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CONCELHO DE SINTRA
                                                  -   ROTEIRO ROMÂNTICO   -




                       N
                                                                              : .•• ~~~:.,.y.A;
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                                         c




Escala            1/100.000
Caminhos-de-Ferro
Estradas Nacionais
Estradas Municipais
Limites de Freguesia




l-Palácio              de Seteais.
2-    Monserrate.
3-    Pena (Palácio e Chalet da Condessa).
4-    Paços do Concelho              (séc. xx),
~~------------------------------------IIIIIIIII"".




    1. DAS NEBLINAS À REPÚBLICA



     Dos finais do século XVI a meados de setecentos, a vila perdeu muito
do seu brilho. Quase dois séculos passados e Sintra enterrada nas nebli-
nas perpétuas, abandonada, à espera que os homens redescubram o seu
encanto. Andaram os reis em busca de outros espaços, por força da men-
talidade regente, mais abertos os espaços, porque as mentalidades nem
por isso. O singular, e outrora sumptuoso, Paço Real apenas serviu para
encarcerar um rei deposto. D. João V prefere as charnecas de Mafra para
erguer, a ouro do Brasil, um gigantesco palácio-convento, apanágio de
um governo parenético. D. Pedro, o terceiro do nome no rol da realeza
nacional, escolhe as colinas suaves de Queluz, onde edifica, a partir de
1747,um palácio cuja imagem marca o gosto de uma época onde pontifica
a teatralidade, a aparência e a necessidade de espaços amplos. A Serra
da Lua apenas serve de cenário, ao fundo, lá pelas bandas do oceano.
Definitivamente, Sintra não está na moda.
     Todavia, a Terra não dorme. Antes se renova, se transmuta constante-
mente. E foi preciso uma convulsão tremenda, na manhã do dia 1 de
Novembro de 1755,para os homens regressarem a Sintra e abrirem o cora-
ção <;Ios istérios encantatórios da vila mui (des)prezada.
         m
     E, de facto, com a reconstrução do casario, desmoronado em larga
escala durante o terramoto, a par do despoletar de novos sentimentos e
sensibilidcdes artísticas, que vai nascer outro período áureo para Sintra.
Das cinzas renasce a fénix, do caos é que surge a ordem. Nem que seja
um ordenamento desordenado.
     Numa altura em que começam a ser postos de parte os sentimentos
estilizados e racionais dos clássicos, os artistas vão criar conforme o arre-
batamento de cada um, despontando assim a aurora do Romantismo. Por
ora, estas manifestações surgem ainda associadas ao Iluminismo e ao
Neoclassicismo. Mas certo é já que o tempo é de mudança.
     No último quartel do séc. XVIII, a paisagem sintrense vai sofrer altera-
ções profundas, nomeadamente          em redor do perímetro urbano, com a
construção de diversas quintas coroadas por luxuosos palacetes. São
exemplos as quintas de Seteais e Monserrate, muito por força do capital
estrangeiro, com o cônsul holandês em Portugal, Daniel Gildemeester, a
fabricar a primeira, e o rico comerciante huguenote, Gerald De Visme, a
erguer em Monserrate um palacete cuja gramática pronunciava já asso-
mos de exotismo e de revivalismo medieval.
     Importante nesta viragem mental ocorrida nos finais de setecentos é,
sem dúvida, a influência dos estrangeiros no seio da sociedade portu-
guesa. Viajantes como William Beckford, James Murphy, Robert Southey,
Lord Byron, e tantos outros, trazem com eles novas tendências artísticas e
vão espelhá-las nas suas produções literárias.
     Com o devir das Invasões Francesas, e a consequente fuga da corte
para o Brasil, Sintra vai estar intimamente ligada a este período negro da
nossa História, até por ter dado o nome, embora erradamente, à conven-
ção que pôs termo à primeira invasão, em 1808.Outros pontos de referên-
cia são o Palácio do Ramalhão, refúgio e coito de uma das principais
figuras deste cenário, a rainha D. Carlota Joaquina, e o Palácio de Que-
luz, residência real de veraneio por excelência na época, e que aparece
ligado tanto à rainha e a D. João VI, como ao general [unot, quando este
ali se instalou faustosamente, fazendo do palácio o seu quartel-general, e
transformando-o, interior e exteriormente, com o pintor Manuel da Costa
a trabalhar os frescos a mando do gaulês e os jardineiros a plantarem o
chamado Jardim dos Azereiros.
     Durante a guerra civil entre liberais e absolutistas, Sintra vai viver
um período de tensão, tal como o resto do país.
     Ao certo, vamos encontrar D. Miguel I em Sintra, a 7 de Abril de 1830,
quando, por ordem sua, foi aberto o lendário Túmulo dos Dois Irmãos, ao
Ramalhão: «Armo do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil


2
oitocentos e trinta, aos sete dias do mez de Abril do dito anno neste sitio
    denominado da Cruz dos Dois Irmãos na Estrada Real que de Cintra vae
    para Lisboa, limite do logar de S. Pedro, e proximo à Real Quinta do
    Ramalhão aonde por ordem expressa vocal d'El-Hei Nosso Senhor Dom
    Miguel Primeiro, veio o Doutor Juiz de Fóra da mesma Villa e termo, Dia-
    mantino António Botto Machado, comigo escrivão de seu cargo e officiaes
    da repartição de Pedreiro, Victorino José Fernandes e Luiz José Gonçalves,
    para effeito de se proceder à abertura do Monumento antigo contiguo
    àquela Cruz, e assim se examinar o que dentro delle existe pela falta de
    escriptos antigos, ou tradição com caracteres de verdade, que mostrem a
    certeza da sua fundação e destino; sendo presente o Mesmo Augusto
    Senhor acompanhado dos Gentis Homens de sua Real Camara os Excel-
    lentissimos Marques de Tancos, Marques de Bellas e Marques de Alvito,
    Estribeiro Mor, com todas as mais pessoas de seu Estado 1..1».
         Com a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, parecia até que Sin-
    tra ficaria ainda mais espoliada, mais votada à ruína e ao abandono.
    Mas, em 1836, a nossa D. Maria II casou com um príncipe da Baviera que
    trazia sonhos na alma e uma grande sensibilidade artística no coração.
    Chamou-se D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha e foi o principal agente
    transformador da cenografia monumental e natural de Sintra durante o
    século XIX. Dom Fernando, o rei-artista, foi ainda o responsável pelo enca-
    minhamento das modas para a ambiência de Sintra, criando uma vila de
    vilegiatura, um santuário romântico que se impôs ao longo de toda a cen-
    túria de oitocentos.
         Em Sintra, viria Dom Fernando a encontrar o terreno mágico para a
    corporalização dos seus sonhos, ao adquirir perante a Junta de Crédito
    Público, a 3 de Novembro de 1838, as ruínas do antigo Real Mosteiro de
    Nossa Senhora da Pena, bem como toda a mata circundante, incluindo o
    chamado Castelo dos Mouros. E aproveitando os claustros, a capela qui-
    nhentista e mais alguns anexos, concebeu um palácio-castelo, cujo resul-
    tado é a expressão viva do ideal romântico.
         Chamou para trabalhar no projecto o Barão Von Eschwege, arquitecto
    militar natural da Renânia e que trabalhava, entre nós, como engenheiro
    de minas. Começaram as obras em 1840, numa primeira fase com a recu-
    peração das partes quinhentistas       e a construção da Estrada da Pena.
    Quatro anos mais tarde, iniciava-se a edificação da parte moderna, o
    chamado «palácio novo». Simultaneamente, D. Fernando e Eschwege, em
    íntima colaboração com o engenheiro Wenceslau Cifka, cuidaram de pro-
    jectar e arranjar o espaço envolvente, com a plantação das primeiras
    árvores no Parque da Pena. Por esta altura, a direcção das obras do palá-
    cio foi entregue ao pintor-cenógrafo italiano Demetrio Cinnatti, sob orien-
    tação directa do barão e do rei.
         Desta confluência artística de espíritos elevados, resultaria uma obra
    de surpreendente      efeito cenográfico e um dos locais mais belos do
    Romantismo europeu. Parque e Palácio formam um todo, um livro onde
    D. Fernando combinou o pensamento do Homem com a verdade sincrética
    dos Elementos, e cuja leitura nos permite apreender não só o sentimento
    peculiar da época, como ainda descer ao mais profundo dos mistérios do
    mundo e voltarmos de lá com a chave que nos abre outras portas do
    entendimento. Richard Strauss, quando da sua visita a Sintra, aperceber-
    -se-ia desses mesmos mistérios dissimulados por um manto de beleza:
    «Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Conheço a Itália, cSicílio, a Gré-
    cia e o Egipto, e nunca vi nada, nada, que valha a Pena. E a coisa mais
r   bela que tenho visto. Este é o verdadeiro Jardim de Klingsor - e lá no
    alto, está o Castelo do Santo Graal.»
         Em 1869, catorze anos depois da morte de D. Maria Il. D. Fernando vol-
    tou a casar. Aconteceu o rei apaixonar-se pela cantora Elisa Frederica
    Hensler, elevada à nobreza pelo príncipe Ernesto II que a agraciou com o
    título de Condessa d'Edla. Foi esta segunda esposa de D. Fernando a res-
    ponsável directa pela arborização e embelezamento do Parque da Pena, e
    tapadas anexas, sobretudo a partir de 1870.
         Amor contestado por muitos, onde não faltaram as costumadas intri-
    gas de corte, refugiou-se o casal em Sintra, num dos recantos do Parque
    da Pena. Para ter morada separada do Palácio, D. Fernando mandou edi-
    ficar o chamado Chalet da Condessa, mimosa vivenda de um romantismo
    ruralista, onde se pode sentir a intensidade da paixão vivida pelo casal.
         Esta apetência por Sintra, fomentada por D. Fernando, rapidamente
    se transformou em moda e, mais do que isso, em ambição de um determi-
    nado estrato da sociedade: o burguês/liberallromântico,     que saíra triun-
    fante da guerra civil, acorre a Sintra e elege a vila como estância


