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E   TRE O DISCURSO E OS DESE HOS DO ARQUITETO

       CONSIDERAÇÕES A PARTIR DOS RISCOS ORIGINAIS DE ARTIGAS
        PARA O EDIFÍCIO DA FAUUSP



       EIXO TEMÁTICO: Poéticas e Retóricas do visual


       Prof. Dr. Artur Simões Rozestraten
       Depto. de Tecnologia - FAUUSP
       artur.rozestraten@usp.br


       Doutor em Estruturas Ambientais Urbanas junto ao Departamento de História da
Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (2007), mesma instituição onde desenvolveu seu mestrado
(2003) e graduou-se em Arquitetura e Urbanismo (1995). Atualmente é professor na
FAUUSP-São Paulo junto ao Departamento de Tecnologia. Tem experiência
profissional na área de projeto e gerenciamento de obras, atuando como pesquisador nos
seguintes temas: iconografia e imaginário da arquitetura, maquetes e modelagem
tridimensional, representação do projeto de arquitetura, história da arte e da arquitetura.
Dedica-se à docência de disciplinas que investigam o tema do espaço, das
representações, do imaginário e da tecnologia junto à graduação e pós-graduação.


       RESUMO
       A partir da premissa de Le Corbusier (1887-1965) de que é preciso sempre dizer
o que se vê mas, sobretudo, é preciso sempre – o que é mais difícil – ver o que se vê,
este artigo estuda as relações entre texto e imagem na obra escrita e
desenhada/construída do arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), um dos
principais arquitetos brasileiros do séc. XX.


       ABSTRACT
       From Le Corbusier’s (1887-1965) premise that we must always tell what we see
but, above all, we must always – which is more difficult – see what we see, this paper
examines the relationship between text and image on the written and drawn/built work
of João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), a leading Brazilian architect of the 20th
century.
                                                                                          1
“É preciso sempre dizer o que se vê mas, sobretudo,
       é preciso sempre – o que é mais difícil – ver o que se vê.”
       Le Corbusier, Anos 50. (Tradução do autor)


       Riscos
       O que se vê na primeira folha de desenho do caderno dos Riscos Originais do
arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) para o projeto do edifício da
FAUUSP na Cidade Universitária em São Paulo é uma associação entre três desenhos
feitos em hidrográfica azul: uma planta esquemática na parte superior, uma elevação do
edifício com árvores ao centro, e na parte mais baixa da folha uma perspectiva (Figura
1). A planta expõe um edifício mais alongado do que o que foi construído, e a ênfase
gráfica parece se dar sobre os acessos e a expansão/integração do interior do edifício a
espaços externos como jardins. No desenho em perspectiva, por sua vez, a atenção do
arquiteto parece concentrada na articulação de um prisma retangular suspenso, a um
sistema de rampas e volumes independentes no térreo. A modulação das linhas verticais
na base da empena sugere brises-soleil ou esquadrias, e as linhas horizontais que
conformam a base do desenho parecem explorar rebaixos na topografia do terreno. A
escala do edifício é referenciada por figuras humanas dispostas na linha de terra, e é
relativamente menor do que o que foi construído. Há um equilíbrio entre a altura da
abertura do edifício no térreo e a largura da empena cega que fecha a parte superior do
volume. Com exceção das rampas, nada sustenta a parte superior do edifício que se
mantém suspenso no ar.
       Na primeira imagem que mostra o interior do prédio (Figura 2), Artigas revela
um espaço composto por diferentes níveis que se organizam em torno de um vazio
central coberto por uma laje com aberturas circulares para a iluminação zenital. A escala
humana também referencia o espaço, em realidade bem menor, mais compacto e
concentrado do que o espaço hoje existente. A solução de iluminação zenital interage
com experiências anteriores suas – no caso o Ginásio Estadual de Guarulhos de 1960 –
e de Alvar Aalto (1898-1976), em especial a biblioteca de Viipuri construída em
Vyborg na Finlândia entre 1933 e 35, e o edifício de escritórios Rautatalo de 1954,
construído em Helsinki. As aberturas zenitais da FAU, quando se conformam nesta
primeira imagem, são recortes circulares, muito distintos dos troncos de pirâmide que
viriam a ser construídos.


                                                                                        2
Três páginas adiante o arquiteto elabora também à caneta uma perspectiva de um
dos ateliers, e constrói no desenho, pela primeira vez, uma cobertura reticulada com
linhas ortogonais (Figura 3). O descompasso de uma parte das linhas deste reticulado,
no canto superior direito do desenho, expõe a vibração tateante de uma forma ainda em
construção.
       É esta solução “em projeto” que aparece desenhada agora à grafite, em uma
perspectiva aérea do edifício com toda sua cobertura reticulada e apenas 4 pilares com
formas triangulares posicionados exatamente nos cantos (Figura 4). Neste momento do
projeto, a forma da cobertura está mais definida do que o sistema estrutural.
       Alguns páginas adiante Artigas explora variações de uma estrutura sintética,
concentrada em apenas 4 pilares: centrais com grandes balanços ou nos cantos, com
seção circular ou com formas triangulares. Neste mesmo desenho vemos pela primeira
vez, de modo explícito, a solução de lajes em balanço usando as empenas como vigas.
       Mais à frente, o arquiteto estuda em corte os vários pisos internos deslocados em
meio nível, e as projeções de lajes para fora da cobertura da empena. Possibilidade esta
que é mostrada em uma perspectiva aérea onde se vê uma cobertura plana, sem
reticulado nem maiores detalhes, e uma alternativa de recuo dos pilares do canto do
edifício proporcionando balanços nestes limites.
       A opção por um sistema estrutural com cinco pilares frontais e dois laterais,
sustentando uma larga empena com balanços nas quinas, é apresentada em um
perspectiva concisa com a linha do horizonte muito baixa e a bandeira brasileira como
elemento escultórico.
       Encaminhada uma solução para a estrutura, o arquiteto reestuda então a
cobertura do edifício e desenha solução híbridas onde se vê que um trecho da cobertura
é aberto sobre um pátio interno e o restante é fechado.
       O estudo dessa solução envolve a revisão de balanços e projeções de lajes. Neste
desenho em especial percebemos o arquiteto repetir traços de um mesmo elemento, indo
e vindo com o lápis, várias vezes, enfatizando certos elementos sobre os quais se
concentra, e este tempo de permanência registra-se na espessura e na densidade do
grafite (Figura 5).




