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Ministério da Saúde
Fundação Oswaldo Cruz
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
Departamento de Administração e Planejamento em Saúde
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS DE SAÚDE EM SITUAÇÃO PÓS-
CONFLITO: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PRIMEIRO
DOCUMENTO PROPOSITIVO DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE
PARA O TIMOR LESTE, 1999 A 2002
LUIZ EDUARDO FONSECA
Tese apresentada como requisito para
obtenção do grau de Doutor em Saúde
Pública no Curso de Pós-graduação strictu
sensu em Saúde Pública, na linha de
pesquisa de Formulação e Implementação
de Políticas Públicas e Saúde, do
Departamento de Administração e Políticas
de Saúde da Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca da Fundação
Oswaldo Cruz.
Orientadora: Profª Drª Célia Maria Almeida
Rio de Janeiro
2011
ii
CATALOGAÇÃO
Fonseca, Luiz Eduardo.
Formulação de políticas de saúde em situação pós-conflito: o processo de elaboração
do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, 1999 a
2002/ Luiz Eduardo Fonseca. – 2011.
166f. il.
Orientadora: Célia Maria Almeida
Tese (doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca
1. Situação Pós-conflito, Timor Leste – História – Teses. 2. Política de Saúde – Teses
I. Almeida, Célia Maria. II. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca. III. Título.
iii
Dedico esta tese a meus pais.
À minha mãe, que me ensinou a sonhar,
ao meu pai, que sempre acreditou nos meus sonhos,
e aos dois, por me mostrarem os caminhos
para a realização daqueles sonhos.
iv
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo, quero agradecer à Professora Célia Almeida, que me
conduziu nessa jornada e que, sem o seu apoio, não seria possível tê-la completado.
Agradeço também a Professora Ligia Giovanella por seu incentivo para que
eu iniciasse essa caminhada.
Quero fazer um agradecimento especial à Professora Kelly Cristiane da
Silva, do Departamento de Antropologia da UnB, que, além da atenção e sugestões,
colaborou imenso nesta pesquisa permitindo-me acesso a seu arquivo privado de
documentos sobre o Timor Leste.
Agradeço a todos os colegas de trabalho, à Claudia Parente, Ana Paula,
Bárbara e Anderson; ao Álvaro, Linger e Clementino; ao Lucas, Vincent, Claudia
Hoirisch, Lucia, Domingos e Bia; ao Zé Vitor e à Guilhermina, ao Daniel, à Alzira,
Milton, e Liliane, pelo apoio, pela torcida e pela dedicação durante todo esse período de
reclusão. À Norma, o meu agradecimento pelos momentos de conforto.
Agradeço de todo coração ao Paulo Buss, companheiro de trabalho e de
vida, e ao Jouval, meu irmão-camarada. Ao José Roberto quero dedicar um
agradecimento especial, não só pelo seu carinho e amizade, mas, sobretudo por tudo que
me tem ensinado nesses anos, seja pelas suas ideias seja pelo seu exemplo.
Agradeço ao Samuel e ao Mauro, por manterem a minha saúde e o meu
equilíbrio, sem os quais tudo teria sido mais difícil.
Agradeço a Lena, Rodrigo, Marco Antonio, Iônio, Diego, Washington,
Monica, Manika, Kathie,e Manu por serem meus amigos e a partir dos quais deixo
minha lembrança a todos os outros amigos que não nomeei. À Luiza, Luzia e
Sebastiana, que além de amigas são anjos da guarda.
Com todo meu amor, agradeço a Patrícia, Mônica e Cássia, minhas irmãs
queridas, e ao Paulo, meu irmão também querido, através deles minha família se
expande e aproveito para também lembrar e agradecer a todos a minhas cunhadas e
cunhados, meus sobrinhos, primos, tios e tias queridos que tanto apoio me deram
durante esse último ano, sem os quais esse trabalho teria ficado muito menor.
Ao Giovane, meu especial agradecimento por sua compreensão, por aturar-
me nos momentos mais difíceis e por estar do meu lado durante essa trajetória.
v
“Afirmo ao senhor, do que vivi: o mais difícil não é ser bom e
proceder honesto; dificultoso mesmo é um saber definitivo
o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.”
“O senhor me diga: preto é preto? Branco é branco?”
(Diadorim, em O Grande Sertão: Veredas
João Guimarães Rosa)
vi
RESUMO
O processo de reabilitação do setor saúde em condições pós-conflito é complexo, com
prazos muito ajustados e envolve diferentes atores, nacionais e internacionais, exigindo
mecanismos de coordenação que maximizem o fluxo da cooperação internacional, tanto
financeira quanto da assistência técnica. Este trabalho analisa, em perspectiva histórica,
o papel dos diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de elaboração do
primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, entre
1999 e 2002, período da administração temporária das Nações Unidas (UNTAET) no
país. A proposta de uma política de saúde surgiu, primeiro, nas mobilizações de
profissionais timorenses da saúde, em 1999, e, posteriormente, foi retomada nos
relatórios das missões conjuntas de avaliação (MiCAs), coordenadas pelo Banco
Mundial, e incorporada nos projetos de reabilitação e desenvolvimento para o setor,
também financiados pelo Banco. Todo esse processo se deu concomitantemente à
construção do arcabouço político nacional e da burocracia administrativa do Estado,
promovida pelo governo co-participativo da UNTAET. O desafio deste trabalho foi
analisar, nessas condições, como se deu a relação entre diferentes atores, a partir de
espaços de troca e de transferência, de conhecimentos e idéias e de um conjunto de
“modos de fazer” e de práticas, que permearam o processo de formulação de uma
proposta de política para o setor saúde timorense. Conclui-se que, no Timor Leste, a
situação de conflito e pós-conflito condicionou, de forma importante, a arquitetura da
ajuda externa e esta, por sua vez, pautou a relação entre os diferentes atores, nacionais e
internacionais. Por um lado, a realização dos anseios de autodeterminação e
independência dos timorenses, e a reconstrução do Estado, dependiam, crucialmente,
dessa ajuda e da mediação das Nações Unidas; e, por outro, a reabilitação nacional,
inclusive do setor saúde, necessitava do apoio técnico externo, possibilitado pela
cooperação técnica, também viabilizada e mediada pelas agências internacionais
envolvidas no processo, sobretudo o Banco Mundial. A análise do processo de
formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste
aponta elementos para a discussão de como a cooperação técnica internacional, a oferta
de idéias, as condicionalidades e os mecanismos de controle das agências e doadores se
articulam em conjunturas particulares, em que diversas arenas políticas se entrelaçam
em diferentes tempos e espaços de negociação.
Palavras-chave: Pós-conflito e saúde; ONU e governo transitório; Banco Mundial
e situação pós-conflito, políticas de saúde, Timor Leste.
vii
ABSTRACT
The health sector rehabilitation process under post conflict situation is a complex,
timely and a multi-stakeholder scenario, which involves coordination mechanisms in
order to maximize the international cooperation flowing in a technical and financial
point of view. This study analyzes in a historical perspective the role of different
stakeholders, domestic and international, in the first Timorese health policy proposal
document elaboration process, between 1999 and 2002, during the United Nation
transitory administration (UNTAET). The idea of a national health policy was born, at
first, from a Timorese health workers mobilization, in 1999, and, lately, resumed by
joint assessment mission reports (MiCAs), coordinated by the World Bank, and
embedded in the rehabilitation and development of the health sector projects, also
financed by that Bank. All this process happened concomitant to the national political
and institutional building throughout the administrative bureaucracy of the State,
sponsored by the co-participative government within the UNTAET mandate. This
study‟s challenge was to analyze, in those conditions, what the relationship amongst
stakeholders was like within exchange and transfer of knowledge, ideas, a set of ways to
do and practices which have permeated all the Timorese health policy elaboration
process. It was concluded that, in East Timor, the conflict and post conflict situation
was an important condition to the architecture of the international aid in the country and
that the relationship between different stakeholders was regulated by this architecture.
By the way, the Timorese wish of independence and self-determination as well as the
State reconstruction depended strongly on international aid and the United Nations
mediation; and the national rehabilitation, including the health sector, also needed the
support of international assistance and cooperation granted by international
organizations, especially by the World Bank. The analysis of the health policy
elaboration process to East Timor points out to some elements for discussions on how
the international technical cooperation, offering of ideas, conditionality and control
mechanisms of the international agencies and donors are articulated in different
environments and how those different political arenas also promote articulation in
different negotiation time and space.
Key words: Post-conflict and health; UN and transitory government; World Bank and
post-conflict situation; health policies; East Timor.
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1
METODOLOGIA 9
1. Subjetividade e objetividade 12
2. O levantamento bibliográfico para a revisão da literatura 14
3. A análise documental 16
3.1. A organização do banco de dados documental 21
4. As categorias de análise 23
4.1. Condições de conflito e pós-conflito e relações de poder 23
4.2. Condições de transitoriedade e exercício do poder 26
4.3. Condições de formulação de políticas de saúde e jogo de poder 29
CAPÍTULO 2
CONTEXTO HISTÓRICO – COLONIZAÇÃO, INVASÕES E TRANSITORIEDADE
NO TIMOR LESTE 35
1. A província portuguesa do Timor Leste 35
1.1. O sistema de saúde no período colonial português 40
1.2. A formação dos primeiros partidos políticos no Timor Leste 42
2. Um curto período de independência 45
3. A invasão e dominação indonésia: resistência e adesão timorense 46
3.1. O legado indonésio e a situação da saúde no período da dominação 50
4. O referendo pela autodeterminação: as Nações Unidas no Timor
Leste e a instauração do conflito 53
5. O governo transitório das Nações Unidas no pós-conflito 56
5.1. A dupla missão das Nações Unidas 59
5.2. A função de coordenação política da UNTAET 62
5.3. A questão da participação 63
5.4. O papel do Banco Mundial 70
CAPÍTULO 3.
RESULTADOS – A REABILITAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE NO
TIMOR LESTE: RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E POLÍTICA DE
SAÚDE 76
1. A arquitetura da ajuda para a reconstrução do Timor Leste 76
1.1. As MICAs e RDs subsequentes 81
1.2. O Fundo Fiduciário para o Timor Leste (Trust Fund for East
Timor – TFET) 82
2. A reabilitação do sistema de saúde no Timor Leste 87
2.1. A idéia de um documento propositivo de política de saúde e os
atores responsáveis pela sua elaboração 87
2.2. Os projetos para reestruturação do setor saúde 93
2.3. A implementação dos projetos: a norma e a prática cotidiana 100
2.4. O processo de formulação do primeiro documento propositivo
da política de saúde timorense 103
2.5. O conteúdo do primeiro documento propositivo de uma política
de saúde para o Timor Leste 108
ix
CAPÍTULO 4
DISCUSSÃO - FORMULAÇÃO DA PROPOSTA DE UMA POLÍTICA DE
SAÚDE PARA O TIMOR LESTE: O INÍCIO DE UM PROCESSO 116
CAPÍTULO 5
CONCLUSÃO – RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E FORMULAÇÃO DE
POLÍTICAS NO TIMOR LESTE: LIDANDO COM CONFLITOS 132
REFERÊNCIAS 142
ANEXO 1. MAPA DO TIMOR LESTE 154
ANEXO 2. CRONOLOGIA DE EVENTOS DURANTE O PROCESSO DE
FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO TIMOR
LESTE 1999-2002 155
ANEXO 3. DOCUMENTOS DO BANCO DE DADOS DA PESQUISA 159
x
LISTA DE ABREVIATURAS
ACM Armazém Central de Medicamentos
AID Australian International Development
AIS Autoridade Interina em Saúde
APODETI Associação Popular e Democrática Timorense
ASDT Associação Social Democrata Timorense
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CAP Consolidated Agency Appeal
CCA Common Country Assessment
CDH Comissariado de Direitos Humanos
CFET Consolidated Fund for East Timor
CISPE Civil Service and Public Employment
CN Conselho Nacional
CCN Conselho Consultivo Nacional
CNRM Conselho Nacional de Resistência Maubere
CNRT Conselho Nacional de Resistência Timorense
CPS Cuidados Primários de Saúde
CRD Conselho de Representantes Distritais
CRP Conselho de Representantes da Província
DAP Departamento de Assuntos Políticos
DFID Department for International Development UK
DPA Department of Political Affairs
DPKO Department of Peace Keeping Operations
DPR Departamento Provincial da Religião
DSS Divisão de Serviços de Saúde
EAAMM Entidade Autônoma de Abastecimento de Material Médico
EPSTL Estrutura de Política de Saúde do Timor Leste
ERD Emergency Response Division
ETTA East Timor Transitional Administration
FMI Fundo Monetário Internacional
FRETILIN Frente Revolucionária do Timor Leste Independente
FALANTIL Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste
GAPS Grupo Assessor em Política de Saúde
GGAP Gabinete de Governo e Administração Pública
GOLKAR Golongan Karya
GTCS Grupo de Trabalho Conjunto em Saúde
GTPSTL Grupo de Trabalho de Profissionais da Saúde do Timor Leste
ICRC International Confederation of the Red Cross
INTERFET International Force for East Timor
MDTF Multi Donor Trust Fund
MiCA Missão Conjunta de Avaliação
MS Ministério da Saúde
OCHA Office of the Coordination of Humanitarian Affairs
OIM Organização Internacional para Migrações
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PDI Partai Demokrasi Indonésia
PIDE Polícia Internacional e de Defesa do Estado
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
xi
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPP Partai Perstuan Pembangunan
PRDSS Programa de Reabilitação e Desenvolvimento do Setor Saúde
RD Reunião de Doadores
RDTL República Democrática do Timor Leste
SIP Sector Investment Program
SWAp Sector Wide Approach
SUCENAS Survei Social Ekonomi Nasional
TFET Trust Fund for East Timor
TNI Tropas Nacionais Indonésias
UDT União Democrática Timorense
UNAMET United Nations Mission on East Timor
UNTAET United Nations Transitional Administration in East Timor
USD United States Dollar
1
INTRODUÇÃO
Conflitos armados afetam todas as esferas da vida de um país,
desestruturando-o política, econômica e socialmente. Nessas situações, o setor saúde é
afetado diretamente. Além de causar perdas de vida e danos físicos e mentais nas
pessoas, os conflitos armados também levam à destruição total ou parcial das unidades
de atendimento e à desestabilização do sistema de saúde. Hoje em dia, todo conflito
armado, mesmo que não seja entre Estados, tem um impacto negativo que pode afetar
sua região e até mesmo todo o sistema global, o que acaba levando ao envolvimento de
diferentes atores externos, seja para prestação de ajuda humanitária seja para intervir
militarmente, quando há necessidade de proteção da população civil. Na maioria das
vezes, as intervenções militares são feitas a partir de forças de paz internacionais,
coordenadas pelas Nações Unidas. Uma vez estabilizada a situação e instalada
operações de manutenção da paz naquele território, instaura-se um período de transição
denominado de pós-conflito no qual o país procura retomar sua rotina habitual.
Geralmente, durante esse período pós-conflito, a comunidade internacional se mobiliza
para apoiar a reconstrução socioeconômica do país, o que acaba envolvendo novos
atores internacionais nesse processo.
Seja por questões étnicas, políticas ou territoriais, os conflitos armados
ainda são bastante comuns. Walters et al.1
afirmam que, nos últimos 25 anos, mais de 50
países experimentaram episódios de conflito armado. Segundo o Banco Mundial2
,
quinze dentre os vinte países mais pobres do mundo tiveram algum tipo de conflito
dessa natureza nas três últimas décadas, aumentando bastante a ajuda internacional para
esses países. O financiamento para países em situação de conflito passou de 2% para
10% do montante global da assistência oficial ao desenvolvimento (Oficial
Development Assistance, ODA), em apenas cinco anos (1989-1994)2
.
Segundo Waters et al.1
, o setor saúde está entre os que são mais afetados por
situações de conflito e requer grandes esforços de reconstrução. A mortalidade e a
morbidade causadas por conflitos armados têm forte impacto na capacidade dessas
sociedades se recuperarem. Por outro lado, a desestabilização política e econômica
causada por situações de conflito afetam diretamente a reabilitação e reconstrução do
setor saúde, na medida em que este é altamente dependente de amplas determinações
externas ao setor. Geralmente, essa reabilitação envolve a alocação de grandes volumes
de recursos humanos e materiais, cuja coordenação é assunto de interesse em diversas
pesquisas, pois é importante tanto para as agências internacionais quanto para a agenda
2
política dos próprios países. Reabilitar o sistema e reconstruir a rede de atenção à saúde
em situações pós-conflito são dois eixos fundamentais na formulação de políticas de
saúde nesses contextos e foram bastante estudados, nos últimos anos, por pesquisadores
das áreas de política e da saúde internacional. Dentre essas pesquisas destacam-se as de
Macrae3
, Korhonen4
, Bornemisza e Sondorp5
, e Waters et al.1
. Foram também
pesquisados alguns trabalhos que analisam a experiência específica dessa formulação
em alguns países que passaram por uma situação pós-conflito, tais como: Uganda, Sri
Lanka, Afeganistão e o Kosovo.
Macrae et al.6
analisaram o impacto dos conflitos armados nos serviços de
saúde de Uganda, assim como o papel que a herança do sistema de saúde prévio ao
conflito exerceu no processo de reabilitação do setor no período pós-conflito,
evidenciando o quanto o sistema anterior era inadequado para as necessidades de saúde
do país. Nagai et al.7
compararam, durante 20 anos, o desempenho dos serviços de
saúde entre áreas de conflito e sem conflito no Sri Lanka e mostraram que nas áreas de
conflito a falta de profissionais de saúde nacionais e as múltiplas dificuldades que as
pessoas tinham que enfrentar, configurava uma situação de baixa demanda e baixo
desempenho dos serviços, apesar de ser onde atuavam mais atores internacionais.
Sondorp8
analisou uma série de 25 anos de desempenho do serviço de saúde no
Afeganistão, de 1980 a 2004, mostrando que durante esse período existiram diferentes
ambientes de conflito no país. Segundo o autor, os anos de guerra no Afeganistão
afetaram a capacidade dos diferentes governos de prover serviços de saúde para a
população, pela instabilidade generalizada no país durante essas décadas. Havia uma
proliferação de ONGs nacionais e internacionais que atuavam nas mais longínquas
comunidades para garantir o acesso aos serviços básicos de saúde. Em anos recentes, os
doadores firmaram contratos entre o governo e provedores de serviços que propunham
uma tabela de custo das atividades, mas os pagamentos eram feitos segundo indicadores
de desempenho. Essas experiências apontam para alguns elementos que se encontram
também no caso do Timor Leste, ainda que as condições locais sejam bastante
diferentes, como analisado neste trabalho.
No Kosovo, por sua vez, que teve uma administração transitória da ONU no
mesmo período – de 1999 a 2000 – o planejamento do setor saúde durante o governo de
transição foi analisado por Shuey et al.9
. Neste caso, a reorganização do sistema ficou a
cargo da Organização Mundial da Saúde (OMS) que procurou levar em conta elementos
positivos do sistema de saúde do regime socialista anterior. Essa situação foi
problemática, uma vez que o novo modelo pretendia diferenciar-se do anterior,
3
ideologicamente antagônico, criando tensão entre a necessidade de se colocar em prática
uma ação reformista emergencial e a implantação de uma abordagem inovadora
politicamente e que ampliasse o elemento participativo naquele processo. As
dificuldades entre a adoção de ações emergenciais e uma abordagem de mais longo
prazo no setor saúde é uma questão importante que se coloca em situações pós-conflito
e que envolve tanto os atores nacionais quanto internacionais, como se verifica também
no Timor Leste.
No caso do Timor Leste, em 1999, após a divulgação do resultado do
referendo no qual a maioria da população do país manifestou-se pela independência e
autodeterminação em relação à República da Indonésia, grupos paramilitares
insatisfeitos se mobilizaram e, numa fúria insana, durante uma semana, destruíram vidas
inocentes e inúmeros edifícios públicos timorenses. Para deter essa onda de violência e
instaurar a ordem no território houve a intervenção de forças internacionais coordenadas
pelas Nações Unidas que, durante os 30 meses seguintes, assumiram o governo
transitório do país até que, em maio de 2002, fossem restauradas as condições que
assegurassem a instalação de um governo democrático, independente e autônomo no
Timor Leste. Diferentemente do que ocorreu no Kosovo, embora em datas muito
próximas, as ações emergenciais no campo da saúde se voltaram ao aspecto meramente
curativo, durante o curto período de conflito, e desde o início do processo transitório
tanto as Nações Unidas quanto o Banco Mundial procuraram atuar em conjunto
adotando uma abordagem setorial ampliada, que já apontava para a necessidade de
projetos que apontassem uma direção para o sistema de saúde em médio e longo prazo.
Numa revisão das publicações sobre formulação de políticas de saúde em
situações pós-conflito e situações complexas de emergências políticas, realizada por
Bornemisza e Sondorp5
, a ausência de um governo próprio, e em situação de governança
transitória, os mecanismos de coordenação da ajuda externa em situações pós-conflito
são um dos pontos mais importantes para se poder avançar com processos de
formulação de políticas. Eles destacam que para diferentes países foram adotados
diferentes mecanismos de coordenação do financiamento externo. E, geralmente, esses
mecanismos são adaptações de modelos conhecidos, desenvolvidos pela comunidade de
doadores e utilizados em operações de financiamento internacional para o
desenvolvimento. Mesmo em cenários mais complexos, como os de emergência ou
situações pós-conflito, os mesmos mecanismos são adaptados. Os autores destacam a
importância de se estudar esses mecanismos e os procedimentos utilizados pelos
doadores, principalmente o Banco Mundial, para a coordenação de processos de
4
formulação de políticas nessas situações e colocam bastante ênfase na necessidade de se
aprofundar os estudos nessa área, pois a partir desses processos o apoio à reconstrução
do sistema de saúde pode ter maior ou menor transparência e os resultados podem ser
mais ou menos efetivos. Assinala-se ainda a importância das análises técnicas sobre as
intervenções no campo da saúde em complexas situações (de emergência ou de pós-
conflito), uma vez que a ampliação do conhecimento e do debate sobre esse assunto
pode ajudar a entender melhor o papel da ajuda internacional e a função de alavanca que
os atores internacionais podem exercer nessas situações, com maior ou menor
coerência.
