenhou-se em proclamar e em que se proclamasse, com caráter de urgência, o Evangelho "a tempo e fora de tempo ", em qualquer lugar e a toda gente, visto como "Deus não faz acepção de pessoas", mas recebe a todo aquele que confessa seu pecado e aceita seu perdão e sua graça. O Espírito Santo está ao alcance de qualquer pessoa que se exponha a sua influência, e deve ser o poder dominante na vida do cristão, de tal maneira que chegue a exclamar, por sua presença em sua vida: "Aba, Pai ", isto é, que sinta intimamente que Deus é o Pai celestial que o ama, perdoa e salva, e que está sempre perto de quem o busca. Ademais, o Espírito Santo conduz pelo caminho da santificação e perfeição a toda pessoa que busque sua direção. Não obstante, João Wesley nunca afirmou que ele mesmo houvesse alcançado tal grau de perfeição, capaz de eximi-lo de toda vigilância e disciplina pessoal, embora cresse firmemente que a vontade de Deus é poderosa para converter um pecador em um santo completo (uma pessoa com a vida santificada). Como vemos, nada há de realmente novo na "teologia" de João Wesley, senão um destaque de elementos que deveriam estar sempre à flor da consciência cristã. Um dos bispos da Igreja Metodista ao considerar a natureza do Metodismo, escreveu: "Não foi uma nova doutrina, mas uma nova vida que os primeiros metodistas buscaram para si e para os outros. Conseguir que fosse real, no 35
  • 39. coração e na conduta dos homens, o verdadeiro ideal do cristianismo, e manter a experiência pessoal do mesmo e estendê-la a outros - esse era seu propósito. A controvérsia deles não era com a Igreja ou as autoridades estatais, mas com o pecado e Satanás. Seu único objetivo era o de salvar almas." (6) Em conexão com isto, cabe consignar aqui a própria opinião de Wesley: "Creio que o Deus misericordioso leva mais em consideração a vida e a maneira de ser dos homens que suas idéias. Creio que aceita mais a bondade do coração que a glória do mundo". Esta declaração de Wesley revela, ainda, que ele era mui tolerante, quanto a idéias teológicas. Embora seja importante o que alguém pensa, é mais importante ainda o que esse alguém é. Dizia também: "Dez mil opiniões podem separar-nos, mas se o teu coração é como o meu, aperta-me a mão, porque somos irmãos". Talvez não seja próprio que nesta época façamos as coisas da mesma maneira como esse grande homem as levava a cabo, nem seja recomendável usar as mesmas figuras de pensamento ao apresentar o Evangelho. Não obstante, o movimento metodista nos legou características que são de valor permanente, e que jamais poderemos ignorar ou desprezar, porque, em realidade, não emanam da mente ou vontade de João Wesley, mas da mente e vontade de Cristo, que nos ordenou que fôssemos por todo o mundo pregando o Evangelho a toda criatura. Anualmente nossos irmãos metodistas da Inglaterra elegem um presidente de sua Conferência Anual. Ao assumir o cargo, o novo presidente recebe das mãos do anterior um pequeno livro surrado, como símbolo de autoridade: é o Novo Testamento que João Wesley usava em suas pregações ao ar livre, quando as multidões que não cabiam nos templos vinham a ele para ouvir a Palavra de Deus. Simbolicamente também recebemos de suas mãos esse Livro Santo para que passemos, com a mesma paixão e urgência, seu conteúdo às almas afligidas e aos corações extraviados. Não podemos viver de uma tradição por muito heróica que seja. Em nós mesmos temos de ouvir a urgência inquietante do "Ai de mim se não pregar o Evangelho!” NOTAS: (1) Beal, William Rev., citado por Stevenson, G. J., Op. Cit., pág. 16. (2) Etevens, A., "History of Methodism", VoI. I, págs. 59 e 60. (3) “A New History of Methodism", editado por Townsend, W. J. e outros, VoI. I, pág. 200. 36
  • 40. (4) “A New History of Methodism", VoI. I, pág. 178. (5) Op. Cit., VoI. I, págs. 370-371. (6) Mc Tyeire, H. N., “History of Methodism”, pág. 13.
