Este documento apresenta o curso de especialização em Educação do Campo oferecido pela Universidade Federal do Espírito Santo em parceria com outras instituições. O curso aborda cinco eixos temáticos: povos, territórios, movimentos sociais, saberes da terra e sustentabilidade. O documento introduz os organizadores e colaboradores do curso e apresenta os capítulos sobre movimentos sociais, educação do campo e educação e sustentabilidade.
1. Organizadores:
Erineu Foerste
Gerda Margit Schütz-Foerste
Rogério Caliari
INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO DO CAMPO
Povos
Territórios
Movimentos Sociais
Saberes da Terra
Sustentabilidade
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Universidade Aberta do Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa de Pós-Graduação em EducaçãoUFES
2.
3. INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO DO CAMPO
Povos
Territórios
Movimentos Sociais
Saberes da Terra
Sustentabilidade
Organizadores:
Erineu Foerste
Gerda Margit Schütz-Foerste
Rogério Caliari
Colaboradores:
Ademar Bogo
Bernardo Mançano Fernandes
Carlos Rodrigues Brandão
Danilo Romeu Streck
Damián Sánchez Sánchez
Derly Casali
Edmerson dos Santos Reis
Eliesér Toretta Zen
Flávio Moreira
Giovanni Semeraro
Janinha Gerke de Jesus
Josimara Pezzin
Maria das Graças F. Lobino
Maurice Barcellos da Costa
Pedro Jacobi
Roseli Salete Caldart
Sônia A. B. Beltrame
VitóriaES - 2009
4. Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
André Lázaro
Educação do Campo da SECADMEC
Coordenador Geral
Wanessa Zavarese Sechim
Universidade Aberta do Brasil
Coordenador Geral
Celso Costa
Universidade Federal do Espírito Santo
Reitor
Rubens Sérgio Rasseli
Coordenação da UAB / UFES
Maria José Campos Rodrigues
Centro de EducaçãoUFES
Diretora
Maria Aparecida Santos Correia Barreto
Programa de Pós-Graduação em EducaçãoUFES
Coordenadora
Denise Meyrelles de Jesus
7. SUMÁRIO
MOVIMENTOS SOCIAIS
Texto I – Professor Danilo Romeu Streck .................................................................................................................................................... 15
PRÁTICAS EDUCATIVAS E MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA: APRENDER NAS FRONTEIRAS
Texto II – Professor Geovanni Semeraro....................................................................................................................................................... 29
DA LIBERTAÇÃO À HEGEMONIA: FREIRE E GRAMSCI NO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL
Texto III - Professor Damián Sánchez Sánchez ........................................................................................................................................... 33
MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO - LUTAS DOS POVOS INDÍGENAS
Texto IV – Professor Erineu Foerste e Professora Josimara Pezzin ...................................................................................................... 37
O CAMPESINATO MORREU?
Texto V – Professor Bernardo Mançano Fernandes.................................................................................................................................. 43
TEORIA E POLÍTICA AGRÁRIA: SUBSÍDIOS PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO CAMPO
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Texto I – Professor Bernardo Mançano Fernandes ................................................................................................................................... 49
EDUCAÇÃO DO CAMPO E TERRITÓRIO
Texto II - Professor Derli Casali ......................................................................................................................................................................... 71
O CAMPO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Texto III – Professor Flávio Moreira ................................................................................................................................................................. 73
AS IMAGENS SOCIAIS PRODUZIDAS A RESPEITO DA “ROÇA”
Texto IV – Professor Erineu Foerste e Professora Janinha Gerke de Jesus ....................................................................................... 75
ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS: UM PROJETO DE EDUCAÇÃO ESPECÍFICO DO CAMPO
Texto V – Professor Rogério Caliari ................................................................................................................................................................. 77
CONTEXTOS CAMPESINOS: QUAL EDUCAÇÃO?
Texto VI – Professor Erineu Foerste e Professora Gerda Margit Schütz-Foerste ............................................................................. 83
EDUCAÇÃO DO CAMPO: QUEM ASSUME ESTA TAREFA?
Texto VII – Professor Erineu Foerste e Professora Janinha Gerke de Jesus ...................................................................................... 87
EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL: UMA APROXIMAÇÃO
Texto VIII – Professora Sônia Beltrame .......................................................................................................................................................... 91
CENÁRIOS DA ESCOLA DO CAMPO
Texto IX – Professora Roseli Salete Caldart.................................................................................................................................................. 95
SOBRE EDUCAÇÃO DO CAMPO
Texto X – Professores Erineu Foerse e Eliesér Toretta Zen .................................................................................................................... 99
DISCUSSÕES SOBRE PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Texto XI – Professores Erineu Forste, Gerda Margit Schütz-Foerste e Lírio Drescher ................................................................... 103
PARCERIA ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA BÁSICA: QUESTÕES SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO
8. EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE
Texto I – Professor Carlos Rodrigues Brandão............................................................................................................................................ 109
CONVIVER, APRENDER A SER RECÍPROCO
Texto II – Professor Ademar Bogo................................................................................................................................................................... 133
A EDUCAÇÃO E A DISPUTA DE PROJETOS EM NOSSA AGRICULTURA
Texto III - Professor Edmerson Santos dos Reis.......................................................................................................................................... 135
ENTRELAÇANDO SABERES PARA A CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL
Texto IV – Professor Pedro Jacobi ................................................................................................................................................................... 139
EDUCAR PARA A SUSTENTABILIDADE: COMPLEXIDADE, REFLEXIVIDADE, DESAFIOS
Texto V – Professor Pedro Jacobi .................................................................................................................................................................... 141
MEIO AMBIENTE, EDUCAÇÃO E CIDADANIA: DESAFIOS DA MUDANÇA
Texto VI – Professores Alexandre de Gusmão Pedrini e Maria Inês Meira Santos Brito............................................................... 143
EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O DESENVOLVIMENTOOU SOCIEDADE SUSTENTÁVEL?
UMA BREVE REFLEXÃO PARA A AMÉRICA LATINA
Texto VII – Professor Maurice Barcellos da Costa ...................................................................................................................................... 147
QUESTÕES AMBIENTAIS E EDUCAÇÃO
Texto VIII - Professora Maria das Graças F. Lobino ................................................................................................................................... 151
DIMENSÕES INTER/TRANSDISCIPLINARES NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR(A)
9. APRESENTAÇÃO DO CURSO
Queremos dar boas vindas a todos vocês!
O Curso de Especialização Lato Sensu em Educação do Campo é uma conquista co-
letiva dos profissionais da educação. Há muito tempo vínhamos lutando para que isso se
tornasse realidade. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do
Ministério da Educação do Ministério da Educação – SECADMEC vem favorecendo parcerias
no desenvolvimento de trabalhos na formação continuada de professores do campo, resga-
tando assim uma dívida histórica de nosso país com aqueles que vivem no campo.
Os profissionais do ensino que atuam na educação do campo produziram e acumu-
laram conhecimentos a partir de práticas educativas em contextos campesinos e desenvol-
veram ferramentas para garantir educação aos trabalhadores do campo. Isso tem sido feito
com reflexões e esforço para produção de saberes da experiência, que precisam ser sistema-
tizados através de pesquisas em colaboração com pesquisadores da academia, bem como
socializados de forma mais efetiva.
A parceria entre Universidade, Escola Básica diferentes órgãos públicos (Secretaria Es-
tadual de Educação, Secretarias Municipais de Educação) e setores organizados da socie-
dade civil (Movimentos Sociais, Entidades, Sindicatos, Associações etc.) abre possibilidades
concretas de trocas de saberes (acadêmicos e práticos), fortalecendo identidades profissio-
nais dos docentes e a autonomia daqueles que se dedicam ao magistério.
Precisamos unir esforços para construir em diferentes contextos campesinos a escola
que os trabalhadores do campo querem, levando em consideração povos tradicionais (indí-
genas, quilombolas, pomeranos, trabalhadores sem-terra, ribeirinhos, pescadores etc.), terri-
tórios e saberes da terra. O projeto político e pedagógico da educação do campo não é uma
obra que se pode dar por terminada num determinado tempo. Deve ser permanentemente
problematizada e construída a partir das necessidades dos sujeitos do campo, fortalecendo
lutas contra o latifúndio e agronegócio.
