O Juiz Federal José Geraldo Amaral Fonseca Júnior, da 4ª Vara Federal do Acre, deu sentença favorável ao Primeiro Sargento Sergio Francisco Lelles que requereu a reparação de gastos efetuados com moradia, pois não lhe foi disponibilizado o Próprio Nacional Residencial – PNR – quando de sua transferência para o Comando de Fronteira do Acre/4º BIS, em Rio Branco/AC.
O juiz reconheceu o direito à habitação para o militar e acolheu o pedido de ressarcimento do valor de R$ 500 mensais, pagos como aluguel pelo militar entre janeiro de 2013 e novembro de 2014, num total de R$ 11.500,00.
Sentença: Justiça manda União ressarcir sargento do Exército do valor gasto com aluguel por falta de PNR
1. PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE
4ª VARA – JUIZADO ESPECIAL FEDERAL
Autos n. 0005264-29.2015.4.01.3000
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL / OUTROS / JEF
Parte Autora: SERGIO FRANCISCO LELLES
Parte Ré: UNIAO
Sentença Tipo A
SENTENÇA
Trata-se de ação em que se requer a reparação de gastos
efetuados com moradia por militar transferido por necessidade do serviço.
Em suas razões iniciais, o autor afirma que foi transferido
para o Comando de Fronteira do Acre/4º BIS, em Rio Branco/AC, e que não lhe foi
disponibilizado o Próprio Nacional Relevante – PNR – nome dado às casas
destinadas à moradia dos militares. Em razão disso, teve que despender gastos
com aluguel de apartamento.
Com fundamentos de direito para seu pedido, afirma que: a) a
Lei n. 6.880/80 lhe assegura o direito à moradia quando removido de ofício para
servir em outra localidade do território nacional; b) à época, preenchia todas as
condições previstas na Portaria n. 277/2008, do Comando do Exército e, por isso,
estava apto a ocupar o PNR; c) há discriminação no trato da concessão do PNR,
pois os militares removidos para o Distrito Federal somente se apresentam quando
o PNR está pronto para ocupação e, d) sua transferência se deu por necessidade
do serviço e, assim, teria direito à moradia.
A prova da transferência por necessidade do serviço veio
junto com a Inicial, por intermédio de cópia de Aditamento da DCEM 31 ao Boletim
do DGP n. 79.
Há, ainda, com a inicial, cópias de recibos fazendo prova dos
gastos com aluguéis.
Na contestação, a União afirmou, em essência, que a
disponibilização do PNR, por disposição legal, ocorre de acordo com a
disponibilidade. Assim, não teria havido nenhum tratamento discriminatório.
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Decido.
O autor fundamenta seu pedido em suposto direito atribuído
aos militares pela lei.
Com efeito, o art. 50 da Lei n. 6.880/80 prevê que o militar em
atividade possui direito à moradia, compreendendo, aí, o alojamento em
organização militar, quando aquartelado ou embarcado, bem como habitação para
si e seus dependentes, em imóvel sob a responsabilidade da União, conforme
disponibilidade existente. Eis a literalidade da previsão normativa:
Art. 50. São direitos dos militares
[...]
i) a moradia para o militar em atividade, compreendendo:
[...]
2 - habitação para si e seus dependentes; em imóvel sob a
responsabilidade da União, de acordo com a disponibilidade
existente.
[...]
Diante disso, da leitura da sobredita norma, é possível
verificar dois sentidos possíveis de interpretação: a) a habitação deve ser oferecida
ao militar apenas nos casos de disponibilidade de imóveis e, b) a habitação deve
ser oferecida ao militar sempre, mas dentro do critério de escolha da
Administração.
Passo a tratar, brevemente, de cada um dos sentidos
referidos.
Como se verifica, a redação do artigo não é suficientemente
clara, a fim de indicar qual foi a real intenção do legislador. Isso porque, a
expressão “de acordo com a disponibilidade” existente, torna o preceito normativo
dúbio. Assim, uma leitura poderia conduzir ao sentido indicado, acima, no item “a”.
É, inclusive, o sentido que a União quer conferir à norma. Dessa forma, a
Administração Militar somente teria que conceder habitação ao militar quando
houvesse imóveis disponíveis. Com isso, o termo “disponibilidade” estaria ligado à
existência de imóveis vagos, por exemplo. Por outro lado, soaria mais adequada
uma leitura mais aprofundada, sem tanto apego à literalidade da norma. A partir
daí, seria possível enxergar o outro sentido afirmado antes (item “b”).
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Por tal sentido, então, caberia sim ao militar o direito à
habitação. Seria, pois, um direito subjetivo. No entanto, a Administração teria certo
âmbito de liberdade quando da efetivação do direito, pois tal efetivação seria feita
de acordo com a “disponibilidade”. Logo, não restaria nenhuma escolha ao militar.
O imóvel que lhe fosse destinado, dentre aqueles disponíveis, bastaria. Essa
interpretação, como antes afirmado, é a que mais se coaduna com a realidade.
Passo a justificar.
A interpretação, nesse ponto, deve ser feita com base em
uma visão sistemática, não meramente gramatical.
