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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
BRUNA LIMA BIASI
RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO
TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS
UBERLÂNDIA
2013
BRUNA LIMA BIASI
RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO
TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS
Resenha apresentada ao Curso de Pedagogia
da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito parcial
a obtenção de nota na disciplina Sociedade
Trabalho e Educação.
Professora: Joelma Lúcia Vieira Pires
UBERLÂNDIA
2013
RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO
TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter:
conseqüências pessoais do trabalho no novo
capitalismo e as Invasões Bárbaras. Trad.
Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record,
1999.
AS INVASÕES BÁRBARAS. Denys Arcand.
Argentina, 2003.
Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova York e da London
School of Economics escreveu em 1998 a obra sobre ética do trabalho: A corrosão do caráter:
conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Sennett, nesta obra, apresenta
seqüência a sua pesquisa e reflexão sobre as novas relações de trabalho no capitalismo atual e
seus resultados no caráter subjetivo.
Este ensaio principia-se como uma conferência feita na Universidade de Cambridge
em 1996 por Sennett. Segundo o autor, a continuação no Centro de Estudo Avançado em
Ciências Comportamentais lhe ajustou tempo satisfatório para escrever esta obra. Além disso,
o autor demonstra suas experiências particulares com trabalhadores americanos ao longo de
sua vida e, a partir de tais conhecimentos, passa a ajuizar sobre as relações de trabalho, o
caráter particular e as suas modificações no novo capitalismo.
Sennett procura o cenário atual, concebido pelo filho de Enrico, Rico, cuja vida é mais
próspera materialmente, ainda que em outra conjuntura, no qual o trabalho não é mais uma
obrigação para longos períodos ou com sentidos mais permanentes. A partir de
entrevistas realizadas com executivos dispensados da IBM em Nova York, colaboradores de
uma padaria de Boston, um empregado que se transformou em um executivo da publicidade e
muitos outros, Sennett avalia os resultados desorientadores do novo capitalismo.
Ele expõe o contraste intenso entre dois mundos de trabalho: aquele das organizações
hierárquicas severas, no qual o que implicava era um senso de caráter individual; e o
espantoso mundo novo da reengenharia das corporações, risco, flexibilidade, marketing de
rede e equipes que trabalham juntas durante um breve espaço de tempo, no qual o que implica
é ser apto de se reinventar a toda hora. Em alguns aspectos, as transformações que assinalam
o novo capitalismo são positivas: afinal, não se pode recusar que elas estabeleceram uma
economia dinâmica. Contudo elas também podem desgastar o senso de objetivos, a probidade
e a confiança recíprocas, fatores que as gerações precedentes afrontavam como fundamentais
para forjar o caráter individual.
As Invasões Bárbaras é um filme de Denys Arcand que retrata também o colapso do
capitalismo. Trata-se de um drama que descreve os períodos finais da vida de um professor
universitário do Canadá, enfermo de câncer em estágio terminal. Suas relações familiares
tinham se decomposto, pois não vivia mais com sua mulher e com seus dois filhos nem sequer
trazia contato. O estranhamento em sua atividade fica ilustrado de saída num momento em
que se despede de seus alunos, deixando evidente se afastar “por motivo de saúde”, recebendo
como retorno somente uma interrogação sobre o prazo de entrega dos trabalhos. Isso numa
cena que expunha a atitude dos universitários: levianos por excelência, uma esboço cujo
móvel é fidedigno, ainda que se realize por uma alegorização tópica que, felizmente, não volta
a acontecer.
Voltando a obra de Sennet, o autor apresenta informações importantes para apreender
o contexto político e social do mundo pré e pós-globalizado e para afrontar uma economia
fundamentada no princípio de “sem comprometimentos em longo prazo”. Com base em sua
acepção de caráter: “traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais
buscamos que os outros nos valorizem” (p.10), Sennett passa a examinar as relações de
trabalho moderno e seus efeitos nos valores subjetivos como a lealdade e os compromissos
recíprocos.
No filme, a esposa do professor, mesmo tendo se separado fisicamente dele devido às
variadas aventuras amorosas de Rémy, alimenta uma carinho que a move a estar perto dele;
mais que isso, empenha-se por dar conta de todas as responsabilidades com que de modo
repentino se depara. O contato com o filho e a solicitação por sua presença é ponto essencial
deste cuidado. O filho de Rémy, Sébastien, um trabalhador do mercado de capitais em
Londres, não obstante de resistente, pela separação afetiva em relação a seu pai, dirige-se ao
Canadá e, logo depois de alguns desentendimentos com Rémy, torna-se determinado a voltar
atrás ligeiramente. É quando sua mãe interfere, confessando que o pai, apesar de tudo, sempre
tinha cuidado muito por ele: “ligava aos seus professores até no tempo da faculdade”.