10.
11. APRESENTAÇÃO DAS TEMÁTICAS I E II DO EIXO ESPECÍFICO II
INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO DO CAMPO
O Eixo Específico - Introdução à Educação do Campo do Curso de Especialização
Lato Sensu em Educação do Campo: Interculturlidade e Campesinato em Processos Educa-
tivos, na modalidade aberta e a distância articula discussões sobre os cinco Eixos Temáticos,
a saber:
Povos
Territórios
Movimentos Sociais
Saberes da Terra
Sustentabilidade
Para o desenvolvimento dos trabalhos propostos, produzimos este Caderno Impresso
e CD – Rom (em anexo), organizados em três capítulos que abordam os cinco Eixos Temáti-
cos do curso. O propósito foi manter os Eixos Temáticos como articuladores. A partir disso,
possibilitam-se condições concretas para a indissociabilidade do Eixo Específico: Intro-
dução à Educação do Campo, onde são desenvolvidos os capítulos: Movimentos Sociais,
Educação do Campo e Educação e Sustentabilidade, a partir dos textos selecionados e os
demais Eixos Específicos que constituem o currículo do Curso. O material digital apresenta
os textos integrais, da forma como foram disponibilizados pelos respectivos autores de dife-
rentes contextos do cenário nacional.
O CD – Rom contém os roteiros para aprofundamento do estudo dos textos, propostos
pelos autores e/ou organizadores. O Caderno Impresso apresenta para cada Eixo Temático
um texto integral com as questões para aprofundamento das reflexões individuais e nos
grupos.
Além disso, selecionamos fragmentos de alguns artigos, seguidos de sugestões de tí-
tulos para leituras complementares. São igualmente apresentadas questões eou roteiros
para aprofundamento das leituras a partir de pesquisas bibliográficas eou de campo.
No Capítulo – Movimentos Sociais estão apresentados textos que discutem questões
sobre as lutas dos oprimidos por mais dignidade. Isso significa dizer que os trabalhadores
campesinos organizam-se coletivamente e fortalecem movimentos de resistência e de liber-
tação dos povos historicamente marginalizados no projeto de desenvolvimento econômico
das elites, que tem fortalecido o latifúndio e agronegócio no contexto brasileiro e na Améri-
ca Latina, em detrimento da agroecologia e sustentabilidade.
No Capítulo - Educação do Campo encontram-se textos para aprofundamento de
reflexões a respeito do tipo de educação que os povos tradicionais do campo vêm cons-
truindo em suas lutas históricas pela valorização das culturas, seus saberes e identidades
campesinas.
Para os povos campesinos há que se mostrar as contradições da sociedade de classes,
que produz e reforça imagens muito negativas do campo e sujeitos que nele produzem seu
sustento. Observa-se que os movimentos sociais articulam saberes que remetem as práticas
educativas ao modo de produzir existência e sua noção de territorialidade, através do culti-
vo da terra, na perspectiva da agricultura familiar sustentável. Não se trata de negar o conhe-
cimento sistematizado a estes sujeitos, mas sim de cotejá-los a prática daqueles que vivem
nas comunidades indígenas, nas comunidades quilombolas, nas comunidades pomeranas,
nos assentamentos de reforma agrária etc.
12. Finalmente, no Capítulo – Educação e Sustentabilidade os artigos disponibilizados
problematizam a relação predatória do ser humano com a Terra, criticando o projeto
de desenvolvimento proposto pela racionalidade capitalista. Os autores colocam-se num
movimento pela formação de uma consciência humana, no sentido proposto por Paulo
Freire, buscando contribuir no debate pela relação responsável da espécie humana com a
Natureza. A educação é compreendida, nesse contexto, como possibilidade concreta para
construção coletiva de outro projeto de produção da existência humana a partir do cultivo
da Terra. Nesse sentido as culturas e identidades dos povos do campo e os saberes da terra
remete-nos ao projeto de sustentabilidade agrícola, sobretudo quando se trata de agricul-
tura familiar como contraponto ao latifúndio e ao agronegócio.
Cada Capítulo apresenta textos na íntegra e parte de outros, sempre remetendo o lei-
tor ao conjunto de textos integrais disponiblizados no CD - Rom e/ou na plataforma Moodle.
Os artigos estão seguidos de propostas de trabalho, para aprofundamento das reflexões.
Parte do pressuposto que a prática da leitura requer rigor do pesquisador na busca do co-
nhecimento novo, que favoreça a problematização da prática e registros de saberes produ-
zidos a partir das experiências.
Cabe ressaltar que este Eixo Específico não se esgota em si mesmo. Ele deve ser pro-
blematizado no processo de aprofundamento de estudos a partir de outras fontes bibliográ-
ficas inclusive. O presente Eixo Específico, portanto, deve ser tomado como produto de de-
terminado tempo, produzido por sujeitos concretos, e como tal, é marcado por contradição.
Tomando o princípio do movimento e da precariedade das ações humanas, compreende-se
que está em permanente construção, para superação de lacunas e fragilidades que carrega.
Bom estudo!
Os organizadores, maio de 2009.
13. CAPÍTULO
MOVIMENTOS SOCIAIS
Recomendações
Realize uma leitura inicial dos textos, fazendo anotações para
elaboração de uma síntese, que será discutida no grupo de estudo.
Em seguida retome os artigos, buscando dados para resolver as ati-
vidades propostas. Não deixe de registrar suas reflexões, com vistas
ao compartilhamento das mesmas no seu grupo e no encontro da
turma de que você faz parte no Polo da UAB.
15. Texto I – Professor Danilo Romeu Streck
Objetivo: Discutir aspectos sobre Movimentos Sociais na Amé-
rica Latina e educação em contextos de fronteira.
Realize uma leitura inicial do texto, fazendo anotações para ela-
boração de uma síntese, que será discutida no grupo de estudo . Em
Movimentos Sociais
seguida retome o artigo, buscando dados para resolver as questões
propostas. Não deixe de registrar suas reflexões, com vistas ao com-
partilhamento das mesmas no seu grupo e no encontro da turma de
que você faz parte no Polo da UAB.
Grupo de estudo: formar grupos
de até quatro componentes para
trabalhar os textos e realizar ativi-
PRÁTICAS EDUCATIVAS E MOVIMENTOS SOCIAIS NA dades propostas. Este grupo pre-
para discussões para os encontros
AMÉRICA LATINA: APRENDER NAS FRONTEIRAS coletivos.
Danilo R. Streck/UNISINOS 1
Não morrerá a flor da palavra. Poderá morrer o rosto es-
condido de quem a pronuncia hoje, mas a palavra que brota
do fundo da história e da terra já não poderá ser arrancada
pela soberba do poder. Nós nascemos da noite. Nela vivemos.
1 Professor do Programa de Pós-
Morrermos nela. Mas a luz será manhã para os demais, para to- Graduação em Educação da Uni-
dos os que hoje choram a noite, para quem se nega o dia, para versidade do Vale do Rio dos Sinos
quem a morte é um presente, para quem a vida está proibida. – UNISINOS, São Leopoldo – RS
Correio eletrônico:
Para todos, tudo. Para nós a dor e a angústia, para nós a alegre dstreck@unisinos.br
rebeldia, para nós o futuro negado, para nós a dignidade insur-
reta. (Quarta Declaración de la Sielva Lacandona) 2 2 No morirá la flor de la palabra.
