1. Poder Judiciário da União
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
Órgão 5ª Turma Cível
Processo N. Apelação Cível 20080110091212APC
Apelante(s) IVO GONZAGA
Apelado(s) CONDOMÍNIO EDIFICÍO SEGURADORAS BRASÍLIA
Relator Desembargador ANGELO PASSARELI
Revisor Desembargador ANTONINHO LOPES
Acórdão Nº 439.822
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. INTERPRETAÇÃO DE
CLÁUSULA CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ COMO
PRECEITO INTERPRETATIVO. PAGAMENTO EFETUADO INDEVIDAMENTE
POR SÍNDICO DE CONDOMÍNIO A ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. DEVER DE
RESSARCIR. SENTENÇA MANTIDA.
1 – Havendo controvérsia acerca da interpretação de cláusula contratual, prevalece
aquela que prestigie o princípio da boa-fé objetiva.
2 – Constatando-se que síndico de condomínio residencial efetua pagamento
indevido a prestador de serviço, causando, portanto, prejuízo ao condomínio, impõe-
se a manutenção da sentença que reconheceu o dever de indenizar.
Apelação Cível desprovida.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 5ª Turma Cível do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ANGELO PASSARELI - Relator,
ANTONINHO LOPES - Revisor, ROMEU GONZAGA NEIVA - Vogal, sob a Presidência
do Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI, em proferir a seguinte decisão:
CONHECER. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e
notas taquigráficas.
Brasília (DF), 18 de agosto de 2010
Certificado nº: 44 36 5B 26
19/08/2010 - 09:21
Desembargador ANGELO PASSARELI
Relator
Código de Verificação: F69B.2010.13BH.QHO8.85NM.5JZE
2. APELAÇÃO CÍVEL 2008 01 1 009121-2 APC
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de Apelação interposto por IVO GONZAGA
contra a r. sentença de fls. 83/88, por meio da qual o MM. Juiz singular julgou
parcialmente procedente o pedido deduzido na Ação de Conhecimento, Feito nº
2008.01.1.009121-2, ajuizada pelo CONDOMÍNIO EDIFÍCIO SEGURADORAS -
BRASÍLIA, condenando o Réu ao pagamento de R$ 6.482,47 (seis mil,
quatrocentos e oitenta e dois reais e quarenta e sete centavos), monetariamente
corrigidos desde 04/12/2006 e acrescidos de juros de mora a partir da citação.
Adoto, em parte, o relatório da r. sentença vergastada, in verbis:
“Trata-se de ação de conhecimento sob o rito ordinário ajuizada
pelo CONDOMÍNIO EDIFÍCIO SEGURADORAS-BRASÍLIA em desfavor de IVO
GONZAGA, partes devidamente qualificadas na inicial.
Sustenta que o réu, na qualidade de síndico do condomínio
autor, firmou contrato de honorários advocatícios com o escritório COSTA,
IVO E MESQUITA ADVOGADOS S/S para que promovesse a cobrança
administrativa e judicial das taxas condominiais; que no contrato de prestação
de honorários advocatícios ficou estipulado que a remuneração pelo serviço
prestado seria de 10% (dez por cento) do valor da causa e no caso de êxito
administrativo ou judicial mais 5% (cinco por cento); que a contratada ajuizou
ação de cobrança em face da empresa SOCONTECA, cujo valor da causa foi
de R$ 63.885,43 (sessenta e três mil oitocentos e oitenta e cinco reais e
quarenta e três centavos); que antes do ajuizamento da ação foi pago a
importância de R$ 6.209,87 (seis mil duzentos e nove reais e oitenta e sete
centavos); que em decorrência do êxito judicial o réu autorizou o pagamento à
contratada no valor de R$ 14.282,47 (quatorze mil duzentos e oitenta e dois
reais e quarenta e sete centavos); que o valor pago ao referido escritório
quando do término da referida ação deveria corresponder a 5% do valor da
causa, ou seja, R$ 3.104,43 (três mil cento e quatro e quarenta e três
centavos); que é devida a restituição de R$ 11.178,04 (onze mil cento e setenta
e oito reais e quatro centavos), o que corresponderia a diferença da quantia
devida da que foi paga. Juntou documentos de fls.05/23.