A circunstância incômoda remete-o a raciocinar em como auxiliar seu pai, já que
Rémy encontra-se internado em um hospital público do Canadá, onde o sistema de saúde foi
completamente estatizado e passa por uma fileira de inconvenientes acarretados pela
superlotação, atendimento impróprio, carência de equipamentos, entre outros problemas.
Resistente, protesta Rémy: “eu batalhei pela estatização, assim sendo, tenho que lutar também
com as implicações”. Sébastien, contudo, leva-o para os Estados Unidos, a fim de conseguir
exames mais particularizados, e decide usar o dinheiro que possui para comprar a diretora do
hospital e o sindicato, com representantes nos ambientes de trabalho gozando benefícios
legais e tendo na corrupção uma atividade corrente, com a finalidade de montar um quarto
digno para Rémy num andar em desuso, onde este pôde receber os grandes amigos de
antigamente.
Sennett em sua obra questiona como decidir os traços individuais, o valor em uma
sociedade onde tudo é passageiro, onde a flexibilidade, ou seja, o poder de se convencionar a
qualquer meio é tido como valor? Não é admissível estabelecer um caráter em um capitalismo
flexível, onde não existem metas em longo prazo, pois a constituição deste depende de valores
morosos, relações duradouras, de longo prazo, isto não é imaginável em uma sociedade onde
as instituições vivem se desfazendo ou sendo sempre reprojetadas.
Para debater esta questão, Sennett apela a diferentes fontes, como informações
econômicas, narrativas históricas e teorias sociais como de Max Weber e Adam Smith e,
ainda, à sua vida cotidiana, seu procedimento é como de um antropólogo, segundo o próprio
autor. A obra é decomposta em oito breves capítulos, onde se determina o tempo capitalista,
se confronta o velho capitalismo e o novo, mostram-se os problemas de se envolver as novas
relações de trabalho, a ofensiva do capitalismo ao caráter subjetivo, a transformação ética do
trabalho, os sentimentos despertos nos sujeitos como o fracasso, o desnorteamento, a
depressão e, por fim, como suportar e existir neste meio? Existe remédio para os males do
trabalho? São as respostas para estas questões que Sennett busca neste debate.
No primeiro capítulo, Deriva, Sennett descreve a história de duas gerações norte-
americanas, Enrico e Rico, filho de Enrico. Este relato convém como conferição entre dois
exemplos de trabalhadores. O trabalhador fordista, burocratizado e rotinizado, que
esquematiza sua vida e suas metas se fundamentado em um tempo lineal, cumulativo e
disciplinado, que estabelece sua história e perspectivas a partir de um progresso de longo
prazo.
E o trabalhador flexibilizado do capitalismo mais atual, que altera de endereço
comumente, não institui laços estáveis de relação com os vizinhos, muda de emprego
constantemente, não projeta suas metas a partir de perspectivas de longo prazo, ou seja, vive
uma vida de inseguranças, vida sem laços duráveis. O trabalhador flexível não tem laços
estáveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, o problema de se instituir laços
duráveis está corrompendo o caráter e como isso advém é corroborado ao longo do ensaio.
Retornando ao filme, o reencontro com seus amigos intelectuais, convidados por ação
de Sébastien é sintomático para uma geração imbuída de teorias extenuadas moralmente: eles
fazem rememorar suas aventuras sexuais “livres”, suas frustrações na atividade do magistério
e na faculdade, admitindo seu esgotamento teórico. Contudo a aproximação franca e as
atitudes dos amigos, proporcionando alguns deleites finais a Rémy e, especialmente,
apoiando-o em sua determinação derradeira, a eutanásia, sugerem a importância desta relação
fundamental que avigorou a todos, ainda que de modo limitado.
Um ponto muito importante é, exatamente, este final conformado pela morte de Rémy
por overdose induzida, viabilizada por uma remota amiga de Sébastien, dependente de
heroína, cuja aproximação deve-se a uma tentativa de suavizar as dores que já esgotavam seu
pai. Nesta oscilação, a garota rescinde um círculo desmoralizado a que se submetia e passa a
tomar uma grandeza mais palpável não dos efeitos do uso de drogas, contudo sim de
possibilidades de vida para as quais não ajuizava, o que a movimenta em procura da
desintoxicação.