Podrá morir el rostro oculto de
quien la nombra hoy, pero la pala-
bra que vino desde el fondo de la
historia y de la tierra ya no podrá
ser arrancada por la soberba del
Resumo: poder. Nosotros nacimos de la no-
che. Em ella vivimos. Moriremos
O artigo analisa a relação entre práticas educativas e movimen- em ella. Pero la luz será mañana
tos sociais populares na América Latina, destacando tanto aprendiza- para los más, para todos aquellos
que hoy lloran la noche, para quie-
gens que os mesmos proporcionam para os seus integrantes quanto nes se niega el día, para quienes
aprendizagens que possibilitam para a sociedade. Dentre os aspec- es regalo la muerte, para quienes
está prohibida la vida. Para todos
tos abordados encontram-se os seguintes: o redimensionamento la luz. Para todos todo. Para no-
do popular, o enraizamento, a ruptura e a insurgênia como parte da sotros el dolor y la angustia, para
nosotros la alegre rebeldía, para
pedagogia dos movimentos sociais, a participação como uma princí- nosotros el futuro negado, para
pio metodológico, uma nova compreensão de sujeito, a produção de nosotros la dignidad insurrecta.
Para nosotros nada. (Quarta De-
saberes específicos da área de atuação dos movimentos sociais e um claración de la Sielva Lacandona).
redimensionamento do local e do global. Como conclusão, procura- In G. Caparó, Ansias del alba: tex-
tos zapatista, 2001, p. 312.
se sinalizar o que significa, hoje, a inserção crítica da educação nos
movimentos da sociedade.
Palavras-chave: Movimentos sociais – práticas educativas -
América Latina
Capítulo: Movimentos Sociais 15
16. 3 O texto serviu de base para a
conferência sobre o tema Práticas
Aproximações ao tema
educativas e movimentos sociais
no seminário “Fronteiras étnico-
culturais e fronteiras da exclusão”
Neste tema cabem muitas perguntas, motivo pelo qual a pri-
promovido pela Universidade meira tarefa consiste em definir as questões que estarão postas para
Católica Dom Bosco, de Campo
Grande, MS, de 21 a 24 de setem-
análise neste artigo. Situo o tema no contexto das discussões sobre
bro de 2006. as mediações pedagógicas nos processos sociais 3 , entendendo que
os movimentos sociais se constituem hoje em espaços privilegiados
Movimentos Sociais
para alavancar o desenvolvimento de uma cidadania ativa e compro-
metida com a superações da realidade e das condições de exclusão
social. A pergunta poderia ser colocada da seguinte forma: De que
maneira os movimentos sociais populares na América Latina se cons-
tituem como mediações pedagógicas para gerar uma sociedade que
tenha lugar para todos? O que se pode aprender neles, com eles de-
les?
Algumas advertências iniciais são necessárias. A primeira delas
diz respeito a tomar a América Latina como referência. Muito já se
escreveu e discutiu sobre a identidade latino-americana. Este próprio
fato parece ser sintomático de uma experiência sentida e vivida nes-
ta parte do mundo e que se expressa no sentimento de que vivemos
num tempo e numa realidade que não são nossos. Quem sabe a pró-
pria idéia de busca do que se é como conjunto de povos e nações,
com traços comuns de formação histórica, possa ser uma base da
identificação como América Latina. Foge-se assim tanto de identida-
des fixas, não raro de caráter folclórico, e também de um vazio que
apenas exacerba o espírito de orfandade.
Uma segunda advertência tem a ver com o risco de idealização
de movimentos sociais e do popular como entidades quase sagra-
das, portadoras da verdade e acima de críticas. Aprendemos a ver
que a ética não é um atributo fixo de determinadas pesssoas e tam-
bém não está colada a determinados grupos sociais. Essa visão ide-
alizadora se opõe a outra, no campo ideológico oposto, que procura
demonizar os movimentos sociais, especialmente os populares, des-
qualificando-os como promotores de desordem. Se neste trabalho
os movimentos sociais são vistos, sobretudo pelo seu lado positivo
é por causa do pressuposto de que, mesmo não isentos de falhas e
acima de críticas, eles trazem importantes contribuições para o de-
senvolvimento da sociedade.
A partir da pergunta acima anunciada, elaboro a abordagem
enfocando os seguintes itens: a) um olhar sobre a compreensão de
movimentos sociais e o seu papel na América Latina; b) uma refle-
xão sobre o seu potencial pedagógico, verificando tanto a educação
dentro do movimento quanto a sua função educadora na sociedade
enquanto movimento que dela faz parte; c) por fim, a título de con-
clusão, retomo o significado do movimento social para a superação
da exclusão através da educação.
16 Capítulo: Movimentos Sociais
17. Notas sobre movimentos sociais na América Latina 4 O livro Mundialización de las re-
sisténcias: Estado de las luchas, or-
ganizado por Samir Amin e Fran-
çois Houtart (2004), que textos de
Ao falar de movimentos sociais na América Latina é impossí- acadêmicos e militantes dos mo-
vel não lembrar imediatamente do Movimento dos Trabalhadores vimentos sociais, é uma tentativa
de proporcionar uma visão global
Rurais Sem Terra (MST), no Brasil, e do Exército Zapatista de Liberta- dos movimentos sociais dentro
ção Nacional (EZLN), no México. São movimentos que se constituem da compreensão do Fórum Social
Mundial.
como forças sociais com atuação marcante em seus países e contam
Movimentos Sociais
com uma grande visibilidade nacional e internacional. No entanto,
ao focarmos a atenção nestes movimentos grandes corremos o ris-
co de não ver o contexto no qual eles próprios encontram o nicho
para continuar existindo. Principalmente a partir da década de 90 o
grande pano de fundo dos movimentos sociais é a contestação das
políticas neoliberais, seja em suas repercussões na educação, na eco-
logia, no mundo do trabalho, na organização política ou nas diversas
formas de expressão cultural. 4
Se os movimentos sociais são diversos, também a compreen-
são sobre eles não é menos diversificada. A definição proposta por
Maria da Glória Gohn (2002, p.25) dá conta daquilo que neste traba-
lho se entende por movimentos sociais. Segundo ela, movimentos
sociais são “ações sociais coletivas, de caráter sociopolítico e cultural,
que viabilizam distintas formas de organização e de expressão das
demandas da população.” Estão presentes aqui as idéias de confli-
to em torno de projetos sociais e políticos, de identidade cultural,
de solidariedade interna, de ação coletiva e de inovação social que,
com ênfases distintas, encontramos em autores como Alain Touraine
(1994), Alberto Melucci (2002) e Boaventura de Sousa Santos (1996).
Historicamente os movimentos sociais estão entre as vozes
silenciadas. Ao menos a história ensinada para os cidadãos comuns
traz muito pouco sobre os movimentos da sociedade que não se en-
quadram na perspectiva hegemônica, aquela que conta como se for-
mou o império, depois a república, com os seus respectivos heróis
protagonistas. Na educação, por exemplo, aprendemos sobre a ação
de Anchieta e o grande esforço dos jesuítas dentro do projeto coloni-
zador. Hoje começam a ser desveladas estratégias de resistência e de
enfrentamento que também passavam pela educação. Começa-se a
abandonar a idéia de tabula rasa para reconhecer que havia um com-
plexo sistema pedagógico para dar conta desta maneira específica
de viver. “Da parte dos povos nativos, diz Helena Dias da Silva (2000,
p. 95), estes procuravam manter seus processos educativos próprios
de todas as formas. Mesmo nas fugas, refúgios ou na escravização,
procuraram recriar espaços que possibilitassem construir e recons-
truir sua história, seus valores e seus projetos de vida, educando as
futuras gerações.”
O mesmo pode ser dito em relação aos negros - por exemplo,
sua organização nos quilombos - e a outros grupos sociais cuja atua-
ção se tornou invisibilizada na história. Boaventura de Sousa Santos
fala da necessidade de uma “sociologia das ausências” para recompor
as lacunas da história, o que muitas vezes pode significar contar o ou-
tro lado da mesma história. Vítor Westehelle (2000, p. 36) argumenta
Capítulo: Movimentos Sociais 17
18. que uma cultura colonizada não é uma cultura morta, “é uma cultura
que esconde, nas profundezas de seus silêncios, vozes prontas para
sair à superfície.” É uma cultura que se torna invisível e se comunica
através do silêncio, da dissimulação e do ocultamento.