                                                                                   3
predilecta de veraneio. Ter casa em Sintra era sinal de fortuna, de bom          Vila: Gravura Romântica
gosto, de importância política e social. Assim vão nascendo palacetes e
chalets ao redor de um centro urbano que também ia crescendo, com o
surgimento de acolhedoras unidades hoteleiras, algumas delas eterniza-
das na literatura abundante do período romântico que dedicou belas
páginas á vila de Sintra.
     Fundamental para este ressurgimento foi a modernização dos trans-
portes e rede viária que ligavam a vila à capital. No ano imediato ao fin-
dar da guerra civil (1835),era inaugurado o trajecto regular de diligência
entre Lisboa e Sintra, causa e efeito, sem dúvida, da inclusão da vila nos
percursos da moda. Registe-se o que diz o «Diário do Governo» n." 104,
f. 444,de 25 de Abril de 1835:
     «A diligência para Cintra, estabelecida debaixo da protecção dos srs.
subscritores abaixo indicados, fará a sua I." jornada para Cintra 3.° feira,
5 do corrente, pelas 3 h e 1/2 de casa de madame Dejeau, rua Direita de
S. Roque n," 6, e parará em Cintra na coche ira do Romão n." 120.Nos mes-
mos sítios se venderão os bilhetes. Em uma e outra parte haverá um
quarto para as bagagens dos srs. passageiros; as quaes não deverão exce-
der o peso de 8 arretéis. A Diligência é montada sobre 8 molas e será
puchada por cavalos, com mudas em meio caminho. Continuará a correr
                                                           0   0
para Cintra nas 3.°/5.°e sábado, e voltará de Cintra nas 2. /4. /e 6.°,sendo a
hora de partida de Lisboa às três e meia da tarde, e de Cintra às seis e
meia da manhã. O preço de cada viagem é de 1:440rs. incluindo a gorgeta.
     Nome dos subscritores:
     Duque de Palmela/ Duque da Terceira/ Marquês de Saldanha/ Agosti-
nho José Ferreira/ José da Silva Carvalho/ Conde de Farrobo/ Visconde de
Sá da Bandeira/ Conde de Seia/ Marcellino Azevedo e Mello/ José Joaquim
Gomes de Castro/ G. Gould/ G. Walsh/ N. Roope/ O. Sampayo/ J. Duffl
Almirante Sartorius/ Coronel de Gand/ J. A. y Mendizabal/ J. M. O'Neill.»
     E porque o tráfego aumentava e justificava novas estruturas, em 1841
arrancavam as obras de uma estrada considerada piloto, entre Sintra e a
capital. Nomeadamente, de 1844a 1849,procedeu-se ao plantio de árvores
nas bermas da estrada, no troço entre Belas e Sintra, para tornar as via-
gens mais amenas, mais aprazíveis.
     A primeira tentativa de ligação da vila a Lisboa por caminho-de-ferro
data de 1855.Rolava com grandes dificuldades, para vencer o acidentado


4
percurso, a pioneira locomotiva tipo «Lcrmcmjcrt». O projecto, rudimentar
e de apenas uma linha, apresentou-se inviável, e Sintra só ficaria defini-
tivamente ligada a Lisboa por comboio a partir de 1887.
     Com a chegada deste meio de transporte, a vila transforma-se num
passeio obrigatório para todo o lisboeta. E agora, já não é só a sociedade
elegante que demanda a Serra da Lua. Em As farpas, na revista de Outu-
bro de 1888,Ramalho Ortigão oferece-nos uma imagem bastante precisa
desse veraneio a Sintra, com as famosas burricadas, o colorido das espa-
nholas abraçadas aos marialvas, enfim, toda a capital a refrescar-se, de
corpo e alma, na sua estância predilecta: «Com o caminho de ferro, que
presentemente a prende à capital por um breve e commodo passeio, Cin-         Vila: Gravura   Romântica
tra mudou muito de aspecto. Ao domingo principalmente a multidão trc-
zida pelos comboios de recreio dá-lhe um ar popular de festa suburbana,
no Beato, nas Amoreiras ou no Campo Grande. A noite porém, com a par-
tida do último trem, a villa esvazia-se outra vez. Ao quente borborinho do
povo, ao orneio dos burros, às risadas das hispanholas, succede-se o
silêncio cavo do valle. A névoa, que lentamente desce da serra, limpa o
ambiente da poeira impregnada das exhalaçães da cerveja, do vinho de
Collares, e do peixe frito. E quando a lua desponta por cima dos casta-
nheiros, esse astro tantas vezes invocado pelo velho lyrismo da locali-
dade, não hesitaria       em reconhecer    na sua decantada       serra, no
alcantilado relêvo da penedia, nas ameias do castello dos Mouros, na
densa espessura dos arvoredos, no murmurio da água por entre os mus-
gos, no cheiro das giestas humidas de orvalho, o eden de Childe Horold.»
     Para além das mudanças sociais operadas pela chegada do comboio,
também no aspecto físico Sintra iria mudar. Outra vila estava para nas-
cer, a Estefânia, que não passou, afinal, de um prolongamento, de um
espreguiçar da povoação já existente. E quem iria adquirir uma das pri-
meiras nove casas que constituíam, inicialmente, essa vila, foi Francisco
Gomes de Amorim, discípulo e biógrafo de Garrett. É ele quem nos conta
como comprou essa vivenda. Fá-lo em Muita Parra Pouca Uva: «As casas
da villa Estephania olham todas para a villa e serra de Cintra. Dir-se-hirr
que contemplam a sua visinha com ar de provocante ironia. Cintra não
deve deixar-se adormecer, embalada pelo orgulho da opulencia. Ella
representa o passado: a villa Estephania é o futuro. Que a mãe se não
torne madrasta, se não quizer expôr-se a qualquer dia a filha, já emanci-
pada e rica de todas as forças da mocidade, a renegue por sua vez. 1...1
Fechei os olhos e comprei a casa.
     Dias depois voltámos a Cintra. Eu ia justar as obras; e pareceu-me
que toda a gente me olhava já como proprietario do sitio. Até a minha
sombra se me afigurava maior! Ser proprietario dá outro ar á gente: não
se fica tão pequeno e encolhido como quando se é simplesmente ...
inquí lino.»
     A Estefânia iria crescer ao longo do nosso século, e transformar-se no
centro de comércio de Sintra.
     Entre a chamada Vila Velha e a parte nova que então dava os pri-
meiros passos, foram-se edificcmdo algumas casas particulares e outras
destinadas a serviços públicos. E o caso de dois edifícios, ambos da
autoria do arquitecto Adães Bermudes: a Cadeia Comarcã (1906) e os
Paços do Concelho 0906-1909). Numa tradição romântica que se impôs
ao longo de todo o século XIX, Sintra continuava apegada a actos de
revivalismo, nomeadamente ao neomanuelino e ao neogótico. E estas
duas obras não fugiram à regra: «Os Paços do Concelho foram riscados
e dirigidos por Adães Bermudes, arquitecto revivalista de múltiplas
potencialidades, que concebeu entre a Vila Velha e a Estefânia um edi-
fício de grande dignidade cenográfica, que se acerta com os desníveis
do terreno, tirando partido do enquadramento natural e da ambiência
cenográfica da paisagem.» (Vítor Serrão, Sintra, Col. Cidades e Vilas de
Portugal, Lisboa, 1989,p. 77.)
     Este gosto pela revitalização dos estilos medievais e quinhentistas
implantados no espaço de Sintra, iria perdurar, pelo menos, ao longo do
primeiro quartel do século xx, numa apetência cada vez mais exagerada
e que nem a implantação da República conseguiria travar.




                                                                                                   5
2. EM OS MAlAS, UM ROTEIRO QUEIROZIANO DE SINTRA




      Seguindo as peripécias das personagens desta obra-prima do sé-
culo XIX, torna-se acessível a reconstituição de um roteiro inteiramente
queiroziano, de significativo interesse histórico-culturaL e que possibilita
ao visitante actual um contacto vivo com o espaço labiríntico da chamada
Vila Velha, palco de acção capaz de mobilizar o interesse criativo e for-
mativo, onde se conjugam a história e a ficção narrativa do século pas-
sado.
      Romance publicado em dois volumes pela Livraria de Ernesto Char-
dron, em 1888, Os Maias - Episódios da Vida Romântica tiveram uma
longa gestação. Em 1882,dizia Eça a Ramalho Ortigão, em carta de 3 de
Junho: «Eu não estou contente com o romance: é vago, difuso, fora dos
gonzos da realidade, seco, e estando para a bela obra de arte como o
gesso está para o mármore. Não importa. Tem aqui e além uma página
viva - e é uma espécie de exercício, de prática, para eu depois fazer
rrielhor.» Complicações e atrasos na impressão da obra e a habitual ânsia
de perfeição do escritor, fazem com que Os Maias apenas sejam publica-
dos seis anos mais tarde.
      Depois de editada a obra, Eça recomenda a Oliveira Martins a leitura
dos melhores episódios, em carta de 12-6-1888:«Os Maias saíram uma
coisa extensa e sobrecarregada em dois grossos volumes! Mas há episó-
dios bastante toleráveis. Folheia-os, porque os dois tomos são volumosos
de mais para ler. Recomendo-te as cem primeiras páginas; certa ida a
Sintra; as corridas; o desafio; a cena do jornal A Tarde; e, sobretudo, o
sarau literário. Basta ler isso, e já não é pouco. Indico-te, Eara não anda-
res a procurar através daquele imenso maço de prosa.» E exactamente
sobre esta «certa ida a Sintra» que nos debruçaremos com maior atenção.
      Seguindo o entrecho do romance, encontramos, logo na parte introdu-
tória, os pais daqueles que virão a ser as figuras centrais da obra (Carlos
da Maia e Maria Educrdo), utilizando Sintra para consolidarem uma liga-
ção que será tempestuosa: «No Verão, Pedro partiu para Sintra; Afonso
soube que os Monfortes tinham lá alugado uma casa.» Pedro da Maia,
homem de uma fragilidade romântica, põe termo à vida suicidando-se,
enquanto Maria Monforte fugia com um napolitano, levando a filha con-
sigo, Maria Eduarda, e deixando o filho Carlos entregue aos cuidados do
avô, Afonso da Maia. Depois de viver em Paris durante longos anos,
Maria Eduarda regressa a Lisboa acompanhada por um brasileiro, Castro
Gomes. Um dia, ao entrar no Hotel CentraL Carlos encontra-se face a face
com a figura deslumbrante de Maria Eduarda. Fascinou-o aquela mulher
«com passo de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si,
como uma claridade, um reflexo de cabelos de ouro, e um aroma no ar».
      Será Dâmaso Salcede, tipificação caricata do conquistador lisboeta,
que irá apresentar Carlos a Maria Eduarda. Começará aí a paixão de
Carlos e os ciúmes de Dâmaso que pretende ter aquela mulher como
amante. Durante um serão no Ramalhete, morada da família Maia, Car-
los toma conhecimento .do partida de Dâmaso para Sintra, juntamente
com os Castro Gomes. E Taveira quem o informa: «- Iam pelo Chiado
abaixo; anteontem, às duas horas ... Estou convencido que iam para Sin-
tra. Levavam uma maleta no landau, e atrás ia uma criada num cupé com
uma mala maior. .. Aquilo cheirava a ida a Sintra.» Todo o serão, Carlos
foi magicando naquela partida inesperada para Sintra, ia perguntando
 «se o hotel Lawrence, em Sintra, estava aberto todo o ano»; até que,
repentinamente, tomou uma decisão. Iria atrás dela. Correria a Sintra.
E para não ir só, convidou o seu amigo Cruges, o maestro: «- Dize cá,
Cruges, queres vir amanhã a Sintrc?», e porque o maestro demorou a res-
ponder, Carlos antecipou-se: «- Está claro que queres, não te faz senão
bem vir a Sintra ...». Fica ali, durante o serão, combinada a partida para
 Sintra, às oito da manhã do dia seguinte.