  • 41. CAPÍTULO QUARTO O ARAUTO MELODIOSO " Tudo em ti encontro, ó Cristo, e de nada mais preciso ". Carlos Wesley O décimo oitavo filho, o último varão de Samuel e Susana Wesley, foi Carlos, que nasceu, segundo se presume, no dia 18 de dezembro de 1707 (alguns historiadores dão o ano de 1708). Seu prematuro nascimento ocorreu algumas semanas antes do tempo, e ao nascer parecia mais morto que vivo, já que não chorava nem abria os olhos. Conservaram-no em algodões até a época em que devia nascer, e completado o tempo normal, dizem que abriu os olhos e chorou. Como seu irmão João, do qual era mais novo cinco anos, nasceu na casa pastoral de Epworth e foi submetido à mesma disciplina familiar. Era de disposição mais jovial que seu irmão e dotado de estro (talento) poético. João Gambold, seu companheiro do "Clube Santo", que chegou a ser bispo morávio, dentre outras considerações que fizera a respeito de Carlos, deixou do seu temperamento este retrato: "Para pontilhar o caráter de Carlos, basta dizer que era homem feito para a amizade. Por sua jovialidade e viveza (vivacidade) era capaz de suavizar o coração de seus amigos, e, por seu hábito franco e independente, não deixava lugar a incompreensões.“ (1) 41 37
  • 42. Em 1716 foi para a escola de Westminster. Seu irmão mais velho, Samuel, que vivia em Londres e já tinha vida independente, pagava-lhe os estudos e o pai provia-lhe a roupa. Mas evidenciou tal inteligência que lhe foi outorgado o prêmio "Aluno do Rei" (King's Scholar). Segundo o historiador da escola de Westminster, essa distinção "conferia para sempre, ao que a recebia, tal sentimento de orgulho que nenhum rapaz de outra escola jamais experimentava. Haver sido Aluno do Rei não é mui pequena honra". (2) De aí em diante suas despesas foram pagas pela fundação escolar (1721). Nesse período apresentou-se a Carlos a oportunidade de ser herdeiro de um rico parente de nome Garrett Wesley. Este possuía muitas propriedades na Irlanda e queria adotar um rapaz de sua parentela que levasse o nome de Carlos. Escreveu, pois, à família pastoral de Epworth perguntando se não contava em seu seio com alguém de tal nome. Informado de que havia e se encontrava em Londres, enviou dinheiro para mantê-Io estudando por alguns anos. Mais tarde foi vê-Io na escola e fez-Ihe pessoalmente o oferecimento. Os pais não quiseram tomar a decisão, deixando que o rapaz mesmo resolvesse, e ele declinou da oferta! O Sr. Garrett adotou, então, a um outro jovem de nome Ricardo Colley, que mudou seu nome pelo de seu benfeitor. Viria a ser o avô do Duque de Wellington, o vencedor de Napoleão, em Waterloo. Carlos abriu mão de uma fortuna e de um título. Em 1726 terminou os estudos secundários e entrou para a Universidade de Oxford, onde foi eleito para freqüentar o colégio Christ Church, com uma bolsa de estudos de cem libras esterlinas anuais. Assim como se distinguira anteriormente em seus estudos, continuou sobressaindo-se na Universidade, a tal ponto que, como seu irmão, pouco depois de graduar-se também foi nomeado tutor de seu colégio. Seguindo o exemplo de seu irmão João, esforçou-se por levar vida metódica e séria. Foi ele que, em 1729, com alguns outros companheiros da mesma tendência, fundou o que se chamou "Clube Santo". Os que lhe aderiram eram poucos. Reuniam-se duas vezes por semana ao entardecer, para dedicar o período das 6h às 9h à oração, ao estudo do Novo Testamento e aos autores clássicos. Passavam em revista seu trabalho e faziam planos para os dias seguintes. Também jejuavam duas vezes por semana, tratando ao mesmo tempo de fazer um exame introspectivo, e participavam da Santa Ceia semanalmente. E com muita diligência empregavam-se em atos de caridade e de visitas aos presos. 42 38
  • 43. Porque esse grupo se regia por um horário estrito e viviam uma vida ordenada, suportava a zombaria dos colegas que pouco se consagravam aos estudos e à piedade. Seus componentes eram apodados (apelidados pejorativamente) de “metodistas”, nome que mais tarde se daria igualmente aos que vieram a formar parte das "Sociedades Unidas" fundadas por João Wesley. Este, nessa época, como já vimos, encontrava-se em Epworth ajudando o pai nas lides ministeriais. Quando voltou encontrou o "Clube Santo" em pleno funcionamento, e como coisa, natural aderiu a ele. Por ser o mais velho e o mais responsável, foi-lhe confiada a direção do grupo. Nesse mesmo ano (1729) Carlos adotou o costume de manter um diário, hábito que teve por quase cinqüenta anos. Apesar de haver concluído os estudos e de haver sido ordenado clérigo da Igreja