Esta pesquisa partiu da reflexão sobre minha atuação como assessor do
Ministério da Saúde do Timor Leste, durante o ano de 2002. Meu contrato de trabalho
foi financiado por fundos fiduciários do Banco Mundial para o Timor Leste e previa
apoio técnico para a implantação de equipes distritais de saúde em três de um total de
treze distritos. Esse trabalho consistia em apoiar a equipe local em diferentes aspectos
da gestão, que incluíam a prestação de serviços e as atividades essenciais de saúde
desenvolvidos por centros e postos comunitários. Além disso, deveria também
assessorar a equipe distrital na elaboração de um plano distrital de saúde com base no
primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, elaborado
pelo Ministério da Saúde e publicado em maio de 2002. Participava também das
reuniões de coordenação promovidas pelas missões técnicas, durante as quais se
discutiam as propostas e ações para a reabilitação do setor saúde.
A minha participação no processo de elaboração desses planos esteve
sempre orientada pela minha formação em saúde pública, pelo meu trabalho com
programas de atenção à mulher e à criança, com a área de educação em saúde e com
alguma formação no campo da antropologia, assim como pela minha experiência prévia
como consultor ou assessor internacional na área de saúde em outros países − fui
responsável pela atenção à saúde da criança na República de Cabo Verde, em 1984;
pelo programa nacional de vacinação da Guiné Bissau (de 1989 a 1992) e do
Afeganistão (de 1992 a 1995). Estes precedentes foram cruciais na escolha do meu
objeto de estudo, assim como nos questionamentos levantados e no enfoque
metodológico adotado para estudá-los.
Chamava-me muito a atenção a presença, no Timor Leste, de uma enorme
quantidade de funcionários internacionais e a maioria deles, diferentemente dos
habitantes locais, quase não circulava a pé pelas ruas, mas em carros novos pertencentes
às suas organizações internacionais e, muitas vezes, conduzidos por motoristas
5
timorenses; vivia em hotéis e comia apenas em quatro ou cinco restaurantes que tinham
cozinha internacional. A importância das organizações internacionais no país, assim
como do aparato militar, era inegável. Esses técnicos estrangeiros, que deveriam apoiar
a construção de uma estrutura administrativa nacional, pareciam-me alheios à realidade
e possibilidades locais. Essas inquietações nutriram a minha reflexão e ajudaram a
recortar meu objeto de estudo, pois a formulação de políticas para reabilitar o sistema de
saúde em situações de carência extrema, como a do Timor Leste, é um processo intenso
e difícil, onde distintos atores, nacionais e internacionais se entrelaçam, a partir de
bagagens (sociais, políticas, culturais e profissionais) muito distintas, e sua inserção nos
processos locais também são muito peculiares. Além disso, são inúmeras as variáveis
que se articulam e interferem umas nas outras nessa dinâmica.
O propósito deste estudo foi, então, explorar a complexidade das relações
que envolvem diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de formulação
do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste, como parte
da dinâmica de reabilitação do sistema de saúde, durante o período pós-conflito em que
esse país esteve sob a administração transitória das Nações Unidas, de 1999 a 2002.
Tem como seu objetivo geral agregar elementos explicativos à compreensão da
influência do assessoramento técnico das agências internacionais e de seus mecanismos
de financiamento nos processos de formulação de políticas nacionais de saúde em
situações pós-conflito, a partir do estudo de caso do Timor Leste. Especificamente,
procurou-se compreender e analisar: 1) os modos de exercício de poder no setor saúde,
durante a administração transitória das Nações Unidas; 2) como o poder dos diferentes
atores, nacionais e internacionais, influenciou a criação de espaços de autoridade
setorial; 3) os papéis que os diferentes atores desempenharam no processo de
formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste;
4) como foram identificadas as prioridades nacionais; 5) que arranjos foram pactuados e
compartilhados para garantir a efetividade da proposta; e 6) que mecanismos de
coordenação foram utilizados e se houve indução ou incorporação de idéias na
formulação do documento.
A investigação realizada procurou demonstrar a hipótese de que a
cooperação técnica internacional realizada em situações particulares, como as de pós-
conflito, se configura como uma situação política, onde a indução externa e a aceitação
doméstica se articulam, permeadas por distintos interesses, mas em função de fortalecer
os respectivos recursos de poder dos diferentes atores envolvidos.
6
O tema da formulação de políticas tem sido relativamente pouco explorado
pela área da saúde pública e o estudo de situações de conflito e pós-conflito é bastante
estudado na área das relações internacionais. Entretanto, são poucos os estudos que
integram essas duas áreas de estudo. O trabalho que se apresenta pretende contribuir
para o debate entre saúde e relações internacionais, procurando articular conhecimentos
dessas duas áreas. Ainda são poucos os estudos no Brasil com este objetivo.
Para entender a dinâmica da ajuda externa para reabilitação do setor saúde
no Timor Leste, assim como a coordenação política transitória aí instalada, esta
pesquisa priorizou um enfoque histórico baseado na contextualização de diferentes fatos
e acontecimentos com ênfase no que caracterizava as relações que se estabeleceram
entre diferentes atores, nacionais e internacionais, nesse processo. Procuramos encontrar
uma perspectiva que permitisse compreender algumas concepções, práticas e estratégias
envolvidas no encontro e na relação entre esses atores, a partir da análise do seu papel
na formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o
Timor Leste.
O primeiro capítulo apresenta e discute as bases teóricas e metodológicas
que orientaram a pesquisa e justifica a escolha da abordagem qualitativa e do estudo de
caso único para a análise do objeto em estudo. O fato do autor deste estudo ter
trabalhado com seu objeto de análise levou a que se relativizasse o diálogo entre o
mundo do sujeito e o mundo do objeto, em vez de negá-lo ou querer excluí-lo do
processo de análise.
A decisão por estudar a formulação da primeira estrutura de política de
saúde do Timor Leste, a partir da relação entre os diferentes atores envolvidos, refletiu,
de certa maneira, o interesse do sujeito, nascido de um „conhecimento‟ de campo, mas
que, ao tornar-se um objeto de pesquisa exigiu um distanciamento que permitisse, a
partir de dados documentais, analisá-lo empiricamente. Foram definidas diferentes
categorias e subcategorias de análise permeadas por três condições: conflito e pós-
conflito, transitoriedade e formulação de políticas de saúde.
O Capítulo 2 dedica-se a compreender o contexto histórico onde se insere o
objeto do estudo e que precede a atividade dos atores a serem analisados. Foram
valorizados os processos de construção de estruturas de autoridade dos diferentes atores,
principalmente dos atores nacionais a partir da formação de suas representações
políticas, assim como de organização do movimento de resistência contra a dominação
indonésia. O período de transitoriedade, em que as Nações Unidas administraram o
território timorense, foi investigado procurando entender as relações de poder que se
7
estabeleceram entre os diferentes atores, nacionais e internacionais, e os meios do
exercício e jogo de poder, pretendendo compreender como se instalou a assistência
técnica nesse contexto, assim como o seu papel na reconstrução do país.
A transitoriedade é analisada nesta pesquisa como fator limitante das
atitudes e ações dos diferentes atores envolvidos no estudo: as Nações Unidas, o Banco
Mundial e os diferentes grupos políticos timorenses. No Timor Leste, as Nações Unidas,
além das operações de manutenção da paz, também desenvolveram atividades de
governo, assumindo para isso, temporariamente, poderes de decisão política que
compreendiam tarefas complexas de coordenação de diferentes atores e de disputas
políticas, nacionais e internacionais, tanto internas às instituições quanto entre elas. Por
sua vez, o Banco Mundial, responsável por afiançar doações e alocações de recursos
para a reconstrução do Timor Leste, coordenou, a partir da assistência técnica, a
elaboração e implantação dos projetos de reabilitação de oito setores diferentes, entre
eles a saúde. A partir da esfera de atuação dessas duas organizações internacionais é que
se estabelece o eixo de relação entre os atores internacionais e os nacionais. Foram
criadas esferas de governo co-participativas, de onde surgiram as primeiras instâncias de
autoridade nacional do setor saúde no Timor Leste, em parceria com as Nações Unidas
– a Autoridade Interina em Saúde e, posteriormente, o Ministério da Saúde – que
criaram as bases para se reconstruir o sistema de saúde do país.
O Capítulo 3 apresenta os resultados do trabalho de campo da pesquisa. Está
estruturado na perspectiva de compreender porque e como surgiu a idéia de formulação
do primeiro documento propositivo da política de saúde do Timor Leste e quais os
principais atores que participaram no processo. Foi o Banco Mundial que coordenou
todo o processo de reabilitação do setor saúde timorense e sua atuação se respaldou em
sua experiência acumulada, durante mais de uma década, seja em atuações concretas,
seja na produção de estudos e documentos sobre políticas de saúde e situação pós-
conflito para os países em desenvolvimento. No Timor Leste essa coordenação se fez a
partir de duas instâncias interligadas, as missões conjuntas de avaliação e as reuniões de
doadores, que aconteciam sucessivamente a cada seis meses e que monitoravam de
perto o andamento dos projetos de reabilitação para o setor. Os timorenses já haviam
iniciado uma discussão sobre suas políticas setoriais antes mesmo da realização do
referendo. Entretanto, foi durante o período de transitoriedade da administração das
Nações Unidas que a idéia da elaboração de uma política de saúde surge pela primeira
vez, durante a primeira missão de avaliação, e é incorporada no projeto de reabilitação
do setor, cobrada em todas as reuniões de doadores.
8
Foi também apresentada, nesse capítulo, a estrutura do documento
propositivo e seus elementos mais relevantes. O documento foi montado a partir de
diferentes relatórios relativos a seis subgrupos temáticos de trabalho e deu mais ênfase
na organização e gestão do setor saúde no país. Esta foi a sessão do documento em que
se discriminou diferentes atividades no âmbito do sistema de saúde, ressaltando a oferta
de pacotes mínimos de serviço de saúde por nível de atenção. O documento também
abriu espaço para a possibilidade de se experimentar iniciativas de parceria público-
privado no setor saúde. A ênfase na análise do documento está posta no próprio
processo de sua elaboração e de assimilação, pelas contrapartes nacionais. Pode-se dizer
que o primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste não foi
um documento ideal, mas o documento possível naquele momento e, mais que isso, foi
o cumprimento de um compromisso assumido pela contraparte timorense aos acordos
internacionais. Embora não diga exatamente o que o Ministério deve implantar, como,
onde e por quem, é um documento que apresenta sugestões que orientam em
determinada direção.
O capítulo 4 apresenta uma discussão dos resultados da pesquisa. Analisa o
início do processo de formulação da proposta de política de saúde para o Timor Leste,
em que instâncias de negociação desse documento e formas de consulta, monitoramento
e participação, utilizadas na sua formulação, funcionaram como condicionantes, seja da
participação dos diferentes atores, seja do seu conteúdo. Discute-se o envolvimento dos
distintos atores, nacionais e internacionais, nesse processo. Procurou-se analisar o papel
da construção de capacidades, tanto a partir da assistência técnica quanto dos
treinamentos, e como a dificuldade de interação entre nacionais e internacionais pode,
muitas vezes, levar a dificuldades operacionais importantes. Entretanto, devido à
situação peculiar do Timor Leste, de extrema fragilidade e baixa capacidade local de
implantação, foi também analisada a importância das organizações internacionais no
reforço da assistência técnica para não só apoiar a elaboração e gestão dos projetos de
reconstrução e desenvolvimento para o país, que incluía a formulação de políticas
setoriais, mas também cumprir com os prazos estabelecidos para certas
condicionalidades contratuais dos doadores.
A análise do processo de formulação do primeiro documento propositivo de
uma política de saúde para o Timor Leste possibilitou evidenciar a relação dialética
entre os doadores e os receptores da ajuda externa, mediada pelas organizações
internacionais a partir de mecanismos de cooperação técnica.
9
CAPÍTULO 1
METODOLOGIA
A participação de diferentes atores no processo de formulação do primeiro
documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, no período de
1999 a 2002, durante a administração temporária das Nações Unidas naquele país, numa
situação pós-conflito, foi estudada utilizando uma abordagem metodológica qualitativa,
sistematizada e desenvolvida como um estudo de caso. Para o levantamento de
informações foi efetuada extensa pesquisa bibliográfica e uma análise documental.
A escolha dessa abordagem também levou em conta a minha participação
como ator no processo em estudo. Embora essa participação não tenha sido considerada
na perspectiva da técnica da observação participante, não pôde ser menosprezada no
desenvolvimento da investigação e colocou um desafio adicional: a delimitação sujeito-
objeto, entre o fenômeno observado e o observador-pesquisador que, ao mesmo tempo,
é parte do fenômeno, mas tem que se colocar externo a ele para poder observá-lo
novamente, com outro olhar, a partir de outro ponto de vista.
A opção por estudar esse assunto específico, embutido num caso particular,
ex post facto, e do qual participei como profissional e não como pesquisador, demandou
utilizar um conjunto de informações sobre fatos, eventos e organizações já disponíveis,
ao qual foi necessário dar um tratamento analítico, buscando extrair espaço para
objetivar reflexões, pois não era possível retornar ao campo como pesquisador.
A compreensão de um objeto histórico pela lente das ciências sociais tem,
segundo Minayo10
e outros autores11,12
, um caráter essencialmente qualitativo. A
escolha dessa abordagem para compreender e analisar o objeto desta investigação se
justificou com apoio dessa autora, que defende um exercício de “empiria e
sistematização progressiva do conhecimento na compreensão da lógica interna do
processo em estudo” (p. 57). Esse processo incorpora elementos que auxiliam a
descrição de grupos, instituições, organizações e fenômenos a eles relacionados e
podem ajudar a explicar „comos‟ e „porquês‟ na identificação de redes de causalidade
em relação ao fenômeno estudado ou de fatores que o influenciam.
A investigação do papel de diferentes atores em fenômenos sociais vem
sendo utilizada por alguns autores, como Walt et al.13
e Varvasovzky e Brugha14
, entre
outros10,15
, para analisar políticas de saúde. Para Varvasovzky e Brugha14
, o estudo dos
atores é considerado como:
10
... uma abordagem, um instrumento ou conjunto de instrumentos
que pode gerar conhecimentos sobre os atores, indivíduos ou
organizações, assim como ajudar a entender seus
comportamentos, intenções, inter-relações e interesses; e para
avaliar a influência e os recursos (utilizados ou não) que, de
alguma forma, afetam os processos decisórios e de implantação
de políticas. 5
(p. 338)
Nesse sentido, para Reed et al.16
, no âmbito dos fenômenos político-sociais,
atores sociais seriam tanto “aqueles que influem quanto aqueles que são influenciados
por decisões ou ações” (p. 1934).
A opção pelo estudo de caso se deu pelo próprio objeto da investigação.
Para Gil17
, os estudos de caso são úteis para proporcionar uma visão mais clara do
objeto e para dar explicações acerca de fatos e fenômenos pouco conhecidos, a partir da
identificação de “mecanismos geradores, capazes de produzir eventos sob determinadas
condições” (p. 15). Goode & Hatt (apud Minayo10
) reforçam a justificativa dessa
escolha ao afirmarem que os estudos de caso são “um meio de organizar dados sociais,
preservando o caráter unitário do objeto social estudado” (p. 164), resguardando a
intensidade da observação direta sobre o objeto.
Para Minayo10
, metodologicamente os estudos de caso podem ajudar a
evidenciar: a) ligações causais entre intervenções e situações da vida real, b) contextos
em que uma ação ou intervenção ocorreu ou ocorre, c) rumos de um processo em curso,
e d) maneiras de interpretá-lo e de analisar o sentido e relevância de algumas situações-
chave nos resultados de uma intervenção. Para a autora, os estudos de caso ajudam a
compreender os esquemas de referência e as estruturas de relevância relacionadas ao
evento ou fenômeno e permitem o exame detalhado de processos organizacionais ou
relacionais para esclarecer fatores que interferem em determinados processos. Além
disso, podem apresentar modelos de análise replicáveis em situações semelhantes e até
possibilitar comparações.
A pesquisa bibliográfica, utilizada como técnica para apoiar o levantamento
de dados e o exercício descritivo e interpretativo dos fenômenos estudados, ressaltou a
contextualização histórica e fatores relevantes que contribuíram para a análise de
algumas intervenções propostas para a área da saúde.
A análise documental, por sua vez, foi a técnica escolhida para o exercício
de interpretação e análise do objeto de estudo, no sentido de corroborar ou não a
hipótese de pesquisa. Essa escolha levou em conta a amplitude do conceito de
documento, mencionada por Gil17
e Minayo10
. Denominou-se documento os textos
11
administrativos e as publicações tanto do governo como das organizações, nacionais e
internacionais, assim como relatórios institucionais diretamente relacionados ao objeto
da pesquisa, no período em estudo. Esses documentos escritos podiam ser publicados
(em papel ou pela internet) ou não. E os documentos não publicados são aqueles que
foram coletados localmente, com autorização das autoridades governamentais ou
institucionais. Segundo Gil17
, a análise documental busca extrair informações que
tenham sentido e valor, de forma a contribuir para o debate científico sobre o tema.
Para Yin18
, estudos de caso moldados a partir da interpretação e análise
documental, que se debruçam sobre fenômenos contemporâneos e procuram
compreendê-los a partir do estudo de significados, são consideradas investigações
empíricas, precisam ser bem contextualizados e ter rigoroso tratamento metodológico.
Ou seja, são estudos empíricos sobre histórias contemporâneas dentro de seu contexto,
como reitera Gil17
. Portanto, a consulta às fontes documentais “é imprescindível em
qualquer estudo de caso”17
(p. 76) que envolva a contextualização histórica e a
necessidade de informações sobre organizações e instituições.
A contextualização do fenômeno a ser estudado foi, assim, uma necessidade
analítica nesta investigação, dada a construção histórica do objeto. Foi fundamental
compreender tanto os contextos em que surgiram os diferentes atores na cena timorense
quanto as conjunturas em que ocorreram as suas ações e intervenções no processo de
formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor
Leste em 2002.
Como afirma Gil17
, “não há como separar o fenômeno de seu contexto” (p.
15). Artigos têm mostrado que a contextualização histórica na análise de casos tem sido
importante para o desenvolvimento de modelos e estratégias no estudo de diferentes
processos de reabilitação do sistema de saúde e de desenvolvimento de políticas de
saúde em países que vivem situações pós-conflito6,8,9,15,19
.
O contexto em que se insere a formulação de uma política de saúde é
fundamentalmente marcado por relações sociais entre indivíduos e sociedades e essas
relações criam suas próprias estruturas e significados, mesclando realidades e ideologias
que geram os diferentes discursos de distintos atores sociais.
Apoiando-se nas propostas metodológicas de Minayo10
e Fairclough20
os
documentos selecionados foram analisados seguindo um “quadro tridimensional que
incluiu tanto o texto quanto a prática discursiva e a prática social” (p. 89) dos
diferentes atores.
12
Entretanto, como proceder quando o pesquisador foi ator do processo
analisado?
1. Subjetividade e objetividade
O questionamento da objetividade versus subjetividade é muito comum nos
estudos nas ciências sociais e tem sido muito vivenciado pelos pesquisadores do campo
da saúde coletiva.
O conhecimento científico no campo da saúde lida com objetos de estudos
complexos que abrangem tanto a área biomédica como a das relações sociais. Segundo
Minayo10
:
... a área da saúde abrange uma objetividade com a espessura
que tem a vida, por onde passa o econômico, o político, o
religioso, o simbólico e o imaginário, sendo o „lócus‟ onde se
articulam conflitos e concessões, tradições e mudanças, e onde
tudo ganha sentido, ou sentidos. (p. 31)
Portanto, as ciências da saúde formam um campo multidisciplinar que
abrange diferentes instâncias de interpretação da realidade.
O objetivo desta investigação levanta questões referentes à ações de seres
humanos e de como estes se relacionam entre si como sujeitos históricos condicionados
por diferentes determinantes. Portanto, embora focado em questões peculiares da área
da saúde, este estudo se baseou em métodos e técnicas das ciências sociais, na
perspectiva de contribuir para a contextualização do seu objeto de forma crítica e lançar
sobre ele um olhar que permitisse interpretá-lo e analisá-lo como prática social na área
da saúde.
Gadamer (apud Lawn21
) compara o encontro entre um trabalho de arte e o
seu observador com a relação entre um objeto científico e o pesquisador na construção
do conhecimento. Para o autor, tanto a „verdade‟ da arte como a „verdade‟ da ciência é
fruto essencialmente do diálogo que entre eles, objeto e sujeito, se estabelece. Ou
melhor, o que se estabelece é o diálogo entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto. A
possibilidade de comunicação do que se depreende deste diálogo é que gera novas
possibilidades dialógicas entre diferentes sujeitos. Em outra clave analítica, Demo16
,
citando Habermas, também assume essa „espiral‟ de raciocínio ao afirmar que um dos
critérios inerentes à ciência é a “discutibilidade, ou seja, só é científico o que é
discutível” (p. 26).
13
Essa possibilidade da discussão esbarra em outro argumento, defendido por
Gil17
, para quem o conhecimento científico deve ser „objetivo‟, isto é, compreensível
por qualquer pessoa. Essa possibilidade de proporcionar compreensão ampla e ser, ao
mesmo tempo discutível e objetivável, é uma das maiores preocupações metodológicas,
pois implica na escolha cuidadosa pelo pesquisador de métodos e técnicas adequados
para a coleta de dados e a análise dos resultados da pesquisa. São esses métodos e
técnicas que ajudam o pesquisador a “sair” de si mesmo e conseguir condições para
elaborar uma análise replicável e passível de averiguação.