Nesta afinidade, constituída de modo inconveniente, o filho de Rémy vê-se
submergido por alguém que interrogava seu comportamento ingrato e calculista; Sébastien é
um yuppie, em certa medida contrário às pretensões da geração de seu pai. É respeitável
observar que não se trata simplesmente de um conflito de gerações, e sim de uma
contraposição entre subjetividades constituídas em tempos históricos distintos: ao pai falta
acertar para as modificações acontecidas, e ao filho falta a dimensão das relações humanas.
Um aspecto análogo posto em função da tragédia torna-se a sensibilização de Sébastien.
No livro, a rotina era a grande moléstia do velho capitalismo, conforme Adam Smith
ela embrutecia o íntimo, na experiência de se libertar deste mal a nova sociedade procurou
flexibilizar o tempo, de forma a não ficar presa a um costume, a um programa. Esta negativa
da rotina, do velho capitalismo, pode ser observada no indeferimento do modo de vida de
Enrico por seu filho Rico. Rico se avigora para não evidenciar nenhuma ligação ou resquício
do trabalhador braçal que procurava o Sonho americano como que era seu pai, Rico quer
esquivar da rotina.
A grande dificuldade é que esta rotina fundamentada no tempo linear foi suprida por
novas formas de autoridade e influência. No velho capitalismo fordista, o poder e o controle
eram manifestos, o patrão no superior do escritório controlava e supervisionava o trabalho dos
trabalhadores, regulava o tempo. O novo capitalismo flexibilizou o tempo, os produtos são
cada vez menos duráveis, adotando a dinâmica de curto prazo, os empregos são provisórios.
No entanto, esta coerência de desburocratização agrupou o poder ainda mais nas mãos dos
capitalistas que, agora, são invisíveis dentro das corporações.
A ilusória liberdade oferecida ao trabalhador por meio do trabalho em grupo, onde ele
determina o que fazer sem o chefe lhe dar direção, na verdade alocou o trabalhador ainda mais
sob a autoridade do capitalista. Isso ocorreu porque ele já não contém mais o que faz, a
atomização cada vez maior dos serviços fez com que não se necessitasse mais de tanto
preparo, treinamento por parte do trabalhador, como resultado este deixou de ter a
propriedade sobre seu emprego, por isso ele sempre está mudando de campo, de empresa, de
função, já não tem vínculos fortes com suas tarefas, com seus companheiros.
A falta de dedicação ao longo prazo com seu trabalho, a não concepção de laços
duráveis acabou flexibilizando e por fim adulterando o caráter, pois este depende de tempo
para se concretizar na medida em que apenas se pode definir o sujeito, o valor que tem
quando procura a valorização de seu interior pelos outros. Ou seja, somente se determina
nosso caráter quando se estabelece laços constantes que admita situar o homem dentro de um
meio social.
O novo capitalismo, pois, se diferencia pela competência imediata, a flexibilização, a
ousadia, a alienação acabada do sujeito, “não se mexer é tomado como sinal de fracasso,
parecendo a estabilidade quase uma morte em vida” (p.102). Modificar o tempo todo faz a
pessoa se perder da realidade a qual compete, no antigo capitalismo o acordo de se pertencer a
uma categoria era simplesmente percebível, no capitalismo presente não se conhece a que
grupo social se incumbe. Esta realidade pode ser vista quando Sennett pergunta a alguns
padeiros a que classe concerne, dizem vagamente serem da classe média.
No jogo capitalista moderno todos confiam serem possíveis vencedores, sabem que os
vencedores fazem parte de um pequeno grupo, contudo não se movimentar é condenar-se ao
fracasso. “O risco é um teste de caráter; o importante é fazer o esforço, arriscar a sorte,
mesmo sabendo-se racionalmente que se está condenado a fracassar” (p.106). Portanto, as
pessoas se observam exauridas ética, social, cultural e politicamente. As relações humanas se
tornam uma dissimulação teatral, relações sem domínio, sem comando. Desta forma, a
constituição de uma história de vida que vincule as pessoas fica incapaz, pois não existe
padrão e nem responsabilidade. As pessoas estão sujeitas ao sentimento de fracasso.
Nesta definição, as pessoas mais velhas ou mais experientes são observadas como
atrasadas, fracassadas, pois flexibilidade, risco, não convenciona com acúmulo de
conhecimento, de tempo de vida. A história de Rose é um bom padrão oferecido pelo autor,
ela admite “não ter mais coragem” (p.107). “As atuais condições da vida empresarial
encerram muitos preconceitos contra a meia-idade. Dispostos a negar o valor da experiência
passada da pessoa” (p.107). Além disso, este exemplo comprova como o novo capitalismo se
tornou desnorteante e deprimente, instituiu éticas antagônicas à autodisciplina e à auto-
modelação da ética de trabalho como a apresentada em A ética protestante e o espírito de
capitalismo de Max Weber.