                                                                                       3
Ao final do caderno não há um conjunto completo de plantas, cortes e elevações
que nos permita ver o projeto pronto. Ele está apenas esboçado, em suas linhas gerais,
outras mudanças ocorreriam, em diferentes níveis de detalhe, para além dos Riscos
Originais, ao longo de todos os Estudos Preliminares, o Anteprojeto e o Projeto
Executivo do edifício que só se concluiria em 1962.
       Exposta a história gráfica dos primeiros desenhos de concepção do projeto, o
que dizer sobre o papel do desenhar neste processo projetual?
       As metamorfoses da arquitetura em formação dificultam a caracterização dos
desenhos do arquiteto no caderno como meros espelhamentos, reproduções de desenhos
imaginários já mentalizados em projeto, rejeitando assim o caráter estrito de
representações. Na sequência de páginas do caderno o desenho se afirma como processo
formativo da própria idéia. De modo que o desenhar se distancia da mimese da
imaginação, da imitação de figuras imaginadas, fantasiadas no pensamento, e se
conforma como ação gráfica simultaneamente produtiva e inventiva, formadora de
imagens e formadora de idéias originais, não necessariamente pré-existentes.
       A partir da sequência de desenhos do caderno, pode-se dizer que o desenhar do
arquiteto e, por extensão seu construir, afirmam-se como processos elaborativos,
formativos que exigem tempo e espaço para iniciar um campo experimental visível,
palpável, no qual se tateia movido por intenções, desejos, propósitos abertos a
imprevisibilidades, dúvidas e inquietações.


       Colocação do problema
       Este artigo estuda as relações entre texto e imagem na obra escrita e
desenhada/construída do arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985),
colocando em interação três objetos:


       •       Desenhos extraídos da edição facsimilar do Caderno dos Riscos Originais
       do projeto do edifício da FAUUSP na Cidade Universitária em São Paulo,
       composto em 1961 e publicado em 1998;


       •       Trechos do texto “O Desenho”, originalmente uma aula inaugural
       proferida na FAUUSP em 1º de março de 1967, reunida na antologia de ensaios
       e entrevistas sob o título “Caminhos da Arquitetura”, cuja primeira edição é de
       1981;
                                                                                     4
•     Imagens fotográficas do edifício da Faculdade de Arquitetura e
        Urbanismo da Universidade de São Paulo no Cidade Universitária, Campus
        Butantã, projetado no início dos anos 60, concluído em 1969, e tombado pelo
        CONDEPHAAT e COMPRESP desde 1982, e também de outros edifícios
        relevantes para a interpretação proposta.


       A intenção deste estudo é construir, a partir da análise deste caso particular, uma
reflexão sobre as congruências, dissonâncias e contradições entre texto e imagem no
universo da arquitetura, entendendo a imagem em um sentido amplo como toda a
materialidade visível do processo projetual.
       Estariam os textos de Artigas expondo e explicando seu “modus operandi”, seus
procedimentos projetuais? Entre texto e imagem na obra do arquiteto haveria
consonância ou contradições?
       Este é o problema que impulsiona as reflexões que aqui se apresentam.
       Neste contexto as relações entre texto e imagem podem ser iniciadas com o
esforço de Artigas para a caracterização do desenho como linguagem. Para tanto,
Artigas se propõe a usar o método da linguística, do “neo-humanismo filológico e
plástico” (1986: 42) para afirmar o desenho como “a expressão de uma linguagem para
a técnica e de uma linguagem para a arte” (1986: 45). Caracterização difícil e
questionável, a rigor, como bem expôs Jorge Sainz (2005) amparado no enfoque
semiológico de Georges Mounin (1972).
       Sainz, em resumo, propõe que, muito embora não se possa afirmar que o
desenho de arquitetura seja uma linguagem, estudá-lo como se fosse uma linguagem
auxilia a conhecer sua “estrutura específica, os elementos que o compõem e as relações
que estabelecem entre si” (2005: 29, tradução do autor).


       “...temos que dizer que para os linguistas e semiólogos seguidores de Saussure (como
       Mounin) o desenho de arquitetura não deve ser considerado uma ‘linguagem’, mas um
       dos sistemas de signos de caráter não linguístico; poderia chegar a constituir-se como
       sistema de comunicação, no entanto, por enquanto, temos que nos referir a ele como um
       simples meio de comunicação.” (SAINZ, 2005: 26, tradução do autor)