Anglicana, permaneceu na Universidade em sua função de tutor até 14 de outubro de 1735 quando, com seu irmão João, foi para a Geórgia, na América do Norte. Sua atribuição era servir de secretário do General Oglethorpe, governador da então Colônia. Sua estada, porém, durou menos de um ano, porque em agosto de 1736 embarcou de retorno à terra natal onde chegou em dezembro. Suas experiências em terras americanas não foram muito mais felizes do que as de seu irmão. Passou muito tempo enfermo, e as intrigas que se armaram ali contra ele chegaram a tal ponto que quiseram assassiná-lo. Depois de um período tumultuoso, durante o qual se indispôs com o general, decidiu deixar a Geórgia e reassumir o ministério em sua terra natal. Voltou à Universidade de Oxford onde continuou com os labores de instrutor e com a visitação aos presos na prisão comumente conhecida pelo nome de "Castelo". Devido a seu estado físico não começou a pregar até metade do ano 1737, e, quando o fez, sua pregação revelava-se como algo mui formal e lhe faltava aquele fogo que pudesse proporcionar-lhe a satisfação íntima que anelava. Nesse mesmo ano entrou em contato com os morávios (cristãos originários da Moravia, Alemanha) e teve conversações freqüentes com o Conde de Zinzendorf, líder do movimento, e que nessa ocasião se encontrava em Londres fazendo provisões a favor dos imigrantes morávios estabelecidos, ou por estabelecer-se, na colônia de Geórgia. Entre os que se aprestavam (dispuseram) para ir à Geórgia estava o pastor Pedro Böhler, que procurou Carlos na Universidade para que este lhe ensinasse inglês. Foi durante essas aulas que Carlos Wesley adquiriu mais cabal conhecimento da vida religiosa dos morávios e se instruiu mais a fundo sobre a natureza da oração e da fé. 43 39
  • 44. Em fevereiro de 1738 Carlos caiu muito enfermo. Uma noite, sendo já bem tarde e estando ele muito mal, visitou-o Pedro Böhler. Carlos pediu-lhe que orasse a seu favor. Depois da oração, disse-lhe: "Tu não morrerás". Três dias depois disto melhorou e parecia voltar novamente à plenitude da vida. Os médicos lhe recomendaram que mantivesse sua posição em Oxford e não tratasse, como pensava, de voltar à Geórgia. No mês de maio o encontramos vivendo em casa de João Bray, a quem descreve como "um pobre mecânico ignorante, que não conhece outra coisa senão a Cristo, e que por conhecê-lo sabe discernir todas as coisas". Foi viver com ele para aproveitar sua simples companhia espiritual e descobrir o segredo de uma vida religiosa tão cheia de íntimo gozo e isenta de apreensões. Ainda estava muito fraco quando foi viver na casa de João Bray. Tão debilitado estava que tiveram de levá-lo numa cadeira. Freqüentemente convidava Bray para orar com ele e por ele. Foi nesse período que um de seus amigos, o Holland, o familiarizou com o comentário que Lutero fez sobre a carta de São Paulo aos Gálatas. Sua leitura lhe fez muito bem e Carlos chegou a compreender claramente o que era viver pela fé. E o que mais o impressionou foi a referência à passagem: "... que me amou e a si mesmo se entregou por mim". Na noite desse mesmo mês, que era Pentecoste, chegou finalmente à convicção íntima de que possuía a verdadeira fé em Cristo, antecipando-se três dias à experiência que seu irmão teria na rua Aldersgate e da qual já fizemos referência. Sentiu-se renovado não só no espírito mas também no corpo. Para comemorar tão transcendental acontecimento, na terça-feira seguinte escreveu o que é considerado o primeiro hino metodista. Sua primeira linha diz assim: "W here shall my wondering soul begin?" (Onde minha alma errante encontrará refúgio?) Nesse hino expressa sua inaptidão para celebrar em seus justos termos o extraordinário acontecimento de sua recuperação física e espiritual, e compara-se a um "tição tirado ao fogo eterno". Confia, porém, em que lhe será dado como proclamar a bondade de Deus que o arrancara das garras do inferno para convertê-lo num de seus filhos, ou por haver recebido a certeza de que seus pecados haviam sido perdoados, fazendo-o gozar, assim, o céu por antecipação. Pergunta se seria justo e apropriado ocultar esse sinal do favor divino em seu coração, sem partilhar com outros o privilégio da salvação. Responde que não; ainda que o diabo e suas hostes arremetessem contra ele, teria de proclamar igualmente que Jesus sempre é o mesmo amigo dos pecadores. E 44 40