O poder está presente, mas o domínio está ausente. O repúdio da autoridade e da
responsabilidade admite a evasão dos protestos e das crises, já que não existem laços fortes o
satisfatório para existir uma coesão. Não existe nenhuma autoridade para distinguir o valor,
pois as pessoas estão à deriva do fracasso. O pronome nós é temido pelos capitalistas, temem
o ressurgimento dos sindicatos, igualmente no capitalismo atual não oferece motivos para as
pessoas se vincularem, “há história, mas não narrativa partilhada de dificuldade e portanto
tampouco destino partilhado” (p.176). Para Sennett, um regime, portanto não pode se
conservar por muito tempo.
Para Sennett, a superficial melhoria das condições de trabalho tão enaltecidas, não
passam de pura fantasia, a verdade é que o caráter humano foi fortemente corrompido. A
fidelidade, os compromissos pessoais são dificílimos, é a desumanização absoluta do ser
humano. Deste modo, o autor consegue evidenciar como esta corrosão advém utilizando
exemplos verdadeiros, ao escolher pela narrativa e não meramente o uso de estatísticas e
tabelas, consegue produzir vida, expressão, para corroborar sua hipótese inicial de que as
novas analogias do novo capitalismo flexível contaminaram e corrompem o caráter do ser
humano.
A partir desta conclusão o autor induz o leitor a ajuizar sobre o tipo de sociedade que
está sendo estabelecida, uma sociedade em que os sujeitos não se vêem imprescindíveis uns
aos outros, ou seja, é o individualismo surgido da burguesia industrial do velho capitalismo
levado ao extremo, potencializado.
O autor termina seu livro ligando os pontos de desgaste do caráter do trabalhador no
capitalismo flexível à perda do senso de comunidade; e são estes os aspectos que devem ser
resgatados: o caráter do homem estabelecido pelo trabalho e a lealdade à comunidade. A
noção de comunidade empregada por Sennett refere-se ao significado de vizinhança das
cidades norte-americanas e do partilhar de problemas, alegrias e angústias; ainda que
conservando a ética da gratificação do trabalho individual e sucessivo.
A leitura do livro de Sennett não desperta certezas nem almeja levantar disposições
teóricas, entretanto seguramente interroga as transformações atuais que submergem a todos
numa rede flexível e improvável, em que o caráter não estabelece a linha norteadora da vida e
do trabalho.
Em relação ao drama, trata-se de um bom filme que recomenda problemas sociais
presentes no terreno genético da ação: estranhamento no trabalho, pauperização dos
trabalhadores, esgotamento do Estado de bem-estar social, colapso ideológico.
A miserabilidade sempre em destaque, o papel fundamental e resolutor do dinheiro, a
delucidação da falência teórica das propostas acadêmicas são verificações essenciais que
ganham significado na medida em que se faz presente a noção, ainda que por vezes
contemplativa, da precisão de libertação humana destes vínculos, ou seja, rompe-se
ativamente com uma fileira de imperativos morais e, especialmente, encontra-se espaço para
relações humanas mais fidedignas, e nisso convive o que pode ser analisado o mérito do
filme.
O importante é que tudo acontece por meio da diferenciação de sujeitos em vida de um
modo que pode ser analisado feliz, sem o embuste de quem quer se mencionar à totalidade de
costumes da vida social a partir de meia dúzia de padrões que tudo permitem. Existe, assim
sendo, personagens em ação numa circunstância característica, sem a representação tão
presente em diretores que, ao se ambicionarem realistas, não fazem mais do que uma “crítica
social” tão decisiva quanto vazia de substância humana.
Assim sendo, mesmo apresentando uma tragédia extrínseca à trama propriamente, a
doença, o filme percorre com seqüência orgânica e com naturalidade na trama dos
acontecimentos que se conjetura também na sua forma longínqua das invencionices peculiares
da maior parte da produção cinematográfica recente.
A doença terminal de Rémy é estratagema exterior à trama, externo à ação de pessoas
propriamente. O filme é um trabalho muito bem estabelecido, uma crítica contrária não
poderia reincidir sobre a trama ou mesmo sobre sua forma geral, entretanto cujo embasamento
é forjado pela carência de matéria dramática. Fato é que se vivem possibilidades limitadas, no
entanto rejeitar substância humana é hipocrisia a que este filme não se rende. O ceticismo
ofuscado deve abdicar espaço às relações humanas bem abrangidas.
