O documento descreve como os investimentos da Petrobras em obras como a Plataforma P-53 em Rio Grande trouxeram de volta gaúchos que haviam deixado o estado e atraído trabalhadores de outros estados em busca de emprego, aumentando a população e a economia local. A falta de moradia para os trabalhadores, no entanto, fez os aluguéis subirem muito de preço. Empresas responsáveis pelas obras construíram alojamentos para abrigar os funcionários.
1. ZERO HORA > DOMINGO | 6 | ABRIL | 2008 Economia > | 25 |
FOTOS JEFFERSON BOTEGA
Eles Eles
voltaram querem ficar
Os investimentos da Petrobras são respon- No mundo das grandes obras, não importa
sáveis por trazer de volta gaúchos que haviam onde o emprego está, mas quando o endereço
deixado as origens. agrada, melhor. Para a família do técnico em
Em 1992, aos 22 anos, o administrador de edificações Giuliano Tomazini, funcionário da
empresas Dante Bachini saiu de Rio Gran- WTorre que rodou o Brasil, Rio Grande se mos-
de, rumo ao Paraná, por falta de perspectivas trou acolhedora. Durante o almoço – peixe fri-
profissionais. Em 2007, voltou. Convidado pelo to na hora, purê, arroz e salada – ele, a mulher
cunhado, dono de uma loja de materiais elétri- Cláudia e o filho Renan, de 11 anos, elogiam a
cos, assumiu a administração de uma empresa educação do povo local. É bem possível que a
de prestação de serviços nessa área e em teleco- caçula Giuliana, de um ano, cresça na desem-
municações. Trouxe para a terra natal a mulher bocadura da Lagoa dos Patos.
e os dois filhos, nascidos em Cascavel (PR). – Pensamos em fincar bandeira por aqui
Para a técnica em edificações Márcia Tort, da – diz Tomazini.
WTorre, o regresso ao Sul não foi uma questão Uma decisão não só de gaúchos. Natural de
de vontade, mas de necessidade. Ela deixou São José dos Campos (SP), Sandro Hoff veio
Pelotas, a 60 quilômetros de Rio Grande, em para o Rio Grande do Sul há dois anos. Desem-
2000, depois de se formar no curso técnico. Foi
A P-53, plataforma que está sendo montada na área do Porto pregado, ouviu de um amigo sobre a reforma
convidada por uma empresa de engenharia pa- Novo, em Rio Grande, é escada para os investimentos que se da P-53. Não sabia nem para que lado ficava
ra ir a Porto Alegre – o primeiro passo na vi- multiplicam e atraem milhares de pessoas à Metade Sul Rio Grande. Mesmo assim, pegou um ônibus
da itinerante. Depois, passou por Mato Grosso, com R$ 50 no bolso e fez plantão por uma se-
Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Nas em- mana em frente ao Quip, o consórcio que ergue
preitadas, sempre levou o marido, Roberto, e o a plataforma. Dormiu de favor num barraco
filho, Giuliano, de 16 anos. Difícil está sendo se
adaptar à nova vida. Na sala, mantém uma fo-
to panorâmica de Itapema (SC), onde a família
Plataforma de crescimento sem luz ou água quente e conseguiu a vaga.
Hoje, mora com a mulher, a sogra e o filho Dé-
rick, de três meses, em um sobrado alugado na
morou até 2006 e pela qual suspira de saudade. vila ao lado da plataforma.
o calçadão de Rio Gran- passou de 30 para 70. Em breve, os proprietá-
de, o movimento se parece rios devem inaugurar mais uma casa, para 300
com o da Rua da Praia, em clientes, investimento de R$ 500 mil.