6
Sobretudo a partir do termo da guerra civil. em 1834,Sintra conheceu
uma das épocas áureas da sua história. A sociedade romântica da cha-
mada Regeneração transformou a região num espaço bem determinado
de lazer: «Sintro era então um ninho de amores, e sob as suas românticas
ramagens as fidalgas abandonavam-se aos abraços dos poetas.» Vindos
de Lisboa pela antiga estrada de Belas, viajando sobretudo de sege, cale-
che, tipóia, diligência ou ónibus, os visitantes podiam experimentar, a
partir de 1841,uma estrada considerada piloto, que serviu de modelo a
outras vias que foram construídas posteriormente no país. Para tornar as
viagens mais amenas, mais aprazíveis, as margens da estrada sofreram
obras de arborização lateral entre Belas e Sintra, de 1844a 1849.
     Carlos e Cruges não utilizaram qualquer destes meios de transporte.
Vieram de breque, carruagem mais íntima, de cariz aristocrático, mais
coadonante com a posição de Carlos da Maia no seio da sociedade, e,
sobretudo, mais leve, por isso mais rápida. Pontualmente às oito da
manhã, «Curlos parava o breque na Rua das Flores, diante do conhecido
portão da casa do Cruges. Mas o trintanário, que ele mandara acima
bater à campainha do terceiro andar, desceu com a estranha nova de que
o Sr. Cruges já não morava ali». Filho de uma viúva rica que possuía
várias casas pela Baixa lisboeta, o maestro mudava de habitação com
frequência. Este imprevisto irritou particularmente Carlos. Com pressa de
chegar a Sintra, porque só queria estar onde ela estava, desesperou com
a falta de cuidado de Cruges em não o ter avisado, na véspera, que
mudara para a Rua de S. Francisco (actual Rua Ivens).
     Foi encontrar o maestro atrasado como sempre, «a correr, quase aos
trambolhões,     com um cachez-nez de seda na mão, o guarda-chuva
debaixo do braço, abotoando atarantadamente o paletó». Antes de parti-
rem, ainda uma voz feminina gritou de cima: «- Olha não te esqueçam
as queijadas!»
     Pelo caminho, Cruges quis saber o porquê desta viagem inesperada.
Carlos acaba por lhe confessar, de modo subtil, as suas razões e, despreo-
cupando-o: «- Deixa-te levar, que não te hás-de arrepender». Cruges não
se arrependia, Sempre gostara muito de Sintra, embora não se lembrasse
muito bem da vila, pois já não ia a Sintra desde os nove anos e apenas
lhe ficara «uma vaga ideia de grandes rochas e de nascentes de águas
vivas».
     Surpreendido com a ignorância de Cruges sobre Sintra, Carlos traça
logo um itinerário, de sabor só aparentemente turístico: «O quêl, o maes-
tro não conhecia Sintra? ... Então era necessário ficarem lá, fazer as pere-
grinações clássicas, subir à Pena, ir beber água à Fonte dos Amores,
barquejar na Várzea ...», e perante este apetecível passeio. Cruges des-
venda o seu mais vivo desejo: «- A mim o que me está a apetecer muito é
Seteais; e a manteiga frescc.»
     Ao longo do percurso pela estrada de Sintra, os viajantes apenas
pararam uma vez. Foi na Porcalhota (hoje a cidade da Amadora), onde
Cruges, esfomeado por causa dos ares do campo, se avia com «uma bela
pratada de ovos com chouriço», enquanto Carlos apenas bebe um café.
     Pelo caminho, o maestro «pesado dos ovos com chouriço, olhava vaga
e melancolicamente, as ancas lustrosas dos cavalos», Carlos pensava no
motivo que o trazia a Sintra, e «realmente não sabia bem porque vinha;
mas havia duas semanas que ele não avistava certa figura que tinha um
passo de deusa pisando a Terra, e que não encontrava o negro profundo
de dois olhos que se tinham fixado nos seus: agora supunha que ela
estava em Sintra, corria a Sintra», e imaginando um encontro poético, de
sabor dito romântico, via a possibilidade       de «daí a pouco, na velha
Lawrence, ele a cruzasse de repente no corredor, roçasse talvez o seu ves-
tido, ouvisse talvez a sua voz».
     Ao longo deste episódio passado em Sintra, muitas são as persona-
gens que vamos encontrar pela Vila, todas elas em busca do amor: uns
em verdadeiros jogos amorosos, outros devaneando em paixões platóni-
cas. Eça de Queiroz apenas nos oferece uma personagem pura em todo o
capítulo oitavo: o maestro Cruges, que vem a Sintra com a intenção pri-
 mária de conhecer Sintra. Será, portanto, sempre através do olhar atento,
 quase fotográfico, do maestro, que Eça nos dará as descrições das paisa-
 gens, dos monumentos, das ambiências de Sintra.
     Entrando em Sintra pelo mesmo local que ainda hoje se entra, para
 quem vem de Lisboa: o Ramalhão; chegam as primeiras descrições da
 paisagem natural e social da região: «E, a passo, o breque foi penetrando
 sob as árvores do Ramalhão. Com a paz das grandes sombras, envolvia-
 -os pouco a pouco uma lenta sussurração de ramagens e como o difuso e


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vago murmúrio de águas correntes. Os muros estavam cobertos de heras
e de musgos: através da folhagem, faiscavam longas flechas de sol. Um
ar subtil e aveludado circulava, rescendendo às verduras novas; aqui e
além, nos ramos mais sombrios, pássaros chilreavam de leve; e naquele
simples bocado de estrada, todo salpicado de manchas de sol. sentia-se
já, sem se ver, a religiosa solenidade dos espessos arvoredos, a frescura
distante das nascentes vivas, a tristeza que cai das penedias e o repouso
fidalgo das quintas de Verão ...»
     Cruges, absorvido por toda aquela beleza, pergunta na sua ignorân-
cia de Sintra: «- A Lawrence onde é? Na serrc?», mas Carlos desilude-o:
«- Nós não vamos para o Lawrence (...) Vamos para o Nunes, estamos lá
muito melhor!» O velho e pioneiro Hotel Lawrence albergava, sobretudo a
aristocracia e alta burguesia lisboeta, os funcionários de Estado e casais
em lua-de-mel. Poder-se-á perguntar então por que é que Carlos, sendo
um fino aristocrata e frequentador do Lcwrence nas suas vindas a Sintra,
prefere, desta vez, instalar-se no Nunes. E que, de repente, lhe viera «uma
timidez, a que se misturava um laivo de orgulho, o receio melindrado de
ser indiscreto, seguindo-a assim a Sintra, ainda que ela o não reconhe-
cesse, indo instalar-se sob as mesmas telhas, apoderando-se de um lugar
à mesma mesa ... E ao mesmo tempo repugnou-lhe a ideia de lhe ser apre-
sentado pelo Dâmaso: via-o já bochechudo e vestido de campo, a esboçar
um gesto de cerimónia, a mostrar o "seu amigo Maia", a tratá-lo por tu,
afectando intimidades com ela, cocando-a com um olhar terno ... Isto seria
intolerável.»
     Cruges, descendo pela estrada de São Pedro à Vila, suspenso na ver-
dejante paisagem que lhe causava «uma impressão religiosa», avista por
entre uma clareira o Paço Real: «(...) este maciço e silencioso palácio, sem
florões e sem torres, patriarcalmente assentado entre o casaria da vila,
com as suas belas janelas manuelinas que lhe fazem um nobre sem-
blante real. o vale aos pés, frondoso e fresco, e no alto as duas chaminés
colossais, disformes, resumindo tudo, como se essa residência fosse toda
ela uma cozinha talhada às proporções de uma gula de rei que cada dia
come todo "umreino ...»
      Recentemente demolido o magnífico imóvel onde, em meados do
século XIX, funcionara a hospedaria Bragança, o Hotel Nunes não seria
propriamente, na década de 70, a mais recatada das unidades hoteleiras
de Sintra. Situado num lugar recôndito da Vila, cujo acesso se fazia pela
estreita Rua de Meca, entalada por um casaria demolido durante a Pri-
meira República, em 1911,e pertencente ao palácio, o Hotel Nunes está
ligado às facetas mais deletérias das personagens de Os Maias. E mesmo
o criado do hotel quem confirma a má imagem deixada por indivíduos
como Salcede: «só com raparigas e em pândega é que o sr. Dâmaso vinha
para o Nunes».
      Desta vez, em lugar de Dâmaso, aí se encontram instalados alarve-
mente e sem escrúpulos, Eusebiozinho, o viúvo, franzino e acanhado que
se intimidava desde pequeno perante a figura de Carlos da Maia; com
«outro sujeito, gordo, baixo, sem pescoço», o Palma Cavalão, jornalista
medíocre de pasquim, acompanhados por duas prostitutas espanholas.
Ali se desvenda, naquele episódico encontro, que Cruges e Carlos da
Maia eram também, afinal. velhos convivas das seiíoritas.
      Na ânsia de saber se Maria Eduarda estava em Sintra, Carlos preci-
sava de ir ao Lawrence. Numa época pouco frequentada, as ruas apresen-
tavam-se calmas: «Na praça, por defronte das lojas vazias e silenciosas,
cães vadios dormiam ao sol: através das grades da cadeia, os presos
pediam esmola. Crianças, enxovalhadas e em farrapos, garotavam pelos
cantos; e as melhores casas tinham ainda as janelas fechadas, continu-
ando o seu sono de Inverno, entre as árvores já verdes.» A Praça era então
o local de mercado da Vila, onde as vendedeiras apregoavam os seus pro-
dutos em volta do Repuxo (hoje colocado no Jardim da Preta do Palácio de
Sintra). Formava o largo mais amplo do centro urbano, com a Alpendrada
(demolida em 1893)de um lado, a Torre do Relógio e a Cadeia (hoje o edi-
fício dos Correios) do outro.
      Seguindo a estrada de Sintra a Colares, mais adiante os dois protago-
nistas do passeio deparam com o afamado Hotel Lawrence, na sua cons-
 trução setecentista, de estrutura modesta e «fcchcrdc banal», mas que,
 todavia, encantava de imediato o observador: «- Tem o ar mais simpá-
 tico - disse o maestro.» O Hotel Lawrence, a mais antiga unidade hote-
 leira da Península Ibérica, e uma das primeiras do seu género em toda a
 Europa, era pertença de uma família inglesa e encontrava-se em activi-
 dade desde cerca de 1780.Hoje seriamente arruinado, o hotel agradava,