O distanciamento dos compromissos freqüentes, que acarretam uma proximidade
obrigatória, consente a compreensão da seriedade e necessidade da amizade regularizada por
parâmetros outros que aqueles da sobrevivência imediata e do pragmatismo habitual.
Entretanto, não se pode acolher que alguma enfermidade terminal seja o motivo de tais
existências que hoje escasseiam.

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA BRUNA LIMA BIASI RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS UBERLÂNDIA 2013
  • 2. BRUNA LIMA BIASI RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS Resenha apresentada ao Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial a obtenção de nota na disciplina Sociedade Trabalho e Educação. Professora: Joelma Lúcia Vieira Pires UBERLÂNDIA 2013
  • 3. RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo e as Invasões Bárbaras. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999. AS INVASÕES BÁRBARAS. Denys Arcand. Argentina, 2003. Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova York e da London School of Economics escreveu em 1998 a obra sobre ética do trabalho: A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Sennett, nesta obra, apresenta seqüência a sua pesquisa e reflexão sobre as novas relações de trabalho no capitalismo atual e seus resultados no caráter subjetivo. Este ensaio principia-se como uma conferência feita na Universidade de Cambridge em 1996 por Sennett. Segundo o autor, a continuação no Centro de Estudo Avançado em Ciências Comportamentais lhe ajustou tempo satisfatório para escrever esta obra. Além disso, o autor demonstra suas experiências particulares com trabalhadores americanos ao longo de sua vida e, a partir de tais conhecimentos, passa a ajuizar sobre as relações de trabalho, o caráter particular e as suas modificações no novo capitalismo. Sennett procura o cenário atual, concebido pelo filho de Enrico, Rico, cuja vida é mais próspera materialmente, ainda que em outra conjuntura, no qual o trabalho não é mais uma obrigação para longos períodos ou com sentidos mais permanentes. A partir de entrevistas realizadas com executivos dispensados da IBM em Nova York, colaboradores de uma padaria de Boston, um empregado que se transformou em um executivo da publicidade e muitos outros, Sennett avalia os resultados desorientadores do novo capitalismo. Ele expõe o contraste intenso entre dois mundos de trabalho: aquele das organizações hierárquicas severas, no qual o que implicava era um senso de caráter individual; e o espantoso mundo novo da reengenharia das corporações, risco, flexibilidade, marketing de rede e equipes que trabalham juntas durante um breve espaço de tempo, no qual o que implica
  • 4. é ser apto de se reinventar a toda hora. Em alguns aspectos, as transformações que assinalam o novo capitalismo são positivas: afinal, não se pode recusar que elas estabeleceram uma economia dinâmica. Contudo elas também podem desgastar o senso de objetivos, a probidade e a confiança recíprocas, fatores que as gerações precedentes afrontavam como fundamentais para forjar o caráter individual. As Invasões Bárbaras é um filme de Denys Arcand que retrata também o colapso do capitalismo. Trata-se de um drama que descreve os períodos finais da vida de um professor universitário do Canadá, enfermo de câncer em estágio terminal. Suas relações familiares tinham se decomposto, pois não vivia mais com sua mulher e com seus dois filhos nem sequer trazia contato. O estranhamento em sua atividade fica ilustrado de saída num momento em que se despede de seus alunos, deixando evidente se afastar “por motivo de saúde”, recebendo como retorno somente uma interrogação sobre o prazo de entrega dos trabalhos. Isso numa cena que expunha a atitude dos universitários: levianos por excelência, uma esboço cujo móvel é fidedigno, ainda que se realize por uma alegorização tópica que, felizmente, não volta a acontecer. Voltando a obra de Sennet, o autor apresenta informações importantes para apreender o contexto político e social do mundo pré e pós-globalizado e para afrontar uma economia fundamentada no princípio de “sem comprometimentos em longo prazo”. Com base em sua acepção de caráter: “traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem” (p.10), Sennett passa a examinar as relações de trabalho moderno e seus efeitos nos valores subjetivos como a lealdade e os compromissos recíprocos. No filme, a esposa do professor, mesmo tendo se separado fisicamente dele devido às variadas aventuras amorosas de Rémy, alimenta uma carinho que a move a estar perto dele; mais que isso, empenha-se por dar conta de todas as responsabilidades com que de modo repentino se depara. O contato com o filho e a solicitação por sua presença é ponto essencial deste cuidado. O filho de Rémy, Sébastien, um trabalhador do mercado de capitais em Londres, não obstante de resistente, pela separação afetiva em relação a seu pai, dirige-se ao Canadá e, logo depois de alguns desentendimentos com Rémy, torna-se determinado a voltar atrás ligeiramente. É quando sua mãe interfere, confessando que o pai, apesar de tudo, sempre tinha cuidado muito por ele: “ligava aos seus professores até no tempo da faculdade”. A circunstância incômoda remete-o a raciocinar em como auxiliar seu pai, já que Rémy encontra-se internado em um hospital público do Canadá, onde o sistema de saúde foi completamente estatizado e passa por uma fileira de inconvenientes acarretados pela