Para Minayo10
, as ciências sociais propõem a “subjetividade como fundante
de sentido e defende-a como constitutiva do social e inerente ao entendimento objetivo”
(p. 24) na explicação das relações sociais. Ao reconhecer, criticamente, que todo sujeito
é um sujeito ideológico, a pesquisa social prega que é necessário, portanto, controlar a
intenção na observação da realidade do objeto, embora seja impossível eliminá-la. Esse
controle está, por conseguinte, na construção metodológica desse olhar. A própria
autora diz que, sendo “o universo das investigações qualitativas o cotidiano e as
experiências do senso comum, essas informações devem ser coletadas, interpretadas e
re-interpretadas levando em conta os sujeitos que a vivenciam” (p. 24). Segundo ela,
embora “não seja possível ver a realidade sem um ponto de vista, sem um ponto de
partida, e esse ponto é sempre do sujeito e não da realidade” (p. 30), ao final, o que
“importa para o objeto são os princípios de sua relação com a realidade” (p. 22).
Assim é que Demo22
, ancorado em Habermas, diz que é necessário não
confundir o plano da lógica (pensar) com o da ontologia (realidade pensada). Nesse
sentido, para esse autor, a ciência deve trabalhar com uma “realidade construída” (p.
28), uma vez que os conceitos científicos não são pré-existentes à realidade, mas sim
construídos pelos sujeitos. Desta forma, a ciência é só uma das maneiras de se ver a
realidade, não a única, e o objeto científico, assim como a arte, necessita de alguém que
o elabore, à medida que conceitos científicos são construções humanas sobre a
realidade.
Portanto, o “objeto construído”22
(p. 28) significa uma relação diferente
entre sujeito e objeto, que começa com um movimento de problematização e se amplia
na perspectiva do diálogo, do confronto, entre os dois. Como o objeto construído coloca
sujeito e objeto na mesma realidade, Demo22
sugere substituir uma postura „neutra‟ de
objetividade por uma posição mais clara de “objetivação” (p. 28). Ou seja, é importante,
na análise do objeto, controlar as ideias já existentes no sujeito e que podem camuflar o
14
fato de que, fazendo parte do sujeito também fazem parte da cena, correndo o risco de
se “fazer da atividade científica uma produção inventada da realidade” (p. 28).
Para esta investigação, os significados da subjetividade são importantes.
Segundo as argumentações levantadas por Minayo10
sobre a “intersubjetividade” (p.
147), todo pesquisador recebe conhecimentos prévios ao seu encontro com a realidade
do objeto a ser analisado, que caracterizam sua visão de mundo, seu universo vivencial,
e que influenciam na construção da sua reflexão, pois, segundo ela, é impossível existir
um conhecimento objetivo externo aos sujeitos. Já o entendimento do que seria
“intrasubjetividade” se apóia em Fairclough20
quando diz que “o pesquisador não está
acima da prática social que analisa, mas dentro dela” (p. 246). Portanto, ao se
defrontar com o seu objeto o pesquisador também passa a ser objeto do objeto, a medida
que carrega consigo significados e significações pré-existentes. Além disso,
Fairclough20
nos lembra que “uma pesquisa também leva à produção de textos que são
socialmente distribuídos e consumidos por outros textos, e que o discurso da análise é
como qualquer outro discurso, um modo de prática social” (p. 246), criando o que o
autor chama de inter-textos, que circulam e dão subsidio àquilo que Demo22
chamou de
discussão ou discutibilidade inerente ao objeto científico.
Nos estudos sobre políticas de saúde é importante que o pesquisador
reconheça sua posição como observador. Muitas vezes, esse observador é parte da
própria realidade observada e deve, portanto, perceber o que e como essa subjetivação
molda suas interpretações e análises. Uma pesquisa que se relaciona com estruturas
sociais também se posiciona em relação a elas e às relações sociais que engendram e,
portanto, passa também a ser investida de ideologia e posicionamento político.
Ao examinar diversas pesquisas sobre políticas de saúde, Walt et al.13
observam que muitos pesquisadores raramente refletem sobre como suas experiências
moldam a construção do seu objeto, suas interpretações e conclusões. Entretanto, é
necessário que o pesquisador, apesar de sua posição privilegiada, adote um caminho de
objetividade, ou seja, utilize abordagens sólidas do ponto de vista teórico e
metodológico que permitam ao leitor saber de que ponto parte a observação e o que ela
se propõe a contextualizar, assim como entender as interações e argumentações do
estudo.
2. O levantamento bibliográfico para a revisão da literatura
A revisão bibliográfica é essencial em qualquer estudo que busque atualizar
contribuições científicas sobre um determinado assunto, tema ou problema. Gil23
a
15
define como aquela que cobre textos relevantes já publicizados em relação ao tema de
estudo (livros, publicações avulsas, publicações periódicas – boletins, jornais, revistas –
pesquisas, monografias e teses, entre outros), sendo utilizada, segundo Raupp e
Beuren24
, para reunir conhecimentos sobre a temática em pauta. Lima e Mioto25
reconhecem na revisão bibliográfica uma etapa necessária para a realização de toda e
qualquer pesquisa, mas a diferenciam da pesquisa bibliográfica que “implica um
conjunto ordenado de procedimentos de busca e soluções, atento ao objeto de estudo, e
que, por isso, não pode ser aleatório” (p. 38).
Para Gil23
, a principal vantagem da pesquisa bibliográfica está no fato de
permitir ao pesquisador a cobertura de uma gama maior de fenômenos do que aquela
que ele poderia pesquisar diretamente, principalmente quando os dados estão dispersos.
Em relação a estudos que se inserem historicamente no tempo, a pesquisa bibliográfica
é indispensável para se conhecer os fatos passados. Porém, para se realizar esse tipo de
pesquisa tem-se que tomar alguns cuidados. Por exemplo, o autor chama a atenção para
a utilização indiscriminada de dados e informações secundárias não fidedignas ou
equivocadas, daí a importância do cuidado na escolha das fontes e na montagem do
banco de dados.
Para esta investigação, utiliza-se a revisão bibliográfica tanto para um
levantamento exploratório inicial quanto para uma contextualização histórica crítica,
consistente, para dar desse apoio à análise efetuada. A formação do Estado e da nação
timorense é um fenômeno relativamente recente, mas bem documentado, com farto
material disponível para consulta.
A pesquisa bibliográfica foi efetuada em várias etapas, realizadas nos
bancos de dados MEDLINE e PubMed, para artigos em inglês, e LILACS para artigos
em português e espanhol. Foram também revisados os editores de informação científica
SCIELO e Google Acadêmico. Num primeiro momento, procurou-se estreitar o foco em
relação ao tema da pesquisa: o processo de formulação do primeiro documento
propositivo de estruturação da política nacional de saúde num país em situação pós-
conflito administrado transitoriamente pelas Nações Unidas que, no caso, era
especificamente o Timor Leste. Esta necessidade de focar o tema levou a uma nova
etapa de revisão bibliográfica, mais curta e dirigida, o que fez, obviamente, surgirem
novas conexões de descritores importantes para a pesquisa, dentre os quais se destacam:
situação pós-conflito, reconstrução pós-conflito, administração transitória, reabilitação
de sistemas de saúde. A seguir, realizou-se um levantamento de informações
16
bibliográficas do período 2000-2008 utilizando-se o cruzamento de dois descritores –
formulação de políticas de saúde e agências internacionais.
Nesta etapa do levantamento foram utilizados como critérios de exclusão:
bibliografia duplicada, publicações que tratavam a política de saúde a partir de pontos
de vista temáticos (um tipo de doença, ou habito de vida, por exemplo), referências sem
texto integral, editoriais, referências sem data ou autor. Posteriormente, foram definidos
novos descritores para ampliar a busca, introduzidos isoladamente ou em conexões,
sendo os mais importantes: reforma do setor saúde, globalização, saúde global,
desenvolvimento, desenvolvimento humano, construção de capacidades, ajuda
internacional, cooperação internacional e bem público.
Esse exercício de pesquisa bibliográfica possibilitou uma coleta em torno de
330 publicações, que foram organizadas de forma a facilitar a análise. A partir de uma
leitura exploratória inicial e do fichamento de todo material bibliográfico levantado, foi
feita uma primeira ordenação dos textos por temas afins, resultando quatro grupos
temáticos:
1) situação pós-conflito, administração transitória pós-conflito, reconstrução
e reabilitação pós-conflito;
2) financiamento internacional, ajuda internacional, assistência técnica
internacional, cooperação internacional;
3) desenvolvimento, desenvolvimento humano, desenvolvimento e
construção de capacidades;
4) saúde internacional, saúde global, reconstrução e reabilitação de sistemas
de saúde, reforma do setor saúde, bem público internacional.
Um quinto grupo ordenava os textos e artigos específicos sobre o Timor
Leste, principalmente sobre os aspectos descritivos e históricos que possibilitavam não
só a contextualização do objeto da pesquisa, mas permitiam uma melhor compreensão
sobre os diferentes atores, nacionais e internacionais, que atuaram no país no período
em estudo. Este quinto grupo de material bibliográfico foi formado tanto a partir de uma
reordenação dos quatro grupos anteriores quanto de novas buscas específicas sobre o
tema.
3. A análise documental
Segundo Pimentel26
, “estudos baseados em documentos como material
primordial extraem deles toda a análise, organizando-os e interpretando-os segundo os
objetivos da investigação proposta” (p. 180). Os documentos para esta pesquisa foram
17
coletados a partir de fontes institucionais relacionadas aos principais atores envolvidos
no processo de formulação da política nacional de saúde do Timor Leste.
Para Gil23
, a análise documental assemelha-se muito à revisão bibliográfica,
diferenciando-se dela, entretanto, principalmente pela natureza do material, ou seja, é
centrada em textos que não receberam tratamento analítico. O autor aponta diversas
vantagens da análise documental, com as quais temos forte concordância. A primeira
delas é que documentos subsistem ao longo do tempo e, portanto, constituem uma fonte
rica e estável de dados, principalmente se a pesquisa requer análise histórica ou
contextualização de fenômenos. Outras duas vantagens da pesquisa documental dizem
respeito aos limites financeiros e de tempo do pesquisador. O custo de uma pesquisa
documental é mais baixo e se o prazo da pesquisa é curto, a pouca necessidade de
deslocamentos é uma vantagem relativa. No caso desta pesquisa retornar ao Timor
Leste, localizado no sudeste asiático, estava fora de questão, tanto pelos prazos
impostos pelo doutorado como pela falta de financiamento para a pesquisa. Por outro
lado, essa impossibilidade foi parcialmente compensada pela vivência do autor no país
durante o período em estudo, ainda que faltassem dados fundamentais para aprofundar a
reflexão sobre essa sua experiência especifica.
Contudo, Gillham27
refere algumas críticas às pesquisas que utilizam tanto o
estudo de caso como a análise documental. Dentre elas, a mais frequente, e que
julgamos necessário contrapor, é a questão da não representatividade, seja do estudo de
caso único, seja dos documentos selecionados.
A crítica do autor sobre a representatividade da análise documental é
legitima e baseia-se no questionamento da quantidade e qualidade dos documentos a
serem analisados. Entretanto, o estudo de caso justifica-se pela sua adequação
metodológica em relação ao tipo de objeto a ser estudado e por “possibilitar estudar um
fenômeno em pleno processo”17
(p. 21), permitindo verificar eventuais mudanças e
associá-las a determinados fatores. Por outro lado, a opção pela análise documental
levou em consideração a argumentação de Pimentel26
, para quem o “destaque na
análise documental é o tratamento metodológico dado aos documentos” (p. 180). É,
pois, através desse tratamento, orientado pelo problema proposto, que “se estabelece
uma montagem de peças, como num quebra-cabeça”26
(p. 180).
Minayo10
apresenta três modalidades de análise na pesquisa documental:
1) a análise de conteúdo; 2) a análise de discurso e 3) a análise hermenêutica-dialética.
A análise do conteúdo expressaria o levantamento e tratamento geral dos dados e
elementos explícitos do texto de forma qualitativa, enquanto a análise do discurso
18
trabalharia a construção do texto (forma, estilo, significados, entre outros), seu contexto
e até mesmo sua relação com outros textos. Entretanto, para a autora a análise
hermenêutica-dialética superaria “o formalismo das análises de conteúdo e de discurso”
(p. 301).
Foi Gadamer28
que, contestando o racionalismo científico dos anos de 1970,
voltou-se ao desenvolvimento da idéia de que todo entendimento humano pressupõe
uma dimensão „hermenêutica‟, ou seja, uma interpretação, definindo a arte da
interpretação como uma forma de conhecimento. A dialética, “como a arte do
estranhamento e da crítica”10
(p. 337), tem suas origens no pensamento de Hegel, tendo
sido trabalhada por Marx e Engels entre outros, para quem toda realidade engendra em
si mesma a sua transformação.
Segundo Minayo10
, a dialética é importante na abordagem de situações que
procuram:
... desvendar relações múltiplas e diversificadas das coisas entre
si; explicar o desenvolvimento do fenômeno dentro de sua
própria lógica; evidenciar a contradição interna no interior do
fenômeno; compreender o movimento de unidade dos
contrários; trabalhar com a unidade da análise e da síntese
numa totalização das partes; co-relacionar as atividades e as
relações. (p. 340)
Portanto, ao propor uma técnica para a análise documental, Minayo10
entende que a hermenêutica oferece, a partir da linguagem, “um terreno comum de
realização da intersubjetividade e do entendimento” (p. 343) sedimentando o caminho
de um processo científico que busca: a) identificar as diferenças e semelhanças entre o
contexto, o texto e o investigador; b) explorar as definições de situação dos textos,
cabendo ao pesquisador desvendá-las e compreendê-las; c) compartilhar, como sujeito
da pesquisa, o mundo observado e a partir daí perguntar “porquês” e “sob que
condições”; d) apoiar-se no contexto histórico para refletir sobre determinada realidade,
pressupondo que sujeito e objeto são expressões de seu tempo e espaço cultural. Já a
dialética fornece as bases para uma atitude crítica e analítica ao considerar que não há
ponto de vista ou entendimento fora da história, que nada é eterno, fixo ou absoluto e
que nem as instituições, as idéias e as categorias são estáticas e imutáveis. Em outras
palavras: a) cada coisa é um processo, que contém em si um passado embora esteja em
plena realização; b) há um encadeamento nos processos, que ocorre em forma espiral e
não linear ou circular; e c) cada coisa traz em si sua contradição, pois tudo que se
concretiza é apenas um momento1
(p. 341).
19
Fairclough20
também procura um caminho para a análise do discurso,
articulando análise linguística e teoria social. Para ele, uma simples análise de conteúdo
corre o risco de se restringir a um exercício meramente descritivo, enquanto a análise da
prática discursiva e das práticas sociais, da qual o discurso faz parte, é que levaria a um
exercício mais profundo de interpretação. Fairclough20
trabalha com uma perspectiva de
“teoria social do discurso” (p. 89). Esta perspectiva advém da constatação de que “a
constituição discursiva da sociedade não emana de um jogo livre de idéias [...], mas de
uma prática social que está enraizada em estruturas sociais materiais concretas,
orientando-se para elas”20
(p. 93). Ao utilizar o termo discurso o autor propõe
“considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade
puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais” (p. 90). Essa abordagem
teria implicações: em primeiro lugar, o discurso seria um modo de ação das pessoas
agirem sobre o mundo e uma forma de representação; e, em segundo, numa relação
dialética entre discurso e estrutura social, esta última “é tanto uma condição como um
efeito do primeiro” (p. 91). Nesse sentido, para Fairclough20
“o discurso seria uma
prática [...] de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em
significados” (p. 91).
Para operacionalizar sua teoria social do discurso, Fairclough20
propõe
reunir três tradições analíticas, construindo uma análise tridimensional do discurso, que
utilizaria o seguinte procedimento: 1) análise textual do discurso, empregando técnicas
descritivas; 2) análise da prática discursiva, empregando técnicas interpretativas que
permitam compreender como membros de comunidades sociais produzem mundos
ordenáveis e explicáveis, envolvendo um processo de produção, distribuição e consumo
de textos que, como processos sociocognitivos, se refletem nos discursos; e 3) uma
análise social, a partir da interpretação do discurso como forma de prática social, agora
moldado por estruturas sociais e relações de poder que produzem práticas sociais
específicas.
Neste sentido, Minayo1
se aproxima de Fairclough20
ao dizer que os
indivíduos em determinada realidade pertencem a grupos, classes e segmentos
diferentes e estes podem ser condicionados, simultaneamente, por um momento
histórico específico, por interesses coletivos que os unam a interesses específicos que os
distingam e até os contraponham.
Entretanto, Fairclough20
nos lembra que “os discursos político e ideológico
não são independentes um do outro” (p. 94) e, portanto, refletem práticas e ideias que
“estabelecem, mantêm e transformam as relações de poder e as entidades coletivas
20
entre as quais existem relações de poder” (p. 94). Para ele, os sujeitos sociais também
se posicionam no discurso e uma alternativa na análise do discurso é localizar a
ideologia no evento discursivo, tendo em vista que um evento discursivo pode servir
tanto para preservar e reproduzir relações hegemônicas tradicionais como para abrir
espaço para transformá-las. Nesse sentido, o autor também utiliza a perspectiva dialética
para a análise da relação entre discurso e estrutura social, ou seja, de um lado o discurso
serve como reflexo da realidade social e, de outro, esse mesmo discurso pode ser a fonte
de uma mudança social.
Para Fairclough20
, quando expresso por instituições, organizações ou grupos
particulares, o discurso pode ir além dos textos produzidos por elas e ser expresso
também por “condutas” que, num certo sentido, assumem um caráter discursivo
(formato de reuniões ou abordagens participativas, entre outros). Para o autor, a análise
desses “discursos” na leitura de documentos, em sentido ampliado em termos de
significados, deve combinar texto e interação, ou seja, os documentos devem ser
analisados simultaneamente pela sua prática léxica, sua prática discursiva e sua prática
social. Esta possibilidade na análise de um evento discursivo não só posiciona os
sujeitos de diferentes maneiras como proporciona efeito social que, em novos contextos,
podem produzir outros eventos discursivos.
A análise documental realizada nesta pesquisa partiu da proposta
metodológica de Minayo10
e Fairclough20
. A articulação desses dois autores e suas
modalidades de análise foi importante porque possibilitou trazer elementos para lidar
com questões como objetividade e subjetividade, fatos e significados, estruturas,
representações e intertextualidade. Para Fairclough20
, a intertextualidade é muito
importante na análise do discurso, pois parte do princípio que cada texto é o elo de uma
cadeia e que os enunciados são povoados por pedaços de outros enunciados. O autor diz
que um texto pode ter ou abranger diversos campos e memórias, implicando que a
intertextualidade insere a história (sociedade) num texto, mas que esse texto também se
insere na história. A intertextualidade pode ter elementos de concordância, contestação
ou de reestruturação, pode se apresentar de forma manifesta (citação) ou constitutiva e
pode reforçar o sentido do texto ou ser fonte de ambivalência.
Nesse sentido, tomou-se como pressuposto que os documentos selecionados
para este estudo, produzidos pelos atores envolvidos na formulação do primeiro
documento propositivo de uma política de saúde timorense, estavam permeados por
representações, significados e estruturas intertextuais, carregados de conteúdo político e
ideológico.
21
Assim, não foram privilegiadas técnicas de análise documental que dessem
ênfase somente às regularidades e irregularidades dos textos, ou às sistemáticas léxicas
quantitativas do conteúdo manifesto das comunicações, como caminhos da
interpretação. Valorizaram-se as abordagens críticas, entendidas como modalidades de
interpretação que utilizam a análise de discurso como prática social, orientada por um
pensamento político e que levam em conta, além do texto, o contexto sócio-histórico
dos grupos sociais em questão e o quadro de referências institucionais dos diferentes
atores, colaborando para formar um quadro teórico adequado para o estudo dos
processos sociais10,20
. Dessa maneira, tentou-se superar os limites impostos pela análise
documental, sobretudo no caso de documentos institucionais extremamente
formalizados.
3.1 A organização do banco de dados documental
A primeira etapa da pesquisa documental realizada para este estudo foi
buscar, por via eletrônica, sites abertos das organizações nacionais e internacionais que
haviam atuado no Timor Leste no período estudado. Esta busca foi realizada nos sites
das Nações Unidas, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
da Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional (FMI), assim como de organizações bilaterais de desenvolvimento (AID-
Austrália e DFID-Reino Unido) e organizações não governamentais que atuaram no
país ou desenvolveram estudos sobre o Timor Leste (La‟o Hamutuk, HealthNet
International, Columbia University, entre outras). Foi também feita uma busca de
documentos junto ao Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, cujo
banco de dados, organizado para suporte aos trabalhos de pesquisa de tese de doutorado,
incluía material sobre o Timor Leste e foi, gentilmente, disponibilizado pela instituição
para esta pesquisa.
Como essas fontes eram de informações institucionais, o único descritor
utilizado foi Timor Leste. A coleta do material visou documentos escritos entre 1999 e
2002. Procurou-se focar o processo de reconstrução e reabilitação dos serviços públicos
naquele país, com atenção para a área da saúde, utilizando-se como critério de seleção
os documentos que respondessem aos objetivos da pesquisa: a) documentos produzidos
por diferentes atores, organizações e instituições (nacionais e internacionais),
vinculados à formulação da política nacional de saúde do Timor Leste, e b) documentos
voltados para a formulação de uma proposta de política nacional de saúde para o país
22
como parte do processo de reabilitação do sistema de saúde timorense. Ao todo foram
coletados cerca de 200 documentos.