Citada, a ré apresentou contestação de fls.29/35, afirmando que
há impossibilidade jurídica do pedido; que esta não é a via eleita para
prestação de contas; que a presente ação viola a aprovação de contas
realizada pela assembléia; que na ação do condomínio autor em face da
SOCONTECA houve condenação em R$ 63.885,43 (sessenta e três mil,
oitocentos e oitenta e cinco reais e quarenta e três centavos) e nas taxas
condominiais vincendas; que a empresa SOCONTECA tinha débitos referentes
a 13 salas no edifício; que o débito foi evoluindo no decorrer da ação de
cobrança, pois foi proposta em fevereiro de 2005 e a quitação total do débito
ocorreu no final de 2006; que o contrato de honorários advocatícios foi
firmado na proporção de 15% (quinze por cento) do valor da causa,
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3. APELAÇÃO CÍVEL 2008 01 1 009121-2 APC
independente do êxito da demanda; que o condomínio autor recebeu da
empresa SOCONTECA a importância de R$ 137.000,00, referentes às unidades
1202, 1203, 308, 309, 310, 311 e 312, o que resultou em honorários totais de R$
20.550,00 (vinte mil quinhentos e cinqüenta reais); que houve adimplemento
total do contrato advocatício; que a conduta perpetrada pelo réu não
caracteriza ato ilícito. Juntou os documentos de fls.36/44.
O autor apresentou réplica às fls. 51/57, afirmando que a parte
ré não refutou a assertiva de que os honorários contratados foram pagos em
desacordo com o pactuado, tendo essa ausência de impugnação específica
gerado a presunção de veracidade do fato alegado; que os recibos juntados
pelo réu apontam datas diferenciadas das estampadas nos recibos
colacionados pelo requerente; que o último pagamento ocorreu em 29/11/2006
e o repasse aos advogados em 04/12/2006; que não haveria necessidade de
dois recibos distintos; que dos últimos R$ 96.000,00 pagos pela empresa
SOCONTECA, apenas R$ 76.451,26 (setenta e seis mil quatrocentos e
cinqüenta e um reais e vinte e seis centavos) sobraram para o autor, pois foi
devolvido a SOCONTECA o valor R$ 9.474,46 (nove mil quatrocentos e setenta
e quatro reais e quarenta e seis centavos), houve incidência de CPMF e foi
autorizado o pagamento ao escritório COSTA, IVO E MESQUITA ADVOGADOS
S/S - fl.58/59; que do valor resultado dessa subtração é devido apenas 5%
(cinco por cento) ao escritório de advocacia, o que corresponderia a R$
3.822,57 ( três mil oitocentos e vinte e dois reais e cinqüenta e sete centavos);
que se fosse utilizado o valor de parâmetro mencionado pelo réu, qual seja, R$
137.000,00 (cento e trinta e sete mil reais) seria devido R$ 6.850,00(seis mil
oitocentos e cinqüenta reais) a título de honorários advocatício, mas não o
valor efetivamente pago de R$ 11.282,47( onze mil duzentos e oitenta e dois
reais e quarenta e sete centavos).
Intimados para manifestação quanto à necessidade de provas,
as partes requereram a produção de prova testemunhal.
Por decisão irrecorrida de fl. 79, foi indeferido pelo Juízo pedido
de produção de prova testemunhal.”
Em seguida, o Magistrado a quo proferiu sentença, julgando a lide
de forma antecipada, cujo dispositivo restou assim delineado, in verbis:
“Isto posto, resolvendo o mérito nos termos do art. 269, I do
Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido formulado
na peça inicial, para condenar o réu a restituir ao autor o valor de R$ 6.482,47
corrigido monetariamente a partir de 04.12.2006 e acrescido de juros de mora a
contar da citação.
