O documento discute se uma pessoa pode mover uma ação judicial contra uma igreja após receber uma disciplina eclesiástica. Ele argumenta que tal ação só seria possível se os direitos fundamentais da pessoa não foram respeitados durante o processo disciplinar da igreja. O documento também fornece recomendações para que os tribunais eclesiásticos conduzam processos disciplinares de forma a evitar questionamentos legais.
Aspectos Atuais da Terceirização e da Mão de Obra Temporária
Disciplina Eclesiástica
1. Dezembro de 20118
Brasil
Presbiteriano
BP LEGAL
erta vez fui indagado
sobre a possibilida-
de de um indivíduo mover
ação contra a igreja da qual
era membro, sob alegação
de violação da intimidade,
exposta aos demais irmãos
com quem congregava, em
razão de disciplina eclesiás-
tica que lhe fora aplicada.
Apesar da reconhecida
separação entre Igreja e Es-
tado e da submissão deste
aos ordenamentos divinos,
a questão acima vai em di-
reção contrária, pois a juris-
dição civil é acionada para
apurar responsabilidade por
eventuais danos gerados na
esfera eclesiástica, sob o
fundamento da proteção de
direitos fundamentais pre-
vistos em sede constitucio-
nal.
Por outro lado, é possível
que tal incursão sobre a es-
fera de autoridade da igreja
ocorra no caso do processo
disciplinar ter se descuida-
do quanto à observância de
preceitos básicos dos direi-
tos fundamentais da pessoa
humana.
Nessa hipótese, o tribu-
nal eclesiástico, ao exercer
disciplina que ofereça pos-
sibilidade de questionamen-
to na esfera civil, já teria
violado os preceitos das
Escrituras Sagradas, pois
nelas residem o fundamento
primeiro do cuidado e pro-
teção ao ser humano, criado
à imagem e semelhança de
Deus, provido pela graça
comum indistinta a todos os
homens, e reconciliado pela
graça especial, distribuída
conforme a economia do
próprio Deus.
Resta-nos indagar as pos-
sibilidades de êxito de uma
ação judicial dessa natureza.
Cabe-nos também verifi-
car que aspectos devem ser
observados para que nossos
tribunais eclesiásticos não
sejam feitos reféns da juris-
dição civil.
Para tanto, procuraremos
responder a três indagações:
(a)emqueconsiste,noplano
jurídico, o direito à intimi-
dade e quais os seus limites?
(b) a jurisdição eclesiástica
se compatibiliza com referi-
do direito? (c) que preceitos
devem ser observados num
processo disciplinar para se
evitar questionamentos des-
sa natureza?
O artigo 5º, inciso X,
da Constituição Brasileira,
estabelece que “são invio-
láveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo
dano material ou moral de-
corrente de sua violação”.
A doutrina jurídica ensi-
na que o objeto do direito
à intimidade seriam os epi-
sódios mais particulares de
uma pessoa, envolvendo
suas relações familiares e
amizades mais próximas. O
que se protege é o controle
da informação sobre si mes-
mo ou o direito de não se
tornar foco da observação
por terceiros e de não ter os
seus assuntos, informações
pessoais e características
particulares expostas.
Pondera-se, contudo, que
a intimidade, como decor-
rência da vida em socieda-
de e de outros valores de
ordem constitucional, não é
direito absoluto, mas limita-
do por circunstâncias que só
podem ser examinadas no
caso concreto.
São limitações o modo
de viver do indivíduo bem
como o seu consentimen-
to, expresso ou tácito, na
divulgação dos fatos que
envolvam aspectos de sua
intimidade. Nesse sentido,
a vida gregária consentida
pelo crente no seio da igre-
ja pode ser relevante para a
contextualização dessas cir-
cunstâncias limitadores do
direito à intimidade.
Considerando-se ainda:
(a) o vínculo espiritual e
social que o crente mantém
com Deus e com a igreja a
qual adere; e (b) os deveres
que o membro da igreja as-
sume em razão desse víncu-
lo, em especial no tocante
a “viver de acordo com a
doutrina e prática da Es-
critura Sagrada” (art. 14,
“a”, CIPB) e a “obedecer
às autoridades da Igreja,
enquanto estas permanece-
rem fiéis às Sagradas Escri-
turas” (art. 14, “d”, CIPB),
afigura-se legítimo que o
crente seja cobrado de suas
responsabilidades morais e
espirituais perante Deus e a
igreja, sem que isso repre-
sente violação à privacidade
ou intimidade.
Quanto aos cuidados para
que o processo disciplinar
se transcorra válido, legí-
timo e submetido aos seus
fins, destacamos alguns pre-
ceitos contidos no Código
de Disciplina da IPB:
a) a demonstração cabal
e exaustiva da providên-
cia prevista no art. 43 do
CDIPB, segundo a qual “os
concílios devem, antes de
iniciar qualquer processo,
empregar esforços para
corrigir as faltas por meios
suasórios”;
b) a consideração aos
diferentes tipos de faltas
(“pessoais, gerais, públicas
e veladas”), do que decorre
a desnecessidade (ou até ve-
dação) de que toda e qual-
quer pena seja noticiada à
igreja, para a preservação
do crente faltoso e da pró-
pria igreja, ressalvados os
casos de faltas públicas, o
que não implicaria em vio-
lação de intimidade, porque
já havida no contexto pú-
blico e geral (art. 6º c/c 14,
CDIPB);
c) a observância subjetiva
quanto ao modo de condu-
ção do processo e aplicação
da pena, o que deve ser feito
“com prudência, discrição e
caridade, a fim de despertar
arrependimento no culpa-
do e simpatia da Igreja”,
quando for o caso desta ser
cientificada (art. 15 c/c 53,
CDIPB).
Por fim e acima de tudo,
nos termos do parágrafo
único do art. 2º, do CDIPB,
a disciplina deve ter por fim
“edificar o povo de Deus,
corrigir escândalos, erros
ou faltas, promover a honra
de Deus, a glória de Nosso
Senhor e Jesus Cristo e o
próprio bem dos culpados”.
Logo, um processo dis-
ciplinar conduzido biblica-
mente não deixará espaço
para questionamentos judi-
ciais de natureza civil.
Disciplina Eclesiástica e Jurisdição Civil
Ricardo Barbosa
C
Ricardo de Abreu Barbosa, é
advogado e presbítero da 1ª IP de
São Bernardo do Campo, SP