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sobretudo, pelo ambiente calmo que a delicada vista do vale, nas trasei-
ras, proporcionava, a sua cozinha requintada, adereços cuidados e mobi-
liário fino.
     Carlos, que esperava reconhecer a presença dela em Sintra, fixa os
olhos numa janela aberta onde estava «um par de botinas de dura que
secando ao sol». Iam seguir caminho para Seteais, mas Carlos, ao escutar
um som de flauta, ainda se reteve um pouco, «quase certo de Dâmaso lhe
ter dito que a bordo Castro Gomes tocava flauta». Cruges, que se sentara
adiante, «num bocado de muro baixo, defronte de um alto terraço gra-
deado», prodigalizava as maravilhas da natureza, parecendo disposto a
permanecer ali em vez de ir visitar «as outras belezas de Sintra». Melan-
cólico e romântico, o maestro tinha as suas preferências: «- Sintra não
são pedras velhas, nem coisas góticas ... Sintra é isto, um pouco de água,
um bocado de musgo ... Isto é um paraíso!...» e sentindo-se enlevado, pos-
sesso pelo espaço edílico, concluía: «- Que pena que isto não pertença a
um artista!»
     Ir do Lawrence a Seteais era uma peregrinação obrigatória, espécie
de Passeio Público de Sintra. Cruges e Carlos deixam de admirar a paisa-
gem, despertos pelo rodar de uma carruagem com ingleses lá dentro.
Rolando pela estrada, entãp de terra batida, as carruagens levantavam
muito pó em dias de calor. E por detrás dessa nuvem de pó, envolto numa
névoa em dissipação, que Eça nos faz surgir a figura carismática do
defensor da Ideia Velha, o romântico poeta Tomás de Alencar. O velho
bardo, que havia sido íntimo amigo de Pedro da Maia e Maria Monforte,
abraça efusivamente Carlos e beija o maestro, «porque conhecia Cruges
desde pequeno, Cruges era para ele como um filho».
     Tomás de Alencar, homem alto, todo vestido de negro e com um
panamá na cabeça, de «grandes bigodes românticos», predispõe-se logo
a regressar com os «rapazes» a Seteais, ele que já vinha de lá. Mas não se
importava, até fazia questão, porque: «aquilo é sítio muito meu, filhos!
Não há ali árvore que me não conheça ...». Afirmamos no início deste
roteiro que todas as personagens que viajavam para Sintra ou que aí se
encontrcvcm.ivinhcrm    para flirtar, para namoriscar, em busca de amores
quase sempre proibidos, exceptuando o maestro Cruges. Então e Alen-
car? Talvez já não tenha idade para grandes pândegas, para namoros fur-
tuitos, mas vem a Sintra para recordar os amores que por aqui teve.
Sintra, para ele, era um «ninho de recordações. Ninho? Devia antes dizer
cemitério ...»
     A situação geográfica de Sintra em relação a Lisboa, cuja distância
era curta e longa, estando simultaneamente perto e longe da capital; a
sua beleza paradisíaca, quer natural. quer monumental. faziam da vila
um local predilecto para encontros amorosos fora das vistas da socie-
dade, verdadeiros jogos de damas disputados entre os hóteis, as ruelas
labirínticas do centro urbano e as quintas fidalgas ao redor de Sintra.
     Antes de prosseguirem o passeio, Alencar faz o prenúncio das vivên-
cias que irá recordar, marcadamente, em Seteais:

                      «Quantos luares eu lá vi?
                      Que doces manhãs d'Abril?
                      E os ais que soltei ali
                      Não foram sete mas mil!"

    Pelas sombras do arvoredo que acompanha a estrada, num dia morno
de Primavera, eis que surge finalmente Seteais. Mas Cruges ficou desilu-
dido perante o abandono da fidalga residência: «Toda aquela vivenda,
com a sua grade enferrujada sobre a estrada, os seus florões de pedra roí-
dos pela chuva, o pesado brazão rococó, as janelas cheias de teias de ara-
nha, as telhas todas quebradas,       parecia estar-se deixando morrer
voluntariamente naquela verde solidão - amuada com a vida, desde que
dali tinham desaparecido as últimas graças do tricorne e do espadim e os
derradeiros vestidos de anquinhas tinham roçado essas relvas ...»
    Importa aqui falarmos um pouco da história de Seteais. Adquirido no
último quartel do séc. XVIII por Daniel Gildemeester, cônsul holandês em
Portugal, a quinta passaria para a posse do 5.° Marquês de Marialva,
D. Diogo José Vito de Menezes Noronha Coutinho, gentil-homem do reino
e estribeiro-mor de Sua Majestade a Rainha D. Maria r. nos finais de sete-
centos. Uma vez na posse da propriedade, D. Diogo fez obras de vulto,
ficando a vivenda com a actual traça, composta por dois núcleos idênti-
cos ligados por um arco que contém, no cimo, um medalhão onde se vêem
as efígies de D. João VI (à época ainda príncipe regente) e sua esposa


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D. Carlota Joaquina; ostentando por baixo uma inscrição, datada de 1802,
dedicada ao futuro rei. De traça neoclássica, o edifício e a quinta vive-
ram os seus momentos áureos nos finais de setecentos e princípios de
oitocentos, no tempo em que eram moda os tais «vestidos de anquinhas»
como nos diz Eça de Queiroz. Mas Seteais não é só históric. O local tam-
bém comporta uma grande carga lendária. Sobre a origem do topónimo,
cuja composição sugere a ligação entre duas palavras, Sete + ais, criou o
povo as mais variadas lendas. Contudo, a origem do topónimo tem uma
explicação bem real, dada pelo falecido escritor sintrense Francisco
Costa. Diz este homem das letras que, antes de ali ter existido a vivenda,
se cultivava naqueles campos o centeio. Daí, Campo de Centeais, que, por
corruptela, fez surgir Seteais, o que é bastante perceptível.
     As razões do abandono de Seteais nos finais do século passado são
múltiplas. Mas afigura-se-nos que a mentalidade romântica terá contri-
buído, sobremaneira, para esse abandono. Ao cortarem radicalmente com
as ideias iluministas, também as construções desse período sofreram, de
algum modo, com esse corte. Perguntaremos, então, o que traz com tão
elevado ânimo o poeta Alencar, romântico convicto, a Seteais? Exacta-
mente a sua grande carga lendária e, sobretudo, o Penedo da Saudade.
     Atravessando o terreiro, Cruges, Carlos da Maia e Alencar passaram
o arco, e ao cimo da rampa, nas traseiras dos dois pavilhões, foram con-
templar a paisagem do varandim sobranceiro ao jardim de simetrias rígi-
das, labirínticas, ao sabor classicista: «Cruqes, no entanto, encostado ao
parapeito, olhava a grande planície de lavoura que se estendia em baixo,
rica e bem trabalhada, repartida em quadros verde-claros e verde-escu-
ros, que lhe faziam lembrar um pano feito de remendos.» Já se prepara-
vam para abandonar       Seteais quando «Cruges quis explorar o outro
terraço ao lado». Inevitavelmente o maestro entestou com o Penedo da
Saudade. Embora não conhecesse Sintra, Cruges identificou, automatica-
mente, o célebre rochedo: «Foram-no encontrar triunfante, diante de um
montão de penedos, polidos pelo uso, já com um vago feitio de assentos
deixados ali outrora, poeticamente,       para dar ao terraço uma graça
agreste de selva brava.» E virando-se para o poeta: «- Se eu me lem-
brava perfeitamente! Penedo da Saudade, não é que se chama, Alencar?»
Mas o bardo não conseguiu responder. Envolto em recordações, a emoção
embargava-lhe a voz. Só momentos depois «a sua voz ergueu-se, saudosa
e dolente», para recordar em verso certos amores que ali vivera:

                     «Vieste! Cingi-te ao peito.
                     Em redor que noite escura!
                     Não tinha rendas o leito,
                     Não tinha lavares na barra
                     Que era só a rocha dura ...
                     Muito ao longe uma guitarra
                     Gemia vagos harpejos ...
                     (Vê tu que não me esqueceu) ...
                     E a rocha dura aqueceu
                     Ao calor dos nossos beijos!»

    Perfeitamente enquadrado no espírito romântico, Cruges «ficou a
olhar para os penedos como para um sítio histórico».
    Descendo a rampa, e olhando através do arco, os viajantes experi-
mentaram uma visão cujo pitoresco não escapou a Cruges: «O maestro
embasbacou. No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de
pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma com-
posição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavala-      l
ria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo
salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas
árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha
                                                                              1
de folhagem reluzente; e, emergindo abruptamente dessa capada linha
de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando
vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume
airoso da serra, toda cor de violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena,
romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre
esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem fei-
tas de ouro ...»
     Sem dúvida uma das melhores descrições da literatura portuguesa,
Eça oferece-nos, de um modo impressivo, o retrato preciso desta «tolo
sublime».
     De regresso à Vila, Carlos fica, finalmente, a saber que Maria Eduarda