Em face da sucumbência recíproca, condeno o autor e o réu no
pagamento, pro rata, das custas processuais, devendo cada parte arcar com
os respectivos honorários advocatícios.
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Fica o réu intimado nesta sentença a pagar voluntariamente
após o trânsito em julgado, o valor contido na condenação, no prazo de
15(quinze) dias, sob pena de ter acrescido ao montante o percentual de 10% a
título de multa, tudo na forma do artigo 475-J do CPC.
Após o trânsito em julgado, não havendo outros requerimentos,
dê-se baixa e arquivem-se.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Brasília, 18 de maio de 2.009”
Na sequência, o Réu interpôs Embargos de Declaração (fls. 91/93),
alegando haver omissão no julgado, todavia, sua irresignação foi desprovida por
meio da decisão de fl. 95.
Inconformado, o Réu interpôs a presente Apelação sustentando, em
síntese, que o decisum não encontra amparo nas provas produzidas nos autos e
que afronta a jurisprudência uníssona dos Tribunais pátrios.
Expõe que a tese defendida pelo Apelado não reproduz a verdade
dos fatos, pois, embora a redação do contrato não exprima de maneira inequívoca a
vontade dos contratantes, “resta bastante claro que a intenção das partes era
firmar contrato cuja remuneração seria de 15% (quinze por cento do débito),
sendo 10% (dez por cento) sem relação com o êxito e o restante condicionado
ao sucesso da demanda.” (fl. 100)
Aduz que o cálculo lançado na sentença não representa tal
entendimento, porque exclui o valor das parcelas vencidas durante o curso da
demanda e desconsidera as quantias recebidas pelo Apelado em razão de acordos
firmados com intermediação do Apelante.
Assevera ser incorreta a interpretação no sentido de que sobre os
mencionados acordos incidiria apenas o percentual de 5% (cinco por cento), bem
como que “em cálculo meramente aritmético, se foram recebidos os valores
equivalentes a R$ 156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil reais), os
honorários corresponderiam a R$ 23.400,00 (vinte e três mil e quatrocentos
reais), entre valores adiantados e ad exitum.” (fl. 100)
Acrescenta que entre as partes houve a outorga de quitação mútua,
devidamente aprovada pela Assembléia do Condomínio/Autor, fato que denotaria a
correção dos valores recebidos, inexistindo ato ilícito e, consequentemente, dano a
ser reparado.
Pugna pelo recebimento e provimento do Recurso, a fim de seja a
sentença reformada, julgando-se improcedentes os pedidos deduzidos na peça de
ingresso e condenando-se o Apelado nos encargos de sucumbência, bem como,
pede a aplicação de multa por litigância de má-fé.
Preparo à fl. 105.
O Apelado apresentou contrarrazões às fls. 110/115, infirmando as
razões recursais do Apelante ao argumento de que este, em sua peça de defesa,
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“discorreu sobre coisa totalmente diversa da pretensão defendida na inicial,
qual seja o pagamento se deu a maior, porque o réu, então, síndico, procedeu
ao pagamento da segunda parcela dos honorários contratados em desacordo
com o que foi estipulado na parte final da cláusula quinta do contrato de
prestação de serviços, certo ao dispor que o percentual de 5% (cinco por
cento) deveria incidir sobre o valor da causa estampado no processo nº
10.440-0/2005 (R$ 3.104,43 = a 5% de R$ 63.885,43 – v. fls. 09/10 e 15).” Grifo
original (fl. 110).
Diz que seria o caso de aplicação dos efeitos da revelia, pois os
fatos narrados na exordial não foram individualmente impugnados, impondo-se a
procedência dos pedidos deduzidos.
Assegura que os pagamentos efetuados deram-se tão-somente em
virtude do ajuizamento da ação que tramitou sob o n. 10.440-0/05, em face de
SONOTECA – Sociedade de Contabilidade Técnica Ltda., e que os recibos juntados
pelo Réu possuem datas diversas daqueles juntados às fls. 16/22, motivo pelo qual
corresponderiam ao pagamento de outro negócio jurídico.
