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Aos amigos que-votarão-em-aécio
1. Aos meus amigos que votarão em Aécio
Publicado em 16/10/2014 por Milly 915 Comentários
http://blogdamilly.com/2014/10/16/aos-meus-amigos-que-votarao-em-aecio/
Recentemente encuquei com a quantidade de pessoas que julgo inteligentes e que estão declarando
voto-protesto em Aécio “para mudar tudo isso aí”. Sempre que alguém me diz que “do jeito que as
coisas estão não dá mais” me pergunto se essa pessoa nasceu e cresceu na Dinamarca e chegou no
Brasil há alguns anos apenas. O que não dá mais exatamente? As coisas não estão ótimas, mas já
foram imperialmente mais grotescas. Talvez tudo esteja melhor com exceção do trânsito nas capitais
– e vamos combinar que trânsito na capital não é a rigor um problema do Governo Federal.
“Ah, mas a corrupção está insustentável”.
Como assim, meu amigo? A corrupção é esporte nacional desde que o tal Dom João aportou por
aqui. Pode não ter melhorado, mas agora está aí para ser julgada e condenada, como de fato está
sendo.
“O PT quer instalar a ditadura”, já escutei gente que sei que é do bem dizer.
Mas então me expliquem que tipo de ditadura demora 13 anos para ser instalada? E que ditadura
mantém poderes independentes e uma Polícia Federal que investiga o pessoal da situação? Que
ditadura manda para a cadeia alguns de seus líderes mais influentes? Que ditadura permite ser
chamada de ditadura sem mandar prender quem falou isso?
Encucada, comecei a refletir sobre essas coisas. Raramente minhas reflexões acabam em lugares
produtivos, mas, por dever moral, compartilho aqui o que meus dois neurônios concluíram.
A sensação de insatisfação é mundial. Recentemente, a Europa teve que escolher o novo
Parlamento, votado pela população dos países da comunidade Europeia, e duas correntes saíram
vitoriosas da eleição: as de extrema direita e as socialistas. Me parece um recado claro de que todos
querem mudança.
Mas mudança do que? O que está pegando?
O que está pegando é a desigualdade social e o desemprego. O Brasil não vai mal em nenhum dos
dois (desigualdade e desemprego diminuiram), mas a onda da mudança chegou aqui também.
Todos nós sabemos que um pouco de desigualdade faz parte do jogo, mas a desigualdade que
vemos hoje é alarmante e dilacerante. E, com a quebradeira de 2008 e os altos níveis de desemprego
na Europa e nos Estados Unidos, é natural – embora abominável – que a turma da extrema direita, a
turma do nacionalismo, a turma do “volta pra casa imigrante de merda porque é por sua causa que
estamos nessa situação” se agigante e saia elegendo seus representantes. A explicação para a
catastófica situação de hoje não é, claro, o imigrante, mas situações limite tendem a tirar o pior ou o
melhor do ser-humano; e no caso da extrema direita é sempre o pior.
Mas o que levou a economia mundial a esse ponto?
2. Vamos analisar o caso americano, o berço do neo-liberalismo, esse sistema tão idolatrado pelos
psdbistas, e onde hoje quatrocentas pessoas têm mais dinheiro do que a riqueza de metade da
população somada. Os parágrafos a seguir estão mais no estilo “economia para idiotas” (o meu caso
precisamente), mas sigam comigo porque eu prometo levá-los até que completemos um círculo
inteiro.
Setenta porcento da economia americana está no consumo, e quem sustenta o consumo de qualquer
economia é sempre a classe média. Se a classe média para de consumir, a economia para de crescer.
O salário de um trabalhador comum nos Estados Unidos não cresce desde os anos 70. Não cresce
significa que o poder real de compra do salário não muda há 40 anos. Está estagnado há quase
quatro décadas. E estagnado nem é a palavra correta. O trabalhador comum ganha menos hoje do
que ganhava em 1970.