12
partira na véspera para Mafra. Então, sabendo-a longe, «Sintro, de repente,
pareceu-lhe intoleravelmente deserta e triste». Cruges apenas teve tempo
para uma visita rápida ao «vasto casarão histórico», o Paço Real. sob «a
voz monótona do cicerone mostrando a cama de S. M. EI-Rei, as cortinas
do quarto de S. M. a Rainha, melhores que as de Mafra, o tira-botas de
S. A.; e trazia de lá uma pouca dessa melancolia que erra, como uma
atmosfera própria, nas residências reais».
     Reuniram-se novamente no Lawrence, e Alencar, que se apercebera
ser necessário animar os «rapazes», propôs: «- E, para ser festa completa
- exclamou ele, limpando os bigodes do conhaque - enquanto vocês
vão ao Nunes pagar a conta e dar ordens para o breque, eu vou-me enten-
der lá abaixo à cozinha com a velha Lawrence e preparar-vos um baca-
lhau à Alencar, récipe meu ... E vocês verão o que é um bacalhau! Porque,
lá isso, rapazes, versos os farão outros melhores; bacalhau ndo!»
     Bulhão Pato, um dos pontífices do Romantismo, viria a reconhecer-se
na figura de Tomás de Alencar, exactamente por também ele ser poeta e
cozinheiro ao mesmo tempo. Sentindo-se caricaturado, Bulhão Pato ataca,
em 1889, Eça de Queiroz, escrevendo duas sátiras violentas: O Grande
Maia e Lázaro Cônsul. Eça responde com alguns artigos esfusiantes de
humorismo, e que se encontram compilados nas Notas Contemporâneas.
     Depois do jantar, a partida. Em tempo de despedida, Eça deixa-nos
algumas imagens nocturnas: «Algum tempo o breque rodou em silêncio,
na beleza da noite. A espaços, a estrada aparecia banhada de uma clari-
dade quente que faiscava. Fachadas de casas, caladas e pálidas, sur-
giam, de entre as árvores, com um ar de melancolia               romântica.
Murmúrios de águas perdiam-se na sombra; e, junto dos muros enrama-
dos, o ar estava cheio de aroma».
     Rolando pela estrada, meio adormecidos pelos balanços do breque, e
quando Alencar vai para recitar uns versos, Cruges solta um grito na
escuridão: «Com mil rcrios!»: inevitavelmente esquecera-se das queijadas.
     Para além do itinerário descrito no capítulo oitavo, e que forma o
corpo central deste Roteiro Queiroziano, as referências a Sintra multipli-
cam-se ao longo de todo o romance, sempre de uma forma persuasiva em
que o espaço se torna cúmplice do sujeito, caracterizando-o, movimen-
tando-o na acção em função do cenário. De salientar as deslocações à
Vila de João da Ega, essa personagem magistral tida em muitos aspectos
como o retrato do próprio Eça: «Fidalgote rico, figura esgrouviada e seca,
os pêlos do bigode arrepiados sobre o nariz adunco, um quadrado de
vidro entalado no olho direito - tinha realmente alguma coisa de rebelde
e de satânico.» Amante de Raquel Cohen, mulher do director do Banco
Nacional. vê Dômc so Salcede disputar-lhe          a conquista e, roído pelo
ciúme, corre a Sintra e instala-se no Hotel Vítor.
     Propriedade de Vítor Sassetti. o Hotel Vítor é o terceiro dos hóteis de
Sintra citados na obra. Situado já na encosta da serra, empoleirado sobre
o casaria da Vila, juntamente com o Hotel Lawrence e o Hotel Nunes
fechava em triângulo todo o centro urbano, numa teia dominadora em
cujas malhas se tecem os mais variados episódios amorosos.
     Em carta a Carlos da Maia, João da Ega desculpa esta sua correria
atrás daquela «Icrmbisqóic de Israel. melada e molenga, sovada a ben-
gala», alegando «uma saudade infinita da natureza e do verde», e prome-
tendo que apenas se demoraria «o tempo de cavaquear um bocado com o
Absoluto, no alto dos Capuchos, e ver o que estão fazendo os miosótis
junto à meiga Fonte dos Amores ...».
     Mais tarde, Carlos recebe notícias de Ega, que se instalara no Vítor e
desesperava na presença de Dâmaso e Raquel: «O Dâmaso aparecia em
toda a parte com a Cohen; o Dâmaso tornara-se grotesco em Sintra, numa
corrida de burros; o Dâmaso arvorara capacete e véu em Seteais; o
Dâmaso era uma besta imunda», e acentuando a sua ira, despeitado por
se ver rejeitado pela sua amada, remata furioso: «o Dâmaso, no pátio do
Vítor, de perna traçada, dizia familiarmente 'a Raquel'; era um dever de
moralidade pública dar bengaladas no Dâmaso!...».
     O Hotel Vítor era uma das hospedarias predilectas na época de vera-
neio. Espécie de casino particular, jogava-se no Vítor. Era também local
de partida das famosas burricadas, as corridas de burros que alegravam
a sociedade lisboeta. Através das interjeições irónicas, satirizantes, de
João da Ega, Eça oferece-nos quadros exactos da ambiência de Sintra em
tempo de Verão. Atente-se neste diálogo em que Carlos da Maia interroga
Eusebiozinho sobre Sintra e, nomeadamente, o Ega:
     «- E tu - perguntou então Carlos, voltando-se para Eusebiozinho.-
Tens estado em Sintra, hem? Que se faz lá? .. O Ega?


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Planta
      da




                CÁMARA
              MUNICIPAL




14
--   PERCURSO   OUEIROSlANO




                              DE   MENINOS


                                                                              

                                                                                   ~
                                                                                    I
                                                                                    ;




                                                                                    


                                             CASCAIS-ESTORIL
                                                                                        
                                                                    .'
                                                               ""'-




                                   Vila de 5inlla                                                         I




                                                               I)        ~e   100           100   lO      ••
                                                                                                           I   SOl
                                                                ~                                 SãàaadE!A    S




                                                                                                                15
o  outro ergueu-se guardando o canivete, ajeitando as lunetas.
     - Lá está no Vítor, muito engraçado, comprou um burro ... Lá está o
Dâmaso também ... Mas esse pouco se vê, não larga os Cohen ... Enfim,
tem-se passado menos mel. com bastante calor ...
     - Tu estavas outra vez com a mesma prostituta, a LaIa?
     Eusebiozinho fez-se escarlate. Credo! Estava no Vítor, muito sériol»
     Depois deste trajecto pelos pontos capitais da obra referentes a Sin-
tra, fica-nos a imagem nítida, possível de ser visualizada, da Vila nos
finais do século passado. Através de uma grande perspicácia de olhar, de
um profundo sentido de análise, Eça de Queiroz em Os Maias atribuiu a
Sintra um papel preponderante quer no desenrolar da acção, quer na pró-
pria caracterização das personagens, cuja movimentação se faz em per-
feita dialéctica entre o sujeito e o espaço de Sintra. Para sempre ficarão
fixados locais de Sintra de uma forma impressiva, capaz de transmitir às
gerações aspectos sociais, culturais e monumentais, alguns deles já
desaparecidos - como o malogrado Hotel Nunes, hoje substituído por
outro edifício de traça moderna que alberga o Hotel Tivoli -, outros
ainda acessíveis, que nos possibilitam a reconstituição do percurso enun-
ciado em Os Maias.




16
3. ROMÂNTICAS RAMAGENS




                                                                                Castelo   visto da Vila


     Sintra pode, ainda hoje, oferecer ao visitante o que de mais belo e sig-
nificativo o movimento romântico criou. Por si só, a geografia sintrense é
naturalmente romântica, com a sua serra nascida abruptamente do meio
da planície e que a faz parecer mais alta do que, efectivamente, é; as flo-
restas densas dissimuladas em neblinas perpétuas; as águas correntes e
nascentes que tanto evocam o derrame de lágrimas como o passar irre-
versível do tempo; o mar agreste e selvático ao fundo; as populações
rurais exibindo os seus usos e costumes; enfim, os seus vestígios do pas-
sado que vêm desde os primórdios do homem, fazem de Sintra um local
propício à corporalização dos sentimentos românticos. Foi este cenário
que levou os homens, ao longo do século XIX, a burilarem esse roman-
tismo natural, ora cantando as belezas da terra, ora salpicando a serra
com mágicos palacetes e chalets. E nessa demanda colectiva de fazer de
Sintra um santuário romântico, bom é que se levante a figura de D. Fer-
nando II como pioneiro e principal impulsionador, cujo papel preponde-
rante não só modificou elegantemente o espaço sintrense, como o tornou
num dos locais mais belos do mundo.

               «Ob! Cintra! oh saudosissimo retiro,
               Onde se esquecem magoas, onde folga
               De se olvidar no seio á natureza
               Pensamentos que embala adormecido
               O sussurro das folhas, c'o murmurio
               Das despenhadas lymphas misturado!
               Quem, descansado á fresca sombra tua,
               Sonhou senão venturas? Quem, sentado
               No musgo de tuas rocas escarpadas,
               Espairecendo os olhos satisfeitos
               Por céus, por mares, por montanhas, prados,
               Por quanto ha hi mais bello no universo,
               Não sentiu arroubar-se-lhe a existência,
               Poisar-lhe o coração suavemente
               Sobre esquecidas penas, amarguras,
               Ansias, lavor da vida? - Oh grutas frias,
               Oh gemedoras fontes, oh suspiros
               De namoradas selvas, brandas veigas,
               Verdes outeiros, gigantescas serras!
               Não vos verei eu mais, delicias d'aliua?»


                                                  in Camões, Almeida Garretl



                                                                                                          17
3.1. Palácio de Seteais




                                                     Seteais: Gravura   Romântica



    Ouviu O visitante falar de Seteais e ficou curioso. O topónimo sugere-
-lhe ecos e lendas antigas de belas princesas mouras. Vai lá e não deu
por perdido o seu tempo. No meio da romântica floresta tingida por
românticos palácios. emergem surpreendentemente as linhas neoclássi-
cas do Palácio de Seteais. empoleirado sobre o vale do Rio das Maçãs.
onde a vista se estende e se deleita no retalho dos campos cultivados. o
branco das casas saloias ao longe. e a linha azulada do mar ao fundo.
Hoje uma requintada unidade hoteleira. Seteais foi edificado no último
quartel do século XVIII. pelo cônsul holandês Daniel Gildemeester. que o
                                                 0
vendeu. nos finais da mesma centúria. ao 5. marquês de Marialva.
D. Diogo Vito.
    Este destacado nobre português acrescentou. à primitiva construção.
um segundo núcleo. ligando-os por um arco encimado pelo brasão real e
um medalhão que contém as efígies de D. João e de D. Carlota Joaquina.
erguido em 1802.
    No seu interior. de notar as pinturas atribuídas a Pillement, o mobiliá-
rio único e uma decoração capaz de fazer o visitante revi ver o espírito da
época.



3.2. Palácio Nacional da Pena

     Os ecos de uma lenda antiga contam-nos que. cmdcmdo D. Manuel I a
caçar pelo alto da serra e preocupado com novas da Indin, avistou. de um
dos picos onde existia uma ermida dedicada a N." Sr.° da Penha. a nau de
Nicolau Coelho a entrar a barra do Tejo. E pela graça concedida. mandou
erguer. em 1503.o Real Mosteiro de Nossa Senhora da Pena. confiado à
Ordem de São [erónimo.
     Depois. muito depois. houve um príncipe da Baviera que teve um
sonho. Chamava-se D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha e casou. em
1836.com a nossa rainha D. Maria 11.Homem detentor de uma sensibili-
dade invulgar e apurado gosto. adquiriu. a expensas próprias. as ruínas
do antigo cenóbio e toda a mata circundante. incluindo o Castelo dos
Mouros. Mandou plantar o fabuloso Parque da Pena. verdadeiro museu
botânico que contém espécies das mais variadas partes do mundo. e idea-
liza. juntamente com o Barão de Eschewege. um palácio mítico-mágico
que concilia valores de várias épocas e civilizações. transformando.
enfim. aquele local no baluarte arquitectónico do movimento romântico
em Portugal.