Acrescenta que dos R$ 96.000,00 (noventa e seis mil reais)
recebidos pelo Apelado em razão daquele processo devolveu à SONOTECA R$
9.474,46 (nove mil quatrocentos e quatro reais e quarenta e seis reais).
Entende que o percentual pactuado incidiria, portanto, sobre o
remanescente, o que leva a conclusão de que resta diferença em favor do Apelado,
no montante de R$ 10.459,90 (dez mil, quatrocentos e cinquenta e nove reais e
noventa centavos).
Por derradeiro, insiste que a quitação fornecida à fl. 43 não possui o
condão de referendar pagamento indevido e que o mero exercício do direito de ação
não pode ensejar a condenação por litigância de má-fé.
Colaciona jurisprudência que entende subsidiar suas alegações e
pugna pelo não provimento do recurso interposto.
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI - Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Inicialmente, ressalto que não é o caso de aplicação dos efeitos da
revelia, como pretende o Recorrido em sede de contrarrazões – fundamentando tal
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pedido na alegação de que o Réu não teria, em sua resposta, impugnado
especificadamente os pontos levantados na inicial – porque este o fez, na medida
em que sustenta a legitimidade do pagamento efetuado ao escritório de advocacia
contratado com fulcro na interpretação que extraiu do contrato.
Alega o Réu/Apelante, em um primeiro momento, que a quitação,
concedida por meio do instrumento de distrato de fl. 43 e que a aprovação de suas
contas perante a Assembléia do Condomínio são suficientes para se concluir pela
inexistência de dano, e consequentemente, do dever de indenizar.
Não assiste razão ao Apelante.
Observo que a quitação lançada à fl. 43 foi concedida ao Escritório
de Advocacia contratado e não ao Apelante, que era Síndico do Condomínio/Autor,
de sorte que tal documento não possui o condão de referendar eventual ato
praticado por administração anterior, cuja aprovação é de competência exclusiva da
Assembléia do Condomínio, na forma do art. 1.350 do CC/02 (“art. 1.350.
Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na
forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as
contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente
eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.”).
Da mesma maneira, na ata de fls. 60/63 vê-se que a aprovação das
contas do ano de 2006 foi feita com ressalva e, em que pese a alegação de que tal
reserva em nada se confundiria com o objeto do Feito, verdade é que o Apelado não
se desincumbiu do ônus de promover a juntada aos autos da mencionada carta
enviada por condômino, atinente a questões tributárias (fl. 101), motivo pelo qual
incide a norma insculpida pelo art. 333, inciso II, que atribui ao Réu o ônus de provar
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Superadas estas questões iniciais, cinge-se a irresignação do
Apelante à exegese realizada pelo MM. Juiz a quo sobre a parte final da cláusula 5ª
do instrumento de contrato juntado às fls. 8/11, que possui a seguinte redação:
“Em remuneração a essa prestação de serviços o
CONTRATANTE pagará à CONTRATADA o percentual de 10% (dez p/ cento),
sobre os valores a serem cobrados, que deverão ser pago (sic) no ato da
entrega da relação de valores a ser cobrado (sic). E, 5% (cinco p/ cento), ao
final de cada processo de cobrança, com êxito administrativo ou judicial.” (fls.