Em compensação, a produtividade só cresceu, e só faz crescer até hoje. Então: se o salário é o que o
patrão dá ao trabalhador, e se produtividade é o que o trabalhador dá ao patrão a gente consegue
entender onde foi parar essa diferença. É um gráfico simples que até eu entendo. Mais
produtividade, mais lucro. Mais lucro sem aumentar o salário do trabalhador significa acúmulo de
dinheiro nas mãos apenas daqueles que controlam os meios de produção (perdoem se aqui o
discurso soa marxista, sei que isso assusta alguns, mas prometo não arrepiá-los pedindo que se
instale o comunismo).
E o que o patrão fez com esse dinheiro acumulado? Em vez de devolver ao mercado, ele guardou.
Guardou em ações, em capital especulativo — no mercado de capital enfim. É um dinheiro que não
cria utilidade social, o que seria aceitável numa sociedade de iguais, e não é esse o caso. Em 1970 a
diferença entre o que ganhava um trabalhador comum e o que ganhava o dono do negócio era de 40
vezes. Hoje essa diferença chega a ser 400 vezes maior. Não precisamos de muito mais para
entender o tamanho da desigualdade.
No mesmo período, fortificou-se a ideia de que taxar o patrão não é um bom negócio porque ele é o
cara que cria empregos e, afinal, precisamos de empregos. Então, impostos sobre os ricos só caíram.
Um trabalhador comum nos Estados Unidos hoje paga em torno de 30% de impostos. Warren
Buffet, uma das maiores fortunas do mundo, paga 11%.
(Pausa para que façamos a digestão).
Naturalmente até meus dois neurônios entendem que não é o empresário que cria emprego. Quem
cria emprego é o consumidor. O empresário não acorda de bom humor numa sexta-feira ensolarada
e diz: “Que dia lindo! Vou criar vinte empregos hoje!” Ele, aliás, de uma forma geral só cria
emprego em caso de última necessidade, e de não poder mais sobrecarregar o funcionário com
tarefas extras porque o cidadão está esgotado. Se alguém auto-denomina “criador de empregos” ele
está apenas fazendo uma declaração de poder e de status, nada além disso.
O centro do universo econômico é o consumidor e não o empresário como gosta de pensar o neo-liberal.
E toda a história de prosperidade econômica de uma comunidade é uma história de
investimento social. Investimento nas classes mais baixas, e em coisas básicas como educação –
gratuita e de qualidade. Se querem um exemplo de investimento social fiquemos com a Coreia do
Sul porque assim poupo vocês de falar de Cuba e não perco leitores.
3. Aqueles que insistem com o discurso da divindade do livre mercado ainda não se deram conta de
que livre mercado nunca existiu porque o governo, qualquer governo, sempre regulou mercados. O
problema americano é que, desde o neoliberalíssimo Ronald Reagan, os mercados passaram a ser
regulados de forma a atender os interesses dos muito ricos apenas. Uma regulação mão-leve, vista-grossa,
uma regulação que protege o opressor e não o oprimido.
Outra atitude tomada por Reagan foi o fim dos sindicatos. A economia americana hoje quase não
tem sindicatos. E sem eles não há quem lute por reajustes salariais para o trabalhador, por isso a
estagnação do poder real de compra do dólar por quarto décadas a despeito de tudo mais continuar a
subir – casa, alimentação, saúde etc etc.
O que fez o trabalhador americano tendo que continuar a gastar com casa, alimentação, saúde e
educação mas ganhando rigorosamente o mesmo salário por gerações? Se endividou. Gastou no
cartão, fez empréstimos e, ainda mais cruel, acumulou empregos, trabalhando muitas vezees em
dois ou três. Que custo isso tem para uma sociedade? Para as relações? Para as famílias? Sem
dinheiro e tendo que trabalhar por horas sem fim as pessoas não se cuidam, não se relacionam
decentemente, não criam filhos decentemente, não se alimentam decentemente. O diabo da
economia capitalista é que, no fim, todo esse drama entra na conta como crescimento: médicos,
remédios, psicólogos, mortes…
Não é preciso ser um gênio para etender que se a produtividade aumenta, o salário também precisa
aumentar. Não apenas porque é legítimo e moral, mas porque se o salário aumenta, o trabalhador
compra mais, e se ele compra mais a empresa cria mais empregos, e se a empresa emprega mais e
fatura mais, ela paga mais impostos. E se ela paga mais impostos o governo ganha mais e investe
mais em social e em educação e a economia cresce. Se em alguma dessas etapas o giro é
interrompido para que alguma das partes possa acumular capital, a economia trava e a desigualdade
aumenta.