A primeira etapa de organização foi separar os documentos coletados por
fonte de informação. Cada documento foi fichado com a referência completa e o resumo
de seu conteúdo temático. Essas fichas foram a base da segunda rodada de organização
do material coletado. Esse trabalho deu origem a um novo conjunto de documentos,
reagrupados em seis subconjuntos, segundo o cruzamento entre fonte de informação e
conteúdo temático dos textos:
1º subconjunto: Relatórios e decretos do Conselho de Segurança das Nações
Unidas relativos ao Timor (1999-2002);
2º subconjunto: Textos administrativos de governação e gestão da função
pública no governo provisório do Timor Leste (UNTAET e ETTA), de 1999 a 2002;
3º subconjunto: Documentos-base do primeiro governo timorense:
Constituição da RDTL, Relatório do Estado da Nação Timorense, Plano Nacional de
Desenvolvimento, Timor Leste 2020: Nossa Nação, Nosso Futuro;
4º subconjunto: Estrutura da Política de Saúde do Timor Leste, textos
técnico-administrativos emitidos pela Divisão dos Serviços de Saúde da ETTA (2000-
2002);
5º subconjunto: Relatórios, pareceres, folhetos explicativos e outros textos
produzidos pelo Banco Mundial, FMI, agências internacionais e doadores do processo
de reconstrução do Timor Leste;
6º subconjunto: Relatórios, discursos e outros textos referentes aos partidos
políticos timorenses, ao Conselho Nacional de Resistência Timorense e algumas
organizações sociais timorenses.
Por fim, foram selecionados, dentre os diferentes subconjuntos, um núcleo
central de 49 documentos para serem analisados em detalhe. Foram utilizados dois
critérios de seleção desses documentos: 1) estar diretamente relacionado ao objeto da
pesquisa; e 2) focar o percurso e os trâmites inerentes ao processo de financiamento da
reconstrução e reabilitação do setor saúde timorense. Em síntese, foram selecionados 49
documentos que representavam os arranjos de governação política para o setor saúde
com foco nas reuniões de doadores e missões conjuntas de monitoramento do processo.
Dentre eles, encontram-se decretos, projetos, acordos, relatórios, pareceres e discursos
que formam o banco de dados diretamente relacionado ao processo de formulação da
primeira proposição de política de saúde para o Timor Leste no período de 1999 a 2002.
A lista desses documentos selecionados encontra-se no Anexo 3.
23
Para cada documento desse núcleo central foi criada uma ficha de leitura
mais elaborada contendo as seguintes informações: 1) referência bibliográfica (autor,
título, local, editora, ano, páginas); 2) localização do texto em relação ao ator
institucional responsável; 3) resumo do texto; 4) descrição de assuntos e idéias centrais
contidas no texto; 5) descrição de texto ou citações relacionadas, e de referência, às
idéias e assuntos selecionados; 6) inferências (observações e comentários) gerais sobre
essas idéias e citações.
4. As categorias de análise
Três condições foram privilegiadas na contextualização histórica do Timor
Leste: as condições de conflito e pós-conflito, as condições de transitoriedade e as
condições de formulação de políticas de saúde. Essas condições históricas foram
tratadas como categorias de análise no sentido descrito por Minayo10
, como um
“conceito classificatório” (p. 178), ou seja, como um “termo carregado de significação,
por meio do qual a realidade é pensada de forma hierarquizada” (p. 178). Buscou-se,
com essas categorias, construir três eixos de apoio em torno dos quais se elaborou a
reflexão, discussão e análise do objeto de pesquisa, pois elas refletem três momentos
históricos diferentes, mas interrelacionados, que delimitam o papel dos diferentes atores
na formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor
Leste.
Para o que interessa discutir nesta pesquisa, definiu-se então: a) conflito e
pós-conflito como uma categoria estruturante das condições de construção do Estado
timorense; b) transitoriedade como uma situação limitante das condições de
subjetivação dos diferentes atores no cenário da formulação da política nacional de
saúde do Timor Leste; e c) formulação de políticas de saúde como o processo em que
ocorrem as relações entre os diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de
reabilitação do setor saúde timorense. Para cada uma dessas categorias elaborou-se um
referencial teórico e analítico que orientou as reflexões.
4.1. Condições de conflito e pós-conflito e relações de poder
As categorias de condições (situações ou contexto) de conflito e pós-conflito
definem uma perspectiva de observação fundamental para o entendimento da construção
do Estado timorense e da formulação da primeira proposta de política de saúde. Contém
elementos históricos que valorizam a construção de sistemas políticos e de sistemas de
saúde em condições especiais, em que as tensões existentes nas relações sociais, tanto
24
internas como externas àquele processo de formulação, estão orientadas por
determinadas relações de poder que, por sua vez, estruturam o poder do novo Estado.
Para alguns autores, como Klingebiel29
, o termo „conflito‟ tem significado
genérico em relação a desacordos que podem acontecer entre indivíduos, grupos,
organizações e coletividades. De maneira geral, para esse autor, conflitos entre grupos
são componentes vitais de uma sociedade e elemento essencial do desenvolvimento sem
que, necessariamente, se utilizem mecanismos violentos. A violência não seria,
normalmente, um componente inerente ao conflito e representaria, ao contrário, um
rompimento com normas vigentes até então aceitas entre as partes. Quando a violência
se instaura como elemento de uma situação de conflito, no qual uma sociedade ou
Estado perde a capacidade de lidar com os diferentes interesses inerentes a ela, por
meios cooperativos ou pacíficos, instaura-se o que Klingebiel29
chama de um “contexto
de conflito” (p. 66).
Contexto de conflito, nesta investigação, significa um cenário de disputa
acirrada e descontrolada onde se instala, por um lado, o escalonamento da violência e,
por outro, a perda ou esfacelamento das estruturas de resolução de conflito, como as
esferas legais e institucionais. Segundo Klingebiel29
, essa situação ou contexto de
conflito quase sempre acaba mobilizando a comunidade internacional. E seriam duas as
razões mais importantes para isso: 1) o alto custo e possível dano daquela situação para
a economia local e regional e os interesses geopolíticos envolvidos; e 2) a falta de
interesse dos principais atores, nacionais e internacionais, pelos mais variados motivos,
na manutenção daquela situação. Estas duas razões principais justificariam as tentativas
de mediação desempenhadas por diferentes atores internacionais, tanto a partir de suas
bases no estrangeiro como no próprio território em conflito. Acrescenta-se a essas duas
razões o impacto da enorme perda de vidas humanas e o risco do estabelecimento (ou
existência) de situações de genocídio.
Para o que nos interessa discutir nesta investigação leva-se em consideração
a reconstrução do Estado nacional em situações pós-conflito. A noção de Estado apóia-
se em Bobbio30
e Fiori31
e pode ser sintetizada como um espaço político de relações de
poder, fruto de processos sociais e históricos particulares. Esta conceituação parece
permitir maior fluidez e dinâmica ao estudo da participação dos atores sociais na disputa
de poder dentro do processo de formulação de políticas, mais especificamente na
elaboração do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor
Leste.
25
Na formação de um novo Estado no Timor Leste foi crucial o “manto da
questão nacional” (p. 18), nas palavras de Hobsbawn32
. Essa questão marcou a luta
timorense por sua autodeterminação, tanto antes como durante e após o conflito
indonésio-timorense. A questão da criação de uma identidade nacional ajudou a moldar
objetivos comuns, a partir de elementos de pertencimento, que acabaram criando um
forte sentimento nacionalista, anterior mesmo à formação da nação timorense. Segundo
Anderson33
, essa antecipação do sentimento nacional em relação à nação propriamente
dita, é vista como um nacionalismo “imaginado” que acaba, de fato, “inventando” (p.
6), ou seja, criando, segundo o autor, um sentimento coletivo sobre o qual se constrói os
alicerces da nação propriamente dita. Esse processo também se verificou em outras
jovens nações africanas que se libertaram do jugo colonial por meio da guerra, como
ocorreu em Angola e Moçambique.
No período de reconstrução pós-conflito é crucial a restauração da ordem
institucional e organizacional do aparelho de Estado que, no caso do Timor Leste,
assume características particulares, dada a estruturação histórica dessas instituições em
conjunturas específicas.
Embora a discussão da questão nacional no Timor Leste e da construção da
administração pública timorense não sejam objetos desta pesquisa, do ponto de vista da
formação do Estado timorense, do seu funcionamento e também dos processos de
formulação das suas políticas, são questões relevantes que apontam para outra
subcategoria importante para a análise do nosso objeto de estudo − a noção de
governabilidade.
O conceito de governabilidade adotado nesta investigação se apóia em
Diniz34
e articula pelo menos três aspectos relacionados à capacidade governamental:
O primeiro refere-se à capacidade de um governo para
identificar problemas críticos e formular as políticas
apropriadas ao seu enfrentamento. O segundo diz respeito à
capacidade governamental de mobilizar os meios e recursos
necessários à implementação dessas políticas, enfatizando, além
da tomada de decisões, os problemas cruciais ligados ao
processo de implementação. Em estreita conexão com este
último aspecto situa-se a capacidade de comando do Estado,
isto é, de fazer valer suas políticas, sem a qual suas decisões
tornam-se inócuas. (p. 31)
Esse conceito de governabilidade, sobretudo no que se refere ao primeiro
aspecto da capacidade governamental, é pertinente para o que nos interessa discutir,
pois permite analisar não apenas os aspectos internos, ou seja, a capacidade do governo
26
timorense de construir sua própria burocracia, administrar seus problemas domésticos e
formular suas políticas, mas também ajuda a entender aspectos ligados à questão da
transitoriedade, isto é, da capacidade do „governo‟ timorense de, transitoriamente, ser
representado por atores externos e lidar com diferentes agentes nacionais e
internacionais, numa situação de fortes assimetrias no sistema de poder internacional,
com grande repercussão no âmbito nacional.
Isso remete à questão do poder e às duas subcategorias de representação do
poder: o poder político e o poder técnico.
Poder político e poder técnico, nesta pesquisa, referem-se, na perspectiva de
Bobbio et al.35
a “modos de exercício do poder” (p. 938), que são múltiplos e podem
abarcar mecanismos persuasivos ou manipuladores, podendo expressar-se pela ameaça
de punição ou pela promessa de recompensa. Para Fiori36
... o conceito de poder político tem mais a ver com a idéia de
fluxo do que com a de estoque. O exercício do poder requer
instrumentos materiais e ideológicos, mas o essencial é que o
poder é uma relação social assimétrica indissolúvel, que só
existe quando exercido e, para ser exercido, precisa se
reproduzir e acumular constantemente. (p. 6)
O poder político, na ótica funcionalista de Parsons (apud Bobbio et. al.35
), é
“a capacidade de assegurar o cumprimento das obrigações pertinentes dentro de uma
organização coletiva” (p. 941). Relaciona-se, portanto, com o exercício do poder na
esfera da ação sobre a realidade das relações sociais, ou seja, da relação entre partidos,
grupos societários, instituições e organizações. E se funda, na perspectiva da ciência
política, na instauração e no acúmulo do poder, mediados pela conquista, exercendo
“uma pressão competitiva sobre si mesmo e não existe nenhuma relação social anterior
ao próprio poder”36
(p. 6).
E o poder técnico ressalta o âmbito da ordem contida no mundo das ideias,
do discurso e da atitude dos atores técnicos e gerenciais. O modo de exercer poder,
como observaram Lewis e Mosse37
ao analisar a “ordem do desenvolvimento” (p. 3)
contida nas recomendações técnicas e nos relatórios de experts das agências
internacionais, pode ser lido como uma forma de governabilidade política e, portanto,
como uma forma de exercício de poder.
27
4.2. Condições de transitoriedade e exercício do poder
A categoria condições de transitoriedade pressupõe o entendimento da
administração transitória das Nações Unidas no Timor Leste como fator contextual e
definidor das atitudes e ações dos diferentes atores envolvidos na formulação da política
nacional de saúde do país. Para Elbadawi38
, a transitoriedade, ou administração
internacional de uma situação de conflito, é um processo político que engloba,
simultaneamente, o apaziguamento e a reconstrução do Estado afetado, a partir da
recuperação da segurança no território nacional e da restauração das instâncias legais e
de administração pública. Trata-se de promover a passagem de uma ordem em que
predominam instituições militares para uma ordem regida por instituições civis.
Na maioria das vezes, a autoridade governante transitória em situações pós-
conflito é exercida pelas Nações Unidas. Entretanto, o reconhecimento dessa autoridade
tem sido objeto de pesquisas. Alguns autores como Matheson39
, Kirgis40
, Knoll41
e
Sambanis42
discutem a questão da transitoriedade em relação às missões e à governança
das Nações Unidas tomando por base o campo das leis internacionais e analisando
fatores de legitimidade, soberania e durabilidade dessas administrações transitórias.
Neste estudo o tema da transitoriedade (ou da administração internacional
de uma situação de conflito) foi estudado na perspectiva da reconstrução política do
Estado na perspectiva de Elbadawi38
. Este autor inclusive relativiza a questão da
segurança durante períodos de transição. Sem negar sua importância, o autor afirma que
as operações de segurança pós-conflito só se justificam como “necessárias para uma
gestão efetiva da ajuda e, mais ainda, para o estabelecimento de políticas e instituições
necessárias que sustentem e ampliem o crescimento de forma compartilhada” (p. 1). E é
nesse contexto que se situa a elaboração do primeiro documento propositivo de uma
política de saúde para o Timor Leste.
Outro autor que nos forneceu subsídios para o entendimento da questão da
reconstrução do Estado no âmbito das condições de transitoriedade foi Zaum43
. Para
este autor, o „sucesso‟ das chamadas „operações de paz‟ deve ser medido na relação
entre o re-estabelecimento de instituições políticas e administrativas locais e o número
de intervenções externas diretas. Ao dizer que as operações de transitoriedade deveriam
“focar mais em assistir do que em governar”43
(p. 205), o autor se refere à questões
como os limites do mandato e do poder das autoridades transitórias. Nessa perspectiva,
é importante compreender, por um lado, a construção da autoridade internacional em
solo nacional e como a ajuda nacional é canalizada; e, por outro, a importância do papel
28
das elites nacionais e das organizações locais nos projetos propostos pela comunidade
internacional.
Por outro lado, na perspectiva de Hughes44
, que estudou a esfera executiva
do poder em situação pós-conflito no Camboja e no Timor Leste e analisou o papel das
elites locais nesse processo, é preciso estar alerta para a possível ligação ideológica
entre as propostas e projetos sugeridos pelas agências internacionais e modelos de
políticas econômicas e sociais pré-concebidos e formulados alhures, que acabam sendo
introduzidos no país receptor ou beneficiário e incorporados às políticas nacionais.
Buscando compreender em que medida essas instâncias se relacionavam no
âmbito da autoridade política no Timor Leste, foram definidas outras duas subcategorias
de análise: coordenação e parceria.
A noção de coordenação está baseada em Buse e Walt45
, que afirmam ser
esse termo pouco definido, pois, seria difícil definir palavras que, na realidade,
significariam processos. Interessa discutir, neste trabalho, como se estabelecem as
relações entre disciplina e controle no contexto dos mecanismos de coordenação do
processo de reabilitação do setor saúde no Timor Leste: quem coordenava quem, o que
era coordenado e com que fins.
A segunda subcategoria – parceria – vista isoladamente também é um termo
muito inespecífico. Buse e Walt45
, em outro trabalho, afirmam que a primeira tentativa
de construção do conceito de parceria se deu em 1969, a partir do relatório do Pearson
Commission on International Development, elaborado para o Banco Mundial. Naquele
relatório, destacava-se que:
“... a natureza de uma parceria [seria] descrita como aquela
que acontecia entre doadores e países recebedores e requeria a
especificação recíproca de direitos e deveres com o
estabelecimento de objetivos claros que beneficiassem ambas as
partes”46
. (p. 548)
Segundo os autores, esse conceito foi ampliado mais tarde, em 1996, pela
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (Organization for
Economic Cooperation and Development – OECD), de modo que se compreendesse o
sentido de “uma relação baseada em acordos, refletindo mutuas responsabilidades
objetivando interesses compartilhados” (p. 549).
Ainda, em 1996, o próprio Banco Mundial, apud Buse e Walt46
, redefiniu a
noção de parceria como “uma relação colaborativa entre entidades para trabalharem
em prol de objetivos compartilhados, a partir de uma divisão de trabalho mutuamente
29
acordada que inclui mecanismos de acompanhamento e possibilidades de ajustes” (p.
550). Embora carregado de inespecificidade, o termo parceria ganhou força no discurso
das agências internacionais. No âmbito dos programas de assistência ao
desenvolvimento, após diversos estudos indicarem a ineficiência da ajuda internacional
voltada exclusivamente para o crescimento econômico, a questão das „parcerias‟ tornou-
se relevante nos novos projetos de redução da pobreza47
.
A partir de outra clave analítica, Lima48
vem trabalhando há anos com essa
questão. Para este autor, as parcerias são propostas, na maioria das vezes, pelas agências
ou Estados doadores e tem como objetivo ampliar possíveis colaborações, mas,
paradoxalmente, acabam orientadas não por pontos de vista conjuntos, mas pelos
próprios doadores que, muitas vezes, se baseiam em critérios previamente utilizados em
seus movimentos expansionistas e, portanto, com baixo conteúdo colaborativo.
Por outro lado, o termo parceria aparece, muitas vezes, em associação ao
termo participação, referindo-se exclusivamente à participação dos beneficiários nos
programas de desenvolvimento. Isham et al.49
relatam que o termo participação surgiu
nos anos de 1970, como uma abordagem social referente a processos de inclusão de
grupos ou movimentos sociais não hegemônicos e passou a ser progressivamente
utilizado, nos anos de 1990, pelas agências internacionais no bojo de projetos de ajuste
estrutural para os países em desenvolvimento, como mecanismo para melhorar o
desempenho desses projetos. Kapoor50
, assim como Lima48
, diz que o elemento
participativo acaba sendo incorporado nos projetos de desenvolvimento mais sujeitos às
demandas das organizações do que dos próprios beneficiários, quando não tomam o
caráter de condicionalidades vinculadas a empréstimos ou doações.
Para o que se pretende discutir neste estudo, coordenação e parceria são
analisadas como categorias vinculadas ao exercício de poder dos diferentes atores no
processo de formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o
Timor Leste.
4.3. Condições de formulação de políticas de saúde e jogo de poder
Considera-se a política de saúde como uma política social, setorialmente
localizada no âmbito das políticas públicas que, por sua vez, são concebidas como
políticas de Estado51,52
. O conceito de política pública refere-se a “tudo que os governos
decidem fazer ou deixar de fazer”51
(p. 30), seja no campo da ação ou não-ação, seja no
da intenção.
30
Por condições de formulação de políticas de saúde entende-se o processo e
os mecanismos em que ocorreram as relações entre os diferentes atores orientados à
formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde timorense. A
análise dessa condição procura fugir do enfoque racional e prescritivo, enfatizando os
discursos retóricos e as práticas cotidianas dos atores como práticas sociais. Procurou-
se, assim, iluminar fatores que facilitam a compreensão das dimensões que poderiam
explicar como aconteceu aquele processo, que é subsidiário também da reabilitação do
sistema de saúde no Timor Leste no período pós-conflito. Duas subcategorias foram
então definidas: a cooperação e a indução.
Para Almeida et al.53
, as mudanças na cooperação técnica internacional em
saúde vem acompanhando as tendências do pensamento sobre o desenvolvimento e a
ajuda para o desenvolvimento, desde os anos 50, propondo novos modelos de ação
formulados em diferentes conjunturas. As definições do termo, entretanto, limitam-se a
descrições operacionais.
Cooperação técnica e assistência técnica internacional são dois termos muito
utilizados pelas agências de desenvolvimento para se referir a uma modalidade
específica da assistência que, segundo Hillebrand (apud Campos54
), consistiria numa
“forma de fortalecer a capacidade de países parceiros para a resolução de seus
problemas” (p. 5). A utilização do termo cooperação técnica internacional integra o
discurso das Nações Unidas desde sua criação, logo após a Segunda Guerra Mundial, e
a definição então elaborada é vigente até hoje e utilizada pelas diferentes organizações e
agências internacionais. Cooperação técnica internacional é a:
... transferência não comercial de técnicas e conhecimentos, a
partir da execução de projetos em conjunto, envolvendo peritos,
treinamentos de pessoal [em geral de órgãos públicos], material
bibliográfico, equipamentos, estudos e pesquisas entre atores de
nível desigual de desenvolvimento (prestador e receptor).
(Resolução nº 200, Assembléia Geral da ONU, 1948).
Lima48
e outros55,56
, alertam que a chamada cooperação técnica
internacional para o desenvolvimento é caracterizada pela ausência de definições claras
e cientificamente formuladas. E a expressão cooperação internacional designa distintas
situações, cujos diferentes sentidos semânticos adquirem flexibilidade ampla, “tão
ampla quanto suas possibilidades e fins”55
(p. 48). Esta dificuldade é contornada por
Lima48
, que propõe tratar a cooperação técnica internacional a partir do delineamento de
amplos espaços de atuação de um conjunto de agentes e agências (internacionais,
31
nacionais, governamentais ou não governamentais), assim como de uma
heterogeneidade de “redes de saberes, tradições de conhecimentos, fluxos culturais e
mundos socialmente resultantes de histórias interconectadas, muito diferentes entre si
em sua gênese histórica e social” (pp. 417-418).
A discussão da cooperação internacional remete à dinâmica do sistema
internacional e à estrutura de poder subjacente, inerentemente assimétrica, sublinhando
a posição que os diferentes Estados nacionais e outras organizações ocupam nessa
estrutura e se movem dentro dela.
Conflito e cooperação estão sempre presentes nas análises das relações
internacionais e orientam os mecanismos de ordenação do sistema internacional, “sendo
condições interligadas e não incompatíveis ou contraditórias” [Keohane apud
Valente55
, p. 50]. Isso aponta para as circunstâncias em que a cooperação ocorre e a
define como uma “situação política” (Idem). As desigualdades e assimetrias existentes
nas estruturas de poder do sistema internacional repercutem, assim, nos processos de
cooperação, sempre mediados pelo conflito e não pela harmonia e colaboração mútua
entre os atores envolvidos.