                                                                                            5
Não se pretende aqui avançar sobre esta discussão específica, mas apenas
pontuá-la como interação inicial entre texto e imagem dentro do tema que se pretende
tratar aqui.
        O desenho cumpre um função comunicativa inquestionável, e é capaz de
sustentar diálogos, ainda mais se estiver amparado em convenções e normas como as
existentes no universo do desenho técnico. Isto porque a normatização técnica limita a
ampla abertura simbólica do desenho artístico a um sistema restrito de signos ainda que
analógicos ou icônicos, isto é, não completamente arbitrários, visto que são gerados
conforme regras de projeção geométrica ortogonal dos elementos originais. O desenho,
diferente da língua falada e escrita, também não possui na estrutura de suas mensagens
um caráter linear, sequêncial, pois pode ser “lido”, digamos, a partir de qualquer ponto
sem início, meio e fim evidentes, nem possui para todas as suas partes, isoladamente, a
preservação de suas imagens completas, seus sentidos, como ocorre com as palavras,
independente de comporem frases.
        Há que se reconhecer as distinções entre texto e imagem. O desenho, como
imagem, por exemplo, não se caracteriza como linguagem em sentido estrito, logo, –
reavaliando as considerações de Sainz (2005) – o valor metodológico das analogias
deve ser ponderado, relativizado, pois ao mesmo tempo que nos permite avançar sobre
um território de estruturas comuns nos dificulta adentrar campos específicos e
diferenciados.
        Com base no “Vocabulario Portuguez e Latino”, considerado o primeiro
dicionário da Língua Portuguesa, composto pelo Padre Raphael Bluteau (1638-1734),
Artigas registra a dupla natureza conflituosa do desenhar no pensamento e do desenhar
no papel, e estabelece outra relação direta entre texto e imagem ao recuperar a definição
do verbo desenhar como “formar uma idéia, idear” (BLUTEAU: 133).
        A partir do exemplo sugerido por Bluteau, Artigas encerra sua aula dizendo:
“Para construir igrejas há que tê-las na mente, em projeto... que catedrais tendes nos
pensamento? Aqui aprendereis a construí-las...” (ARTIGAS, 1986: 52).
        A interpretação de Artigas da definição de Bluteau merece uma revisão crítica.
        O Vocabulario sugere que desenhar no pensamento é formar uma idéia, isto é,
que o processo formativo da idéia é similar ao desenhar, uma ação formativa gradual
que se desenvolve no tempo. Para Bluteau, desenhar é sinônimo de idear. Quais eram as
igrejas que desenhava no pensamento? Quais eram as igrejas que ideava? Ou para usar
um termo mais direto, quais eram as igrejas que imaginava?
                                                                                         6
O que não pressupõe, necessariamente, que uma idéia esteja formada na mente
para então ser desenhada no papel. Mas ao contrário, pois se o idear é como o desenhar,
porque o próprio desenhar seria distinto de si mesmo?
         No sentido figurado, como salienta o padre Raphael, desenho tanto é imagem,
idéia, quanto empreendimento, projeto. No sentido metodológico, o desenho pode ser
entendido como a formação da idéia, invertendo a interpretação de Artigas.
         Como registra o Vocabulario, o desenho é “a idea, que o pintor forma, para
representar alguma imagem” (BLUTEAU: 133-134). Definição sagaz e curiosa. Bem
distinta, para não dizer inversa, de algo como: o desenho é a imagem que representa
uma idéia.
         O desenho seria a idéia que o pintor e o arquiteto formam para representar
alguma imagem, não uma imagem específica, mas alguma, vaga, imprecisa, visto que
ainda não está completamente desenhada. O desenho seria um tipo de imagem especial,
uma imagem formada, construída, e como tal passaria a ser idéia, como representação.
A sequência dos termos desenho, idéia, forma e imagem adquire uma dinâmica tal que
pode nos lançar em um carrossel de sinônimos que alternam constantemente suas
posições.
         A contradição entre texto e imagem quanto ao processo projetual não é exclusiva
de Artigas – é, aliás, recorrente entre os arquitetos –, e comparece antes, por exemplo,
em Le Corbusier quando este, nos anos 50, expôs seu método de projeto denominado
pelo próprio como “incubação”. A incubação, grosso modo, seria um procedimento de
assimilação mental das condicionantes projetuais seguido por uma gestação silenciosa,
ou uma “ruminação bovina”, nos termos do arquiteto, até o momento em que o projeto
“nasceria espontaneamente, assumindo sua existência de uma vez em sua totalidade
integral” (CORBUSIER, 1975). Em termos metodológicos, Corbusier estaria
defendendo no discurso um papel passivo das representações, do desenho e da
modelagem, considerando que o projeto seria resolvido no intelecto e depois explodiria
em desenhos e maquetes representativas. O processo de trabalho de Corbusier, no
entanto, revela outra dinâmica. Nos seus “carnets de la recherche1 patiente”, como
denominou seus cadernos e depois a publicação monográfica de alguns de seus projetos,
o que se vê são imagens que constróem um processo experimental de intensa pesquisa,
elaboração e formação paciente de arquiteturas.

1
  O termo francês recherche quer dizer busca, mas também a pesquisa, o que amplia a caracterização do processo
projetual ao campo da investigação sistemática de caráter tecnológico, artístico e propositivo.
                                                                                                            7
No desenvolvimento de seu projeto para a Capela de Ronchamp, em particular,
ficam evidentes as inúmeras variações entre os primeiros croquis e o projeto final,
configurando um “ciclo” dialético de elaboração/avaliação/reelaboração sobre um
esquema geral que se preserva.
       Antes de tudo, Corbusier desenha a colina, o “tópos”onde será feita a capela.
Procura entender a situação da colina na paisagem e no imaginário de Ronchamp.
Alguns dias depois começa a esboçar as primeiras soluções em planta que serão
trabalhadas entre junho e julho de 1950. A implantação definitiva só se firmaria em
dezembro de 1952, muitos desenhos depois. Nos cadernos de Corbusier fica evidente
que não se avança apenas de um desenho para o outro, mas também, e principalmente,
dentro de cada desenho, à medida que se desenha. Ou que se modela, pois além de
desenhos, Corbusier elaborou a aparentemente pesada e maciça capela valendo-se de
maquetes muito leves, feitas em arame e papel, nas quais se vê sua composição
estrutural precisa e delicada, e suas afinidades com as técnicas japonesas de fabricação
de lanternas e luminárias.
       O exemplo particular das imagens de Ronchamp que sustentam a ação projetual
específica do arquiteto põe em questão o texto que deveria sustentar sua concepção
universal de procedimento de projeto.
       Há portanto uma contradição, um desajuste entre a teoria e a prática na obra do
grande mestre da arquitetura moderna. Uma contradição que se expõe na confrontação
entre textos e imagens de sua própria produção. Na teoria seu método é o da
“incubação”, na sua prática seu trabalho é uma pesquisa paciente que avança tateante,
conferindo aos desenhos e modelos um papel ativo, formativo no processo projetual.