18
Pena: Gravura Romântica


     o visitante que penetrar neste palácio terá a nítida visão da ambiên-
cia romântica dos seus interiores, com as salas ricamente decoradas, por
de mais preenchidas, notando o horror ao espaço vazio. Terá ainda a pos-
sibilidade de admirar uma das obras mais belas da nossa Renascença, o
retábulo quinhentista 0529-1532), em alabastro, que concebeu mestre
Nicolau Chanterene. No exterior, o visitante sentirá o contacto com o céu,
Ó mar e a serra, numa amplidão de horizontes que não mais esquecerá.




                                                                                                 19
Jardim Romântico

     Amo-te, ó cruz, no vertice firmada
          De esplendidas egrejas;
     Amo-te quando á noite, sobre a campa,
          Junto ao cypreste alvejas;
     Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
          As preces te rodeiam;
     Amo-te quando em prestito festivo
          As multidões te hasteiam;
     Amo-te erguida no cruzeiro antigo,
          No adro do presbyterio,
     Ou quando o morto, impressa no ataúde,
          Guias ao cemitério;
     Amo-te, ó cruz, até quando no valle
          Negrejas triste e só,
     Nuncia do crime a que deveu a terra
          Do assassinado o pó!"
                                        Cruz Mutilada, A. Herculano




20
3.3. Parque e Palácio de Monserrate

     Este maravilhoso local deve o nome a uma pequena ermida ali edifi-
cada por Frei Gaspar Preto, em 1540, dedicada a Nossa Senhora de Mon-
serrate. Manteve-se este templinho a culto até ao início do século XVIII,
altura em que foi votado ao abandono.
     Em 1718, instituiu-se o vínculo da Quinta de Monserrate a D. Caetano
de Melo e Castro, comendador da Ordem de Cristo e vice-rei da Índia.
Tendo ficado bastante danificada com o terramoto de 1755, a quinta e as
casas existentes foram arrendadas       a um rico comerciante inglês, de
nome Gerald de Visme. Este huguenote, que se instalara em Portugal no
ano de 1746, mandou edificar uma vivenda acastelada de sabor neogó-
tico, onde residiu por um curto período. Em 1794, aí se instalou William
Beckford, fazendo obras nos jardins e redecorando a vivenda. Quando
Lord Byron visitou aquele local, em 1809, já a vivenda se encontrava
abandonada, entregue ao vandalismo e à pilhagem, mas, mesmo assim,
o grande poeta ainda lhe chamaria «o primeiro e mais lindo lugar deste
reino». Só em 1856, Monserrate é, de novo, revitalizado, com a venda a
outro rico comerciante inglês, Francis Cook, que vai transformar a antiga
vivenda num singular palácio de cariz orientalizante, procedendo tam-
bém à modificação da propriedade rural num exótico jardim, com o plan-
tio de diversas espécies provenientes das mais remotas paragens do
mundo.
     Assim, o visitante que se passeia em Monserrate, naquele harmo-
nioso e exuberante conjunto artístico e ambiental, sente, de uma forma
viva e marcante, o «glorioso Eden» que Byron tão bem soube cantar.



3.4. Chalet da Condessa d'Edla

    Elisa Frederica Hensler, grande cantora de origem alemã, cuja repu-
tação verdadeiramente    internacional adquiriu através das suas sober-
bas interpretações nas mais significativas capitais europeias (incluindo
Lisboa, onde se apresentou, pela primeira vez, em 23 de Fevereiro de
1860), recebeu do Príncipe Ernesto 11, de Saxe, o título de Condessa
d'Edla.
    Em 1869, a Condessa viria a desposar o rei consorte D. Fernando 11,
que enviuvara 16 anos antes. Partilhando do entusiasmo do monarca
pelas obras de construção do Palácio e Parque da Pena, iniciadas já em
1839, deveras contribuiu para o enriquecimento dos imensos jardins, quer
através da plantação da conhecida «Feteira da Condessa», quer introdu-
zindo raras espéç:ies provenientes da América do Norte, país onde pas-
sara parte da sua juventude.
    Ainda no mesmo ano em que contraiu matrimónio com o rei-artista,
esta senhora de grande sensibilidade mandou erguer, em pleno Parque,
um curioso chalet. O estilo arquitectónico do edifício, traçado pela pró-
pria Condessa d'Edla, antecipou-se e, de certa forma, preconizou a moda
de chalets que, em finais de oitocentos, se fez notar sobretudo em Sintra e
na Costa do Estoril.
    De planta rectangular, ao nível do rés-do-chão, e cruciforme no pri-
meiro andar, a habitação apresenta fachadas de alvenaria que imitam
longas tábuas, à semelhança das casas rústicas da América do Norte.
Com as ombreiras das portas, janelas e óculos ornamentadas em cortiça,
sobressai deste conjunto homogéneo uma típica varanda que circunda
todo o piso superior. Os interiores, ricos e bem trabalhados, fazem o visi-
tante notar, por entre estuques, frescos, embutidos de cortiça e cobre, a
doçura do amor vivido pelo nobre casal.

        "A proximidade de Cintra é o mais superior dos merecimentos que
   tem Cascaes, porque - apesar da moda que ultimamente a esqueceu
   e que há poucos annos fazia de Cintra a belleza official, a paisagem
   dos compendios de retorica, o logar selecto pela antipathica unanimi-
   dade dos suffragios - Cintra é, ainda assim, pella belleza dos seus
   terrenos, pella abundancia das suas águas, pellas suas vegetações,
   pellas suas quintas, uma das mais bellas, das mais suaves, das mais
   tranquillas regiões que offerece o pcríz.»

                                          in As Praias de Portugal, R. Ortigão




                                                                                 21
3.5. Quinta do Relógio




                                                          Quinta do Relógio


     Reinava D. Pedro V quando esta propriedade passou para as mãos de
Manuel Pinto da Fonseca, rico aventureiro conhecido como o «Monte
Cristo», epíteto extraído do célebre romance de Dumas, por ter enrique-
cido à custa dos escravos.
     Cerca de 1860,Manuel da Fonseca, na esteira do espírito romântico
que em Sintra tinha já revelado a sua feição arquitectónica, nomeada-
mente através da construção dos singulares e exóticos palácios da Pena e
Monserrate, mandou erguer uma nova vivenda na Quinta do Relógio, e
que ainda hoje subsiste, em pronunciado estilo arabizante.
     Nos jardins, embora de dimensões não muito grandes, pode encon-
trar-se abundante vegetação exótica e lagos cheios de nenúfares.
     Sob projecto de António Manuel da Fonseca [únior. o palacete então
edificado é constituído por um pavilhão central de topo ameado, ao qual
se anexam dois corpos mais baixos. Na fachada, destaca-se uma legenda
árabe, repetida por três vezes, divisa dos reis mouros de Granada, que
diz: «Deus é o único vencedor.»
     Nesta casa passaram a lua-de-mel. em 1886,D. Carlos e D. Amélia,
reis de Portugal.




3.6. Chalet Biester


    Ernesto Biester (1829-1880),dramaturgo e jornalista, empresário do
Teatro D. Maria II, juntamente com D. João de Menezes e o actor Eduardo
Brasão, desejou um dia construir um bonito e cenográfico chalet na
encosta da Serra de Sintra. Encomendou a obra ao arquitecto José Luís
Monteiro, em 1880,precisamente antes de morrer, em 12 de Dezembro do
mesmo ano. Deixou assim o seu nome ligado a Sintra através do famoso
exemplar riscado por José Monteiro, e soberbamente decorado nos inte-
riores, onde a teatral idade efémera e os «décors» quase de ópera se
adequam ao espaço, e que para tal foram recrutados, entre uma elite,
aqueles que mais se familiarizavam com o gosto revivalista. Assim, apa-
recem o entalhador Leandro Braga, o cera mista Bordalo Pinheiro e, sobre-
tudo, o cenógrafo Luigi Manini. a trabalharem os cenários interiores,
numa colaboração que, apesar da sua unidade aparente, assinala uma
responsabilidade estética diferente.


22
3.7. Quinta da Regaleira




                                                         Quinta da Regaleira



     António Augusto Carvalho Monteiro. homem de grande cultura e
imensa fortuna. encomendou o projecto da Quinta da Regaleira a Luigi
Manini. célebre encenador do Real Teatro de São Carlos e autor dos dese-
nhos que regeram a edificação do Palácio-Hotel do Buçaco. Contudo. na
Quinta da Regaleira. Manini não irá apenas espelhar o seu gosto reviva-
lista. mas também inscrever nas construções diversa simbologia maçó-
nica. transformando o local num espaço de grande interesse esotérico.
     A Regaleira é. efectivamente. possuidora de uma rica e abrangente
gramática ornamental. mistura de estilos que convivem em perfeita har-
monia. O resultado surpreendente do conjunto deve-se. em parte. à sábia
e subtil condução do projecto por parte de Carvalho Monteiro e Manini. e.
também. porque escolheram os mais notáveis canteiros da época.
     A Capela da Santíssima Trindade. edificada em frente ao palacete.
foi igualmente projectada por Luigi Manini. Assim. o exterior do templo
apresenta-se pleno de ornamentação. ostentando uma magnífica fachada
neomanuelina. Por outro lado. no interior. destaca-se sobretudo a riqueza
da decoração. com os seus coloridos vitrais. Saliente-se. ainda. a profusão
de emblemas maçónicos aqui presentes. cujo significado se prolonga por
outras estruturas simbólicas existentes ao longo do parque. nomeada-
mente o curioso poço iniciático.


                                                                               23
3.8. Paços do Concelho

     Com o crescimento da Vila de Sintra, sobretudo depois da inaugura-
ção do caminho-de-ferro,     em 1889, e o consequente aparecimento    do
Bairro da Estefânia, assistiu-se a uma deslocação do centro económico e
administrativo    que permaneciam     precariamente   instalados na Vila
Velha. Assim, escolheu-se um local intermédio entre os dois burgos para
a implantação dos Paços do Concelho, no local onde, então, se erguia a
antiga ermida de São Sebastião.
     Segundo projecto de Adães Bermudes, a construção foi iniciada em
1906e concluída em 1908. Os Paços do Concelho apresentam fachadas
austeras, com janelas neomanuelinas sobriamente decoradas. No alçado
principal destaca-se, pela sua imponência, uma bela torre rematada por
ameias, e por uma cobertura piramidal revestida com azulejos, os quais
representam alternadamente a Cruz de Cristo e o escudo Pátrio. No topo,
surge, majestosa, a esfera armilar, enquanto outras quatro de menores
dimensões ladeiam esta curiosa cobertura. No interior, abre-se um mag-
nífico claustro, cujos varandins do piso superior se encontram ricamente
ornamentados com motivos manuelinos e renascentistas.