Porto Alegre. Aos poucos, Agora há alvoroço nas lojas, no trânsito,
lojas de nomes desconhe- em volta das obras. Carregado com deze-
cidos dão lugar a cadeias nas de sacolas de roupa limpa, o casal João
renomadas, atraídas por e Vera Gonçalves entrou na onda. Todo dia,
operários de macacão e às 17h30min, chegam de carro à entrada
executivos com crachá no pescoço, todos em- do alojamento do Quip, responsável pela
pregados no nascente pólo naval alinhavado construção da plataforma (P-53). Entregam
pelos investimentos no Dique Seco e na plata- as peças lavadas aos operários deixadas no
forma da Petrobras. dia anterior e recolhem novamente sacos de
Nesse ciclo virtuoso, tem vantagem quem se roupa suja.
adapta ou tem criatividade para aproveitar as Vestindo uma saia e um casaco social, o
oportunidades. O dono da loja de materiais elé- fone do celular preso na lapela, Vera anota os
tricos Comel, Edison Barros, lembra de quando pedidos em um caderno escolar. Com o ma-
Depois de rodar por três Estados, a as obras da plataforma se iniciaram: rido, cumpre a rotina até as 21h30min. Por O paulista Sandro não tinha idéia
técnica em edificações Márcia, o marido – Pediam 2 mil metros de cabo de alta ten- dia, levam de 50 a cem peças para a lavan- de onde ficava Rio Grande, mas,
Roberto e o filho Giuliano retornaram são para amanhã, e eu tinha 200 metros. deria mantida em casa. Desde que começa- desempregado, rumou ao Sul com R$ 50
para a Metade Sul, mas ainda têm Dois anos depois, loja reformada, estoque ram a atender os trabalhadores, compraram para tentar uma vaga nas obras da P-53.
saudade da temporada no paradisíaco ampliado em três vezes, já tem cadastro re- cinco novas máquinas de lavar (tinham du- Conseguiu, trouxe a mulher, Luciana, e
balneário de Itapema, no litoral de Santa gional para fornecer materiais à Petrobras. No as) e contrataram dois funcionários. vive com ela, a sogra e o filho Dérick, de
restaurante Plaza Grill, no centro da cidade, o – (A plataforma) movimentou a cida-
Catarina, onde moraram até 2006 número de clientes dobrou no último ano e, de, mas a população ainda não se acordou três meses, ao lado da plataforma
entre o final de 2006 e hoje, o de funcionários – observa João.
Aluguel sobe e a – O que ocorre nesses lugares é que o enge-
nheiro desaloja o farmacêutico, que vai para a
administrador. É ele o responsável para que
tudo esteja impecável, as instalações limpas,
casa do padeiro, que vai para a favela – explica os eucaliptos caiados até um metro, a grama
saída é construir Walter Torre Júnior, presidente da WTorre. cortada feito universidade inglesa.
Algumas empresas que prestam serviços fe- Trabalhador que não quiser nem precisa
charam hotéis para seus empregados. Os dois sair da cidade dos operários. O baiano Railson
Comum em municípios que passam de re- maiores da cidade costumam lotar. Um deles, Souza aproveita o início da tarde de uma quar-
Barbearia, orelhões alinhados, varal pente a abrigar superobras, a falta de imóveis investe em uma nova unidade, com 200 aparta- ta-feira para malhar na academia instalada ali.
de roupas, tudo faz parecer uma cidade para quem vem de fora provoca alta exagerada mentos, na qual aplicou R$ 6 milhões. Como tantos colegas, ele roda o Brasil, de obra
dentro de uma cidade para abrigar nos preços dos aluguéis. Em Rio Grande, já su- Com poucas opções, o Quip, que monta a em obra. A saudade, esconde em um canto
operários como o baiano Railson (à biram 20% desde a chegada dos investimentos. P-53, construiu um alojamento com 280 quar- do quarto, que divide com cinco, no verso da
direita), no alojamento do Quip. As Para driblar o problema, a WTorre, responsá- tos com capacidade de abrigar 1.760 pessoas porta do seu armário, onde estão coladas nove
instalações incluem mesas de sinuca, vel pelo Dique Seco, construirá um condomínio – todos homens. Trata-se de uma verdadeira fotos do filho de um ano e da mulher. Os dois
com previsão inicial para 3 mil casas na Praia cidade dentro da cidade, com direito a prefei- ainda estão no Rio de Janeiro. O emprego que
salas de TV e até academia de ginástica do Cassino, próxima a Rio Grande. to e tudo, como é chamado Marino Motta, o sustenta a família, em Rio Grande.
2. Data Publicação : 06/04/2008
Título : A redenção de Rio Grande
Assunto :
Pólo Naval, Investimento, Construção, Plataforma, P-53, Petrobras