       Ilusões e miragens


       “...figuramo-nos que toda coisa que se produz poderia ter sido percebida
       antecipadamente por algum espírito suficientemente informado e que ela preexistia
       assim, sob forma de idéia, à sua realização; - concepção absurda no caso de uma obra de
       arte, pois, assim que o músico tem a idéia precisa e completa da sinfonia que se fará, sua
       sinfonia está feita.” (BERGSON, 2006: 15-16)




                                                                                               8
Esta reflexão apresenta-se na Primeira Parte da Introdução da coletânea de
ensaios e conferências de Henri Bergson (1859-1941) reunidas sob o título “O
pensamento e o movente”, e auxilia a compreensão do distanciamento e das
contradições entre texto e imagem apresentados, com base nos conceitos de “ilusão da
previsibilidade universal” (1934) ou “miragem do presente no passado” (1934): a
condição privilegiada de pensar sobre o processo de produção já concluído, depois que
ele aconteceu, – o que é uma desmontagem ou uma análise – pode levar à impressão de
que algo que é inquestionavelmente possível no presente teria sido igualmente possível
em um passado anterior à sua existência, invertendo a evidência da sua possibilidade,
que é consequência de seu existir, na causa de sua existência.


       “Em vão me represento o detalhe daquilo que irá me ocorrer: como minha representação
       é pobre, abstrata, esquemática, em comparação com o acontecimento que se produz! A
       realização traz consigo um imprevisível nada que muda tudo.” (BERGSON, 2006:
       103)


       Certamente o projeto de arquitetura é um esforço de previsão de um processo
construtivo futuro, mas será possível prever na imaginação – antes da elaboração
projetual sensível –, tudo o que virá a ser criado?


       “Hamlet era sem dúvida possível antes de ser realizada, se entendermos com isso que
       não havia obstáculo intransponível à sua realização. Nesse sentido particular, chamamos
       possível o que não é impossível; e é claro por si que essa não-impossibilidade de uma
       coisa é a condição de sua realização. Mas o possível assim compreendido não é em
       nenhuma medida o virtual, o idealmente preexistente... Possibilidade significava, há
       pouco, “ausência de impedimento”; vocês fazem dela agora uma “preexistência sob
       forma de idéia”, o que é algo inteiramente diferente... Acredito que acabaremos por
       achar evidente que o artista cria o possível ao mesmo tempo que o real quando executa
       sua obra.” (BERGSON, 2006: 117-118)


       O carrossel de sinônimos formado a partir da interpretação de Artigas sobre a
definição de Bluteau então se descontrói, e a interação entre os conceitos ganha
posições mais precisas. Afinal, Bergson reafirma-se a proposição de Bluteau de que o
desenhar é formar idéias, idear.

                                                                                             9
Considerações finais


       A “catedral” que Artigas tinha em mente, em projeto, quando iniciou os
desenhos do edifício da FAU sofreu inúmeras transformações. O que se vê no Caderno
dos Riscos Originais não é uma mera transposição de uma “cosa mentale” definida para
o papel, mas uma elaboração gráfica contínua que não se esgota no caderno e exige
tempo, espaço e trabalho formativo além dele. O desejo pode parecer uma clara imagem
mental, mas basta tentar materializá-lo para percebermos o quão frágil e imprecisa ela é
de fato.
       A estrutura das reflexões aqui apresentadas constitui uma proposta metodológica
de estudo das interações entre texto e imagem no âmbito dos processos projetuais em
arquitetura em particular, que pode ser extendida aos processos artísticos, de desenho
industrial e formativos em geral. Esta proposição legitima o corpus de imagens e
objetos que precedem a obra como fonte primária que, sempre que organizada e
contextualizada, pode fundamentar a construção de conhecimento acerca dos
procedimentos específicos de elaboração, invenção e produção de edifícios, objetos e
imagens.
       A organização criteriosa de imagens e objetos que constituem a materialidade
dos processos de projeto permite uma aproximação sistemática à singularidade de cada
caso, isto é, às particularidades da interação entre problema/projeto/construção/obra
concluída em cada caso e, consequentemente, a contraposição de tais histórias
particulares a conceitos, noções e paradigmas formulados com abrangência universal
em representações textuais, orais e escritas.
       Os estudos e pesquisas concentrados no papel das representações – imagéticas,
textuais e tridimensionais – e nos processos formativos podem construir aproximações
complementares indispensáveis aos enfoques tradicionais da história da arte e da
arquitetura que, habitualmente, elegem a obra acabada como ponto de partida para
considerações crítico-interpretativas e raramente recuam à dinâmica de seu processo de
produção individual sigular, e à análise comparativa das características específicas e
comuns, coletivas, com relação a processos semelhantes e derivados.




                                                                                      10
O texto “O desenho” teve amplo alcance pedagógico, maior até do que os
desenhos do Caderno dos Riscos Originais, ambos, contudo, tiveram uma posição
central nas formulações acerca do papel das representações na arquitetura, e ressoam na
prática e na teoria da produção arquitetônica desde então. O que confere a esta interação
entre texto e imagem um caráter paradigmático, referencial para todos os arquitetos,
especialmente os brasileiros, desde os anos 60.
       O que se delineou aqui foi uma revisão crítica. Entre as imagens, o texto e o
edifício da FAUUSP há mais dissonâncias do que consonâncias. Entre a prática e a
teoria dos arquitetos, com relação ao seu fazer, há muita imprecisão, idealização e
fantasia. Estes desencaixes expõem justamente as dificuldades de falar sobre o que se
vê, e ver o que se fez, e como se fez. Há aí um campo de pesquisa por investigar que
exige atenção ao que é visível, um olhar introspectivo e disposição comparativa. O que
se vê não corresponde exatamente ao que se disse sobre o que se fez. É preciso, mais do
que nunca, ver o que se vê.