Concordando com os delineamentos traçados acima, assume-se a
cooperação técnica internacional para o desenvolvimento não como um conceito
fechado, delimitado por um campo do conhecimento específico48
, mas, como um
“conjunto diverso de práticas, experiências e relações” (p. 3), segundo definido por
Ferreira56
. Ou, como definido por Silva57
, o campo da cooperação internacional como
“o conjunto de práticas, valores e atores envolvidos na gestão da assistência externa”
(p. 12), destacando que as políticas de doações são fontes de poder e prestígio,
configurando a cooperação internacional como um campo de ação política.
Essa perspectiva se apóia na noção de “campo” desenvolvida por Bourdieu
(apud Valente55
), que pode ser útil na análise da atuação das instituições envolvidas nos
processos de cooperação. Para este autor, campo seria “um espaço estruturado de
posições cujas propriedades específicas dependem das relações entre essas posições e
que são passíveis de análise independente de seus ocupantes” (p. 56) [Lima, apud
Valente55
, a partir de Bourdieu]. Agrega-se ainda a noção de campo como “arena de
disputas”, em que se desenvolve uma acirrada luta competitiva onde o “novo” força
entrada em oposição aos resquícios da ordem instituída anterior e às práticas
tradicionais ainda ativas.
No âmbito da política externa dos diferentes países, a cooperação técnica
internacional para o desenvolvimento implica numa série de práticas e procedimentos,
Tese de-doutorado-sobre timor
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  • 1. Ministério da Saúde Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca Departamento de Administração e Planejamento em Saúde FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS DE SAÚDE EM SITUAÇÃO PÓS- CONFLITO: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PRIMEIRO DOCUMENTO PROPOSITIVO DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE PARA O TIMOR LESTE, 1999 A 2002 LUIZ EDUARDO FONSECA Tese apresentada como requisito para obtenção do grau de Doutor em Saúde Pública no Curso de Pós-graduação strictu sensu em Saúde Pública, na linha de pesquisa de Formulação e Implementação de Políticas Públicas e Saúde, do Departamento de Administração e Políticas de Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz. Orientadora: Profª Drª Célia Maria Almeida Rio de Janeiro 2011
  • 2. ii CATALOGAÇÃO Fonseca, Luiz Eduardo. Formulação de políticas de saúde em situação pós-conflito: o processo de elaboração do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, 1999 a 2002/ Luiz Eduardo Fonseca. – 2011. 166f. il. Orientadora: Célia Maria Almeida Tese (doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca 1. Situação Pós-conflito, Timor Leste – História – Teses. 2. Política de Saúde – Teses I. Almeida, Célia Maria. II. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. III. Título.
  • 3. iii Dedico esta tese a meus pais. À minha mãe, que me ensinou a sonhar, ao meu pai, que sempre acreditou nos meus sonhos, e aos dois, por me mostrarem os caminhos para a realização daqueles sonhos.
  • 4. iv AGRADECIMENTOS Antes de tudo, quero agradecer à Professora Célia Almeida, que me conduziu nessa jornada e que, sem o seu apoio, não seria possível tê-la completado. Agradeço também a Professora Ligia Giovanella por seu incentivo para que eu iniciasse essa caminhada. Quero fazer um agradecimento especial à Professora Kelly Cristiane da Silva, do Departamento de Antropologia da UnB, que, além da atenção e sugestões, colaborou imenso nesta pesquisa permitindo-me acesso a seu arquivo privado de documentos sobre o Timor Leste. Agradeço a todos os colegas de trabalho, à Claudia Parente, Ana Paula, Bárbara e Anderson; ao Álvaro, Linger e Clementino; ao Lucas, Vincent, Claudia Hoirisch, Lucia, Domingos e Bia; ao Zé Vitor e à Guilhermina, ao Daniel, à Alzira, Milton, e Liliane, pelo apoio, pela torcida e pela dedicação durante todo esse período de reclusão. À Norma, o meu agradecimento pelos momentos de conforto. Agradeço de todo coração ao Paulo Buss, companheiro de trabalho e de vida, e ao Jouval, meu irmão-camarada. Ao José Roberto quero dedicar um agradecimento especial, não só pelo seu carinho e amizade, mas, sobretudo por tudo que me tem ensinado nesses anos, seja pelas suas ideias seja pelo seu exemplo. Agradeço ao Samuel e ao Mauro, por manterem a minha saúde e o meu equilíbrio, sem os quais tudo teria sido mais difícil. Agradeço a Lena, Rodrigo, Marco Antonio, Iônio, Diego, Washington, Monica, Manika, Kathie,e Manu por serem meus amigos e a partir dos quais deixo minha lembrança a todos os outros amigos que não nomeei. À Luiza, Luzia e Sebastiana, que além de amigas são anjos da guarda. Com todo meu amor, agradeço a Patrícia, Mônica e Cássia, minhas irmãs queridas, e ao Paulo, meu irmão também querido, através deles minha família se expande e aproveito para também lembrar e agradecer a todos a minhas cunhadas e cunhados, meus sobrinhos, primos, tios e tias queridos que tanto apoio me deram durante esse último ano, sem os quais esse trabalho teria ficado muito menor. Ao Giovane, meu especial agradecimento por sua compreensão, por aturar- me nos momentos mais difíceis e por estar do meu lado durante essa trajetória.
  • 5. v “Afirmo ao senhor, do que vivi: o mais difícil não é ser bom e proceder honesto; dificultoso mesmo é um saber definitivo o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.” “O senhor me diga: preto é preto? Branco é branco?” (Diadorim, em O Grande Sertão: Veredas João Guimarães Rosa)
  • 6. vi RESUMO O processo de reabilitação do setor saúde em condições pós-conflito é complexo, com prazos muito ajustados e envolve diferentes atores, nacionais e internacionais, exigindo mecanismos de coordenação que maximizem o fluxo da cooperação internacional, tanto financeira quanto da assistência técnica. Este trabalho analisa, em perspectiva histórica, o papel dos diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de elaboração do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, entre 1999 e 2002, período da administração temporária das Nações Unidas (UNTAET) no país. A proposta de uma política de saúde surgiu, primeiro, nas mobilizações de profissionais timorenses da saúde, em 1999, e, posteriormente, foi retomada nos relatórios das missões conjuntas de avaliação (MiCAs), coordenadas pelo Banco Mundial, e incorporada nos projetos de reabilitação e desenvolvimento para o setor, também financiados pelo Banco. Todo esse processo se deu concomitantemente à construção do arcabouço político nacional e da burocracia administrativa do Estado, promovida pelo governo co-participativo da UNTAET. O desafio deste trabalho foi analisar, nessas condições, como se deu a relação entre diferentes atores, a partir de espaços de troca e de transferência, de conhecimentos e idéias e de um conjunto de “modos de fazer” e de práticas, que permearam o processo de formulação de uma proposta de política para o setor saúde timorense. Conclui-se que, no Timor Leste, a situação de conflito e pós-conflito condicionou, de forma importante, a arquitetura da ajuda externa e esta, por sua vez, pautou a relação entre os diferentes atores, nacionais e internacionais. Por um lado, a realização dos anseios de autodeterminação e independência dos timorenses, e a reconstrução do Estado, dependiam, crucialmente, dessa ajuda e da mediação das Nações Unidas; e, por outro, a reabilitação nacional, inclusive do setor saúde, necessitava do apoio técnico externo, possibilitado pela cooperação técnica, também viabilizada e mediada pelas agências internacionais envolvidas no processo, sobretudo o Banco Mundial. A análise do processo de formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste aponta elementos para a discussão de como a cooperação técnica internacional, a oferta de idéias, as condicionalidades e os mecanismos de controle das agências e doadores se articulam em conjunturas particulares, em que diversas arenas políticas se entrelaçam em diferentes tempos e espaços de negociação. Palavras-chave: Pós-conflito e saúde; ONU e governo transitório; Banco Mundial e situação pós-conflito, políticas de saúde, Timor Leste.
  • 7. vii ABSTRACT The health sector rehabilitation process under post conflict situation is a complex, timely and a multi-stakeholder scenario, which involves coordination mechanisms in order to maximize the international cooperation flowing in a technical and financial point of view. This study analyzes in a historical perspective the role of different stakeholders, domestic and international, in the first Timorese health policy proposal document elaboration process, between 1999 and 2002, during the United Nation transitory administration (UNTAET). The idea of a national health policy was born, at first, from a Timorese health workers mobilization, in 1999, and, lately, resumed by joint assessment mission reports (MiCAs), coordinated by the World Bank, and embedded in the rehabilitation and development of the health sector projects, also financed by that Bank. All this process happened concomitant to the national political and institutional building throughout the administrative bureaucracy of the State, sponsored by the co-participative government within the UNTAET mandate. This study‟s challenge was to analyze, in those conditions, what the relationship amongst stakeholders was like within exchange and transfer of knowledge, ideas, a set of ways to do and practices which have permeated all the Timorese health policy elaboration process. It was concluded that, in East Timor, the conflict and post conflict situation was an important condition to the architecture of the international aid in the country and that the relationship between different stakeholders was regulated by this architecture. By the way, the Timorese wish of independence and self-determination as well as the State reconstruction depended strongly on international aid and the United Nations mediation; and the national rehabilitation, including the health sector, also needed the support of international assistance and cooperation granted by international organizations, especially by the World Bank. The analysis of the health policy elaboration process to East Timor points out to some elements for discussions on how the international technical cooperation, offering of ideas, conditionality and control mechanisms of the international agencies and donors are articulated in different environments and how those different political arenas also promote articulation in different negotiation time and space. Key words: Post-conflict and health; UN and transitory government; World Bank and post-conflict situation; health policies; East Timor.
  • 8. viii SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 CAPÍTULO 1 METODOLOGIA 9 1. Subjetividade e objetividade 12 2. O levantamento bibliográfico para a revisão da literatura 14 3. A análise documental 16 3.1. A organização do banco de dados documental 21 4. As categorias de análise 23 4.1. Condições de conflito e pós-conflito e relações de poder 23 4.2. Condições de transitoriedade e exercício do poder 26 4.3. Condições de formulação de políticas de saúde e jogo de poder 29 CAPÍTULO 2 CONTEXTO HISTÓRICO – COLONIZAÇÃO, INVASÕES E TRANSITORIEDADE NO TIMOR LESTE 35 1. A província portuguesa do Timor Leste 35 1.1. O sistema de saúde no período colonial português 40 1.2. A formação dos primeiros partidos políticos no Timor Leste 42 2. Um curto período de independência 45 3. A invasão e dominação indonésia: resistência e adesão timorense 46 3.1. O legado indonésio e a situação da saúde no período da dominação 50 4. O referendo pela autodeterminação: as Nações Unidas no Timor Leste e a instauração do conflito 53 5. O governo transitório das Nações Unidas no pós-conflito 56 5.1. A dupla missão das Nações Unidas 59 5.2. A função de coordenação política da UNTAET 62 5.3. A questão da participação 63 5.4. O papel do Banco Mundial 70 CAPÍTULO 3. RESULTADOS – A REABILITAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE NO TIMOR LESTE: RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E POLÍTICA DE SAÚDE 76 1. A arquitetura da ajuda para a reconstrução do Timor Leste 76 1.1. As MICAs e RDs subsequentes 81 1.2. O Fundo Fiduciário para o Timor Leste (Trust Fund for East Timor – TFET) 82 2. A reabilitação do sistema de saúde no Timor Leste 87 2.1. A idéia de um documento propositivo de política de saúde e os atores responsáveis pela sua elaboração 87 2.2. Os projetos para reestruturação do setor saúde 93 2.3. A implementação dos projetos: a norma e a prática cotidiana 100 2.4. O processo de formulação do primeiro documento propositivo da política de saúde timorense 103 2.5. O conteúdo do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste 108
  • 9. ix CAPÍTULO 4 DISCUSSÃO - FORMULAÇÃO DA PROPOSTA DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE PARA O TIMOR LESTE: O INÍCIO DE UM PROCESSO 116 CAPÍTULO 5 CONCLUSÃO – RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS NO TIMOR LESTE: LIDANDO COM CONFLITOS 132 REFERÊNCIAS 142 ANEXO 1. MAPA DO TIMOR LESTE 154 ANEXO 2. CRONOLOGIA DE EVENTOS DURANTE O PROCESSO DE FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO TIMOR LESTE 1999-2002 155 ANEXO 3. DOCUMENTOS DO BANCO DE DADOS DA PESQUISA 159
  • 10. x LISTA DE ABREVIATURAS ACM Armazém Central de Medicamentos AID Australian International Development AIS Autoridade Interina em Saúde APODETI Associação Popular e Democrática Timorense ASDT Associação Social Democrata Timorense BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BM Banco Mundial CAP Consolidated Agency Appeal CCA Common Country Assessment CDH Comissariado de Direitos Humanos CFET Consolidated Fund for East Timor CISPE Civil Service and Public Employment CN Conselho Nacional CCN Conselho Consultivo Nacional CNRM Conselho Nacional de Resistência Maubere CNRT Conselho Nacional de Resistência Timorense CPS Cuidados Primários de Saúde CRD Conselho de Representantes Distritais CRP Conselho de Representantes da Província DAP Departamento de Assuntos Políticos DFID Department for International Development UK DPA Department of Political Affairs DPKO Department of Peace Keeping Operations DPR Departamento Provincial da Religião DSS Divisão de Serviços de Saúde EAAMM Entidade Autônoma de Abastecimento de Material Médico EPSTL Estrutura de Política de Saúde do Timor Leste ERD Emergency Response Division ETTA East Timor Transitional Administration FMI Fundo Monetário Internacional FRETILIN Frente Revolucionária do Timor Leste Independente FALANTIL Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste GAPS Grupo Assessor em Política de Saúde GGAP Gabinete de Governo e Administração Pública GOLKAR Golongan Karya GTCS Grupo de Trabalho Conjunto em Saúde GTPSTL Grupo de Trabalho de Profissionais da Saúde do Timor Leste ICRC International Confederation of the Red Cross INTERFET International Force for East Timor MDTF Multi Donor Trust Fund MiCA Missão Conjunta de Avaliação MS Ministério da Saúde OCHA Office of the Coordination of Humanitarian Affairs OIM Organização Internacional para Migrações ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PDI Partai Demokrasi Indonésia PIDE Polícia Internacional e de Defesa do Estado PND Plano Nacional de Desenvolvimento
  • 11. xi PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPP Partai Perstuan Pembangunan PRDSS Programa de Reabilitação e Desenvolvimento do Setor Saúde RD Reunião de Doadores RDTL República Democrática do Timor Leste SIP Sector Investment Program SWAp Sector Wide Approach SUCENAS Survei Social Ekonomi Nasional TFET Trust Fund for East Timor TNI Tropas Nacionais Indonésias UDT União Democrática Timorense UNAMET United Nations Mission on East Timor UNTAET United Nations Transitional Administration in East Timor USD United States Dollar
  • 12. 1 INTRODUÇÃO Conflitos armados afetam todas as esferas da vida de um país, desestruturando-o política, econômica e socialmente. Nessas situações, o setor saúde é afetado diretamente. Além de causar perdas de vida e danos físicos e mentais nas pessoas, os conflitos armados também levam à destruição total ou parcial das unidades de atendimento e à desestabilização do sistema de saúde. Hoje em dia, todo conflito armado, mesmo que não seja entre Estados, tem um impacto negativo que pode afetar sua região e até mesmo todo o sistema global, o que acaba levando ao envolvimento de diferentes atores externos, seja para prestação de ajuda humanitária seja para intervir militarmente, quando há necessidade de proteção da população civil. Na maioria das vezes, as intervenções militares são feitas a partir de forças de paz internacionais, coordenadas pelas Nações Unidas. Uma vez estabilizada a situação e instalada operações de manutenção da paz naquele território, instaura-se um período de transição denominado de pós-conflito no qual o país procura retomar sua rotina habitual. Geralmente, durante esse período pós-conflito, a comunidade internacional se mobiliza para apoiar a reconstrução socioeconômica do país, o que acaba envolvendo novos atores internacionais nesse processo. Seja por questões étnicas, políticas ou territoriais, os conflitos armados ainda são bastante comuns. Walters et al.1 afirmam que, nos últimos 25 anos, mais de 50 países experimentaram episódios de conflito armado. Segundo o Banco Mundial2 , quinze dentre os vinte países mais pobres do mundo tiveram algum tipo de conflito dessa natureza nas três últimas décadas, aumentando bastante a ajuda internacional para esses países. O financiamento para países em situação de conflito passou de 2% para 10% do montante global da assistência oficial ao desenvolvimento (Oficial Development Assistance, ODA), em apenas cinco anos (1989-1994)2 . Segundo Waters et al.1 , o setor saúde está entre os que são mais afetados por situações de conflito e requer grandes esforços de reconstrução. A mortalidade e a morbidade causadas por conflitos armados têm forte impacto na capacidade dessas sociedades se recuperarem. Por outro lado, a desestabilização política e econômica causada por situações de conflito afetam diretamente a reabilitação e reconstrução do setor saúde, na medida em que este é altamente dependente de amplas determinações externas ao setor. Geralmente, essa reabilitação envolve a alocação de grandes volumes de recursos humanos e materiais, cuja coordenação é assunto de interesse em diversas pesquisas, pois é importante tanto para as agências internacionais quanto para a agenda
  • 13. 2 política dos próprios países. Reabilitar o sistema e reconstruir a rede de atenção à saúde em situações pós-conflito são dois eixos fundamentais na formulação de políticas de saúde nesses contextos e foram bastante estudados, nos últimos anos, por pesquisadores das áreas de política e da saúde internacional. Dentre essas pesquisas destacam-se as de Macrae3 , Korhonen4 , Bornemisza e Sondorp5 , e Waters et al.1 . Foram também pesquisados alguns trabalhos que analisam a experiência específica dessa formulação em alguns países que passaram por uma situação pós-conflito, tais como: Uganda, Sri Lanka, Afeganistão e o Kosovo. Macrae et al.6 analisaram o impacto dos conflitos armados nos serviços de saúde de Uganda, assim como o papel que a herança do sistema de saúde prévio ao conflito exerceu no processo de reabilitação do setor no período pós-conflito, evidenciando o quanto o sistema anterior era inadequado para as necessidades de saúde do país. Nagai et al.7 compararam, durante 20 anos, o desempenho dos serviços de saúde entre áreas de conflito e sem conflito no Sri Lanka e mostraram que nas áreas de conflito a falta de profissionais de saúde nacionais e as múltiplas dificuldades que as pessoas tinham que enfrentar, configurava uma situação de baixa demanda e baixo desempenho dos serviços, apesar de ser onde atuavam mais atores internacionais. Sondorp8 analisou uma série de 25 anos de desempenho do serviço de saúde no Afeganistão, de 1980 a 2004, mostrando que durante esse período existiram diferentes ambientes de conflito no país. Segundo o autor, os anos de guerra no Afeganistão afetaram a capacidade dos diferentes governos de prover serviços de saúde para a população, pela instabilidade generalizada no país durante essas décadas. Havia uma proliferação de ONGs nacionais e internacionais que atuavam nas mais longínquas comunidades para garantir o acesso aos serviços básicos de saúde. Em anos recentes, os doadores firmaram contratos entre o governo e provedores de serviços que propunham uma tabela de custo das atividades, mas os pagamentos eram feitos segundo indicadores de desempenho. Essas experiências apontam para alguns elementos que se encontram também no caso do Timor Leste, ainda que as condições locais sejam bastante diferentes, como analisado neste trabalho. No Kosovo, por sua vez, que teve uma administração transitória da ONU no mesmo período – de 1999 a 2000 – o planejamento do setor saúde durante o governo de transição foi analisado por Shuey et al.9 . Neste caso, a reorganização do sistema ficou a cargo da Organização Mundial da Saúde (OMS) que procurou levar em conta elementos positivos do sistema de saúde do regime socialista anterior. Essa situação foi problemática, uma vez que o novo modelo pretendia diferenciar-se do anterior,
  • 14. 3 ideologicamente antagônico, criando tensão entre a necessidade de se colocar em prática uma ação reformista emergencial e a implantação de uma abordagem inovadora politicamente e que ampliasse o elemento participativo naquele processo. As dificuldades entre a adoção de ações emergenciais e uma abordagem de mais longo prazo no setor saúde é uma questão importante que se coloca em situações pós-conflito e que envolve tanto os atores nacionais quanto internacionais, como se verifica também no Timor Leste. No caso do Timor Leste, em 1999, após a divulgação do resultado do referendo no qual a maioria da população do país manifestou-se pela independência e autodeterminação em relação à República da Indonésia, grupos paramilitares insatisfeitos se mobilizaram e, numa fúria insana, durante uma semana, destruíram vidas inocentes e inúmeros edifícios públicos timorenses. Para deter essa onda de violência e instaurar a ordem no território houve a intervenção de forças internacionais coordenadas pelas Nações Unidas que, durante os 30 meses seguintes, assumiram o governo transitório do país até que, em maio de 2002, fossem restauradas as condições que assegurassem a instalação de um governo democrático, independente e autônomo no Timor Leste. Diferentemente do que ocorreu no Kosovo, embora em datas muito próximas, as ações emergenciais no campo da saúde se voltaram ao aspecto meramente curativo, durante o curto período de conflito, e desde o início do processo transitório tanto as Nações Unidas quanto o Banco Mundial procuraram atuar em conjunto adotando uma abordagem setorial ampliada, que já apontava para a necessidade de projetos que apontassem uma direção para o sistema de saúde em médio e longo prazo. Numa revisão das publicações sobre formulação de políticas de saúde em situações pós-conflito e situações complexas de emergências políticas, realizada por Bornemisza e Sondorp5 , a ausência de um governo próprio, e em situação de governança transitória, os mecanismos de coordenação da ajuda externa em situações pós-conflito são um dos pontos mais importantes para se poder avançar com processos de formulação de políticas. Eles destacam que para diferentes países foram adotados diferentes mecanismos de coordenação do financiamento externo. E, geralmente, esses mecanismos são adaptações de modelos conhecidos, desenvolvidos pela comunidade de doadores e utilizados em operações de financiamento internacional para o desenvolvimento. Mesmo em cenários mais complexos, como os de emergência ou situações pós-conflito, os mesmos mecanismos são adaptados. Os autores destacam a importância de se estudar esses mecanismos e os procedimentos utilizados pelos doadores, principalmente o Banco Mundial, para a coordenação de processos de
  • 15. 4 formulação de políticas nessas situações e colocam bastante ênfase na necessidade de se aprofundar os estudos nessa área, pois a partir desses processos o apoio à reconstrução do sistema de saúde pode ter maior ou menor transparência e os resultados podem ser mais ou menos efetivos. Assinala-se ainda a importância das análises técnicas sobre as intervenções no campo da saúde em complexas situações (de emergência ou de pós- conflito), uma vez que a ampliação do conhecimento e do debate sobre esse assunto pode ajudar a entender melhor o papel da ajuda internacional e a função de alavanca que os atores internacionais podem exercer nessas situações, com maior ou menor coerência. Esta pesquisa partiu da reflexão sobre minha atuação como assessor do Ministério da Saúde do Timor Leste, durante o ano de 2002. Meu contrato de trabalho foi financiado por fundos fiduciários do Banco Mundial para o Timor Leste e previa apoio técnico para a implantação de equipes distritais de saúde em três de um total de treze distritos. Esse trabalho consistia em apoiar a equipe local em diferentes aspectos da gestão, que incluíam a prestação de serviços e as atividades essenciais de saúde desenvolvidos por centros e postos comunitários. Além disso, deveria também assessorar a equipe distrital na elaboração de um plano distrital de saúde com base no primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, elaborado pelo Ministério da Saúde e publicado em maio de 2002. Participava também das reuniões de coordenação promovidas pelas missões técnicas, durante as quais se discutiam as propostas e ações para a reabilitação do setor saúde. A minha participação no processo de elaboração desses planos esteve sempre orientada pela minha formação em saúde pública, pelo meu trabalho com programas de atenção à mulher e à criança, com a área de educação em saúde e com alguma formação no campo da antropologia, assim como pela minha experiência prévia como consultor ou assessor internacional na área de saúde em outros países − fui responsável pela atenção à saúde da criança na República de Cabo Verde, em 1984; pelo programa nacional de vacinação da Guiné Bissau (de 1989 a 1992) e do Afeganistão (de 1992 a 1995). Estes precedentes foram cruciais na escolha do meu objeto de estudo, assim como nos questionamentos levantados e no enfoque metodológico adotado para estudá-los. Chamava-me muito a atenção a presença, no Timor Leste, de uma enorme quantidade de funcionários internacionais e a maioria deles, diferentemente dos habitantes locais, quase não circulava a pé pelas ruas, mas em carros novos pertencentes às suas organizações internacionais e, muitas vezes, conduzidos por motoristas
  • 16. 5 timorenses; vivia em hotéis e comia apenas em quatro ou cinco restaurantes que tinham cozinha internacional. A importância das organizações internacionais no país, assim como do aparato militar, era inegável. Esses técnicos estrangeiros, que deveriam apoiar a construção de uma estrutura administrativa nacional, pareciam-me alheios à realidade e possibilidades locais. Essas inquietações nutriram a minha reflexão e ajudaram a recortar meu objeto de estudo, pois a formulação de políticas para reabilitar o sistema de saúde em situações de carência extrema, como a do Timor Leste, é um processo intenso e difícil, onde distintos atores, nacionais e internacionais se entrelaçam, a partir de bagagens (sociais, políticas, culturais e profissionais) muito distintas, e sua inserção nos processos locais também são muito peculiares. Além disso, são inúmeras as variáveis que se articulam e interferem umas nas outras nessa dinâmica. O propósito deste estudo foi, então, explorar a complexidade das relações que envolvem diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste, como parte da dinâmica de reabilitação do sistema de saúde, durante o período pós-conflito em que esse país esteve sob a administração transitória das Nações Unidas, de 1999 a 2002. Tem como seu objetivo geral agregar elementos explicativos à compreensão da influência do assessoramento técnico das agências internacionais e de seus mecanismos de financiamento nos processos de formulação de políticas nacionais de saúde em situações pós-conflito, a partir do estudo de caso do Timor Leste. Especificamente, procurou-se compreender e analisar: 1) os modos de exercício de poder no setor saúde, durante a administração transitória das Nações Unidas; 2) como o poder dos diferentes atores, nacionais e internacionais, influenciou a criação de espaços de autoridade setorial; 3) os papéis que os diferentes atores desempenharam no processo de formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste; 4) como foram identificadas as prioridades nacionais; 5) que arranjos foram pactuados e compartilhados para garantir a efetividade da proposta; e 6) que mecanismos de coordenação foram utilizados e se houve indução ou incorporação de idéias na formulação do documento. A investigação realizada procurou demonstrar a hipótese de que a cooperação técnica internacional realizada em situações particulares, como as de pós- conflito, se configura como uma situação política, onde a indução externa e a aceitação doméstica se articulam, permeadas por distintos interesses, mas em função de fortalecer os respectivos recursos de poder dos diferentes atores envolvidos.