A presença desta história encoberta (Dussel, 1993) nos atuais
processos sociais na América Latina é bem expressa por Alcira Argu-
medo quando escreve que não existem marcos teóricos inocentes e
Movimentos Sociais
que é possível recuperar o potencial teórico autônomo contido no
pensamento latino-americano:
O reconhecimento da heterogeneidade cultural dos se-
tores populares da América Latina – que se destaca diante da
crescente homogeneização de suas classes dominantes e das
camadas médias acomodadas – surge com força como pro-
blemática das ciências sociais ao calor da crise dos “paradig-
5 “Os movimentos contemporâne- mas teóricos”. A emergência de novas formas de organização
os são profetas do presente. Não e solidariedade; de movimentos sociais reivindicatórios que
têm a força dos aparatos, mas a
força da palavra. Anunciam a mu-
ultrapassam os partidos políticos; o aumento de massas mar-
dança possível, não para um futu- ginais e de seus novos comportamentos de desesperação; a
ro distante, mas para o presente persistência de identidades sociais que ligam o presente com
de nossa vida. Obrigam o poder
a tornar-se visível e lhe dão assim vários séculos de memórias culturais, para além das caracterís-
forma e rosto. Falam uma língua ticas adquiridas nas diversas regiões, dão conta de fenômenos
que parece unicamente deles, que não podem ser explicados integralmente a partir das con-
mas dizem algumas coisas que os
transcende e, deste modo, falam cepções oficializadas nas ciências sociais e na análise política.
para todos.” (Melucci, 2001, p. 21) (Argumedo, 2004, p.15)
Esse breve pano de fundo histórico parece importante para
entender que a quantidade e diversidade de movimentos sociais na
América Latina, hoje, não se devem a um processo de geração espon-
tânea. Houve uma luta silenciosa pela terra, pelo respeito de identi-
dades, por direitos de cidadania que hoje passa a ser ouvida e vista. E
dependendo do lugar social de onde se olha, passa a ser vista como
profecia 5 ou como ameaça.
Embora os movimentos sociais façam parte da dinâmica da
sociedade, o conceito surge por volta de 1840 como categoria para
estudar o movimento proletário e o comunismo e socialismo emer-
gentes. (Ramirez, 2000, p. 50). Houve, na segunda metade do sécu-
lo passado importantes deslocamentos e rupturas, ocasionando o
surgimento do conceito de novos movimentos sociais. Segundo
Boaventura de Sousa Santos (1996, p. 258) a novidade maior reside
no fato de estes novos movimentos identificarem novas formas de
opressão, para além da crítica da regulação social tanto capitalista
quanto socialista. Isso se comprova na diversidade de temas presen-
tes nestes movimentos: gênero, paz, anti-racismo, anti-produtivismo,
além de lutas por direitos como moradia, terra, saúde e educação.
Na medida em que os movimentos sociais são a expressão da
sociedade em movimento (Rucht, 2001) eles parecem fugir a tentati-
vas de classificação e se constituem num desafio para a compreensão
dentro de parâmetros preestabelecidos porque eles próprios procu-
ram romper estes parâmetros. Seguindo a argumentação de Melucci
(2002, p. 34), os movimentos sociais não são simplesmente a expres-
18 Capítulo: Movimentos Sociais
19. são de uma crise, que se refere à desintegração do sistema e induz a 6 O Município de São Leopoldo
(RS) foi o primeiro a criar uma lei
reações que tendem a restabelecer o sistema. Eles são, em sua visão, anti-discriminatória de gays no
antes expressões de um conflito onde estão em jogo interesses an- Brasil, em 2006, a partir da luta do
movimento gay aliam com outros
tagônicos e por isso têm como resultado produzir mudanças no sis- movimentos sociais da cidade e
tema e não simples ajustes. Estes conflitos surgem por uma série de da região.
contingências em lugares diferentes e nem sempre previsíveis.
Para Touraine (1994, p. 254) um “movimento social é ao mes-
Movimentos Sociais
mo tempo um conflito social e um projeto cultural.” Estão em jogo
nos movimentos sociais tanto as disputas sociais e políticas quanto a
aposta em determinados valores culturais. Por exemplo, o movimen-
to gay não apenas cria estratégias para convencer as comunidades
de seu direito de ser diferente, mas procura criar mecanismos legais
para coibir discriminação no mundo do trabalho e em lugares públi-
cos. 6 Estas duas dimensões – conflito social e projeto cultural – po-
dem variar em intensidade, ora prevalecendo um ora outro.
A força dos movimentos sociais na América Latina é corrobora-
da pela eleição de dois presidentes. No Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva
formou-se no movimento sindical durante o período de lutas contra
a ditadura militar. Na Bolívia, Evo Morales passou de líder cocalero
a presidente de um país onde a maioria indígena é historicamente
alijada do poder. No México, embora os zapatistas com o Comandan-
te Marcos não ambicionem a conquista do poder na forma cargos
públicos, também é incontestável que eles representam uma impor-
tante força política.
Essas breves considerações mostram que é praticamente invi-
ável compreender a realidade latino-americana sem levar em conta
os movimentos sociais. Eles são responsáveis por grande parte das
conquistas hoje transformadas em políticas sociais, buscando garan-
tir direitos básicos do cidadão.
A educação no e pelo movimento social
Os movimentos sociais podem ser analisados como um espaço
da educação em dois sentidos. Uma vez, pelo tipo de práticas peda-
gógicas que promovem em seu interior e, outra, pelo que represen-
tam como fator pedagógico para a sociedade em que se realizam.
Tomando como exemplo os MST pode-se constatar a preocupação
pela formação interna, desde a escola itinerante para as crianças dos
acampamentos até a formação de professores e outras lideranças. O
aspecto formativo para a sociedade começa com a relação que o Mo-
vimento estabelece com as comunidades até o uso dos modernos
meios de comunicação para expor seus argumentos, muitas vezes
através de ações com grande expressão, concreta e simbólica. Para
fins desta exposição estas duas dimensões serão consideradas de
forma integrada. Os itens abaixo pretendem dar uma visão geral da
contribuição do movimento social enquanto também um movimen-
to pedagógico para a sociedade.
A relevância dos movimentos sociais para a educação fica evi-
Capítulo: Movimentos Sociais 19
20. dente quando se compreende a educação como o processo auto-
formativo da sociedade. Essa compreensão de educação situa-a no
âmago das práticas sociais e no cruzamento dos conflitos. Uma das
razões da atual crise da escola é que ela assume o lugar de “ilha”, onde
os alunos se encontram sob a orientação dos professores para ser
formados. Em primeiro lugar, esta ilha não existe. Em segundo lugar,
a pretensão de ser esta ilha ou de permitir ser colocada nesta posi-
Movimentos Sociais
ção, ocasiona um isolamento de fato daquelas forças que poderiam
impulsionar mudanças.
Ao referir-me à educação como autoformação da so-
ciedade desejo acentuar a necessidade de ter o máximo de
consciência e lucidez possível das forças e dos conflitos que
alimentam e são alimentados pelos movimentos sociais. Ali
estão impulsos que, se incorporados às práticas educativas,
podem ajudar estas a encontrar o seu lugar na sociedade ao
lado das forças que buscam construir e ampliar a cidadania e
as possibilidades de vida.
O redimensionamento do popular: A categoria “popular”
passou de uma compreensão genérica como algo do “povo”
para uma compreensão mais específica de identificação com
as classes subalternas. Assim, a partir da segunda metade do
século XX temos referência à cultura popular, ao teatro popular
e à educação popular como expressão contra-hegemônicas.
Havia, nestas definições, uma clara conotação classista. Os as-
sim chamados novos movimentos sociais trazem um redimen-
sionamento do popular, devolvendo-lhe um sentido mais am-
plo de público, muitas vezes nitidamente transclassista, como
é o caso dos movimentos ecologistas, feministas ou de gays.