       Referências Bibliográficas


ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da Arquitetura. São Paulo : Pini,
       Fundação Vilanova Artigas, 1986.
_____________________________. Caderno dos riscos originais: projeto do
       edifício da FAUUSP na Cidade Universitária. São Paulo : FAUUSP, 1998.
BERGSON, Henri. O pensamento e o movente. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
____________. La pensée et le mouvant: essais et conférences. Paris : Félix Alcan,
       1934.
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra, 1712-1728.
       Disponível     em:     <   http://www.ieb.usp.br/online/index.asp>   (Acesso   em
       03/09/2010).
CORBUSIER, Le. The Chapel at Ronchamp. London : Architectural Press, 1957.
MOUNIN, Georges. Introduction à la sémiologie. Paris : Les Editions de Minuit,
       1970.
SAINZ, Jorge. El Dibujo de Arquitectura. Barcelona : Reverté, 2005.




                                                                                       11

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Relações entre texto e imagem na obra de Artigas

  • 1. E TRE O DISCURSO E OS DESE HOS DO ARQUITETO CONSIDERAÇÕES A PARTIR DOS RISCOS ORIGINAIS DE ARTIGAS PARA O EDIFÍCIO DA FAUUSP EIXO TEMÁTICO: Poéticas e Retóricas do visual Prof. Dr. Artur Simões Rozestraten Depto. de Tecnologia - FAUUSP artur.rozestraten@usp.br Doutor em Estruturas Ambientais Urbanas junto ao Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2007), mesma instituição onde desenvolveu seu mestrado (2003) e graduou-se em Arquitetura e Urbanismo (1995). Atualmente é professor na FAUUSP-São Paulo junto ao Departamento de Tecnologia. Tem experiência profissional na área de projeto e gerenciamento de obras, atuando como pesquisador nos seguintes temas: iconografia e imaginário da arquitetura, maquetes e modelagem tridimensional, representação do projeto de arquitetura, história da arte e da arquitetura. Dedica-se à docência de disciplinas que investigam o tema do espaço, das representações, do imaginário e da tecnologia junto à graduação e pós-graduação. RESUMO A partir da premissa de Le Corbusier (1887-1965) de que é preciso sempre dizer o que se vê mas, sobretudo, é preciso sempre – o que é mais difícil – ver o que se vê, este artigo estuda as relações entre texto e imagem na obra escrita e desenhada/construída do arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), um dos principais arquitetos brasileiros do séc. XX. ABSTRACT From Le Corbusier’s (1887-1965) premise that we must always tell what we see but, above all, we must always – which is more difficult – see what we see, this paper examines the relationship between text and image on the written and drawn/built work of João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), a leading Brazilian architect of the 20th century. 1
  • 2. “É preciso sempre dizer o que se vê mas, sobretudo, é preciso sempre – o que é mais difícil – ver o que se vê.” Le Corbusier, Anos 50. (Tradução do autor) Riscos O que se vê na primeira folha de desenho do caderno dos Riscos Originais do arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) para o projeto do edifício da FAUUSP na Cidade Universitária em São Paulo é uma associação entre três desenhos feitos em hidrográfica azul: uma planta esquemática na parte superior, uma elevação do edifício com árvores ao centro, e na parte mais baixa da folha uma perspectiva (Figura 1). A planta expõe um edifício mais alongado do que o que foi construído, e a ênfase gráfica parece se dar sobre os acessos e a expansão/integração do interior do edifício a espaços externos como jardins. No desenho em perspectiva, por sua vez, a atenção do arquiteto parece concentrada na articulação de um prisma retangular suspenso, a um sistema de rampas e volumes independentes no térreo. A modulação das linhas verticais na base da empena sugere brises-soleil ou esquadrias, e as linhas horizontais que conformam a base do desenho parecem explorar rebaixos na topografia do terreno. A escala do edifício é referenciada por figuras humanas dispostas na linha de terra, e é relativamente menor do que o que foi construído. Há um equilíbrio entre a altura da abertura do edifício no térreo e a largura da empena cega que fecha a parte superior do volume. Com exceção das rampas, nada sustenta a parte superior do edifício que se mantém suspenso no ar. Na primeira imagem que mostra o interior do prédio (Figura 2), Artigas revela um espaço composto por diferentes níveis que se organizam em torno de um vazio central coberto por uma laje com aberturas circulares para a iluminação zenital. A escala humana também referencia o espaço, em realidade bem menor, mais compacto e concentrado do que o espaço hoje existente. A solução de iluminação zenital interage com experiências anteriores suas – no caso o Ginásio Estadual de Guarulhos de 1960 – e de Alvar Aalto (1898-1976), em especial a biblioteca de Viipuri construída em Vyborg na Finlândia entre 1933 e 35, e o edifício de escritórios Rautatalo de 1954, construído em Helsinki. As aberturas zenitais da FAU, quando se conformam nesta primeira imagem, são recortes circulares, muito distintos dos troncos de pirâmide que viriam a ser construídos. 2
  • 3. Três páginas adiante o arquiteto elabora também à caneta uma perspectiva de um dos ateliers, e constrói no desenho, pela primeira vez, uma cobertura reticulada com linhas ortogonais (Figura 3). O descompasso de uma parte das linhas deste reticulado, no canto superior direito do desenho, expõe a vibração tateante de uma forma ainda em construção. É esta solução “em projeto” que aparece desenhada agora à grafite, em uma perspectiva aérea do edifício com toda sua cobertura reticulada e apenas 4 pilares com formas triangulares posicionados exatamente nos cantos (Figura 4). Neste momento do projeto, a forma da cobertura está mais definida do que o sistema estrutural. Alguns páginas adiante Artigas explora variações de uma estrutura sintética, concentrada em apenas 4 pilares: centrais com grandes balanços ou nos cantos, com seção circular ou com formas triangulares. Neste mesmo desenho vemos pela primeira vez, de modo explícito, a solução de lajes em balanço usando as empenas como vigas. Mais à frente, o arquiteto estuda em corte os vários pisos internos