  • 17. 6 O tema da formulação de políticas tem sido relativamente pouco explorado pela área da saúde pública e o estudo de situações de conflito e pós-conflito é bastante estudado na área das relações internacionais. Entretanto, são poucos os estudos que integram essas duas áreas de estudo. O trabalho que se apresenta pretende contribuir para o debate entre saúde e relações internacionais, procurando articular conhecimentos dessas duas áreas. Ainda são poucos os estudos no Brasil com este objetivo. Para entender a dinâmica da ajuda externa para reabilitação do setor saúde no Timor Leste, assim como a coordenação política transitória aí instalada, esta pesquisa priorizou um enfoque histórico baseado na contextualização de diferentes fatos e acontecimentos com ênfase no que caracterizava as relações que se estabeleceram entre diferentes atores, nacionais e internacionais, nesse processo. Procuramos encontrar uma perspectiva que permitisse compreender algumas concepções, práticas e estratégias envolvidas no encontro e na relação entre esses atores, a partir da análise do seu papel na formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste. O primeiro capítulo apresenta e discute as bases teóricas e metodológicas que orientaram a pesquisa e justifica a escolha da abordagem qualitativa e do estudo de caso único para a análise do objeto em estudo. O fato do autor deste estudo ter trabalhado com seu objeto de análise levou a que se relativizasse o diálogo entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto, em vez de negá-lo ou querer excluí-lo do processo de análise. A decisão por estudar a formulação da primeira estrutura de política de saúde do Timor Leste, a partir da relação entre os diferentes atores envolvidos, refletiu, de certa maneira, o interesse do sujeito, nascido de um „conhecimento‟ de campo, mas que, ao tornar-se um objeto de pesquisa exigiu um distanciamento que permitisse, a partir de dados documentais, analisá-lo empiricamente. Foram definidas diferentes categorias e subcategorias de análise permeadas por três condições: conflito e pós- conflito, transitoriedade e formulação de políticas de saúde. O Capítulo 2 dedica-se a compreender o contexto histórico onde se insere o objeto do estudo e que precede a atividade dos atores a serem analisados. Foram valorizados os processos de construção de estruturas de autoridade dos diferentes atores, principalmente dos atores nacionais a partir da formação de suas representações políticas, assim como de organização do movimento de resistência contra a dominação indonésia. O período de transitoriedade, em que as Nações Unidas administraram o território timorense, foi investigado procurando entender as relações de poder que se
  • 18. 7 estabeleceram entre os diferentes atores, nacionais e internacionais, e os meios do exercício e jogo de poder, pretendendo compreender como se instalou a assistência técnica nesse contexto, assim como o seu papel na reconstrução do país. A transitoriedade é analisada nesta pesquisa como fator limitante das atitudes e ações dos diferentes atores envolvidos no estudo: as Nações Unidas, o Banco Mundial e os diferentes grupos políticos timorenses. No Timor Leste, as Nações Unidas, além das operações de manutenção da paz, também desenvolveram atividades de governo, assumindo para isso, temporariamente, poderes de decisão política que compreendiam tarefas complexas de coordenação de diferentes atores e de disputas políticas, nacionais e internacionais, tanto internas às instituições quanto entre elas. Por sua vez, o Banco Mundial, responsável por afiançar doações e alocações de recursos para a reconstrução do Timor Leste, coordenou, a partir da assistência técnica, a elaboração e implantação dos projetos de reabilitação de oito setores diferentes, entre eles a saúde. A partir da esfera de atuação dessas duas organizações internacionais é que se estabelece o eixo de relação entre os atores internacionais e os nacionais. Foram criadas esferas de governo co-participativas, de onde surgiram as primeiras instâncias de autoridade nacional do setor saúde no Timor Leste, em parceria com as Nações Unidas – a Autoridade Interina em Saúde e, posteriormente, o Ministério da Saúde – que criaram as bases para se reconstruir o sistema de saúde do país. O Capítulo 3 apresenta os resultados do trabalho de campo da pesquisa. Está estruturado na perspectiva de compreender porque e como surgiu a idéia de formulação do primeiro documento propositivo da política de saúde do Timor Leste e quais os principais atores que participaram no processo. Foi o Banco Mundial que coordenou todo o processo de reabilitação do setor saúde timorense e sua atuação se respaldou em sua experiência acumulada, durante mais de uma década, seja em atuações concretas, seja na produção de estudos e documentos sobre políticas de saúde e situação pós- conflito para os países em desenvolvimento. No Timor Leste essa coordenação se fez a partir de duas instâncias interligadas, as missões conjuntas de avaliação e as reuniões de doadores, que aconteciam sucessivamente a cada seis meses e que monitoravam de perto o andamento dos projetos de reabilitação para o setor. Os timorenses já haviam iniciado uma discussão sobre suas políticas setoriais antes mesmo da realização do referendo. Entretanto, foi durante o período de transitoriedade da administração das Nações Unidas que a idéia da elaboração de uma política de saúde surge pela primeira vez, durante a primeira missão de avaliação, e é incorporada no projeto de reabilitação do setor, cobrada em todas as reuniões de doadores.
  • 19. 8 Foi também apresentada, nesse capítulo, a estrutura do documento propositivo e seus elementos mais relevantes. O documento foi montado a partir de diferentes relatórios relativos a seis subgrupos temáticos de trabalho e deu mais ênfase na organização e gestão do setor saúde no país. Esta foi a sessão do documento em que se discriminou diferentes atividades no âmbito do sistema de saúde, ressaltando a oferta de pacotes mínimos de serviço de saúde por nível de atenção. O documento também abriu espaço para a possibilidade de se experimentar iniciativas de parceria público- privado no setor saúde. A ênfase na análise do documento está posta no próprio processo de sua elaboração e de assimilação, pelas contrapartes nacionais. Pode-se dizer que o primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste não foi um documento ideal, mas o documento possível naquele momento e, mais que isso, foi o cumprimento de um compromisso assumido pela contraparte timorense aos acordos internacionais. Embora não diga exatamente o que o Ministério deve implantar, como, onde e por quem, é um documento que apresenta sugestões que orientam em determinada direção. O capítulo 4 apresenta uma discussão dos resultados da pesquisa. Analisa o início do processo de formulação da proposta de política de saúde para o Timor Leste, em que instâncias de negociação desse documento e formas de consulta, monitoramento e participação, utilizadas na sua formulação, funcionaram como condicionantes, seja da participação dos diferentes atores, seja do seu conteúdo. Discute-se o envolvimento dos distintos atores, nacionais e internacionais, nesse processo. Procurou-se analisar o papel da construção de capacidades, tanto a partir da assistência técnica quanto dos treinamentos, e como a dificuldade de interação entre nacionais e internacionais pode, muitas vezes, levar a dificuldades operacionais importantes. Entretanto, devido à situação peculiar do Timor Leste, de extrema fragilidade e baixa capacidade local de implantação, foi também analisada a importância das organizações internacionais no reforço da assistência técnica para não só apoiar a elaboração e gestão dos projetos de reconstrução e desenvolvimento para o país, que incluía a formulação de políticas setoriais, mas também cumprir com os prazos estabelecidos para certas condicionalidades contratuais dos doadores. A análise do processo de formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste possibilitou evidenciar a relação dialética entre os doadores e os receptores da ajuda externa, mediada pelas organizações internacionais a partir de mecanismos de cooperação técnica.
  • 20. 9 CAPÍTULO 1 METODOLOGIA A participação de diferentes atores no processo de formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, no período de 1999 a 2002, durante a administração temporária das Nações Unidas naquele país, numa situação pós-conflito, foi estudada utilizando uma abordagem metodológica qualitativa, sistematizada e desenvolvida como um estudo de caso. Para o levantamento de informações foi efetuada extensa pesquisa bibliográfica e uma análise documental. A escolha dessa abordagem também levou em conta a minha participação como ator no processo em estudo. Embora essa participação não tenha sido considerada na perspectiva da técnica da observação participante, não pôde ser menosprezada no desenvolvimento da investigação e colocou um desafio adicional: a delimitação sujeito- objeto, entre o fenômeno observado e o observador-pesquisador que, ao mesmo tempo, é parte do fenômeno, mas tem que se colocar externo a ele para poder observá-lo novamente, com outro olhar, a partir de outro ponto de vista. A opção por estudar esse assunto específico, embutido num caso particular, ex post facto, e do qual participei como profissional e não como pesquisador, demandou utilizar um conjunto de informações sobre fatos, eventos e organizações já disponíveis, ao qual foi necessário dar um tratamento analítico, buscando extrair espaço para objetivar reflexões, pois não era possível retornar ao campo como pesquisador. A compreensão de um objeto histórico pela lente das ciências sociais tem, segundo Minayo10 e outros autores11,12 , um caráter essencialmente qualitativo. A escolha dessa abordagem para compreender e analisar o objeto desta investigação se justificou com apoio dessa autora, que defende um exercício de “empiria e sistematização progressiva do conhecimento na compreensão da lógica interna do processo em estudo” (p. 57). Esse processo incorpora elementos que auxiliam a descrição de grupos, instituições, organizações e fenômenos a eles relacionados e podem ajudar a explicar „comos‟ e „porquês‟ na identificação de redes de causalidade em relação ao fenômeno estudado ou de fatores que o influenciam. A investigação do papel de diferentes atores em fenômenos sociais vem sendo utilizada por alguns autores, como Walt et al.13 e Varvasovzky e Brugha14 , entre outros10,15 , para analisar políticas de saúde. Para Varvasovzky e Brugha14 , o estudo dos atores é considerado como:
  • 21. 10 ... uma abordagem, um instrumento ou conjunto de instrumentos que pode gerar conhecimentos sobre os atores, indivíduos ou organizações, assim como ajudar a entender seus comportamentos, intenções, inter-relações e interesses; e para avaliar a influência e os recursos (utilizados ou não) que, de alguma forma, afetam os processos decisórios e de implantação de políticas. 5 (p. 338) Nesse sentido, para Reed et al.16 , no âmbito dos fenômenos político-sociais, atores sociais seriam tanto “aqueles que influem quanto aqueles que são influenciados por decisões ou ações” (p. 1934). A opção pelo estudo de caso se deu pelo próprio objeto da investigação. Para Gil17 , os estudos de caso são úteis para proporcionar uma visão mais clara do objeto e para dar explicações acerca de fatos e fenômenos pouco conhecidos, a partir da identificação de “mecanismos geradores, capazes de produzir eventos sob determinadas condições” (p. 15). Goode & Hatt (apud Minayo10 ) reforçam a justificativa dessa escolha ao afirmarem que os estudos de caso são “um meio de organizar dados sociais, preservando o caráter unitário do objeto social estudado” (p. 164), resguardando a intensidade da observação direta sobre o objeto. Para Minayo10 , metodologicamente os estudos de caso podem ajudar a evidenciar: a) ligações causais entre intervenções e situações da vida real, b) contextos em que uma ação ou intervenção ocorreu ou ocorre, c) rumos de um processo em curso, e d) maneiras de interpretá-lo e de analisar o sentido e relevância de algumas situações- chave nos resultados de uma intervenção. Para a autora, os estudos de caso ajudam a compreender os esquemas de referência e as estruturas de relevância relacionadas ao evento ou fenômeno e permitem o exame detalhado de processos organizacionais ou relacionais para esclarecer fatores que interferem em determinados processos. Além disso, podem apresentar modelos de análise replicáveis em situações semelhantes e até possibilitar comparações. A pesquisa bibliográfica, utilizada como técnica para apoiar o levantamento de dados e o exercício descritivo e interpretativo dos fenômenos estudados, ressaltou a contextualização histórica e fatores relevantes que contribuíram para a análise de algumas intervenções propostas para a área da saúde. A análise documental, por sua vez, foi a técnica escolhida para o exercício de interpretação e análise do objeto de estudo, no sentido de corroborar ou não a hipótese de pesquisa. Essa escolha levou em conta a amplitude do conceito de documento, mencionada por Gil17 e Minayo10 . Denominou-se documento os textos
  • 22. 11 administrativos e as publicações tanto do governo como das organizações, nacionais e internacionais, assim como relatórios institucionais diretamente relacionados ao objeto da pesquisa, no período em estudo. Esses documentos escritos podiam ser publicados (em papel ou pela internet) ou não. E os documentos não publicados são aqueles que foram coletados localmente, com autorização das autoridades governamentais ou institucionais. Segundo Gil17 , a análise documental busca extrair informações que tenham sentido e valor, de forma a contribuir para o debate científico sobre o tema. Para Yin18 , estudos de caso moldados a partir da interpretação e análise documental, que se debruçam sobre fenômenos contemporâneos e procuram compreendê-los a partir do estudo de significados, são consideradas investigações empíricas, precisam ser bem contextualizados e ter rigoroso tratamento metodológico. Ou seja, são estudos empíricos sobre histórias contemporâneas dentro de seu contexto, como reitera Gil17 . Portanto, a consulta às fontes documentais “é imprescindível em qualquer estudo de caso”17 (p. 76) que envolva a contextualização histórica e a necessidade de informações sobre organizações e instituições. A contextualização do fenômeno a ser estudado foi, assim, uma necessidade analítica nesta investigação, dada a construção histórica do objeto. Foi fundamental compreender tanto os contextos em que surgiram os diferentes atores na cena timorense quanto as conjunturas em que ocorreram as suas ações e intervenções no processo de formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste em 2002. Como afirma Gil17 , “não há como separar o fenômeno de seu contexto” (p. 15). Artigos têm mostrado que a contextualização histórica na análise de casos tem sido importante para o desenvolvimento de modelos e estratégias no estudo de diferentes processos de reabilitação do sistema de saúde e de desenvolvimento de políticas de saúde em países que vivem situações pós-conflito6,8,9,15,19 . O contexto em que se insere a formulação de uma política de saúde é fundamentalmente marcado por relações sociais entre indivíduos e sociedades e essas relações criam suas próprias estruturas e significados, mesclando realidades e ideologias que geram os diferentes discursos de distintos atores sociais. Apoiando-se nas propostas metodológicas de Minayo10 e Fairclough20 os documentos selecionados foram analisados seguindo um “quadro tridimensional que incluiu tanto o texto quanto a prática discursiva e a prática social” (p. 89) dos diferentes atores.
  • 23. 12 Entretanto, como proceder quando o pesquisador foi ator do processo analisado? 1. Subjetividade e objetividade O questionamento da objetividade versus subjetividade é muito comum nos estudos nas ciências sociais e tem sido muito vivenciado pelos pesquisadores do campo da saúde coletiva. O conhecimento científico no campo da saúde lida com objetos de estudos complexos que abrangem tanto a área biomédica como a das relações sociais. Segundo Minayo10 : ... a área da saúde abrange uma objetividade com a espessura que tem a vida, por onde passa o econômico, o político, o religioso, o simbólico e o imaginário, sendo o „lócus‟ onde se articulam conflitos e concessões, tradições e mudanças, e onde tudo ganha sentido, ou sentidos. (p. 31) Portanto, as ciências da saúde formam um campo multidisciplinar que abrange diferentes instâncias de interpretação da realidade. O objetivo desta investigação levanta questões referentes à ações de seres humanos e de como estes se relacionam entre si como sujeitos históricos condicionados por diferentes determinantes. Portanto, embora focado em questões peculiares da área da saúde, este estudo se baseou em métodos e técnicas das ciências sociais, na perspectiva de contribuir para a contextualização do seu objeto de forma crítica e lançar sobre ele um olhar que permitisse interpretá-lo e analisá-lo como prática social na área da saúde. Gadamer (apud Lawn21 ) compara o encontro entre um trabalho de arte e o seu observador com a relação entre um objeto científico e o pesquisador na construção do conhecimento. Para o autor, tanto a „verdade‟ da arte como a „verdade‟ da ciência é fruto essencialmente do diálogo que entre eles, objeto e sujeito, se estabelece. Ou melhor, o que se estabelece é o diálogo entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto. A possibilidade de comunicação do que se depreende deste diálogo é que gera novas possibilidades dialógicas entre diferentes sujeitos. Em outra clave analítica, Demo16 , citando Habermas, também assume essa „espiral‟ de raciocínio ao afirmar que um dos critérios inerentes à ciência é a “discutibilidade, ou seja, só é científico o que é discutível” (p. 26).