  • 45. termina fazendo um apelo comovente, chamando os pecadores de qualquer natureza a que venham receber o abraço daquele que está com seus braços estendidos esperando-os. Ao que parece, este foi o hino que cantaram na noite de 24 para celebrar a notável experiência religiosa de seu irmão João, quando este voltou jubiloso depois da reunião de Aldersgate em companhia de outros que com ele haviam estado juntos, para comemorar o acontecido. Um ano mais tarde, ao comemorar o primeiro aniversário de sua experiência, Carlos escreveria aquele outro hino tão querido dos cristãos evangélicos do mundo inteiro, e que começa assim: "Oh for a thousand tongues to sing" (Quem me dera ter mil vozes para celebrar). Ele que desejava, como diz o original, possuir "mil línguas" para cantar a glória de seu Senhor. E através de sua longa carreira chegou a escrever algo em torno de seis mil e seiscentos hinos, numa média de três por semana. Talvez esses hinos, mais que a própria pregação, penetraram na consciência e vida daqueles que foram alcançados pelo movimento metodista. O maravilhoso está em que induziram um povo triste e desanimado a cantar, e muitas vezes a emoção era tão profunda que chegava a arrancar lágrimas dos que cantavam! Lutero disse em certa ocasião sobre o emprego religioso da boa música: "O diabo pode agüentar qualquer coisa, exceto a boa música, e esta o faz rugir". Por certo o diabo teve de rugir freqüentes vezes ante o efeito benéfico das canções de Carlos! Com freqüência a urgência da inspiração era tal que, ao chegar a algum local, descia do cavalo correndo e gritando: "Dai-me papel, papel e tinta". Outras vezes, sobre a própria cela de sua cavalgadura, escrevia no papel o sentir tumultuário (agitado) de seu coração inflamado. Em 1739 publicou seu primeiro hinário com o título "Hymns and Sacred Poems" (Hinos e Poemas Sacros). No mesmo ano se fizeram três edições desse hinário. Escreveu sobre uma variedade ilimitada de temas que incluem toda a escala da vida religiosa. Diz um comentarista: "A variedade dos assuntos que ocupavam sua mente é tão extensa que pode incluir quase todo acontecimento ou circunstância concebível na vida." (3) 45 41
  • 46. João de La Flechère (ver capítulo sétimo) escrevendo sobre a coleção de hinos que Carlos e João Wesley publicaram e seu valor para a vida religiosa dessa época, disse as seguintes palavras: "Uma das maiores bênçãos com que Deus agraciou os metodistas, depois da Bíblia, são suas coleções de hinos". La Flechère tinha razão. Apesar de a maioria dos hinos de Carlos caírem no olvido (esquecimento), pois só serviram ao momento e à época que os inspiraram, já que não tinham valor literário ou devocional permanente, uns tantos ficaram formando parte da hinologia cristã universal. O que estas páginas escreve (ou seja, o autor desse livro), certa vez se encontrava em Londres num entardecer de domingo. Perto do hotel havia uma igreja Batista, e ali resolveu assistir ao culto, por não aventurar-se a ir mais longe. Quando entrou no templo, faltando uns minutos para começar o serviço religioso, tomou de um hinário e leu a introdução. Dizia o compilador (o organizador do hinário) que aqueles hinos haviam sido escolhidos com o propósito de que estivessem enquadrados dentro da tradição Batista. Quando o pastor se levantou e anunciou o primeiro hino congregacional, este era da pena (de autoria) de Carlos Wesley! Tão logo Carlos melhorou de saúde, voltou com renovadas forças para a vida pública pregando sem cessar, onde quer que a ocasião se lhe apresentasse, embora não o tenha feito ao ar livre até junho de 1739, época em que começou a pregar aos mineiros da região de Moorfields. Um de seus temas favoritos baseava-se nas palavras de Cristo: "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei". Desde 1739 até 1771 o centro principal de suas atividades foi a cidade de Bristol e mais tarde seria Londres. Como seu irmão João, esteve sempre ocupado em viagens, indo de povoado em povoado. Especialmente durante os primeiros anos do movimento, sua vida esteve sujeita a constantes ameaças e tumultos promovidos pelo populacho instigado pelos clérigos regulares. Entre os anos 1741-1743 de maneira especial esteve em sério perigo muitas vezes. É pena que não possamos acompanhá-lo nessas aventuras, que reeditam em muitas instâncias cenas comovedoras dos primeiros tempos do cristianismo. No entanto, para dar uma idéia de sua têmpera (temperamento, inteireza de caráter), serenidade e valentia, citaremos o que ele mesmo escreveu em seu Diário acerca dos ataques que o populacho dirigiu contra uma capela no interior da Inglaterra, onde ele se encontrava dirigindo um culto. Diz o Diário: 46 42