deslocados em meio nível, e as projeções de lajes para fora da cobertura da empena. Possibilidade esta que é mostrada em uma perspectiva aérea onde se vê uma cobertura plana, sem reticulado nem maiores detalhes, e uma alternativa de recuo dos pilares do canto do edifício proporcionando balanços nestes limites. A opção por um sistema estrutural com cinco pilares frontais e dois laterais, sustentando uma larga empena com balanços nas quinas, é apresentada em um perspectiva concisa com a linha do horizonte muito baixa e a bandeira brasileira como elemento escultórico. Encaminhada uma solução para a estrutura, o arquiteto reestuda então a cobertura do edifício e desenha solução híbridas onde se vê que um trecho da cobertura é aberto sobre um pátio interno e o restante é fechado. O estudo dessa solução envolve a revisão de balanços e projeções de lajes. Neste desenho em especial percebemos o arquiteto repetir traços de um mesmo elemento, indo e vindo com o lápis, várias vezes, enfatizando certos elementos sobre os quais se concentra, e este tempo de permanência registra-se na espessura e na densidade do grafite (Figura 5). 3
  • 4. Ao final do caderno não há um conjunto completo de plantas, cortes e elevações que nos permita ver o projeto pronto. Ele está apenas esboçado, em suas linhas gerais, outras mudanças ocorreriam, em diferentes níveis de detalhe, para além dos Riscos Originais, ao longo de todos os Estudos Preliminares, o Anteprojeto e o Projeto Executivo do edifício que só se concluiria em 1962. Exposta a história gráfica dos primeiros desenhos de concepção do projeto, o que dizer sobre o papel do desenhar neste processo projetual? As metamorfoses da arquitetura em formação dificultam a caracterização dos desenhos do arquiteto no caderno como meros espelhamentos, reproduções de desenhos imaginários já mentalizados em projeto, rejeitando assim o caráter estrito de representações. Na sequência de páginas do caderno o desenho se afirma como processo formativo da própria idéia. De modo que o desenhar se distancia da mimese da imaginação, da imitação de figuras imaginadas, fantasiadas no pensamento, e se conforma como ação gráfica simultaneamente produtiva e inventiva, formadora de imagens e formadora de idéias originais, não necessariamente pré-existentes. A partir da sequência de desenhos do caderno, pode-se dizer que o desenhar do arquiteto e, por extensão seu construir, afirmam-se como processos elaborativos, formativos que exigem tempo e espaço para iniciar um campo experimental visível, palpável, no qual se tateia movido por intenções, desejos, propósitos abertos a imprevisibilidades, dúvidas e inquietações. Colocação do problema Este artigo estuda as relações entre texto e imagem na obra escrita e desenhada/construída do arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), colocando em interação três objetos: • Desenhos extraídos da edição facsimilar do Caderno dos Riscos Originais do projeto do edifício da FAUUSP na Cidade Universitária em São Paulo, composto em 1961 e publicado em 1998; • Trechos do texto “O Desenho”, originalmente uma aula inaugural proferida na FAUUSP em 1º de março de 1967, reunida na antologia de ensaios e entrevistas sob o título “Caminhos da Arquitetura”, cuja primeira edição é de 1981; 4
  • 5. Imagens fotográficas do edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo no Cidade Universitária, Campus Butantã, projetado no início dos anos 60, concluído em 1969, e tombado pelo CONDEPHAAT e COMPRESP desde 1982, e também de outros edifícios relevantes para a interpretação proposta. A intenção deste estudo é construir, a partir da análise deste caso particular, uma reflexão sobre as congruências, dissonâncias e contradições entre texto e imagem no universo da arquitetura, entendendo a imagem em um sentido amplo como toda a materialidade visível do processo projetual. Estariam os textos de Artigas expondo e explicando seu “modus operandi”, seus procedimentos projetuais? Entre texto e imagem na obra do arquiteto haveria consonância ou contradições? Este é o problema que impulsiona as reflexões que aqui se apresentam. Neste contexto as relações entre texto e imagem podem ser iniciadas com o esforço de Artigas para a caracterização do desenho como linguagem. Para tanto, Artigas se propõe a usar o método da linguística, do “neo-humanismo filológico e plástico” (1986: 42) para afirmar o desenho como “a expressão de uma linguagem para a técnica e de uma linguagem para a arte” (1986: 45). Caracterização difícil e questionável, a rigor, como bem expôs Jorge Sainz (2005) amparado no enfoque semiológico de Georges Mounin (1972). Sainz, em resumo, propõe que, muito embora não se possa afirmar que o desenho de arquitetura seja uma linguagem, estudá-lo como se fosse uma linguagem auxilia a conhecer sua “estrutura específica, os elementos que o compõem e as relações que estabelecem entre si” (2005: 29, tradução do autor). “...temos que dizer que para os linguistas e semiólogos seguidores de Saussure (como Mounin) o desenho de arquitetura não deve ser considerado uma ‘linguagem’, mas um dos sistemas de signos de caráter não linguístico; poderia chegar a constituir-se como sistema de comunicação, no entanto, por enquanto, temos que nos referir a ele como um simples meio de comunicação.” (SAINZ, 2005: 26, tradução do autor) 5
  • 6. Não se pretende aqui avançar sobre esta discussão específica, mas apenas pontuá-la como interação inicial entre texto e imagem dentro do tema que se pretende tratar aqui. O desenho cumpre um função comunicativa inquestionável, e é capaz de sustentar diálogos, ainda mais se estiver amparado em convenções e normas como as existentes no universo do desenho técnico. Isto porque a normatização técnica limita a ampla abertura simbólica do desenho artístico a um sistema restrito de signos ainda que analógicos ou icônicos, isto é, não completamente arbitrários, visto que são gerados conforme regras de projeção geométrica ortogonal dos elementos originais. O desenho, diferente da língua falada e escrita, também não possui na estrutura de suas mensagens um caráter linear, sequêncial, pois pode ser “lido”, digamos, a partir de qualquer ponto sem início, meio e fim evidentes, nem possui para todas as suas partes, isoladamente, a preservação de suas imagens