  • 24. 13 Essa possibilidade da discussão esbarra em outro argumento, defendido por Gil17 , para quem o conhecimento científico deve ser „objetivo‟, isto é, compreensível por qualquer pessoa. Essa possibilidade de proporcionar compreensão ampla e ser, ao mesmo tempo discutível e objetivável, é uma das maiores preocupações metodológicas, pois implica na escolha cuidadosa pelo pesquisador de métodos e técnicas adequados para a coleta de dados e a análise dos resultados da pesquisa. São esses métodos e técnicas que ajudam o pesquisador a “sair” de si mesmo e conseguir condições para elaborar uma análise replicável e passível de averiguação. Para Minayo10 , as ciências sociais propõem a “subjetividade como fundante de sentido e defende-a como constitutiva do social e inerente ao entendimento objetivo” (p. 24) na explicação das relações sociais. Ao reconhecer, criticamente, que todo sujeito é um sujeito ideológico, a pesquisa social prega que é necessário, portanto, controlar a intenção na observação da realidade do objeto, embora seja impossível eliminá-la. Esse controle está, por conseguinte, na construção metodológica desse olhar. A própria autora diz que, sendo “o universo das investigações qualitativas o cotidiano e as experiências do senso comum, essas informações devem ser coletadas, interpretadas e re-interpretadas levando em conta os sujeitos que a vivenciam” (p. 24). Segundo ela, embora “não seja possível ver a realidade sem um ponto de vista, sem um ponto de partida, e esse ponto é sempre do sujeito e não da realidade” (p. 30), ao final, o que “importa para o objeto são os princípios de sua relação com a realidade” (p. 22). Assim é que Demo22 , ancorado em Habermas, diz que é necessário não confundir o plano da lógica (pensar) com o da ontologia (realidade pensada). Nesse sentido, para esse autor, a ciência deve trabalhar com uma “realidade construída” (p. 28), uma vez que os conceitos científicos não são pré-existentes à realidade, mas sim construídos pelos sujeitos. Desta forma, a ciência é só uma das maneiras de se ver a realidade, não a única, e o objeto científico, assim como a arte, necessita de alguém que o elabore, à medida que conceitos científicos são construções humanas sobre a realidade. Portanto, o “objeto construído”22 (p. 28) significa uma relação diferente entre sujeito e objeto, que começa com um movimento de problematização e se amplia na perspectiva do diálogo, do confronto, entre os dois. Como o objeto construído coloca sujeito e objeto na mesma realidade, Demo22 sugere substituir uma postura „neutra‟ de objetividade por uma posição mais clara de “objetivação” (p. 28). Ou seja, é importante, na análise do objeto, controlar as ideias já existentes no sujeito e que podem camuflar o
  • 25. 14 fato de que, fazendo parte do sujeito também fazem parte da cena, correndo o risco de se “fazer da atividade científica uma produção inventada da realidade” (p. 28). Para esta investigação, os significados da subjetividade são importantes. Segundo as argumentações levantadas por Minayo10 sobre a “intersubjetividade” (p. 147), todo pesquisador recebe conhecimentos prévios ao seu encontro com a realidade do objeto a ser analisado, que caracterizam sua visão de mundo, seu universo vivencial, e que influenciam na construção da sua reflexão, pois, segundo ela, é impossível existir um conhecimento objetivo externo aos sujeitos. Já o entendimento do que seria “intrasubjetividade” se apóia em Fairclough20 quando diz que “o pesquisador não está acima da prática social que analisa, mas dentro dela” (p. 246). Portanto, ao se defrontar com o seu objeto o pesquisador também passa a ser objeto do objeto, a medida que carrega consigo significados e significações pré-existentes. Além disso, Fairclough20 nos lembra que “uma pesquisa também leva à produção de textos que são socialmente distribuídos e consumidos por outros textos, e que o discurso da análise é como qualquer outro discurso, um modo de prática social” (p. 246), criando o que o autor chama de inter-textos, que circulam e dão subsidio àquilo que Demo22 chamou de discussão ou discutibilidade inerente ao objeto científico. Nos estudos sobre políticas de saúde é importante que o pesquisador reconheça sua posição como observador. Muitas vezes, esse observador é parte da própria realidade observada e deve, portanto, perceber o que e como essa subjetivação molda suas interpretações e análises. Uma pesquisa que se relaciona com estruturas sociais também se posiciona em relação a elas e às relações sociais que engendram e, portanto, passa também a ser investida de ideologia e posicionamento político. Ao examinar diversas pesquisas sobre políticas de saúde, Walt et al.13 observam que muitos pesquisadores raramente refletem sobre como suas experiências moldam a construção do seu objeto, suas interpretações e conclusões. Entretanto, é necessário que o pesquisador, apesar de sua posição privilegiada, adote um caminho de objetividade, ou seja, utilize abordagens sólidas do ponto de vista teórico e metodológico que permitam ao leitor saber de que ponto parte a observação e o que ela se propõe a contextualizar, assim como entender as interações e argumentações do estudo. 2. O levantamento bibliográfico para a revisão da literatura A revisão bibliográfica é essencial em qualquer estudo que busque atualizar contribuições científicas sobre um determinado assunto, tema ou problema. Gil23 a
  • 26. 15 define como aquela que cobre textos relevantes já publicizados em relação ao tema de estudo (livros, publicações avulsas, publicações periódicas – boletins, jornais, revistas – pesquisas, monografias e teses, entre outros), sendo utilizada, segundo Raupp e Beuren24 , para reunir conhecimentos sobre a temática em pauta. Lima e Mioto25 reconhecem na revisão bibliográfica uma etapa necessária para a realização de toda e qualquer pesquisa, mas a diferenciam da pesquisa bibliográfica que “implica um conjunto ordenado de procedimentos de busca e soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório” (p. 38). Para Gil23 , a principal vantagem da pesquisa bibliográfica está no fato de permitir ao pesquisador a cobertura de uma gama maior de fenômenos do que aquela que ele poderia pesquisar diretamente, principalmente quando os dados estão dispersos. Em relação a estudos que se inserem historicamente no tempo, a pesquisa bibliográfica é indispensável para se conhecer os fatos passados. Porém, para se realizar esse tipo de pesquisa tem-se que tomar alguns cuidados. Por exemplo, o autor chama a atenção para a utilização indiscriminada de dados e informações secundárias não fidedignas ou equivocadas, daí a importância do cuidado na escolha das fontes e na montagem do banco de dados. Para esta investigação, utiliza-se a revisão bibliográfica tanto para um levantamento exploratório inicial quanto para uma contextualização histórica crítica, consistente, para dar desse apoio à análise efetuada. A formação do Estado e da nação timorense é um fenômeno relativamente recente, mas bem documentado, com farto material disponível para consulta. A pesquisa bibliográfica foi efetuada em várias etapas, realizadas nos bancos de dados MEDLINE e PubMed, para artigos em inglês, e LILACS para artigos em português e espanhol. Foram também revisados os editores de informação científica SCIELO e Google Acadêmico. Num primeiro momento, procurou-se estreitar o foco em relação ao tema da pesquisa: o processo de formulação do primeiro documento propositivo de estruturação da política nacional de saúde num país em situação pós- conflito administrado transitoriamente pelas Nações Unidas que, no caso, era especificamente o Timor Leste. Esta necessidade de focar o tema levou a uma nova etapa de revisão bibliográfica, mais curta e dirigida, o que fez, obviamente, surgirem novas conexões de descritores importantes para a pesquisa, dentre os quais se destacam: situação pós-conflito, reconstrução pós-conflito, administração transitória, reabilitação de sistemas de saúde. A seguir, realizou-se um levantamento de informações
  • 27. 16 bibliográficas do período 2000-2008 utilizando-se o cruzamento de dois descritores – formulação de políticas de saúde e agências internacionais. Nesta etapa do levantamento foram utilizados como critérios de exclusão: bibliografia duplicada, publicações que tratavam a política de saúde a partir de pontos de vista temáticos (um tipo de doença, ou habito de vida, por exemplo), referências sem texto integral, editoriais, referências sem data ou autor. Posteriormente, foram definidos novos descritores para ampliar a busca, introduzidos isoladamente ou em conexões, sendo os mais importantes: reforma do setor saúde, globalização, saúde global, desenvolvimento, desenvolvimento humano, construção de capacidades, ajuda internacional, cooperação internacional e bem público. Esse exercício de pesquisa bibliográfica possibilitou uma coleta em torno de 330 publicações, que foram organizadas de forma a facilitar a análise. A partir de uma leitura exploratória inicial e do fichamento de todo material bibliográfico levantado, foi feita uma primeira ordenação dos textos por temas afins, resultando quatro grupos temáticos: 1) situação pós-conflito, administração transitória pós-conflito, reconstrução e reabilitação pós-conflito; 2) financiamento internacional, ajuda internacional, assistência técnica internacional, cooperação internacional; 3) desenvolvimento, desenvolvimento humano, desenvolvimento e construção de capacidades; 4) saúde internacional, saúde global, reconstrução e reabilitação de sistemas de saúde, reforma do setor saúde, bem público internacional. Um quinto grupo ordenava os textos e artigos específicos sobre o Timor Leste, principalmente sobre os aspectos descritivos e históricos que possibilitavam não só a contextualização do objeto da pesquisa, mas permitiam uma melhor compreensão sobre os diferentes atores, nacionais e internacionais, que atuaram no país no período em estudo. Este quinto grupo de material bibliográfico foi formado tanto a partir de uma reordenação dos quatro grupos anteriores quanto de novas buscas específicas sobre o tema. 3. A análise documental Segundo Pimentel26 , “estudos baseados em documentos como material primordial extraem deles toda a análise, organizando-os e interpretando-os segundo os objetivos da investigação proposta” (p. 180). Os documentos para esta pesquisa foram
  • 28. 17 coletados a partir de fontes institucionais relacionadas aos principais atores envolvidos no processo de formulação da política nacional de saúde do Timor Leste. Para Gil23 , a análise documental assemelha-se muito à revisão bibliográfica, diferenciando-se dela, entretanto, principalmente pela natureza do material, ou seja, é centrada em textos que não receberam tratamento analítico. O autor aponta diversas vantagens da análise documental, com as quais temos forte concordância. A primeira delas é que documentos subsistem ao longo do tempo e, portanto, constituem uma fonte rica e estável de dados, principalmente se a pesquisa requer análise histórica ou contextualização de fenômenos. Outras duas vantagens da pesquisa documental dizem respeito aos limites financeiros e de tempo do pesquisador. O custo de uma pesquisa documental é mais baixo e se o prazo da pesquisa é curto, a pouca necessidade de deslocamentos é uma vantagem relativa. No caso desta pesquisa retornar ao Timor Leste, localizado no sudeste asiático, estava fora de questão, tanto pelos prazos impostos pelo doutorado como pela falta de financiamento para a pesquisa. Por outro lado, essa impossibilidade foi parcialmente compensada pela vivência do autor no país durante o período em estudo, ainda que faltassem dados fundamentais para aprofundar a reflexão sobre essa sua experiência especifica. Contudo, Gillham27 refere algumas críticas às pesquisas que utilizam tanto o estudo de caso como a análise documental. Dentre elas, a mais frequente, e que julgamos necessário contrapor, é a questão da não representatividade, seja do estudo de caso único, seja dos documentos selecionados. A crítica do autor sobre a representatividade da análise documental é legitima e baseia-se no questionamento da quantidade e qualidade dos documentos a serem analisados. Entretanto, o estudo de caso justifica-se pela sua adequação metodológica em relação ao tipo de objeto a ser estudado e por “possibilitar estudar um fenômeno em pleno processo”17 (p. 21), permitindo verificar eventuais mudanças e associá-las a determinados fatores. Por outro lado, a opção pela análise documental levou em consideração a argumentação de Pimentel26 , para quem o “destaque na análise documental é o tratamento metodológico dado aos documentos” (p. 180). É, pois, através desse tratamento, orientado pelo problema proposto, que “se estabelece uma montagem de peças, como num quebra-cabeça”26 (p. 180). Minayo10 apresenta três modalidades de análise na pesquisa documental: 1) a análise de conteúdo; 2) a análise de discurso e 3) a análise hermenêutica-dialética. A análise do conteúdo expressaria o levantamento e tratamento geral dos dados e elementos explícitos do texto de forma qualitativa, enquanto a análise do discurso
  • 29. 18 trabalharia a construção do texto (forma, estilo, significados, entre outros), seu contexto e até mesmo sua relação com outros textos. Entretanto, para a autora a análise hermenêutica-dialética superaria “o formalismo das análises de conteúdo e de discurso” (p. 301). Foi Gadamer28 que, contestando o racionalismo científico dos anos de 1970, voltou-se ao desenvolvimento da idéia de que todo entendimento humano pressupõe uma dimensão „hermenêutica‟, ou seja, uma interpretação, definindo a arte da interpretação como uma forma de conhecimento. A dialética, “como a arte do estranhamento e da crítica”10 (p. 337), tem suas origens no pensamento de Hegel, tendo sido trabalhada por Marx e Engels entre outros, para quem toda realidade engendra em si mesma a sua transformação. Segundo Minayo10 , a dialética é importante na abordagem de situações que procuram: ... desvendar relações múltiplas e diversificadas das coisas entre si; explicar o desenvolvimento do fenômeno dentro de sua própria lógica; evidenciar a contradição interna no interior do fenômeno; compreender o movimento de unidade dos contrários; trabalhar com a unidade da análise e da síntese numa totalização das partes; co-relacionar as atividades e as relações. (p. 340) Portanto, ao propor uma técnica para a análise documental, Minayo10 entende que a hermenêutica oferece, a partir da linguagem, “um terreno comum de realização da intersubjetividade e do entendimento” (p. 343) sedimentando o caminho de um processo científico que busca: a) identificar as diferenças e semelhanças entre o contexto, o texto e o investigador; b) explorar as definições de situação dos textos, cabendo ao pesquisador desvendá-las e compreendê-las; c) compartilhar, como sujeito da pesquisa, o mundo observado e a partir daí perguntar “porquês” e “sob que condições”; d) apoiar-se no contexto histórico para refletir sobre determinada realidade, pressupondo que sujeito e objeto são expressões de seu tempo e espaço cultural. Já a dialética fornece as bases para uma atitude crítica e analítica ao considerar que não há ponto de vista ou entendimento fora da história, que nada é eterno, fixo ou absoluto e que nem as instituições, as idéias e as categorias são estáticas e imutáveis. Em outras palavras: a) cada coisa é um processo, que contém em si um passado embora esteja em plena realização; b) há um encadeamento nos processos, que ocorre em forma espiral e não linear ou circular; e c) cada coisa traz em si sua contradição, pois tudo que se concretiza é apenas um momento1 (p. 341).
  • 30. 19 Fairclough20 também procura um caminho para a análise do discurso, articulando análise linguística e teoria social. Para ele, uma simples análise de conteúdo corre o risco de se restringir a um exercício meramente descritivo, enquanto a análise da prática discursiva e das práticas sociais, da qual o discurso faz parte, é que levaria a um exercício mais profundo de interpretação. Fairclough20 trabalha com uma perspectiva de “teoria social do discurso” (p. 89). Esta perspectiva advém da constatação de que “a constituição discursiva da sociedade não emana de um jogo livre de idéias [...], mas de uma prática social que está enraizada em estruturas sociais materiais concretas, orientando-se para elas”20 (p. 93). Ao utilizar o termo discurso o autor propõe “considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais” (p. 90). Essa abordagem teria implicações: em primeiro lugar, o discurso seria um modo de ação das pessoas agirem sobre o mundo e uma forma de representação; e, em segundo, numa relação dialética entre discurso e estrutura social, esta última “é tanto uma condição como um efeito do primeiro” (p. 91). Nesse sentido, para Fairclough20 “o discurso seria uma prática [...] de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significados” (p. 91). Para operacionalizar sua teoria social do discurso, Fairclough20 propõe reunir três tradições analíticas, construindo uma análise tridimensional do discurso, que utilizaria o seguinte procedimento: 1) análise textual do discurso, empregando técnicas descritivas; 2) análise da prática discursiva, empregando técnicas interpretativas que permitam compreender como membros de comunidades sociais produzem mundos ordenáveis e explicáveis, envolvendo um processo de produção, distribuição e consumo de textos que, como processos sociocognitivos, se refletem nos discursos; e 3) uma análise social, a partir da interpretação do discurso como forma de prática social, agora moldado por estruturas sociais e relações de poder que produzem práticas sociais específicas. Neste sentido, Minayo1 se aproxima de Fairclough20 ao dizer que os indivíduos em determinada realidade pertencem a grupos, classes e segmentos diferentes e estes podem ser condicionados, simultaneamente, por um momento histórico específico, por interesses coletivos que os unam a interesses específicos que os distingam e até os contraponham. Entretanto, Fairclough20 nos lembra que “os discursos político e ideológico não são independentes um do outro” (p. 94) e, portanto, refletem práticas e ideias que “estabelecem, mantêm e transformam as relações de poder e as entidades coletivas
  • 31. 20 entre as quais existem relações de poder” (p. 94). Para ele, os sujeitos sociais também se posicionam no discurso e uma alternativa na análise do discurso é localizar a ideologia no evento discursivo, tendo em vista que um evento discursivo pode servir tanto para preservar e reproduzir relações hegemônicas tradicionais como para abrir espaço para transformá-las. Nesse sentido, o autor também utiliza a perspectiva dialética para a análise da relação entre discurso e estrutura social, ou seja, de um lado o discurso serve como reflexo da realidade social e, de outro, esse mesmo discurso pode ser a fonte de uma mudança social. Para Fairclough20 , quando expresso por instituições, organizações ou grupos particulares, o discurso pode ir além dos textos produzidos por elas e ser expresso também por “condutas” que, num certo sentido, assumem um caráter discursivo (formato de reuniões ou abordagens participativas, entre outros). Para o autor, a análise desses “discursos” na leitura de documentos, em sentido ampliado em termos de significados, deve combinar texto e interação, ou seja, os documentos devem ser analisados simultaneamente pela sua prática léxica, sua prática discursiva e sua prática social. Esta possibilidade na análise de um evento discursivo não só posiciona os sujeitos de diferentes maneiras como proporciona efeito social que, em novos contextos, podem produzir outros eventos discursivos. A análise documental realizada nesta pesquisa partiu da proposta metodológica de Minayo10 e Fairclough20 . A articulação desses dois autores e suas modalidades de análise foi importante porque possibilitou trazer elementos para lidar com questões como objetividade e subjetividade, fatos e significados, estruturas, representações e intertextualidade. Para Fairclough20 , a intertextualidade é muito importante na análise do discurso, pois parte do princípio que cada texto é o elo de uma cadeia e que os enunciados são povoados por pedaços de outros enunciados. O autor diz que um texto pode ter ou abranger diversos campos e memórias, implicando que a intertextualidade insere a história (sociedade) num texto, mas que esse texto também se insere na história. A intertextualidade pode ter elementos de concordância, contestação ou de reestruturação, pode se apresentar de forma manifesta (citação) ou constitutiva e pode reforçar o sentido do texto ou ser fonte de ambivalência. Nesse sentido, tomou-se como pressuposto que os documentos selecionados para este estudo, produzidos pelos atores envolvidos na formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde timorense, estavam permeados por representações, significados e estruturas intertextuais, carregados de conteúdo político e ideológico.
  • 32. 21 Assim, não foram privilegiadas técnicas de análise documental que dessem ênfase somente às regularidades e irregularidades dos textos, ou às sistemáticas léxicas quantitativas do conteúdo manifesto das comunicações, como caminhos da interpretação. Valorizaram-se as abordagens críticas, entendidas como modalidades de interpretação que utilizam a análise de discurso como prática social, orientada por um pensamento político e que levam em conta, além do texto, o contexto sócio-histórico dos grupos sociais em questão e o quadro de referências institucionais dos diferentes atores, colaborando para formar um quadro teórico adequado para o estudo dos processos sociais10,20 . Dessa maneira, tentou-se superar os limites impostos pela análise documental, sobretudo no caso de documentos institucionais extremamente formalizados. 3.1 A organização do banco de dados documental A primeira etapa da pesquisa documental realizada para este estudo foi buscar, por via eletrônica, sites abertos das organizações nacionais e internacionais que haviam atuado no Timor Leste no período estudado. Esta busca foi realizada nos sites das Nações Unidas, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI), assim como de organizações bilaterais de desenvolvimento (AID- Austrália e DFID-Reino Unido) e organizações não governamentais que atuaram no país ou desenvolveram estudos sobre o Timor Leste (La‟o Hamutuk, HealthNet International, Columbia University, entre outras). Foi também feita uma busca de documentos junto ao Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, cujo banco de dados, organizado para suporte aos trabalhos de pesquisa de tese de doutorado, incluía material sobre o Timor Leste e foi, gentilmente, disponibilizado pela instituição para esta pesquisa. Como essas fontes eram de informações institucionais, o único descritor utilizado foi Timor Leste. A coleta do material visou documentos escritos entre 1999 e 2002. Procurou-se focar o processo de reconstrução e reabilitação dos serviços públicos naquele país, com atenção para a área da saúde, utilizando-se como critério de seleção os documentos que respondessem aos objetivos da pesquisa: a) documentos produzidos por diferentes atores, organizações e instituições (nacionais e internacionais), vinculados à formulação da política nacional de saúde do Timor Leste, e b) documentos voltados para a formulação de uma proposta de política nacional de saúde para o país
  • 33. 22 como parte do processo de reabilitação do sistema de saúde timorense. Ao todo foram coletados cerca de 200 documentos. A primeira etapa de organização foi separar os documentos coletados por fonte de informação. Cada documento foi fichado com a referência completa e o resumo de seu conteúdo temático. Essas fichas foram a base da segunda rodada de organização do material coletado. Esse trabalho deu origem a um novo conjunto de documentos, reagrupados em seis subconjuntos, segundo o cruzamento entre fonte de informação e conteúdo temático dos textos: 1º subconjunto: Relatórios e decretos do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativos ao Timor (1999-2002); 2º subconjunto: Textos administrativos de governação e gestão da função pública no governo provisório do Timor Leste (UNTAET e ETTA), de 1999 a 2002; 3º subconjunto: Documentos-base do primeiro governo timorense: Constituição da RDTL, Relatório do Estado da Nação Timorense, Plano Nacional de Desenvolvimento, Timor Leste 2020: Nossa Nação, Nosso Futuro; 4º subconjunto: Estrutura da Política de Saúde do Timor Leste, textos técnico-administrativos emitidos pela Divisão dos Serviços de Saúde da ETTA (2000- 2002); 5º subconjunto: Relatórios, pareceres, folhetos explicativos e outros textos produzidos pelo Banco Mundial, FMI, agências internacionais e doadores do processo de reconstrução do Timor Leste; 6º subconjunto: Relatórios, discursos e outros textos referentes aos partidos políticos timorenses, ao Conselho Nacional de Resistência Timorense e algumas organizações sociais timorenses. Por fim, foram selecionados, dentre os diferentes subconjuntos, um núcleo central de 49 documentos para serem analisados em detalhe. Foram utilizados dois critérios de seleção desses documentos: 1) estar diretamente relacionado ao objeto da pesquisa; e 2) focar o percurso e os trâmites inerentes ao processo de financiamento da reconstrução e reabilitação do setor saúde timorense. Em síntese, foram selecionados 49 documentos que representavam os arranjos de governação política para o setor saúde com foco nas reuniões de doadores e missões conjuntas de monitoramento do processo. Dentre eles, encontram-se decretos, projetos, acordos, relatórios, pareceres e discursos que formam o banco de dados diretamente relacionado ao processo de formulação da primeira proposição de política de saúde para o Timor Leste no período de 1999 a 2002. A lista desses documentos selecionados encontra-se no Anexo 3.