  • 5. superlotação, atendimento impróprio, carência de equipamentos, entre outros problemas. Resistente, protesta Rémy: “eu batalhei pela estatização, assim sendo, tenho que lutar também com as implicações”. Sébastien, contudo, leva-o para os Estados Unidos, a fim de conseguir exames mais particularizados, e decide usar o dinheiro que possui para comprar a diretora do hospital e o sindicato, com representantes nos ambientes de trabalho gozando benefícios legais e tendo na corrupção uma atividade corrente, com a finalidade de montar um quarto digno para Rémy num andar em desuso, onde este pôde receber os grandes amigos de antigamente. Sennett em sua obra questiona como decidir os traços individuais, o valor em uma sociedade onde tudo é passageiro, onde a flexibilidade, ou seja, o poder de se convencionar a qualquer meio é tido como valor? Não é admissível estabelecer um caráter em um capitalismo flexível, onde não existem metas em longo prazo, pois a constituição deste depende de valores morosos, relações duradouras, de longo prazo, isto não é imaginável em uma sociedade onde as instituições vivem se desfazendo ou sendo sempre reprojetadas. Para debater esta questão, Sennett apela a diferentes fontes, como informações econômicas, narrativas históricas e teorias sociais como de Max Weber e Adam Smith e, ainda, à sua vida cotidiana, seu procedimento é como de um antropólogo, segundo o próprio autor. A obra é decomposta em oito breves capítulos, onde se determina o tempo capitalista, se confronta o velho capitalismo e o novo, mostram-se os problemas de se envolver as novas relações de trabalho, a ofensiva do capitalismo ao caráter subjetivo, a transformação ética do trabalho, os sentimentos despertos nos sujeitos como o fracasso, o desnorteamento, a depressão e, por fim, como suportar e existir neste meio? Existe remédio para os males do trabalho? São as respostas para estas questões que Sennett busca neste debate. No primeiro capítulo, Deriva, Sennett descreve a história de duas gerações norte- americanas, Enrico e Rico, filho de Enrico. Este relato convém como conferição entre dois exemplos de trabalhadores. O trabalhador fordista, burocratizado e rotinizado, que esquematiza sua vida e suas metas se fundamentado em um tempo lineal, cumulativo e disciplinado, que estabelece sua história e perspectivas a partir de um progresso de longo prazo. E o trabalhador flexibilizado do capitalismo mais atual, que altera de endereço comumente, não institui laços estáveis de relação com os vizinhos, muda de emprego constantemente, não projeta suas metas a partir de perspectivas de longo prazo, ou seja, vive uma vida de inseguranças, vida sem laços duráveis. O trabalhador flexível não tem laços estáveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, o problema de se instituir laços
  • 6. duráveis está corrompendo o caráter e como isso advém é corroborado ao longo do ensaio. Retornando ao filme, o reencontro com seus amigos intelectuais, convidados por ação de Sébastien é sintomático para uma geração imbuída de teorias extenuadas moralmente: eles fazem rememorar suas aventuras sexuais “livres”, suas frustrações na atividade do magistério e na faculdade, admitindo seu esgotamento teórico. Contudo a aproximação franca e as atitudes dos amigos, proporcionando alguns deleites finais a Rémy e, especialmente, apoiando-o em sua determinação derradeira, a eutanásia, sugerem a importância desta relação fundamental que avigorou a todos, ainda que de modo limitado. Um ponto muito importante é, exatamente, este final conformado pela morte de Rémy por overdose induzida, viabilizada por uma remota amiga de Sébastien, dependente de heroína, cuja aproximação deve-se a uma tentativa de suavizar as dores que já esgotavam seu pai. Nesta oscilação, a garota rescinde um círculo desmoralizado a que se submetia e passa a tomar uma grandeza mais palpável não dos efeitos do uso de drogas, contudo sim de possibilidades de vida para as quais não ajuizava, o que a movimenta em procura da desintoxicação. Nesta afinidade, constituída de modo inconveniente, o filho de Rémy vê-se submergido por alguém que interrogava seu comportamento ingrato e calculista; Sébastien é um yuppie, em certa medida contrário às pretensões da geração de seu pai. É respeitável observar que não se trata simplesmente de um conflito de gerações, e sim de uma contraposição entre subjetividades constituídas em tempos históricos distintos: ao pai falta acertar para as modificações acontecidas, e ao filho falta a dimensão das relações humanas. Um aspecto análogo posto em função da tragédia torna-se a sensibilização de Sébastien. No livro, a rotina era a grande moléstia do velho capitalismo, conforme Adam Smith ela embrutecia o íntimo, na experiência de se libertar deste mal a nova sociedade procurou flexibilizar o tempo, de forma a não ficar presa a um costume, a um programa. Esta negativa da rotina, do velho capitalismo, pode ser observada no indeferimento do modo de vida de Enrico por seu filho Rico. Rico se avigora para não evidenciar nenhuma ligação ou resquício do trabalhador braçal que procurava o Sonho americano como que era seu pai, Rico quer esquivar da rotina. A grande dificuldade é que esta rotina fundamentada no tempo linear foi suprida por novas formas de autoridade e influência. No velho capitalismo fordista, o poder e o controle eram manifestos, o patrão no superior do escritório controlava e supervisionava o trabalho dos trabalhadores, regulava o tempo. O novo capitalismo flexibilizou o tempo, os produtos são cada vez menos duráveis, adotando a dinâmica de curto prazo, os empregos são provisórios.