completas, seus sentidos, como ocorre com as palavras, independente de comporem frases. Há que se reconhecer as distinções entre texto e imagem. O desenho, como imagem, por exemplo, não se caracteriza como linguagem em sentido estrito, logo, – reavaliando as considerações de Sainz (2005) – o valor metodológico das analogias deve ser ponderado, relativizado, pois ao mesmo tempo que nos permite avançar sobre um território de estruturas comuns nos dificulta adentrar campos específicos e diferenciados. Com base no “Vocabulario Portuguez e Latino”, considerado o primeiro dicionário da Língua Portuguesa, composto pelo Padre Raphael Bluteau (1638-1734), Artigas registra a dupla natureza conflituosa do desenhar no pensamento e do desenhar no papel, e estabelece outra relação direta entre texto e imagem ao recuperar a definição do verbo desenhar como “formar uma idéia, idear” (BLUTEAU: 133). A partir do exemplo sugerido por Bluteau, Artigas encerra sua aula dizendo: “Para construir igrejas há que tê-las na mente, em projeto... que catedrais tendes nos pensamento? Aqui aprendereis a construí-las...” (ARTIGAS, 1986: 52). A interpretação de Artigas da definição de Bluteau merece uma revisão crítica. O Vocabulario sugere que desenhar no pensamento é formar uma idéia, isto é, que o processo formativo da idéia é similar ao desenhar, uma ação formativa gradual que se desenvolve no tempo. Para Bluteau, desenhar é sinônimo de idear. Quais eram as igrejas que desenhava no pensamento? Quais eram as igrejas que ideava? Ou para usar um termo mais direto, quais eram as igrejas que imaginava? 6
  • 7. O que não pressupõe, necessariamente, que uma idéia esteja formada na mente para então ser desenhada no papel. Mas ao contrário, pois se o idear é como o desenhar, porque o próprio desenhar seria distinto de si mesmo? No sentido figurado, como salienta o padre Raphael, desenho tanto é imagem, idéia, quanto empreendimento, projeto. No sentido metodológico, o desenho pode ser entendido como a formação da idéia, invertendo a interpretação de Artigas. Como registra o Vocabulario, o desenho é “a idea, que o pintor forma, para representar alguma imagem” (BLUTEAU: 133-134). Definição sagaz e curiosa. Bem distinta, para não dizer inversa, de algo como: o desenho é a imagem que representa uma idéia. O desenho seria a idéia que o pintor e o arquiteto formam para representar alguma imagem, não uma imagem específica, mas alguma, vaga, imprecisa, visto que ainda não está completamente desenhada. O desenho seria um tipo de imagem especial, uma imagem formada, construída, e como tal passaria a ser idéia, como representação. A sequência dos termos desenho, idéia, forma e imagem adquire uma dinâmica tal que pode nos lançar em um carrossel de sinônimos que alternam constantemente suas posições. A contradição entre texto e imagem quanto ao processo projetual não é exclusiva de Artigas – é, aliás, recorrente entre os arquitetos –, e comparece antes, por exemplo, em Le Corbusier quando este, nos anos 50, expôs seu método de projeto denominado pelo próprio como “incubação”. A incubação, grosso modo, seria um procedimento de assimilação mental das condicionantes projetuais seguido por uma gestação silenciosa, ou uma “ruminação bovina”, nos termos do arquiteto, até o momento em que o projeto “nasceria espontaneamente, assumindo sua existência de uma vez em sua totalidade integral” (CORBUSIER, 1975). Em termos metodológicos, Corbusier estaria defendendo no discurso um papel passivo das representações, do desenho e da modelagem, considerando que o projeto seria resolvido no intelecto e depois explodiria em desenhos e maquetes representativas. O processo de trabalho de Corbusier, no entanto, revela outra dinâmica. Nos seus “carnets de la recherche1 patiente”, como denominou seus cadernos e depois a publicação monográfica de alguns de seus projetos, o que se vê são imagens que constróem um processo experimental de intensa pesquisa, elaboração e formação paciente de arquiteturas. 1 O termo francês recherche quer dizer busca, mas também a pesquisa, o que amplia a caracterização do processo projetual ao campo da investigação sistemática de caráter tecnológico, artístico e propositivo. 7
  • 8. No desenvolvimento de seu projeto para a Capela de Ronchamp, em particular, ficam evidentes as inúmeras variações entre os primeiros croquis e o projeto final, configurando um “ciclo” dialético de elaboração/avaliação/reelaboração sobre um esquema geral que se preserva. Antes de tudo, Corbusier desenha a colina, o “tópos”onde será feita a capela. Procura entender a situação da colina na paisagem e no imaginário de Ronchamp. Alguns dias depois começa a esboçar as primeiras soluções em planta que serão trabalhadas entre junho e julho de 1950. A implantação definitiva só se firmaria em dezembro de 1952, muitos desenhos depois. Nos cadernos de Corbusier fica evidente que não se avança apenas de um desenho para o outro, mas também, e principalmente, dentro de cada desenho, à medida que se desenha. Ou que se modela, pois além de desenhos, Corbusier elaborou a aparentemente pesada e maciça capela valendo-se de maquetes muito leves, feitas em arame e papel, nas quais se vê sua composição estrutural precisa e delicada, e suas afinidades com as técnicas japonesas de fabricação de lanternas e luminárias. O exemplo particular das imagens de Ronchamp que sustentam a ação projetual específica do arquiteto põe em questão o texto que deveria sustentar sua concepção universal de procedimento de projeto. Há portanto uma contradição, um desajuste entre a teoria e a prática na obra do grande mestre da arquitetura moderna. Uma contradição que se expõe na confrontação entre textos e imagens de sua própria produção. Na teoria seu método é o da “incubação”, na sua prática seu trabalho é uma pesquisa paciente que avança tateante, conferindo aos desenhos e modelos um papel ativo, formativo no processo projetual. Ilusões e miragens “...figuramo-nos que toda coisa que se produz poderia ter sido percebida antecipadamente por algum espírito suficientemente informado e que ela preexistia assim, sob forma de idéia, à sua realização; - concepção absurda no caso de uma obra de arte, pois, assim que o músico tem a idéia precisa e completa da sinfonia que se fará, sua sinfonia está feita.” (BERGSON, 2006: 15-16) 8