O desafio consiste em abrir a categoria popular para abranger
outros grupos, mas ao mesmo tempo não perder de vista a impor-
tante conquista de uma identificação mais restrita com grupos so-
ciais excluídos ou subalternizados no sistema de produção. O Fórum
Social Mundial (FSM) é uma boa expressão da articulação dos movi-
mentos sociais e dos cruzamentos entre diversas categorias dando ao
popular um caráter mais multifacetado (Streck, 2004). Isso não signi-
fica que todos os movimentos sociais presentes ou representados no
FSM pudessem ser incluídos na categoria de populares, mas indica
novas possibilidades de encontro e maior porosidade nas fronteiras.
As práticas educativas, nos diversos contextos, podem alimen-
tar-se dessa riqueza de experiências que brotam em muitos setores
da sociedade. Mais importante ainda, podem colocar-se junto nessa
diversidade de movimentos que a sociedade realiza e procurar ser
protagonista. No caso da escola, por exemplo, pode significar abrir
as portas para o grupo de mulheres não apenas para usarem uma
sala para reuniões, mas para trazerem as suas experiências para as
crianças e jovens.
20 Capítulo: Movimentos Sociais
21. Enraizamento e ruptura: Os movimentos sociais, como
vimos acima, expressam conflito, mas eles também são instru-
mentos para a manutenção ou recriação da identidade cultu-
ral. Os conflitos sinalizam rupturas com padrões ou processos
sociais hegemônicos vistos como limitadores de direitos de ci-
dadania ou como ameaças à própria vida. Sua luta é para que
a partir de determinadas rupturas se possa recompor o senso
Movimentos Sociais
comum em um nível que amplia as possibilidades de realiza-
ção humana. Por exemplo, é difícil que hoje alguém conteste
o direito de voto das mulheres ou o acesso de negros à esco-
la, esquecendo que estes direitos são frutos de duras e longas
conquistas.
Junto com isso, no entanto, é importante destacar o enraiza-
mento na cultura do grupo, que pode ser expresso na busca de res-
posta do que se é: “Quem somos, como sem-terra, para além ou fora
dos estereótipos que encontram guarida nas ideologias conservado-
ras?” “Quem somos, como “gays” num mundo que tende a não ver
além do preto e branco?”
A partir da experiência do MST, Roseli Salete Caldart (2000, p.
140) vê no enraizamento o início da educação no interior do movi-
mento. “Saber que não está solta no mundo é a primeira condição
da pessoa se abrir para esta nova experiência de vida. Este costuma
ser o sentimento que diminui o medo em uma ocupação, ou que faz
enfrentar a fome em um acampamento.” Mas não se trata de uma raiz
desvinculada da utopia e de projetos. Daí o uso da expressão enraiza-
mento projetivo, numa combinação criativa de raiz e projeto.
Do ponto de vista das práticas educativas pode-se aprender
muito com a forma como os movimentos lidam com os conflitos na
sociedade circundante; com as suas estratégias para experienciar as
continuidades e as rupturas. Pode-se aprender também a enraizar as
práticas educativas na cultura ou nas culturas do lugar ou da região,
colocando as perguntas sobre quem se é e quem se pretende ser
e recompondo a memória. É impressionante a riqueza e o vigor do
conhecimento produzido por movimentos que buscam recuperar a
sua trajetória, seja de negros, de povos indígenas, dos movimentos
do campo ou das mulheres. Trata-se de aproveitar estes saberes ali
produzidos, mas também de conhecer a metodologia desenvolvida.
Analisando o movimento indígena equatoriano, reuni-
do na CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas no
Equador) Pierre Mouterde (2003, p.81) constata que “justamen-
te porque começa como um movimento social fortemente en-
raizado nas comunidades autóctones que seu discurso político
de aspirações democráticas parece tão crível, justificado e legí-
timo.” Isso também vale para outros movimentos sociais.
A participação: Sendo uma ação coletiva, o movimento
social precisa encontrar os mecanismos de manter a coesão in-
terna. A solidariedade entre os membros parece ser, por isso,
uma característica importante na maioria dos movimentos so-
Capítulo: Movimentos Sociais 21
22. ciais. Criam-se rituais, existem símbolos próprios e organizam-
se manifestações públicas que aproximam os membros entre
si e dão um senso de pertença.(Melucci, 2001, p. 36).
Evelina Dagnino (2000, p.81) reconhece a tendência de misti-
ficar as ações coletivas dos movimentos como expressões da virtu-
de, mas argumenta que nem por isso se deveria deixar de perceber
Movimentos Sociais
as “mudanças moleculares” que resultam de ações de movimentos
sociais. Segundo ela, mesmo fragmentárias, incompletas e contradi-
tórias essas práticas devem ser vistas como “constitutivas de esforço
dos movimentos sociais para redefinir o significado e os limites da
própria política.” Pierre Mouterde (2003, p. 155) conclui em sua análi-
se de alguns dos grandes movimentos sociais da América Latina que
todos eles salientam a idéia de uma ruptura democrática no sentido
de romperem e superarem os limites formais da democracia repre-
sentativa.
Em termos de práticas educativas o desafio consiste em trans-
formar a participação em um princípio metodológico, portanto, mui-
to mais do que em usá-la como técnica de ensino. Dos movimentos
pode-se aprender que, como dito antes, participação implica neces-
sariamente em conflitos. Os movimentos sociais, apesar de terem um
foco de atuação e direcionarem a sua luta, encerram uma pluralida-
de de idéias e de posições que nem sempre são perceptíveis a partir
de fora. Um elemento importante para garantir a participação é o
que no MST é chamado de mística. Nela se encontram os elemen-
tos evocativos, convocativos e provocativos que garantem a força do
movimento. (Peresson, 2006). Evocativo no sentido de recomporem
7 Estima-se que, uma árvore de
a memória, convocativo no sentido de chamarem à solidariedade e
eucalipto necessita de 38 mil litros provocativo no sentido de, partindo da denúncia de determinada re-
de água por ano. O que significa a
plantação de milhares de hectares
alidade, anunciarem alternativas.
para o ecossistema?
A lida com o poder: Os movimentos sociais colocam em
pauta algum tema que conflitua com os interesses dominantes
na sociedade e por isso a relação com o poder é um dos seus
mais importantes desafios. Decidir sobre a ocupação de terras,
o bloqueio de estradas ou o boicote a produtos representa um
confronto com o poder estabelecido. Nessa relação, possivel-
mente uma das mais importantes lições é a desmistificação da
autoridade. O confronto força o poder a se relevar, a dizer de
que lado e a serviço de quem está.
Muitas práticas educativas, especialmente através do movi-
mento da educação popular incorporaram o pressuposto da reali-
dade do poder no seu cotidiano. Aconteceu, assim, um interessante
deslocamento, em termos metodológicos, da “troca de saberes” em
direção à “negociação cultural” (Mejía y Awad, 2001, p. 119) onde se
reconhece que na relação pedagógica se negociam desde visões de
mundo e valores até conhecimentos práticos; e que na negociação
estão em jogo relações de poder. Faz parte também da aprendiza-
gem através dos movimentos sociais que não basta tomar ou ocupar
o poder, mas que é necessário reinventá-los (Freire), uma tarefa per-
manente.
22 Capítulo: Movimentos Sociais
23. A produção de saberes: os movimentos sociais criam
condições para valorizar os saberes do próprio grupo como
contraponto aos saberes que os mantêm à margem e causa-
ram o próprio movimento. Com isso, no entanto, eles se colo-
cam também como produtores de novos saberes. Um exemplo
é a disputa entre conhecimento que neste momento se trava
entre os defensores do uso de grandes extensões de terra na
Movimentos Sociais
metade sul do Rio Grande do Sul para plantação de eucalip-
tos com o fim de alimentar a indústria de celulose e o contra-
argumento de grupos ecologistas sobre o perigo de perdas
irreparáveis para o eco-sistema do pampa 7 . O mérito está, em
primeiro lugar, em trazer o assunto à consciência publica atra-
vés de debates. Em segundo lugar, gera condições para nego-
ciações políticas que repercutem regulação para o uso do solo.