  • 47. "...eles resolveram demolir a casa de oração e começaram a obra enquanto estávamos orando e louvando a Deus. Foi uma ocasião gloriosa para nós. Cada palavra de exortação penetrou fundo. Cada oração encontrou eco e muitos acharam o espírito de glória descansando sobre eles." A turbamulta (grande multidão, turbilhão) continuou durante grande parte da noite em seu intento de derrubar as paredes e penetrar a casa. Ele e a congregação se conservaram onde estavam, pois não teria sido prudente retirar-se do local. Não conseguiram os atacantes seu intento; apesar disso, pela manhã se verificou que parte do edifício estava destruído. O evangelista comenta em seu Diário: "E seus gritos, de quando em quando, me despertaram durante a noite, mas creio que eu dormi mais que os outros". Dominado por seu espírito de aventura e irresistível senso de responsabilidade pela salvação do próximo, às 5h da manhã animou-se a sair da casa para pregar ao ar livre nessa mesma cidade. Fê-lo durante todo o dia sob constantes ameaças. À noite, ao regressar a seu quarto, encontrou-o desmantelado (destruído). Não obstante, passou ali a noite exposto ao frio e ao perigo. Dessa fibra indômita eram não somente ele e seu irmão João, mas todos aqueles que nesses dias os acompanhavam na gloriosa aventura de pregar o Evangelho a toda criatura. Apesar de não ser pregador itinerante do tipo de seu irmão João, sem dúvida não lhe ficou na traseira, pelo menos até 8 de abril de 1749, época de seu casamento, quando limitou suas saídas. Então se dedicou mais à obra literária, especialmente a poética. Seu irmão João, muito a contragosto, consentiu no casamento de Carlos, pois temia que isso viria, como de fato veio, diminuir a atividade de seu ministério itinerante. Carlos Wesley casou-se com a senhorita Sara Gwynne. Em virtude disso, João lhe dava uma anuidade de cem libras esterlinas, provenientes da venda de livros que publicava. Carlos e Sara formaram um lar modelo, pois eram admiravelmente congeniais (tinham gênios que combinavam, feitos um para o outro). Quando se casaram tinha ela a reputação de ser mulher mui formosa, mas alguns anos depois foi acometida de varíola, que a desfigurou completamente. 47 43
  • 48. No dia de seu casamento Carlos se levantou às quatro horas da manhã e com seu irmão João e outros familiares, passou quatro horas em oração, cantando salmos e hinos antes da cerimônia. João abençoou as bodas. Em conexão com isto desejamos sublinhar que, apesar das diferenças de temperamento e de nem sempre coincidir nos pormenores das resoluções e nas atitudes que tomavam, especialmente com relação à Igreja Oficial (Carlos neste ponto era mais conservador que João), raramente encontramos dois irmãos estimando-se e querendo-se tão estreitamente como eles, colaborando com tanta eficácia e por tantos anos na mesma obra. Carlos morreu no dia 29 de março de 1788, quando tinha pouco mais de 80 anos e foi sepultado no dia 5 de abril no cemitério da Igreja de Marylebone. Sua esposa sobreviveu a ele longo tempo. Terminou ela sua carreira terrenal aos 92 anos, falecendo em 1822. De seus filhos (tiveram oito e apenas três cresceram) somente dois, Carlos e Samuel, herdariam seu temperamento artístico. Costumavam dar concertos no "living" de sua casa e a esses concertos compareciam muitos dos mais notáveis músicos de Londres. João Wesley assistia ocasionalmente a essas tertúlias (reuniões familiares) musicais, embora não harmonizassem com seu temperamento. Uma das características mais salientes da longa carreira ministerial de Carlos Wesley foi a de exercer incessantemente seu ministério entre os prisioneiros, aos quais dedicava terna consideração. Recordemo-nos de que, naquela época, especialmente os desprotegidos da sorte (pobres e miseráveis), e às vezes por motivos que hoje possam nos parecer triviais, eram condenados a muitos anos de prisão e em cárceres que mais pareciam círculos infernais. Número impressionante deles eram condenados a morrer na forca. Era muito comum justiçar ao mesmo tempo alguns deles a fim de fazer disso um espetáculo público para escarmento (lição, exemplo) dos demais. A referência que o historiador Stevens faz de seu ministério particular aos prisioneiros é a que segue: "Até o último ano de vida manteve seu hábito metodista de ministrar aos condenados das prisões, tal como o fizera primeiramente em Oxford, visitando-os em suas celas e apresentando seus casos às congregações para que se orasse publicamente. A última de suas publicações poéticas, publicada somente três anos antes de sua morte, tinha por título: "Orações para Malfeitores Condenados". (4) 48 44