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Roteiro Romântico de Sintra

  • 1. CONCELHO DE SINTRA - ROTEIRO ROMÂNTICO - N : .•• ~~~:.,.y.A; ; :l.~:.:~: • ';;'I-'!.'~_ I ! ;.•,.7i;!:~.:;."T~ " ..~::'~.:( ! .:.1.. ••• ,),.;:".;- ••• ::':.'~~" _·..•.·'S~·.:. c Escala 1/100.000 Caminhos-de-Ferro Estradas Nacionais Estradas Municipais Limites de Freguesia l-Palácio de Seteais. 2- Monserrate. 3- Pena (Palácio e Chalet da Condessa). 4- Paços do Concelho (séc. xx),
  • 2. ~~------------------------------------IIIIIIIII"". 1. DAS NEBLINAS À REPÚBLICA Dos finais do século XVI a meados de setecentos, a vila perdeu muito do seu brilho. Quase dois séculos passados e Sintra enterrada nas nebli- nas perpétuas, abandonada, à espera que os homens redescubram o seu encanto. Andaram os reis em busca de outros espaços, por força da men- talidade regente, mais abertos os espaços, porque as mentalidades nem por isso. O singular, e outrora sumptuoso, Paço Real apenas serviu para encarcerar um rei deposto. D. João V prefere as charnecas de Mafra para erguer, a ouro do Brasil, um gigantesco palácio-convento, apanágio de um governo parenético. D. Pedro, o terceiro do nome no rol da realeza nacional, escolhe as colinas suaves de Queluz, onde edifica, a partir de 1747,um palácio cuja imagem marca o gosto de uma época onde pontifica a teatralidade, a aparência e a necessidade de espaços amplos. A Serra da Lua apenas serve de cenário, ao fundo, lá pelas bandas do oceano. Definitivamente, Sintra não está na moda. Todavia, a Terra não dorme. Antes se renova, se transmuta constante- mente. E foi preciso uma convulsão tremenda, na manhã do dia 1 de Novembro de 1755,para os homens regressarem a Sintra e abrirem o cora- ção <;Ios istérios encantatórios da vila mui (des)prezada. m E, de facto, com a reconstrução do casario, desmoronado em larga escala durante o terramoto, a par do despoletar de novos sentimentos e sensibilidcdes artísticas, que vai nascer outro período áureo para Sintra. Das cinzas renasce a fénix, do caos é que surge a ordem. Nem que seja um ordenamento desordenado. Numa altura em que começam a ser postos de parte os sentimentos estilizados e racionais dos clássicos, os artistas vão criar conforme o arre- batamento de cada um, despontando assim a aurora do Romantismo. Por ora, estas manifestações surgem ainda associadas ao Iluminismo e ao Neoclassicismo. Mas certo é já que o tempo é de mudança. No último quartel do séc. XVIII, a paisagem sintrense vai sofrer altera- ções profundas, nomeadamente em redor do perímetro urbano, com a construção de diversas quintas coroadas por luxuosos palacetes. São exemplos as quintas de Seteais e Monserrate, muito por força do capital estrangeiro, com o cônsul holandês em Portugal, Daniel Gildemeester, a fabricar a primeira, e o rico comerciante huguenote, Gerald De Visme, a erguer em Monserrate um palacete cuja gramática pronunciava já asso- mos de exotismo e de revivalismo medieval. Importante nesta viragem mental ocorrida nos finais de setecentos é, sem dúvida, a influência dos estrangeiros no seio da sociedade portu- guesa. Viajantes como William Beckford, James Murphy, Robert Southey, Lord Byron, e tantos outros, trazem com eles novas tendências artísticas e vão espelhá-las nas suas produções literárias. Com o devir das Invasões Francesas, e a consequente fuga da corte para o Brasil, Sintra vai estar intimamente ligada a este período negro da nossa História, até por ter dado o nome, embora erradamente, à conven- ção que pôs termo à primeira invasão, em 1808.Outros pontos de referên- cia são o Palácio do Ramalhão, refúgio e coito de uma das principais figuras deste cenário, a rainha D. Carlota Joaquina, e o Palácio de Que- luz, residência real de veraneio por excelência na época, e que aparece ligado tanto à rainha e a D. João VI, como ao general [unot, quando este ali se instalou faustosamente, fazendo do palácio o seu quartel-general, e transformando-o, interior e exteriormente, com o pintor Manuel da Costa a trabalhar os frescos a mando do gaulês e os jardineiros a plantarem o chamado Jardim dos Azereiros. Durante a guerra civil entre liberais e absolutistas, Sintra vai viver um período de tensão, tal como o resto do país. Ao certo, vamos encontrar D. Miguel I em Sintra, a 7 de Abril de 1830, quando, por ordem sua, foi aberto o lendário Túmulo dos Dois Irmãos, ao Ramalhão: «Armo do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil 2
  • 3. oitocentos e trinta, aos sete dias do mez de Abril do dito anno neste sitio denominado da Cruz dos Dois Irmãos na Estrada Real que de Cintra vae para Lisboa, limite do logar de S. Pedro, e proximo à Real Quinta do Ramalhão aonde por ordem expressa vocal d'El-Hei Nosso Senhor Dom Miguel Primeiro, veio o Doutor Juiz de Fóra da mesma Villa e termo, Dia- mantino António Botto Machado, comigo escrivão de seu cargo e officiaes da repartição de Pedreiro, Victorino José Fernandes e Luiz José Gonçalves, para effeito de se proceder à abertura do Monumento antigo contiguo àquela Cruz, e assim se examinar o que dentro delle existe pela falta de escriptos antigos, ou tradição com caracteres de verdade, que mostrem a certeza da sua fundação e destino; sendo presente o Mesmo Augusto Senhor acompanhado dos Gentis Homens de sua Real Camara os Excel- lentissimos Marques de Tancos, Marques de Bellas e Marques de Alvito, Estribeiro Mor, com todas as mais pessoas de seu Estado 1..1». Com a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, parecia até que Sin- tra ficaria ainda mais espoliada, mais votada à ruína e ao abandono. Mas, em 1836, a nossa D. Maria II casou com um príncipe da Baviera que trazia sonhos na alma e uma grande sensibilidade artística no coração. Chamou-se D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha e foi o principal agente transformador da cenografia monumental e natural de Sintra durante o século XIX. Dom Fernando, o rei-artista, foi ainda o responsável pelo enca- minhamento das modas para a ambiência de Sintra, criando uma vila de vilegiatura, um santuário romântico que se impôs ao longo de toda a cen- túria de oitocentos. Em Sintra, viria Dom Fernando a encontrar o terreno mágico para a corporalização dos seus sonhos, ao adquirir perante a Junta de Crédito Público, a 3 de Novembro de 1838, as ruínas do antigo Real Mosteiro de Nossa Senhora da Pena, bem como toda a mata circundante, incluindo o chamado Castelo dos Mouros. E aproveitando os claustros, a capela qui- nhentista e mais alguns anexos, concebeu um palácio-castelo, cujo resul- tado é a expressão viva do ideal romântico. Chamou para trabalhar no projecto o Barão Von Eschwege, arquitecto militar natural da Renânia e que trabalhava, entre nós, como engenheiro de minas. Começaram as obras em 1840, numa primeira fase com a recu- peração das partes quinhentistas e a construção da Estrada da Pena. Quatro anos mais tarde, iniciava-se a edificação da parte moderna, o chamado «palácio novo». Simultaneamente, D. Fernando e Eschwege, em íntima colaboração com o engenheiro Wenceslau Cifka, cuidaram de pro- jectar e arranjar o espaço envolvente, com a plantação das primeiras árvores no Parque da Pena. Por esta altura, a direcção das obras do palá- cio foi entregue ao pintor-cenógrafo italiano Demetrio Cinnatti, sob orien- tação directa do barão e do rei. Desta confluência artística de espíritos elevados, resultaria uma obra de surpreendente efeito cenográfico e um dos locais mais belos do Romantismo europeu. Parque e Palácio formam um todo, um livro onde D. Fernando combinou o pensamento do Homem com a verdade sincrética dos Elementos, e cuja leitura nos permite apreender não só o sentimento peculiar da época, como ainda descer ao mais profundo dos mistérios do mundo e voltarmos de lá com a chave que nos abre outras portas do entendimento. Richard Strauss, quando da sua visita a Sintra, aperceber- -se-ia desses mesmos mistérios dissimulados por um manto de beleza: «Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Conheço a Itália, cSicílio, a Gré- cia e o Egipto, e nunca vi nada, nada, que valha a Pena. E a coisa mais r bela que tenho visto. Este é o verdadeiro Jardim de Klingsor - e lá no alto, está o Castelo do Santo Graal.» Em 1869, catorze anos depois da morte de D. Maria Il. D. Fernando vol- tou a casar. Aconteceu o rei apaixonar-se pela cantora Elisa Frederica Hensler, elevada à nobreza pelo príncipe Ernesto II que a agraciou com o título de Condessa d'Edla. Foi esta segunda esposa de D. Fernando a res- ponsável directa pela arborização e embelezamento do Parque da Pena, e tapadas anexas, sobretudo a partir de 1870. Amor contestado por muitos, onde não faltaram as costumadas intri- gas de corte, refugiou-se o casal em Sintra, num dos recantos do Parque da Pena. Para ter morada separada do Palácio, D. Fernando mandou edi- ficar o chamado Chalet da Condessa, mimosa vivenda de um romantismo ruralista, onde se pode sentir a intensidade da paixão vivida pelo casal. Esta apetência por Sintra, fomentada por D. Fernando, rapidamente se transformou em moda e, mais do que isso, em ambição de um determi- nado estrato da sociedade: o burguês/liberallromântico, que saíra triun- fante da guerra civil, acorre a Sintra e elege a vila como estância 3