  • 7. No entanto, esta coerência de desburocratização agrupou o poder ainda mais nas mãos dos capitalistas que, agora, são invisíveis dentro das corporações. A ilusória liberdade oferecida ao trabalhador por meio do trabalho em grupo, onde ele determina o que fazer sem o chefe lhe dar direção, na verdade alocou o trabalhador ainda mais sob a autoridade do capitalista. Isso ocorreu porque ele já não contém mais o que faz, a atomização cada vez maior dos serviços fez com que não se necessitasse mais de tanto preparo, treinamento por parte do trabalhador, como resultado este deixou de ter a propriedade sobre seu emprego, por isso ele sempre está mudando de campo, de empresa, de função, já não tem vínculos fortes com suas tarefas, com seus companheiros. A falta de dedicação ao longo prazo com seu trabalho, a não concepção de laços duráveis acabou flexibilizando e por fim adulterando o caráter, pois este depende de tempo para se concretizar na medida em que apenas se pode definir o sujeito, o valor que tem quando procura a valorização de seu interior pelos outros. Ou seja, somente se determina nosso caráter quando se estabelece laços constantes que admita situar o homem dentro de um meio social. O novo capitalismo, pois, se diferencia pela competência imediata, a flexibilização, a ousadia, a alienação acabada do sujeito, “não se mexer é tomado como sinal de fracasso, parecendo a estabilidade quase uma morte em vida” (p.102). Modificar o tempo todo faz a pessoa se perder da realidade a qual compete, no antigo capitalismo o acordo de se pertencer a uma categoria era simplesmente percebível, no capitalismo presente não se conhece a que grupo social se incumbe. Esta realidade pode ser vista quando Sennett pergunta a alguns padeiros a que classe concerne, dizem vagamente serem da classe média. No jogo capitalista moderno todos confiam serem possíveis vencedores, sabem que os vencedores fazem parte de um pequeno grupo, contudo não se movimentar é condenar-se ao fracasso. “O risco é um teste de caráter; o importante é fazer o esforço, arriscar a sorte, mesmo sabendo-se racionalmente que se está condenado a fracassar” (p.106). Portanto, as pessoas se observam exauridas ética, social, cultural e politicamente. As relações humanas se tornam uma dissimulação teatral, relações sem domínio, sem comando. Desta forma, a constituição de uma história de vida que vincule as pessoas fica incapaz, pois não existe padrão e nem responsabilidade. As pessoas estão sujeitas ao sentimento de fracasso. Nesta definição, as pessoas mais velhas ou mais experientes são observadas como atrasadas, fracassadas, pois flexibilidade, risco, não convenciona com acúmulo de conhecimento, de tempo de vida. A história de Rose é um bom padrão oferecido pelo autor, ela admite “não ter mais coragem” (p.107). “As atuais condições da vida empresarial
  • 8. encerram muitos preconceitos contra a meia-idade. Dispostos a negar o valor da experiência passada da pessoa” (p.107). Além disso, este exemplo comprova como o novo capitalismo se tornou desnorteante e deprimente, instituiu éticas antagônicas à autodisciplina e à auto- modelação da ética de trabalho como a apresentada em A ética protestante e o espírito de capitalismo de Max Weber. O poder está presente, mas o domínio está ausente. O repúdio da autoridade e da responsabilidade admite a evasão dos protestos e das crises, já que não existem laços fortes o satisfatório para existir uma coesão. Não existe nenhuma autoridade para distinguir o valor, pois as pessoas estão à deriva do fracasso. O pronome nós é temido pelos capitalistas, temem o ressurgimento dos sindicatos, igualmente no capitalismo atual não oferece motivos para as pessoas se vincularem, “há história, mas não narrativa partilhada de dificuldade e portanto tampouco destino partilhado” (p.176). Para Sennett, um regime, portanto não pode se conservar por muito tempo. Para Sennett, a superficial melhoria das condições de trabalho tão enaltecidas, não passam de pura fantasia, a verdade é que o caráter