A relação entre o local e o global: Uma das tendências
verificadas entre os movimentos sociais é a sua capacidade de
funcionamento em rede. Os novos meios de comunicação, es-
pecialmente a Internet, contribuíram para que a situação de
agressão aos direitos humanos numa pequena localidade em
um pequeno país longínquo do centro do poder seja conheci-
do e se transforme em um caso e eventualmente em notícia.
Este funcionamento em rede não é privilégio nem invenção
dos movimentos sociais, dado que hoje presenciamos a este
tipo de funcionamento inclusive entre quadrilhas de assaltan-
tes e gangues. O que está em jogo é uma nova relação entre
ações em nível local ou regional e ações em nível global, com
várias implicações. Para o indivíduo isso significa criar novas
referências através de contatos físicos ou virtuais como, por
exemplo, as comunidades do Orkut. Para a cidadania repre-
senta uma revisão do conceito de fronteiras do estado-nação,
uma vez que os controles em limites territoriais fixos se tornam
praticamente inviáveis. Para os movimentos sociais se traduz
na possibilidade de conectar ações locais em diferentes luga-
res de um país ou do mundo.
Este movimento exige mais do que aprender o domínio das
tecnologias ou de habilidades lingüísticas. Exige sobretudo o reco-
nhecimento das diferenças de formas de ação e de estratégias, enfim, 8 Para uma elaboração deste tema
de viver. O viver junto se coloca nestes tempos de globalização, para- veja Educação para um novo con-
trato social (Streck, 2003).
doxalmente, como um grande desafio.
Revisão da idéia de sujeito: As discussões sobre pós-mo-
dernidade trouxeram à tona o debate sobre o sujeito e a possi-
bilidade da ação histórica. Em alguns momentos a vara foi cur-
vada para o outro lado, numa tentativa de desconstrução do
sujeito consciente e fazedor da história, bem como da história
como um projeto imbuído de uma linearidade de certa forma
previsível. Os movimentos sociais interferem na idéia do sujei-
to ao mostrarem que o mesmo não existe de forma abstrata e
fixa, mas se constrói no movimento da história. É ao assumir os
riscos de ser histórico e cultural que o ser humano se constitui
como sujeito. Nas palavras de Alain Touraine (2004, p. 150):
Capítulo: Movimentos Sociais 23
24. O que há se sujeito em nós está sempre ao mesmo tem-
po engajando e desengajado. É por essa razão que você não
pode dizer que tal grupo social, tal indivíduo ou mesmo tal
idéia, tal convicção, constitui um sujeito social. O sujeito é uma
força de desligamento, de superação, e não pertence à ordem
do ter. Eu “não tenho”um sujeito; há um sujeito em mim, e eu
pago caro por isso.
Movimentos Sociais
O sujeito pedagógico pode ser entendido dentro desta mesma
visão. Na medida em que a aprendizagem é um processo do sujeito, o
pólo do processo desloca-se para o sujeito aprendente. Mas também
não é mais o sujeito como indivíduo, mas construído na intersubjeti-
vidade. Essa é sem dúvida uma das grandes diferenças entre o Emílio
9 “Tenho o direito de ter raiva, de de Rousseau e o educando de Paulo Freire 8. Enquanto o primeiro
manifestá-la, de tê-la como moti-
vação para minha briga tal qual te-
é protegido para não ser corrompido pelo meio, o segundo desde
nho o direito de amar, de expres- cedo sabe que não tem como sair do mundo, como Robinson Crusoé
sar meu amo ao mundo, de tê-lo
como motivação de minha briga
em sua ilha, e que por isso precisa conhecê-lo para transformá-lo.
porque, histórico, vivo a Hitória
como tempo de possibilidades A insurgência como princípio pedagógico: os movimen-
e não de determinação.” (Freire, tos traduzem a insatisfação de grupos sociais com a realidade
1997, p. 84).
existente. Eles são, por isso, forças com uma potencialidade de
trazer mudanças, representando um momento instituinte na
sociedade. Este é um tema difícil para a educação formal uma
vez que a escola se institui basicamente como uma força con-
servadora e disciplinadora na sociedade moderna. Sabemos
também que há uma infinidade de formas de subverter esta
força, desde a rejeição até a resistência passiva ou violenta.
O desafio para a educação parece estar em deixar cair cercas
entre a educação formal e a não-formal, especialmente aquela nos
movimentos sociais populares para possibilitar que a insurgência
como um movimento de inovação seja uma possibilidade real no in-
terior das práticas educativas. Trata-se de insurgência no sentido de
recuperar ou criar a possibilidade de dizer a sua palavra, de fazer com
que a revolta e a indignação contra condições opressivas seja trans-
forme numa força potencializadora de mudanças.
Quando Paulo Freire no “direito de ter raiva” 9 ela aponta para
esta condição humana que está na base do agir ético. Mas esta con-
dição precisa ser educada para que se evite que a raiva vire raivosida-
de, que a indignação se transforme em cinismo. No mesmo sentido
que Freire (1992) propôs uma pedagogia da esperança e não para a
esperança, considerando ser esta ontologicamente constitutiva do
ser humano, assim também proporá uma pedagogia da indignação
(2000).
24 Capítulo: Movimentos Sociais
25. Conclusão
A grande lição deixada pelos movimentos sociais para a educação é a
de inserir as práticas educativas no movimento da sociedade, contra-
riando a tendência de tornar o espaço pedagógico um lugar preser- 10 “Por trabajar nos matam, por vi-
ver nos matam. No hay lugar para
vado dos conflitos e das tensões que existem na sociedade, mas com nosotros em el mundo del poder.
Movimentos Sociais
isso também tornando-o relativamente inócuo como promotor de Por luchar nos matarán, pero así
nos haremos um mundo donde
mudanças e como força inovadora. Para tanto, a título de conclusão, nos quepamos todos y todos nos
cabe registrar algumas implicações para a própria pedagogia. vivamos sin muerte en la palabra.”
(Quarta Declaración de la Selva
A primeira é a de repensar hoje os espaços pedagógicos, es- Lacandona. In: Caparó, 2001, p.
314)
pecialmente retomando a pergunta sobre quem forma o educador
e onde ele é formado. Os movimentos sociais – por serem o que são
- não ocupam o centro da sociedade ou determinam as relações de
produção e de poder. Eles se constituem nas margens e, por ocupa-
rem este lugar, eles representam forças questionadoras. A educação
voltada para os parâmetros da eficiência dificilmente reconhece que
exatamente ali possam estar competências sem as quais a sociedade
morre por asfixia.
Uma segunda questão, de cunho epistemológico, diz respeito
à superação da noção estática de conhecimento como produto a ser
transmitido. Esta é uma velha luta pedagógica, mas está longe de ser
vencida. Quem sabe a dificuldade seja até maior hoje, porque as no-
vas tecnologias educacionais passam a falsa noção de que o simples
fato de buscar o conhecimento através da internet já significa estar
envolvido no processo de criação. Os movimentos sociais ensinam
que o conhecimento produtivo do ponto de vista social e humano
tem como referência a experiência do sujeito. O pensar certo, confor-
me uma lição de Freire (1997, p. 42), começa com o pensar a própria
prática.
Por fim, os movimentos sociais realçam a necessidade de ali-
mentar e reelaborar as utopias. O ideal zapatista do mundo como um
lugar onde caibam todos é uma bela metáfora para uma sociedade
que vive a unidade na diversidade:
Por trabalhar nos matam, por viver nos matam. Não há
lugar para nós na sociedade. Por lutar nos matarão, mas assim
faremos para nós um mundo onde caibamos todos e todos
possamos viver sem morte na palavra. (Quarta Declaración de
la Selva Lacandona. In: Caparó, 2001, p. 314) 10
Capítulo: Movimentos Sociais 25
26. Referências (Leituras complementares)
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Capítulo: Movimentos Sociais 27
28. Atividades
Orientar a segunda leitura do texto a partir de questões suge-
ridas pelos organizadores para aprofundamento de reflexões, abaixo
apresentadas:
Atividade I: Localizando movimentos sociais
Movimentos Sociais
1. Que movimentos sociais você conhece, em seu município, re-
gião, ou distrito e o que você sabe /conhece sobre os seus objetivos,
Recomendações: Fazer registros
propósitos (o que eles querem)?
escritos de cada atividade 2. Relate sobre alguma das atividades/ações por eles realizadas.