09/10)
Sustenta o Recorrente que “embora a redação do contrato
elaborado pelo escritório de advocacia seja de pobreza franciscana, resta
bastante claro que a intenção das partes era firmar contrato cuja remuneração
seria de 15% (quinze por cento) dos valores recebidos, sendo que 10% (dez
por cento) seriam pagos antecipadamente.” (fl. 99/100)
O Apelado, por seu turno, afirma que ocorreu “o pagamento da
segunda parcela dos honorários contratados em desacordo com o que foi
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estipulado na parte final da cláusula quinta do contrato de prestação de
serviços, certo ao dispor que o percentual de 5% (cinco por cento) deveria
incidir sobre o valor da causa estampado no processo nº 10.440-0/05.” (fl. 110)
O Julgador singular concluiu o seguinte:
“Assim, o percentual de 10% inicialmente pago, incide sobre o
valor da ação no momento da propositura e não sobre os valores a serem
recebidos, sendo que os 5% restantes devem incidir após a definição da ação,
sobre os valores efetivamente recebidos, sendo evidente no caso, que as
parcelas vincendas devem integrar apenas o percentual restante.” (fl. 86)
E, neste contexto, após a análise dos recibos juntados pelas partes,
o Magistrado verificou que o Réu – ex-síndico do condomínio – pagou
indevidamente ao escritório contratado R$ 6.482,47 (seis mil, quatrocentos e oitenta
e dois reais e quarenta e sete centavos), causando dano ao Autor e, em razão disso,
condenou-o a devolver o excedente apurado.
Nessa medida, entendo que não merece reparo a sentença
vergastada, pois, a interpretação pretendida pelo Apelante não encontra amparo no
instrumento contratual e na legislação aplicável.
Em um primeiro plano, destaco que a interpretação literal da
cláusula não elucida a questão colocada, pois, em que pese a possibilidade de
inferir-se do texto a omissão voluntária da expressão “sobre os valores a serem
cobrados” logo após “E, 5% (cinco p/ cento),” – restando aquela subentendida com
base na estrutura gramatical do período (elipse), como pretende o Recorrido em sua
tese inaugural (o que culminaria na conclusão de que os percentuais citados
incidiriam apenas sobre o valor da causa), não é esta a forma interpretativa
prestigiada pelo Direito.
Dispõem os artigos 112 e 113 do Código Civil, respectivamente:
“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à
intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”
O primeiro dispositivo inaugura a exegese, consubstanciando-se em
interpretação de nuance subjetiva, que é “dominada pelo princípio de
investigação da vontade real (voluntas spectanda). (...) O intérprete tem de
indagar, antes de mais nada, qual foi a intenção comum das partes, e não a
vontade singular de cada declarante, atendendo ainda ao comportamento
coetânio e posterior à sua celebração.” (GOMES, Orlando. Contratos. 17 ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1997, p. 203.
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8. APELAÇÃO CÍVEL 2008 01 1 009121-2 APC
No caso dos autos, tal busca – utilizada isoladamente – mostra-se
questionável, porquanto o Apelante, advogado integrante da banca contratada, era,
outrossim, síndico do Condomínio/Apelado, de sorte que se comportou, na execução
do contrato, da maneira que reputou a correta, ou seja, efetuando os pagamentos
após a incidência do percentual de 15% (quinze por cento) – 10% de forma
antecipada e 5% ao final – sobre todo o contratado e efetivamente recebido, ainda
que se possa perquirir diferenças a maior, como salientou o Apelado em suas
contrarrazões (fl. 113).
Dessa maneira, soma-se à investigação a utilização dos preceitos
interpretativos da boa-fé e dos usos do lugar de sua celebração, orientados pelos
princípios da conservação dos contratos e da extrema ratio – empregado quando “a
obscuridade permanecer a despeito da aplicação de todos os princípios e
regras de interpretação, recorre o intérprete ao critério extremo que o orienta
no sentido de entendê-lo menos gravoso para o devedor, se gratuito, de que
se realize equitativo equilíbrio entre os interesses das partes, se a título
oneroso.” (idem per idem, p. 205-6).
Não vislumbro má-fé de qualquer das partes no significado que
atribuíram à cláusula, porquanto ambas as interpretações encontram assento nos
dizeres ipsis litteris do instrumento.
E, ainda com base neste primado – boa-fé objetiva – é de se concluir
que os 10% (dez por cento) iniciais incidiram sobre o valor atribuído à causa para a
qual o escritório de advocacia foi contratado.
Tal exegese é subsidiada pela dinâmica apresentada nos
documentos que instruem o Feito, uma vez que estes são indiciários do
comportamento das partes.