humano foi fortemente corrompido. A fidelidade, os compromissos pessoais são dificílimos, é a desumanização absoluta do ser humano. Deste modo, o autor consegue evidenciar como esta corrosão advém utilizando exemplos verdadeiros, ao escolher pela narrativa e não meramente o uso de estatísticas e tabelas, consegue produzir vida, expressão, para corroborar sua hipótese inicial de que as novas analogias do novo capitalismo flexível contaminaram e corrompem o caráter do ser humano. A partir desta conclusão o autor induz o leitor a ajuizar sobre o tipo de sociedade que está sendo estabelecida, uma sociedade em que os sujeitos não se vêem imprescindíveis uns aos outros, ou seja, é o individualismo surgido da burguesia industrial do velho capitalismo levado ao extremo, potencializado. O autor termina seu livro ligando os pontos de desgaste do caráter do trabalhador no capitalismo flexível à perda do senso de comunidade; e são estes os aspectos que devem ser resgatados: o caráter do homem estabelecido pelo trabalho e a lealdade à comunidade. A noção de comunidade empregada por Sennett refere-se ao significado de vizinhança das cidades norte-americanas e do partilhar de problemas, alegrias e angústias; ainda que conservando a ética da gratificação do trabalho individual e sucessivo. A leitura do livro de Sennett não desperta certezas nem almeja levantar disposições teóricas, entretanto seguramente interroga as transformações atuais que submergem a todos numa rede flexível e improvável, em que o caráter não estabelece a linha norteadora da vida e
  • 9. do trabalho. Em relação ao drama, trata-se de um bom filme que recomenda problemas sociais presentes no terreno genético da ação: estranhamento no trabalho, pauperização dos trabalhadores, esgotamento do Estado de bem-estar social, colapso ideológico. A miserabilidade sempre em destaque, o papel fundamental e resolutor do dinheiro, a delucidação da falência teórica das propostas acadêmicas são verificações essenciais que ganham significado na medida em que se faz presente a noção, ainda que por vezes contemplativa, da precisão de libertação humana destes vínculos, ou seja, rompe-se ativamente com uma fileira de imperativos morais e, especialmente, encontra-se espaço para relações humanas mais fidedignas, e nisso convive o que pode ser analisado o mérito do filme. O importante é que tudo acontece por meio da diferenciação de sujeitos em vida de um modo que pode ser analisado feliz, sem o embuste de quem quer se mencionar à totalidade de costumes da vida social a partir de meia dúzia de padrões que tudo permitem. Existe, assim sendo, personagens em ação numa circunstância característica, sem a representação tão presente em diretores que, ao se ambicionarem realistas, não fazem mais do que uma “crítica social” tão decisiva quanto vazia de substância humana. Assim sendo, mesmo apresentando uma tragédia extrínseca à trama propriamente, a doença, o filme percorre com seqüência orgânica e com naturalidade na trama dos acontecimentos que se conjetura também na sua forma longínqua das invencionices peculiares da maior parte da produção cinematográfica recente. A doença terminal de Rémy é estratagema exterior à trama, externo à ação de pessoas propriamente. O filme é um trabalho muito bem estabelecido, uma crítica contrária não poderia reincidir sobre a trama ou mesmo sobre sua forma geral, entretanto cujo embasamento é forjado pela carência de matéria dramática. Fato é que se vivem possibilidades limitadas, no entanto rejeitar substância humana é hipocrisia a que este filme não se rende. O ceticismo ofuscado deve abdicar espaço às relações humanas bem abrangidas. O distanciamento dos compromissos freqüentes, que acarretam uma proximidade obrigatória, consente a compreensão da seriedade e necessidade da amizade regularizada por parâmetros outros que aqueles da sobrevivência imediata e do pragmatismo habitual. Entretanto, não se pode acolher que alguma enfermidade terminal seja o motivo de tais existências que hoje escasseiam.