3. Em sua experiência de ensino, que ações/temas construídos
pelo movimento social tiveram, ou têm, implicações na sua prática
educativa.
Atividade II: Analisando as contribuições dos movimentos
sociais para a construção da prática pedagógica escolar
1. Liste os itens comentados no artigo como sendo as “contri-
buições dos movimentos sociais enquanto também um movimento
pedagógico para a sociedade”: Sublinhe (no texto) as idéias que você
considera importante serem discutidas, em cada um dos itens.
2. À luz dos itens listados na questão acima, analise, critique e
avalie sua atividade pedagógica na sala de aula, levando em conside-
ração a sua experiência profissional e de vida.
Atividade III: Refletindo sobre limites e possibilidades das
contribuições do autor para a construção conceitual da educa-
ção
1. Após ler as conclusões do texto, analise e critique as noções
de conhecimento, explicitadas pelo autor.
2. Reconhece nessas práticas dos movimentos sociais alguma
contribuição possível de nos questionar, nos fazer revisar e mesmo,
reconstruir nossos conceitos sobre educação?
28 Capítulo: Movimentos Sociais
29. Texto II – Professor Geovanni Semeraro
Objetivo: Discutir “libertação” e “hegemonia” como conceitos
complementares nas lutas coletivas pela terra e por uma educação
do campo diferenciada e de qualidade.
Movimentos Sociais
A construção coletiva de projeto diferenciado de educação do
campo remete-nos à história do pensamento, para compreender o
que é “libertação” e o que é “hegemonia”.
Na década de 1970, Paulo Freire lançou o livro Pedagogia do
Oprimido que traz importantes contribuições para compreender e
discutir lutas coletivas dos oprimidos pela de uma sociedade eman-
cipada.
Antonio Gramsci, por sua vez, é intelectual que contribui para
aprofundar análise sobre hegemonia, na correlação de forças na so-
ciedade de classes.
Como debates sobre libertação e hegemonia podem contribuir
para discutir a construção de processos de participação das popula-
ções excluídas, superando estruturas de exploração de classes e de
distribuição desigual de riquezas materiais e bens culturais?
O professor Geovane Semeraro da Universidade Federal Flumi-
nense aprofunda análises nesse sentido, partindo de questões con-
cretas de nosso tempo. Por isso estamos lançando o desafio para ini-
ciarmos discussões sobre esta problemática, a partir de um de seus
artigos: “Da libertação à hegemonia: Freire e Gramsci no processo de
democratização do Brasil”.
Leia a introdução do artigo, buscando estabelecer di-
álogo com o autor a partir de algumas questões iniciais. Em
seguida, acesse o artigo na íntegra na plataforma Moodle e/ou
CD Rom, para aprofundamento das análises propostas pelas
questões aqui apresentadas. Como o autor discute “libertação”
e “hegemonia”?
Vamos à leitura do texto!
Ler atentamente os textos do livro e do
CD- Rom
Capítulo: Movimentos Sociais 29
30. DA LIBERTAÇÃO À HEGEMONIA: FREIRE E GRAMSCI NO
PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL
Giovanni SEMERAROUFF
RESUMO
Movimentos Sociais
As lutas populares que se desencadearam no Brasil desde os
anos 1960 até hoje podem ser caracterizadas por dois grandes para-
digmas: “libertação” e “hegemonia”. A “libertação” foi a tônica predo-
minante nos anos 1960 e 1970. A “hegemonia” tem sido a palavra de
ordem ao longo dos anos 1980 e 1990. A primeira, representada par-
ticularmente por Paulo Freire, e a segunda, tendo em Antonio Gra-
msci sua referência maior, foram se entrelaçando e tornaram-se inse-
paráveis no desenho de um projeto alternativo de sociedade. Neste
artigo, apresenta-se uma análise crítica de seus significados em de-
corrência dos dez anos da morte de Paulo Freire e dos 70 da morte
de Gramsci. O texto que segue, além de percorrer os significados, as
diferenças e o entrelaçamento de “libertação” e “hegemonia” em seu
contexto histórico e social, apresenta uma reinterpretação dos dois
paradigmas ante as mudanças políticas e culturais atualmente em
curso no Brasil e na América Latina.
Palavras-chave: hegemonia; libertação; política.
30 Capítulo: Movimentos Sociais
31. Referências (Leituras complementares)
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_____. 2006. Gramsci e os novos embates da filosofia da práxis. Aparecida : Idéias
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Capítulo: Movimentos Sociais 31
32. Atividades:
Para aprofundamento do estudo do texto, realize as seguintes
atividades sugeridas pelos organizadores.
Atividade I: Analisando conceitos
Leia inicialmente a introdução do artigo, buscando estabelecer
diálogo com o autor a partir de algumas questões iniciais. Em segui-
Movimentos Sociais
da, acesse o artigo na íntegra na plataforma moodle e/ou CD Rom,
Recomendações: Fazer registros
para aprofundamento das análises propostas pelas questões aqui
escritos de cada atividade apresentadas.
1. Como o autor discute “libertação” e “hegemonia”?
Atividade II: Ressignificando a Educação do Campo
A partir dos anos 1990, no entanto, intensas mudanças na polí-
tica, na economia e na cultura vêm provocando uma ressignificação
dos paradigmas de “libertação” e “hegemonia”, sinalizando um novo
ciclo da história das lutas populares. Nas páginas que se seguem,
queremos mostrar como Paulo Freire (1921-1997) e Antonio Gramsci
(1891-1937) aparecem juntos não apenas nas datas comemorativas
de nascimento e morte, mas continuam associados na inspiração das
atuais lutas dos “oprimidos” e dos “subalternos” do Brasil e do mun-
do. A leitura do texto nos leva compreender o sentido das palavras
“libertação” e “hegemonia” e sua utilização ao longo das ultimas dé-
cadas da História do Brasil. Seu entendimento nos conduz a reflexões
sobre as incoerências estruturais; as profundas raízes da dominação;
a geração de forças organizativas; e as articulações políticas junto aos
movimentos sociais.
Responda:
1. Que argumentos você empregaria para apoiar a idéia de que
uma Educação do Campo envolvida com sua realidade de inserção
promoveria um projeto alternativo de sociedade?
2. Tendo como espaço de análise sua a prática educacional su-
gira ações para famílias camponesas da área de inserção da escola
em que você atua. Ações que: a) proporcione melhoria na qualidade
de vida; b) fortaleça politicamente suas formas de organização so-
cial; c) encoraje práticas de produção que respeite suas diversidades
e lógicas produtivas e; d) resgate e valoriza suas formas de manifes-
tações culturais e lingüísticas.
32 Capítulo: Movimentos Sociais
33. Texto III - Professor Damián Sánchez Sánchez
Objetivo: Avaliar lutas de povos indígenas pelo direito à terra,
com valorização de suas culturas, identidades e saberes.
Realize uma leitura inicial do texto, fazendo anotações para ela-
boração de uma síntese, que será discutida no subgrupo de estudo.
Movimentos Sociais
Em seguida retome o artigo, buscando dados para resolver as ques-
tões propostas. Não deixe de registrar suas reflexões, com vistas ao
compartilhamento das mesmas no seu subgrupo e no encontro da
turma de que você faz parte no Polo da UAB. Aprofunde suas inves-
tigações navegando nos sites sugeridos pelo autor, no final do texto.
MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO - LUTAS DOS PO-
VOS INDÍGENAS
Damián Sánchez Sánchez 11
Nesses mais de 500 anos de existência de uma sociedade fun-
dada na invasão e no extermínio dos povos indígenas, construída na Leia atentamente os textos do livro e do
escravidão e na exploração dos negros e dos setores populares, as CD- Rom.
revoltas, insurreições, movimentos políticos e sociais emergem como Registre as atividades de forma escrita, oral
formas de resistência dos povos que aqui viviam há mais de 40 mil e fílmica.
anos. Há estimativas de que, em 1500, existiriam cerca de 6 milhões
12
de nativos no País. Hoje, estima-se a população indígena em pouco 11 Aluno do curso de doutorado
do Programa de Pós-Graduação
mais de 350 mil, não chegando a 0,20% da população brasileira. Eles em Educação do Ceentro de Edu-
estão espalhados em quase todo o País, encontrando-se, principal- cação da Universidade Federal do
Espírito Santo. Ex-coordenador da
mente, nas regiões Norte e Centro-Oeste. O maior local de concen- Comissão Pastoral da Terra - CPT
tração é a Amazônia legal. 13 Atualmente, sobrevivem cerca de 241 da Regional do Espírito Santo e Rio
de Janeiro. Foi membro da Articu-
povos indígenas identificados . 14 lação Nacional “Por uma Educação
Os índios foram escravizados pelos portugueses assim que es- Básica do Campo” e coordenador
da grande região Minas Gerais, Es-
tes chegaram e se apropriaram do País. A partir de 1595, fica proibi- pírito /santo e Rio de Janeiro. Foi
do o aprisionamento dos índios, porém isso só acontece no papel. membro da comissão organizado-
ra da I Conferência Nacional “Por
O fato é que a escravização, a aculturação e o extermínio deliberado uma Educação Básica do Campo”.
continuaram ocorrendo, fazendo com que vários grupos indígenas Participou do I ENERA - Encontyro
Nacional de Educadores e Educa-
desaparecessem ou ficassem restritos a um número reduzido de doras da Reforma Agrária.
membros.
12 Fonte: Conselho Indigenista
Missionário (CIMI).
13 Área geográfica criada pelo Go-
verno em 1966, compreendendo
os Estados de Maranhão, Pará, To-
cantins, Amapá, Amazonas, Acre,
Roraima, Rondônia e Mato Grosso,
abrangendo uma área total de
4.900.000km2 (60% do território
nacional).
14 Para maiores informações
remetemos o leitor à página
do Conselho Indigenista Misi-
sionário: <http://www.cimi.org.
br/?system=news&eid=292
Capítulo: Movimentos Sociais 33
34. Referências (Leituras complementares)
BASTOS, Elide Rugai. As Ligas Camponesas. Petrópolis: Vozes, 1984.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. CPT: pastoral e compromisso. Pe-
trópolis: Vozes, 1983
Movimentos Sociais
FREI BETO. Para uma melhor distribuição da terra: o desafio da refor-
ma agrária - versão popular. São Paulo: Loyola, 1998
GÖRGEN, Frei Sérgio Antônio. A resistência dos pequenos gigantes:
a luta e a organização dos pequenos agricultores. Petrópolis: Vozes,
1998
STÉDILE, João Pedro. Situação perspectiva da agricultura brasileira:
texto para o manual de monitor do conselho popular. Brasília, 1998.
Mimeografado.
MEINCKE, Sílvio. Luta pela terra e reino de Deus. São Leopoldo-RS:
Sinodal, 1987.
Sugestões de sites e endereços eletrônicos:
Comissão Pastoral da Terra - http://www.cptnac.com.br/
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - http://www.mst.
org.br/
Sugestões de Filmes:
Sarandi
Direção: Carlos Carmo * Duração: 26 min * 2007 * Apoio: NEAD
No dia 7 de setembro de 1979, um grupo de mais de 100 famílias de agri-
cultores marcou a história da luta pela terra no Brasil. Expulsas de uma reserva in-
dígena em Nonoaí (RS), essas famílias reúnem-se e organizam a primeira ocupação
de terra bem sucedida após a implantação da ditadura militar, em 1964. Os agri-
cultores familiares ocupam as granjas Macali e Brilhante, duas fatias de um grande
latifúndio chamado Fazenda Sarandi, no Norte gaúcho. Na ocasião, as expectativas
dos sem-terra foram documentadas, em Super 8, no filme “Fazenda Sarandi”. Esse
registro raro é um dos materiais históricos usados no documentário “Sarandi”, que
traça, por meio de depoimentos e memórias, um panorama da região ao longo
desses 27 anos.
Memórias Clandestinas
Direção: Maria Thereza Azevedo * Duração: 52 min * 2007 * Apoio: NEAD e
PPIGRE
O filme narra parte da história de vida de Alexina Crespo, primeira mulher
de Francisco Julião – ex-deputado estadual e advogado pernambucano, liderança
das Ligas Camponesas, – e sua atuação na organização e ampliação das Ligas. A
obra traz depoimentos de Alexina e seus quatro filhos - Anatailde, Anatilde, Ana-
34 Capítulo: Movimentos Sociais
35. tólio e Anacleto, além da participação de pesquisadores e moradores do engenho
Galiléia. Os entrevistados abordam a organização do movimento, o golpe militar, a
guerrilha e o exílio de Alexina em Cuba, em importantes episódios que ficaram no
silêncio e na clandestinidade.
Expedito: Em Busca de Outros Nortes
Direção: Beto Novaes e Aida Marques * Duração: 80 min * 2006 * Apoio:
Movimentos Sociais
NEAD
Em busca de dinheiro, poder, ou simplesmente do tão sonhado pedaço de
terra, lavradores, madeireiros, pistoleiros, pequenos comerciantes e garimpeiros
empreenderam uma migração maciça para a Amazônia durante a década de 1970.
Expedito Ribeiro de Souza, trabalhador rural de Minas Gerais, resolve entrar nessa
aventura com a família. Ele parte para o Sudeste do Pará guiado pela notícia da
reforma agrária nas redondezas, ouvida no rádio. A saga de Expedito e seu enga-
jamento na luta social e política na região do Araguaia, que o levaram a enfrentar
ameaças de morte arquitetadas pelos fazendeiros locais, constituem o enredo do
filme.
Zé Pureza
Direção: Marcelo Ernandez * Duração: 97 min * 2006 * Apoio: NEAD
O filme acompanha um grupo de pessoas na trajetória do acampamento
até o assentamento, que leva o nome “Zé Pureza” em homenagem ao mais impor-
tante líder camponês do Rio de Janeiro do período pré-64. São mostradas as reu-
niões de mobilização, ocupações, os despejos, as manifestações públicas e dramas
sociais dessas famílias nos diversos locais onde estiveram acampadas.
Quadra Fechada
Direção: Beto Novaes * Duração: 27 min * 2006 * Apoio: NEAD
Roubos nas medições da jornada de trabalho, na pesagem e no preço da
cana colhida têm motivado freqüentes conflitos na zona canavieira. Para superar
essas distorções, o Sindicato dos Empregados Rurais de Cosmópolis e região ne-
gociaram o sistema Quadra Fechada, em que o sindicato controla a metragem cor-
tada por meio de mapas de campo e o peso através de um computador colocado
na balança da usina. O vídeo apresenta esse sistema e também os desafios enfren-
tados pelos trabalhadores rurais com a intensificação cada vez maior do ritmo de
trabalho.
Para saber mais - A CARTA DA TERRA
Se depender do esforço da sociedade civil organizada, as futu-
ras gerações poderão viver em um mundo melhor. Mais de 100 mil
pessoas se mobilizaram em prol da Carta da Terra, aprovada na Fran-
ça. O documento é fruto da discussão de 46 Países, incluindo o Brasil.
Com a mesma representatividade internacional da Declaração
dos Direitos Humanos, a Carta propõe aos Países envolvidos “formar
uma aliança global” em respeito à terra e à vida. Para conhecer o con-
teúdo da carta entre no seguinte endereço: www.mma.gov.br/estru-
turas/agenda21/_arquivos/carta_terra.doc
Capítulo: Movimentos Sociais 35