  • 34. 23 Para cada documento desse núcleo central foi criada uma ficha de leitura mais elaborada contendo as seguintes informações: 1) referência bibliográfica (autor, título, local, editora, ano, páginas); 2) localização do texto em relação ao ator institucional responsável; 3) resumo do texto; 4) descrição de assuntos e idéias centrais contidas no texto; 5) descrição de texto ou citações relacionadas, e de referência, às idéias e assuntos selecionados; 6) inferências (observações e comentários) gerais sobre essas idéias e citações. 4. As categorias de análise Três condições foram privilegiadas na contextualização histórica do Timor Leste: as condições de conflito e pós-conflito, as condições de transitoriedade e as condições de formulação de políticas de saúde. Essas condições históricas foram tratadas como categorias de análise no sentido descrito por Minayo10 , como um “conceito classificatório” (p. 178), ou seja, como um “termo carregado de significação, por meio do qual a realidade é pensada de forma hierarquizada” (p. 178). Buscou-se, com essas categorias, construir três eixos de apoio em torno dos quais se elaborou a reflexão, discussão e análise do objeto de pesquisa, pois elas refletem três momentos históricos diferentes, mas interrelacionados, que delimitam o papel dos diferentes atores na formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste. Para o que interessa discutir nesta pesquisa, definiu-se então: a) conflito e pós-conflito como uma categoria estruturante das condições de construção do Estado timorense; b) transitoriedade como uma situação limitante das condições de subjetivação dos diferentes atores no cenário da formulação da política nacional de saúde do Timor Leste; e c) formulação de políticas de saúde como o processo em que ocorrem as relações entre os diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de reabilitação do setor saúde timorense. Para cada uma dessas categorias elaborou-se um referencial teórico e analítico que orientou as reflexões. 4.1. Condições de conflito e pós-conflito e relações de poder As categorias de condições (situações ou contexto) de conflito e pós-conflito definem uma perspectiva de observação fundamental para o entendimento da construção do Estado timorense e da formulação da primeira proposta de política de saúde. Contém elementos históricos que valorizam a construção de sistemas políticos e de sistemas de saúde em condições especiais, em que as tensões existentes nas relações sociais, tanto
  • 35. 24 internas como externas àquele processo de formulação, estão orientadas por determinadas relações de poder que, por sua vez, estruturam o poder do novo Estado. Para alguns autores, como Klingebiel29 , o termo „conflito‟ tem significado genérico em relação a desacordos que podem acontecer entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades. De maneira geral, para esse autor, conflitos entre grupos são componentes vitais de uma sociedade e elemento essencial do desenvolvimento sem que, necessariamente, se utilizem mecanismos violentos. A violência não seria, normalmente, um componente inerente ao conflito e representaria, ao contrário, um rompimento com normas vigentes até então aceitas entre as partes. Quando a violência se instaura como elemento de uma situação de conflito, no qual uma sociedade ou Estado perde a capacidade de lidar com os diferentes interesses inerentes a ela, por meios cooperativos ou pacíficos, instaura-se o que Klingebiel29 chama de um “contexto de conflito” (p. 66). Contexto de conflito, nesta investigação, significa um cenário de disputa acirrada e descontrolada onde se instala, por um lado, o escalonamento da violência e, por outro, a perda ou esfacelamento das estruturas de resolução de conflito, como as esferas legais e institucionais. Segundo Klingebiel29 , essa situação ou contexto de conflito quase sempre acaba mobilizando a comunidade internacional. E seriam duas as razões mais importantes para isso: 1) o alto custo e possível dano daquela situação para a economia local e regional e os interesses geopolíticos envolvidos; e 2) a falta de interesse dos principais atores, nacionais e internacionais, pelos mais variados motivos, na manutenção daquela situação. Estas duas razões principais justificariam as tentativas de mediação desempenhadas por diferentes atores internacionais, tanto a partir de suas bases no estrangeiro como no próprio território em conflito. Acrescenta-se a essas duas razões o impacto da enorme perda de vidas humanas e o risco do estabelecimento (ou existência) de situações de genocídio. Para o que nos interessa discutir nesta investigação leva-se em consideração a reconstrução do Estado nacional em situações pós-conflito. A noção de Estado apóia- se em Bobbio30 e Fiori31 e pode ser sintetizada como um espaço político de relações de poder, fruto de processos sociais e históricos particulares. Esta conceituação parece permitir maior fluidez e dinâmica ao estudo da participação dos atores sociais na disputa de poder dentro do processo de formulação de políticas, mais especificamente na elaboração do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste.
  • 36. 25 Na formação de um novo Estado no Timor Leste foi crucial o “manto da questão nacional” (p. 18), nas palavras de Hobsbawn32 . Essa questão marcou a luta timorense por sua autodeterminação, tanto antes como durante e após o conflito indonésio-timorense. A questão da criação de uma identidade nacional ajudou a moldar objetivos comuns, a partir de elementos de pertencimento, que acabaram criando um forte sentimento nacionalista, anterior mesmo à formação da nação timorense. Segundo Anderson33 , essa antecipação do sentimento nacional em relação à nação propriamente dita, é vista como um nacionalismo “imaginado” que acaba, de fato, “inventando” (p. 6), ou seja, criando, segundo o autor, um sentimento coletivo sobre o qual se constrói os alicerces da nação propriamente dita. Esse processo também se verificou em outras jovens nações africanas que se libertaram do jugo colonial por meio da guerra, como ocorreu em Angola e Moçambique. No período de reconstrução pós-conflito é crucial a restauração da ordem institucional e organizacional do aparelho de Estado que, no caso do Timor Leste, assume características particulares, dada a estruturação histórica dessas instituições em conjunturas específicas. Embora a discussão da questão nacional no Timor Leste e da construção da administração pública timorense não sejam objetos desta pesquisa, do ponto de vista da formação do Estado timorense, do seu funcionamento e também dos processos de formulação das suas políticas, são questões relevantes que apontam para outra subcategoria importante para a análise do nosso objeto de estudo − a noção de governabilidade. O conceito de governabilidade adotado nesta investigação se apóia em Diniz34 e articula pelo menos três aspectos relacionados à capacidade governamental: O primeiro refere-se à capacidade de um governo para identificar problemas críticos e formular as políticas apropriadas ao seu enfrentamento. O segundo diz respeito à capacidade governamental de mobilizar os meios e recursos necessários à implementação dessas políticas, enfatizando, além da tomada de decisões, os problemas cruciais ligados ao processo de implementação. Em estreita conexão com este último aspecto situa-se a capacidade de comando do Estado, isto é, de fazer valer suas políticas, sem a qual suas decisões tornam-se inócuas. (p. 31) Esse conceito de governabilidade, sobretudo no que se refere ao primeiro aspecto da capacidade governamental, é pertinente para o que nos interessa discutir, pois permite analisar não apenas os aspectos internos, ou seja, a capacidade do governo
  • 37. 26 timorense de construir sua própria burocracia, administrar seus problemas domésticos e formular suas políticas, mas também ajuda a entender aspectos ligados à questão da transitoriedade, isto é, da capacidade do „governo‟ timorense de, transitoriamente, ser representado por atores externos e lidar com diferentes agentes nacionais e internacionais, numa situação de fortes assimetrias no sistema de poder internacional, com grande repercussão no âmbito nacional. Isso remete à questão do poder e às duas subcategorias de representação do poder: o poder político e o poder técnico. Poder político e poder técnico, nesta pesquisa, referem-se, na perspectiva de Bobbio et al.35 a “modos de exercício do poder” (p. 938), que são múltiplos e podem abarcar mecanismos persuasivos ou manipuladores, podendo expressar-se pela ameaça de punição ou pela promessa de recompensa. Para Fiori36 ... o conceito de poder político tem mais a ver com a idéia de fluxo do que com a de estoque. O exercício do poder requer instrumentos materiais e ideológicos, mas o essencial é que o poder é uma relação social assimétrica indissolúvel, que só existe quando exercido e, para ser exercido, precisa se reproduzir e acumular constantemente. (p. 6) O poder político, na ótica funcionalista de Parsons (apud Bobbio et. al.35 ), é “a capacidade de assegurar o cumprimento das obrigações pertinentes dentro de uma organização coletiva” (p. 941). Relaciona-se, portanto, com o exercício do poder na esfera da ação sobre a realidade das relações sociais, ou seja, da relação entre partidos, grupos societários, instituições e organizações. E se funda, na perspectiva da ciência política, na instauração e no acúmulo do poder, mediados pela conquista, exercendo “uma pressão competitiva sobre si mesmo e não existe nenhuma relação social anterior ao próprio poder”36 (p. 6). E o poder técnico ressalta o âmbito da ordem contida no mundo das ideias, do discurso e da atitude dos atores técnicos e gerenciais. O modo de exercer poder, como observaram Lewis e Mosse37 ao analisar a “ordem do desenvolvimento” (p. 3) contida nas recomendações técnicas e nos relatórios de experts das agências internacionais, pode ser lido como uma forma de governabilidade política e, portanto, como uma forma de exercício de poder.
  • 38. 27 4.2. Condições de transitoriedade e exercício do poder A categoria condições de transitoriedade pressupõe o entendimento da administração transitória das Nações Unidas no Timor Leste como fator contextual e definidor das atitudes e ações dos diferentes atores envolvidos na formulação da política nacional de saúde do país. Para Elbadawi38 , a transitoriedade, ou administração internacional de uma situação de conflito, é um processo político que engloba, simultaneamente, o apaziguamento e a reconstrução do Estado afetado, a partir da recuperação da segurança no território nacional e da restauração das instâncias legais e de administração pública. Trata-se de promover a passagem de uma ordem em que predominam instituições militares para uma ordem regida por instituições civis. Na maioria das vezes, a autoridade governante transitória em situações pós- conflito é exercida pelas Nações Unidas. Entretanto, o reconhecimento dessa autoridade tem sido objeto de pesquisas. Alguns autores como Matheson39 , Kirgis40 , Knoll41 e Sambanis42 discutem a questão da transitoriedade em relação às missões e à governança das Nações Unidas tomando por base o campo das leis internacionais e analisando fatores de legitimidade, soberania e durabilidade dessas administrações transitórias. Neste estudo o tema da transitoriedade (ou da administração internacional de uma situação de conflito) foi estudado na perspectiva da reconstrução política do Estado na perspectiva de Elbadawi38 . Este autor inclusive relativiza a questão da segurança durante períodos de transição. Sem negar sua importância, o autor afirma que as operações de segurança pós-conflito só se justificam como “necessárias para uma gestão efetiva da ajuda e, mais ainda, para o estabelecimento de políticas e instituições necessárias que sustentem e ampliem o crescimento de forma compartilhada” (p. 1). E é nesse contexto que se situa a elaboração do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste. Outro autor que nos forneceu subsídios para o entendimento da questão da reconstrução do Estado no âmbito das condições de transitoriedade foi Zaum43 . Para este autor, o „sucesso‟ das chamadas „operações de paz‟ deve ser medido na relação entre o re-estabelecimento de instituições políticas e administrativas locais e o número de intervenções externas diretas. Ao dizer que as operações de transitoriedade deveriam “focar mais em assistir do que em governar”43 (p. 205), o autor se refere à questões como os limites do mandato e do poder das autoridades transitórias. Nessa perspectiva, é importante compreender, por um lado, a construção da autoridade internacional em solo nacional e como a ajuda nacional é canalizada; e, por outro, a importância do papel
  • 39. 28 das elites nacionais e das organizações locais nos projetos propostos pela comunidade internacional. Por outro lado, na perspectiva de Hughes44 , que estudou a esfera executiva do poder em situação pós-conflito no Camboja e no Timor Leste e analisou o papel das elites locais nesse processo, é preciso estar alerta para a possível ligação ideológica entre as propostas e projetos sugeridos pelas agências internacionais e modelos de políticas econômicas e sociais pré-concebidos e formulados alhures, que acabam sendo introduzidos no país receptor ou beneficiário e incorporados às políticas nacionais. Buscando compreender em que medida essas instâncias se relacionavam no âmbito da autoridade política no Timor Leste, foram definidas outras duas subcategorias de análise: coordenação e parceria. A noção de coordenação está baseada em Buse e Walt45 , que afirmam ser esse termo pouco definido, pois, seria difícil definir palavras que, na realidade, significariam processos. Interessa discutir, neste trabalho, como se estabelecem as relações entre disciplina e controle no contexto dos mecanismos de coordenação do processo de reabilitação do setor saúde no Timor Leste: quem coordenava quem, o que era coordenado e com que fins. A segunda subcategoria – parceria – vista isoladamente também é um termo muito inespecífico. Buse e Walt45 , em outro trabalho, afirmam que a primeira tentativa de construção do conceito de parceria se deu em 1969, a partir do relatório do Pearson Commission on International Development, elaborado para o Banco Mundial. Naquele relatório, destacava-se que: “... a natureza de uma parceria [seria] descrita como aquela que acontecia entre doadores e países recebedores e requeria a especificação recíproca de direitos e deveres com o estabelecimento de objetivos claros que beneficiassem ambas as partes”46 . (p. 548) Segundo os autores, esse conceito foi ampliado mais tarde, em 1996, pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (Organization for Economic Cooperation and Development – OECD), de modo que se compreendesse o sentido de “uma relação baseada em acordos, refletindo mutuas responsabilidades objetivando interesses compartilhados” (p. 549). Ainda, em 1996, o próprio Banco Mundial, apud Buse e Walt46 , redefiniu a noção de parceria como “uma relação colaborativa entre entidades para trabalharem em prol de objetivos compartilhados, a partir de uma divisão de trabalho mutuamente
  • 40. 29 acordada que inclui mecanismos de acompanhamento e possibilidades de ajustes” (p. 550). Embora carregado de inespecificidade, o termo parceria ganhou força no discurso das agências internacionais. No âmbito dos programas de assistência ao desenvolvimento, após diversos estudos indicarem a ineficiência da ajuda internacional voltada exclusivamente para o crescimento econômico, a questão das „parcerias‟ tornou- se relevante nos novos projetos de redução da pobreza47 . A partir de outra clave analítica, Lima48 vem trabalhando há anos com essa questão. Para este autor, as parcerias são propostas, na maioria das vezes, pelas agências ou Estados doadores e tem como objetivo ampliar possíveis colaborações, mas, paradoxalmente, acabam orientadas não por pontos de vista conjuntos, mas pelos próprios doadores que, muitas vezes, se baseiam em critérios previamente utilizados em seus movimentos expansionistas e, portanto, com baixo conteúdo colaborativo. Por outro lado, o termo parceria aparece, muitas vezes, em associação ao termo participação, referindo-se exclusivamente à participação dos beneficiários nos programas de desenvolvimento. Isham et al.49 relatam que o termo participação surgiu nos anos de 1970, como uma abordagem social referente a processos de inclusão de grupos ou movimentos sociais não hegemônicos e passou a ser progressivamente utilizado, nos anos de 1990, pelas agências internacionais no bojo de projetos de ajuste estrutural para os países em desenvolvimento, como mecanismo para melhorar o desempenho desses projetos. Kapoor50 , assim como Lima48 , diz que o elemento participativo acaba sendo incorporado nos projetos de desenvolvimento mais sujeitos às demandas das organizações do que dos próprios beneficiários, quando não tomam o caráter de condicionalidades vinculadas a empréstimos ou doações. Para o que se pretende discutir neste estudo, coordenação e parceria são analisadas como categorias vinculadas ao exercício de poder dos diferentes atores no processo de formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste. 4.3. Condições de formulação de políticas de saúde e jogo de poder Considera-se a política de saúde como uma política social, setorialmente localizada no âmbito das políticas públicas que, por sua vez, são concebidas como políticas de Estado51,52 . O conceito de política pública refere-se a “tudo que os governos decidem fazer ou deixar de fazer”51 (p. 30), seja no campo da ação ou não-ação, seja no da intenção.
  • 41. 30 Por condições de formulação de políticas de saúde entende-se o processo e os mecanismos em que ocorreram as relações entre os diferentes atores orientados à formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde timorense. A análise dessa condição procura fugir do enfoque racional e prescritivo, enfatizando os discursos retóricos e as práticas cotidianas dos atores como práticas sociais. Procurou- se, assim, iluminar fatores que facilitam a compreensão das dimensões que poderiam explicar como aconteceu aquele processo, que é subsidiário também da reabilitação do sistema de saúde no Timor Leste no período pós-conflito. Duas subcategorias foram então definidas: a cooperação e a indução. Para Almeida et al.53 , as mudanças na cooperação técnica internacional em saúde vem acompanhando as tendências do pensamento sobre o desenvolvimento e a ajuda para o desenvolvimento, desde os anos 50, propondo novos modelos de ação formulados em diferentes conjunturas. As definições do termo, entretanto, limitam-se a descrições operacionais. Cooperação técnica e assistência técnica internacional são dois termos muito utilizados pelas agências de desenvolvimento para se referir a uma modalidade específica da assistência que, segundo Hillebrand (apud Campos54 ), consistiria numa “forma de fortalecer a capacidade de países parceiros para a resolução de seus problemas” (p. 5). A utilização do termo cooperação técnica internacional integra o discurso das Nações Unidas desde sua criação, logo após a Segunda Guerra Mundial, e a definição então elaborada é vigente até hoje e utilizada pelas diferentes organizações e agências internacionais. Cooperação técnica internacional é a: ... transferência não comercial de técnicas e conhecimentos, a partir da execução de projetos em conjunto, envolvendo peritos, treinamentos de pessoal [em geral de órgãos públicos], material bibliográfico, equipamentos, estudos e pesquisas entre atores de nível desigual de desenvolvimento (prestador e receptor). (Resolução nº 200, Assembléia Geral da ONU, 1948). Lima48 e outros55,56 , alertam que a chamada cooperação técnica internacional para o desenvolvimento é caracterizada pela ausência de definições claras e cientificamente formuladas. E a expressão cooperação internacional designa distintas situações, cujos diferentes sentidos semânticos adquirem flexibilidade ampla, “tão ampla quanto suas possibilidades e fins”55 (p. 48). Esta dificuldade é contornada por Lima48 , que propõe tratar a cooperação técnica internacional a partir do delineamento de amplos espaços de atuação de um conjunto de agentes e agências (internacionais,
  • 42. 31 nacionais, governamentais ou não governamentais), assim como de uma heterogeneidade de “redes de saberes, tradições de conhecimentos, fluxos culturais e mundos socialmente resultantes de histórias interconectadas, muito diferentes entre si em sua gênese histórica e social” (pp. 417-418). A discussão da cooperação internacional remete à dinâmica do sistema internacional e à estrutura de poder subjacente, inerentemente assimétrica, sublinhando a posição que os diferentes Estados nacionais e outras organizações ocupam nessa estrutura e se movem dentro dela. Conflito e cooperação estão sempre presentes nas análises das relações internacionais e orientam os mecanismos de ordenação do sistema internacional, “sendo condições interligadas e não incompatíveis ou contraditórias” [Keohane apud Valente55 , p. 50]. Isso aponta para as circunstâncias em que a cooperação ocorre e a define como uma “situação política” (Idem). As desigualdades e assimetrias existentes nas estruturas de poder do sistema internacional repercutem, assim, nos processos de cooperação, sempre mediados pelo conflito e não pela harmonia e colaboração mútua entre os atores envolvidos. Concordando com os delineamentos traçados acima, assume-se a cooperação técnica internacional para o desenvolvimento não como um conceito fechado, delimitado por um campo do conhecimento específico48 , mas, como um “conjunto diverso de práticas, experiências e relações” (p. 3), segundo definido por Ferreira56 . Ou, como definido por Silva57 , o campo da cooperação internacional como “o conjunto de práticas, valores e atores envolvidos na gestão da assistência externa” (p. 12), destacando que as políticas de doações são fontes de poder e prestígio, configurando a cooperação internacional como um campo de ação política. Essa perspectiva se apóia na noção de “campo” desenvolvida por Bourdieu (apud Valente55 ), que pode ser útil na análise da atuação das instituições envolvidas nos processos de cooperação. Para este autor, campo seria “um espaço estruturado de posições cujas propriedades específicas dependem das relações entre essas posições e que são passíveis de análise independente de seus ocupantes” (p. 56) [Lima, apud Valente55 , a partir de Bourdieu]. Agrega-se ainda a noção de campo como “arena de disputas”, em que se desenvolve uma acirrada luta competitiva onde o “novo” força entrada em oposição aos resquícios da ordem instituída anterior e às práticas tradicionais ainda ativas. No âmbito da política externa dos diferentes países, a cooperação técnica internacional para o desenvolvimento implica numa série de práticas e procedimentos,