Isso chamamos de neo-liberalismo: o mercado quase sem regulação federal, pouco ou nenhum
investimento social, capital acumulado na mão daqueles que controlam os meios de produção.
O modelo neo-liberal, o modelo do PSDB, não prevê investimentos sociais (vamos apenas lembrar
que o PT fez o Minha Casa Minha Vida, o Luz Para Todos, o ProUni e ampliou o Bolsa Família que
era um programa nanico e anêmico durante os anos FHC), não prevê força sindical, não prevê
taxação maior aos ricos, não prevê regulação mais forte do mercado em benefício das classes mais
baixas.
O modelo PSDBista é uma cópia do modelo falido americano, e para que saiamos da abstração o
melhor exemplo talvez seja a Cantareira e a falta de água em São Paulo. Quando a administração
estadual decide não reformar o sistema que grita por melhorias para privilegiar a distribuição de
dividendos a acionistas temos, na prática, o neo-liberalismo ferrando o social. Estamos sem água,
mas os acionistas estão com seu lucro no bolso.
O modelo PTista, ao investir no social, mudou a cara do Brasil na última década. Fez ascender uma
multidão de pessoas ao mercado consumidor, girou a economia, pagou o FMI, deu status ao país lá
fora, diminuiu desigualdade, desemprego, tirou o Brasil do mapa mundial da fome, fortaleceu a
Petrobrás (Ah, por favor. Sem essa de escândalo de corrupção. Está tudo aí, sendo investigado etc e
tal. Veja apenas quanto valia a empresa com FH e quanto vale hoje).
4. Em outra palavras: você investe no social e nas classes mais baixas, todos ganham. Você investe no
empresário, apenas o empresário ganha e a desigualdade aumenta.
Nem é preciso recorrer aos indicadores para que entendamos isso. Com 13 anos de investimentos
sociais feitos pelo PT pergunte-se se algum de seus amigos que já eram ricos ficaram menos ricos.
Não os meus. Quem era rico ficou ainda mais rico porque se mais gente passa a frequentar o
mercado consumidor, se mais gente se educa e vive com um mínimo de decência, os donos dos
meios de produção ganham ainda mais. A diferença é que agora o empresário pode viajar de avião
ao lado do faxineiro da firma. É um exemplo tosco, mas vale por ser verdadeiro.
Eu sei, ainda estamos muito longe do ideal, mas não se muda 500 anos de tropeços e costumes
deploráveis e desvios e sonegações em 12. É preciso mais tempo. É preciso mais investimento
social. Mas estamos evoluindo, e uma administração neo-liberal interromperia todo esse processo.
É isso o que estaremos escolhendo no dia 26.
Não se trata de optar entre aqueles que fizeram o Mensalão ou aquele que construiu aeroporto
particular com grana pública e empregou parentes em seu governo. Não se trata de escolher entre o
“menor dos delitos”, ou em “alternar poder”. Não se trata de escolher entre o azul e o vermelho,
entre o bom e o mau, entre o que fala bem e o que fala aos trancos, entre o filhinho de papai e a
guerrilheira. Se trata de escolher um modelo de país. De optar entre o investimento no acionista ou
o investimento no social. Entre a proteção ao dinheiro do rico ou à dignidade do pobre. É disso que
se trata o dia 26.
Obs: Comentários toscos, vulgares e ofensivos não serão mais liberados. Quem quiser argumentar
e discordar com educação terá palco aqui. Quem não quer ou não sabe fazer isso vai procurar
outros palanques.
Obs 2: A vantagem de se saber uma anta é que eu não poderia publicar um texto como esse apenas
fazendo uso de meus dois neurônios, então fui ler e estudar antes de escrever. Esse texto foi
elaborado com base em ensaios e livros de Noam Chomsky e David Harvey, em documentário de
Robert Reich (Inequality for All) e em dezenas de aulas do professor e economista Richard Wolff.