O primeiro ponto a ser esclarecido é a própria estrutura
topográfica existente na previsão normativa. Como visto anteriormente, o caput do
art. 50 da Lei n. 6.880/80 indica que “são direitos dos militares” (grifo nosso).
Nesse patamar, o direito à habitação está previsto logo abaixo do caput. Em razão
disso, pode se afirmar que a habitação é direito do militar. Por isso, então, não se
pode admitir nenhuma interpretação que desconsidere tal previsão. Assim,
entender que a habitação fica condicionada estritamente à disponibilidade de
imóveis, como quer a União, significa compreender que não se trata de um direito,
mas sim de uma concessão graciosa que a Administração Militar efetua quando
quer (pode). Mais correto, portanto, é entender que a habitação é direito subjetivo
do militar. Assim, a disponibilidade resta apenas para fins de escolha dos imóveis
pela Administração. O militar não possuiria gerência nisso.
Além disso, em acréscimo, deve ser feita uma harmonização
dessa previsão normativa com o que estatuiu a Constituição Federal de 1988.
Logo, a medida que se impõe é uma interpretação em conformidade com os
ditames e valores constitucionais. Nesse particular, ao dispor sobre as Forças
Armadas, a Magna Carta previu, em seu art. 142, que:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na
hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do
Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes, da lei e da ordem.
Da leitura do sobredito artigo, verifica-se que o Constituinte
conferiu valores importantes às Forças Armadas. Nessa ótica, é possível enxergar
a sua organização com base na hierarquia e disciplina. Por outro lado, há as
finalidades primordiais: defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e da
lei e da ordem.
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Além disso, o §3º do mesmo artigo disciplina que os membros
das Forças Armadas são denominados militares. Assim, são descritas algumas
disposições, sem prejuízo de outras fixadas em lei.
O autor, portanto, é membro do Exército. Em razão disso, a
leitura da Lei n. 6.880/80, sobretudo de seu art. 50, não pode ser feita sem a
compreensão de que o militar é membro das Forças Armadas e, que por isso,
desempenha uma atividade de enorme importância nacional. Assim, para efetivo
exercício dessa atividade está submetido a um rígido e complexo sistema baseado
em disciplina e hierarquia. Um dos desdobramentos disso, portanto, é o fato de
que o militar não possui lotação definitiva. A qualquer momento pode ser
deslocado para qualquer localidade do território nacional, mesmo sem desejar isso,
pois a atividade que exerce é essencial.
Feita essa contextualização, a leitura do art. 50 da Lei n.
6.880/80 deve ser balizada por essa noção constitucional. Logo, com mais razão
deve ser privilegiada uma interpretação que confira à habitação para o militar
transferido a natureza de direito subjetivo. Não fosse assim, haveria demasiado
prejuízo a ele. Seria demais exigir do militar, além de estar disposto a ser
transferido, a qualquer momento, com sua família, para qualquer localidade do
País, que ainda tivesse que efetuar novos gastos com habitação. Deve, por certo,
haver contrapartida por parte das Forças Armadas. A lei, então assegura esse
direito de habitação ao militar, o qual não pode ficar ao alvitre da “disponibilidade”.
Ainda sob esse aspecto, consta dos autos que o autor teve
gastos com aluguel por cerca de dois anos até que uma moradia lhe fosse
disponibilizada. Não é razoável admitir tão longo prazo. É direito do militar e
deveria lhe ser resguardado. Nesse ponto, cabe salientar que a União não
apresentou algum elemento de prova no sentido de que o autor não se
enquadrasse nos requisitos para obtenção do direito.
Dessa forma, pelo que foi exposto, deve ser reconhecido o
direito à habitação para o militar e, por consequência, acolher o pedido autoral
para ser ressarcido nos gastos que efetuou. Contudo, deve ser admitido, apenas,
em parte. Isso porque os recibos apresentados com a inicial trazem discriminações
de dois tipos de gastos: a) aluguel propriamente dito e; b) água, limpeza e
conservação. Diante disso, somente o que foi gasto, efetivamente, com a moradia,
ou seja, o aluguel, deve ser ressarcido. Os outros gastos, por sua vez, são
inerentes à rotina de qualquer morador e, por certo, não podem ser imputados à
União. Nesse ponto, esclareço que o autor não fez prova em sentido diverso.
Assim, uma vez que os gatos com aluguel foram na
importância de R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês, de janeiro/2013 a
novembro/2014, devem ser restituídos todos os meses, com incidência de
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correção monetária a contar de cada desembolso. Além disso, deve haver
incidência de juros moratórios a contar da data da citação.
Pelo exposto, ACOLHO o pedido inicial para condenar a
União a ressarcir o autor pelos gastos efetuados com moradia, no período de
janeiro/2013 a novembro/2014, no valor mensal de R$ 500,00 (quinhentos reais),
com correção monetária a contar de cada desembolso e juros desde a citação.
Sem custas ou honorários.
Após o trânsito em julgado, intime-se o autor para, em 10
(dez) dias, apresentar planilha de cálculos com o valor devido. Após, vista ao réu
pelo mesmo prazo. Sem divergência, requisite-se pagamento.
Registre-se. Intimem-se.
Rio Branco (AC), 08 de novembro de 2016.
JOSÉ GERALDO AMARAL FONSECA JÚNIOR
Juiz Federal