Expõe o recibo de fl. 16, no valor total de R$ 8.188,00 (oito mil cento
e oitenta e oito reais), o pagamento de R$ 6.209,87 (seis mil duzentos e nove reais e
oitenta e sete centavos) a título de honorários iniciais contratados em virtude do
ajuizamento da ação de cobrança em face de SOCONTECA (Sociedade de
Contabilidade Técnica Ltda.) – Feito n. 2005.01.1.010440-0 – que tramitou perante a
Nona Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF, do que se
denota o ajuste das partes no sentido de que o pagamento levou em consideração o
valor da causa, deixando as parcelas vincendas – que naquela data não podiam ser
quantificadas – para servir como base de cálculo do percentual remanescente.
Assim, questiona-se se os 5% (cinco por cento) restantes incidiriam
sobre o mesmo parâmetro (valor da causa) ou se sobre o efetivamente recebido em
decorrência da atuação dos profissionais contratados.
Nesse descortino, em análise sistemática do contrato, é de se
concluir que este percentual incide sobre as parcelas efetivamente pagas, incluídas
as vincendas.
Indubitavelmente, cuida-se de honorários advocatícios contratados
para o caso de êxito, ou seja, sobre o valor efetivamente recebido ao final da
demanda, não sendo tal prática vedada pelo ordenamento, que permite, até mesmo,
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9. APELAÇÃO CÍVEL 2008 01 1 009121-2 APC
o contrato cotalício, no qual a remuneração do advogado depende integralmente do
sucesso da demanda.
Essa forma de cotação do valor dos honorários é prática comum
neste foro – em interpretação que prestigia o disposto no art. 113 do CC/02, que
determina a observância dos usos do lugar da celebração do contrato –, cujo escopo
maior é incentivar e prestigiar a prática diligente da advocacia.
Nesse sentido, tenho como correta a decisão que determinou o
pagamento dos honorários remanescentes com base no efetivamente recebido em
razão da atuação dos profissionais, judicial ou extrajudicialmente, como se infere da
cláusula em questão (“com êxito administrativo ou judicial.” – fl. 86)
E, dessa maneira, somando-se as quantias indicadas nos recibos de
fls. 38, 39, 40, 41, 42, abatido o valor inserido no documento de fls. 58/59, vê-se que
o Condomínio efetivamente reverteu aos seus cofres R$ 146.526,54 (cento e
quarenta e seis mil, quinhentos e vinte e seis reais e cinquenta e quatro centavos),
sobre os quais índice do percentual de 5% (cinco por cento), totalizando R$ 7.326,32
(sete mil trezentos e vinte e seis reais e trinta e dois centavos).
Todavia, como se observa dos recibos de fls. 17, 19, 21 e 22, o
Apelante pagou ao escritório R$ 14.282,47 (quatorze mil duzentos e oitenta e dois
reais e quarenta e sete centavos), que subtraída da quantia indicada no parágrafo
anterior, assume a dívida o montante de R$ 6.956,15 (seis mil novecentos e
cinquenta e seis reais e quinze centavos)
Este valor difere do lançado na sentença porque o Magistrado a quo
não procedeu à subtração dos valores devolvidos à SOCONTECA (fls. 58/59),
entretanto, não houve recurso por parte do Autor/Apelado, incidindo o princípio da
proibição de reformatio in pejus, razão porque impera a manutenção, in totum, da
sentença recorrida.
Por fim, não há de se falar em litigância de má-fé por parte do Autor/
Apelado, pois, não demonstrada, nem sequer indiciariamente, conduta maliciosa que
resulte em qualquer das situações lançadas no art. 17 do CPC.
Com essas considerações, nego provimento ao recurso.
É como voto.
O Senhor Desembargador ANTONINHO LOPES - Revisor
Com o Relator
O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Vogal
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10. APELAÇÃO CÍVEL 2008 01 1 009121-2 APC
Com o Relator.
DECISÃO
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