  • 9. Esta reflexão apresenta-se na Primeira Parte da Introdução da coletânea de ensaios e conferências de Henri Bergson (1859-1941) reunidas sob o título “O pensamento e o movente”, e auxilia a compreensão do distanciamento e das contradições entre texto e imagem apresentados, com base nos conceitos de “ilusão da previsibilidade universal” (1934) ou “miragem do presente no passado” (1934): a condição privilegiada de pensar sobre o processo de produção já concluído, depois que ele aconteceu, – o que é uma desmontagem ou uma análise – pode levar à impressão de que algo que é inquestionavelmente possível no presente teria sido igualmente possível em um passado anterior à sua existência, invertendo a evidência da sua possibilidade, que é consequência de seu existir, na causa de sua existência. “Em vão me represento o detalhe daquilo que irá me ocorrer: como minha representação é pobre, abstrata, esquemática, em comparação com o acontecimento que se produz! A realização traz consigo um imprevisível nada que muda tudo.” (BERGSON, 2006: 103) Certamente o projeto de arquitetura é um esforço de previsão de um processo construtivo futuro, mas será possível prever na imaginação – antes da elaboração projetual sensível –, tudo o que virá a ser criado? “Hamlet era sem dúvida possível antes de ser realizada, se entendermos com isso que não havia obstáculo intransponível à sua realização. Nesse sentido particular, chamamos possível o que não é impossível; e é claro por si que essa não-impossibilidade de uma coisa é a condição de sua realização. Mas o possível assim compreendido não é em nenhuma medida o virtual, o idealmente preexistente... Possibilidade significava, há pouco, “ausência de impedimento”; vocês fazem dela agora uma “preexistência sob forma de idéia”, o que é algo inteiramente diferente... Acredito que acabaremos por achar evidente que o artista cria o possível ao mesmo tempo que o real quando executa sua obra.” (BERGSON, 2006: 117-118) O carrossel de sinônimos formado a partir da interpretação de Artigas sobre a definição de Bluteau então se descontrói, e a interação entre os conceitos ganha posições mais precisas. Afinal, Bergson reafirma-se a proposição de Bluteau de que o desenhar é formar idéias, idear. 9
  • 10. Considerações finais A “catedral” que Artigas tinha em mente, em projeto, quando iniciou os desenhos do edifício da FAU sofreu inúmeras transformações. O que se vê no Caderno dos Riscos Originais não é uma mera transposição de uma “cosa mentale” definida para o papel, mas uma elaboração gráfica contínua que não se esgota no caderno e exige tempo, espaço e trabalho formativo além dele. O desejo pode parecer uma clara imagem mental, mas basta tentar materializá-lo para percebermos o quão frágil e imprecisa ela é de fato. A estrutura das reflexões aqui apresentadas constitui uma proposta metodológica de estudo das interações entre texto e imagem no âmbito dos processos projetuais em arquitetura em particular, que pode ser extendida aos processos artísticos, de desenho industrial e formativos em geral. Esta proposição legitima o corpus de imagens e objetos que precedem a obra como fonte primária que, sempre que organizada e contextualizada, pode fundamentar a construção de conhecimento acerca dos procedimentos específicos de elaboração, invenção e produção de edifícios, objetos e imagens. A organização criteriosa de imagens e objetos que constituem a materialidade dos processos de projeto permite uma aproximação sistemática à singularidade de cada caso, isto é, às particularidades da interação entre problema/projeto/construção/obra concluída em cada caso e, consequentemente, a contraposição de tais histórias particulares a conceitos, noções e paradigmas formulados com abrangência universal em representações textuais, orais e escritas. Os estudos e pesquisas concentrados no papel das representações – imagéticas, textuais e tridimensionais – e nos processos formativos podem construir aproximações complementares indispensáveis aos enfoques tradicionais da história da arte e da arquitetura que, habitualmente, elegem a obra acabada como ponto de partida para considerações crítico-interpretativas e raramente recuam à dinâmica de seu processo de produção individual sigular, e à análise comparativa das características específicas e comuns, coletivas, com relação a processos semelhantes e derivados. 10
  • 11. O texto “O desenho” teve amplo alcance pedagógico, maior até do que os desenhos do Caderno dos Riscos Originais, ambos, contudo, tiveram uma posição central nas formulações acerca do papel das representações na arquitetura, e ressoam na prática e na teoria da produção arquitetônica desde então. O que confere a esta interação entre texto e imagem um caráter paradigmático, referencial para todos os arquitetos, especialmente os brasileiros, desde os anos 60. O que se delineou aqui foi uma revisão crítica. Entre as imagens, o texto e o edifício da FAUUSP há mais dissonâncias do que consonâncias. Entre a prática e a teoria dos arquitetos, com relação ao seu fazer, há muita imprecisão, idealização e fantasia. Estes desencaixes expõem justamente as dificuldades de falar sobre o que se vê, e ver o que se fez, e como se fez. Há aí um campo de pesquisa por investigar que exige atenção ao que é visível, um olhar introspectivo e disposição comparativa. O que se vê não corresponde exatamente ao que se disse sobre o que se fez. É preciso, mais do que nunca, ver o que se vê. Referências Bibliográficas ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da Arquitetura. São Paulo : Pini, Fundação Vilanova Artigas, 1986. _____________________________. Caderno dos riscos originais: projeto do edifício da FAUUSP na Cidade Universitária. São Paulo : FAUUSP, 1998. BERGSON, Henri. O pensamento e o movente. São Paulo : Martins Fontes, 2006. ____________. La pensée et le mouvant: essais et conférences. Paris : Félix Alcan, 1934. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra, 1712-1728. Disponível em: < http://www.ieb.usp.br/online/index.asp> (Acesso em 03/09/2010). CORBUSIER, Le. The Chapel at Ronchamp. London : Architectural Press, 1957. MOUNIN, Georges. Introduction à la sémiologie. Paris : Les Editions de Minuit, 1970. SAINZ, Jorge. El Dibujo de Arquitectura. Barcelona : Reverté, 2005. 11