  • 4. predilecta de veraneio. Ter casa em Sintra era sinal de fortuna, de bom Vila: Gravura Romântica gosto, de importância política e social. Assim vão nascendo palacetes e chalets ao redor de um centro urbano que também ia crescendo, com o surgimento de acolhedoras unidades hoteleiras, algumas delas eterniza- das na literatura abundante do período romântico que dedicou belas páginas á vila de Sintra. Fundamental para este ressurgimento foi a modernização dos trans- portes e rede viária que ligavam a vila à capital. No ano imediato ao fin- dar da guerra civil (1835),era inaugurado o trajecto regular de diligência entre Lisboa e Sintra, causa e efeito, sem dúvida, da inclusão da vila nos percursos da moda. Registe-se o que diz o «Diário do Governo» n." 104, f. 444,de 25 de Abril de 1835: «A diligência para Cintra, estabelecida debaixo da protecção dos srs. subscritores abaixo indicados, fará a sua I." jornada para Cintra 3.° feira, 5 do corrente, pelas 3 h e 1/2 de casa de madame Dejeau, rua Direita de S. Roque n," 6, e parará em Cintra na coche ira do Romão n." 120.Nos mes- mos sítios se venderão os bilhetes. Em uma e outra parte haverá um quarto para as bagagens dos srs. passageiros; as quaes não deverão exce- der o peso de 8 arretéis. A Diligência é montada sobre 8 molas e será puchada por cavalos, com mudas em meio caminho. Continuará a correr 0 0 para Cintra nas 3.°/5.°e sábado, e voltará de Cintra nas 2. /4. /e 6.°,sendo a hora de partida de Lisboa às três e meia da tarde, e de Cintra às seis e meia da manhã. O preço de cada viagem é de 1:440rs. incluindo a gorgeta. Nome dos subscritores: Duque de Palmela/ Duque da Terceira/ Marquês de Saldanha/ Agosti- nho José Ferreira/ José da Silva Carvalho/ Conde de Farrobo/ Visconde de Sá da Bandeira/ Conde de Seia/ Marcellino Azevedo e Mello/ José Joaquim Gomes de Castro/ G. Gould/ G. Walsh/ N. Roope/ O. Sampayo/ J. Duffl Almirante Sartorius/ Coronel de Gand/ J. A. y Mendizabal/ J. M. O'Neill.» E porque o tráfego aumentava e justificava novas estruturas, em 1841 arrancavam as obras de uma estrada considerada piloto, entre Sintra e a capital. Nomeadamente, de 1844a 1849,procedeu-se ao plantio de árvores nas bermas da estrada, no troço entre Belas e Sintra, para tornar as via- gens mais amenas, mais aprazíveis. A primeira tentativa de ligação da vila a Lisboa por caminho-de-ferro data de 1855.Rolava com grandes dificuldades, para vencer o acidentado 4
  • 5. percurso, a pioneira locomotiva tipo «Lcrmcmjcrt». O projecto, rudimentar e de apenas uma linha, apresentou-se inviável, e Sintra só ficaria defini- tivamente ligada a Lisboa por comboio a partir de 1887. Com a chegada deste meio de transporte, a vila transforma-se num passeio obrigatório para todo o lisboeta. E agora, já não é só a sociedade elegante que demanda a Serra da Lua. Em As farpas, na revista de Outu- bro de 1888,Ramalho Ortigão oferece-nos uma imagem bastante precisa desse veraneio a Sintra, com as famosas burricadas, o colorido das espa- nholas abraçadas aos marialvas, enfim, toda a capital a refrescar-se, de corpo e alma, na sua estância predilecta: «Com o caminho de ferro, que presentemente a prende à capital por um breve e commodo passeio, Cin- Vila: Gravura Romântica tra mudou muito de aspecto. Ao domingo principalmente a multidão trc- zida pelos comboios de recreio dá-lhe um ar popular de festa suburbana, no Beato, nas Amoreiras ou no Campo Grande. A noite porém, com a par- tida do último trem, a villa esvazia-se outra vez. Ao quente borborinho do povo, ao orneio dos burros, às risadas das hispanholas, succede-se o silêncio cavo do valle. A névoa, que lentamente desce da serra, limpa o ambiente da poeira impregnada das exhalaçães da cerveja, do vinho de Collares, e do peixe frito. E quando a lua desponta por cima dos casta- nheiros, esse astro tantas vezes invocado pelo velho lyrismo da locali- dade, não hesitaria em reconhecer na sua decantada serra, no alcantilado relêvo da penedia, nas ameias do castello dos Mouros, na densa espessura dos arvoredos, no murmurio da água por entre os mus- gos, no cheiro das giestas humidas de orvalho, o eden de Childe Horold.» Para além das mudanças sociais operadas pela chegada do comboio, também no aspecto físico Sintra iria mudar. Outra vila estava para nas- cer, a Estefânia, que não passou, afinal, de um prolongamento, de um espreguiçar da povoação já existente. E quem iria adquirir uma das pri- meiras nove casas que constituíam, inicialmente, essa vila, foi Francisco Gomes de Amorim, discípulo e biógrafo de Garrett. É ele quem nos conta como comprou essa vivenda. Fá-lo em Muita Parra Pouca Uva: «As casas da villa Estephania olham todas para a villa e serra de Cintra. Dir-se-hirr que contemplam a sua visinha com ar de provocante ironia. Cintra não deve deixar-se adormecer, embalada pelo orgulho da opulencia. Ella representa o passado: a villa Estephania é o futuro. Que a mãe se não torne madrasta, se não quizer expôr-se a qualquer dia a filha, já emanci- pada e rica de todas as forças da mocidade, a renegue por sua vez. 1...1 Fechei os olhos e comprei a casa. Dias depois voltámos a Cintra. Eu ia justar as obras; e pareceu-me que toda a gente me olhava já como proprietario do sitio. Até a minha sombra se me afigurava maior! Ser proprietario dá outro ar á gente: não se fica tão pequeno e encolhido como quando se é simplesmente ... inquí lino.» A Estefânia iria crescer ao longo do nosso século, e transformar-se no centro de comércio de Sintra. Entre a chamada Vila Velha e a parte nova que então dava os pri- meiros passos, foram-se edificcmdo algumas casas particulares e outras destinadas a serviços públicos. E o caso de dois edifícios, ambos da autoria do arquitecto Adães Bermudes: a Cadeia Comarcã (1906) e os Paços do Concelho 0906-1909). Numa tradição romântica que se impôs ao longo de todo o século XIX, Sintra continuava apegada a actos de revivalismo, nomeadamente ao neomanuelino e ao neogótico. E estas duas obras não fugiram à regra: «Os Paços do Concelho foram riscados e dirigidos por Adães Bermudes, arquitecto revivalista de múltiplas potencialidades, que concebeu entre a Vila Velha e a Estefânia um edi- fício de grande dignidade cenográfica, que se acerta com os desníveis do terreno, tirando partido do enquadramento natural e da ambiência cenográfica da paisagem.» (Vítor Serrão, Sintra, Col. Cidades e Vilas de Portugal, Lisboa, 1989,p. 77.) Este gosto pela revitalização dos estilos medievais e quinhentistas implantados no espaço de Sintra, iria perdurar, pelo menos, ao longo do primeiro quartel do século xx, numa apetência cada vez mais exagerada e que nem a implantação da República conseguiria travar. 5
  • 6. 2. EM OS MAlAS, UM ROTEIRO QUEIROZIANO DE SINTRA Seguindo as peripécias das personagens desta obra-prima do sé- culo XIX, torna-se acessível a reconstituição de um roteiro inteiramente queiroziano, de significativo interesse histórico-culturaL e que possibilita ao visitante actual um contacto vivo com o espaço labiríntico da chamada Vila Velha, palco de acção capaz de mobilizar o interesse criativo e for- mativo, onde se conjugam a história e a ficção narrativa do século pas- sado. Romance publicado em dois volumes pela Livraria de Ernesto Char- dron, em 1888, Os Maias - Episódios da Vida Romântica tiveram uma longa gestação. Em 1882,dizia Eça a Ramalho Ortigão, em carta de 3 de Junho: «Eu não estou contente com o romance: é vago, difuso, fora dos gonzos da realidade, seco, e estando para a bela obra de arte como o gesso está para o mármore. Não importa. Tem aqui e além uma página viva - e é uma espécie de exercício, de prática, para eu depois fazer rrielhor.» Complicações e atrasos na impressão da obra e a habitual ânsia de perfeição do escritor, fazem com que Os Maias apenas sejam publica- dos seis anos mais tarde. Depois de editada a obra, Eça recomenda a Oliveira Martins a leitura dos melhores episódios, em carta de 12-6-1888:«Os Maias saíram uma coisa extensa e sobrecarregada em dois grossos volumes! Mas há episó- dios bastante toleráveis. Folheia-os, porque os dois tomos são volumosos de mais para ler. Recomendo-te as cem primeiras páginas; certa ida a Sintra; as corridas; o desafio; a cena do jornal A Tarde; e, sobretudo, o sarau literário. Basta ler isso, e já não é pouco. Indico-te, Eara não anda- res a procurar através daquele imenso maço de prosa.» E exactamente sobre esta «certa ida a Sintra» que nos debruçaremos com maior atenção. Seguindo o entrecho do romance, encontramos, logo na parte introdu- tória, os pais daqueles que virão a ser as figuras centrais da obra (Carlos da Maia e Maria Educrdo), utilizando Sintra para consolidarem uma liga- ção que será tempestuosa: «No Verão, Pedro partiu para Sintra; Afonso soube que os Monfortes tinham lá alugado uma casa.» Pedro da Maia, homem de uma fragilidade romântica, põe termo à vida suicidando-se, enquanto Maria Monforte fugia com um napolitano, levando a filha con- sigo, Maria Eduarda, e deixando o filho Carlos entregue aos cuidados do avô, Afonso da Maia. Depois de viver em Paris durante longos anos, Maria Eduarda regressa a Lisboa acompanhada por um brasileiro, Castro Gomes. Um dia, ao entrar no Hotel CentraL Carlos encontra-se face a face com a figura deslumbrante de Maria Eduarda. Fascinou-o aquela mulher «com passo de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si, como uma claridade, um reflexo de cabelos de ouro, e um aroma no ar». Será Dâmaso Salcede, tipificação caricata do conquistador lisboeta, que irá apresentar Carlos a Maria Eduarda. Começará aí a paixão de Carlos e os ciúmes de Dâmaso que pretende ter aquela mulher como amante. Durante um serão no Ramalhete, morada da família Maia, Car- los toma conhecimento .do partida de Dâmaso para Sintra, juntamente com os Castro Gomes. E Taveira quem o informa: «- Iam pelo Chiado abaixo; anteontem, às duas horas ... Estou convencido que iam para Sin- tra. Levavam uma maleta no landau, e atrás ia uma criada num cupé com uma mala maior. .. Aquilo cheirava a ida a Sintra.» Todo o serão, Carlos foi magicando naquela partida inesperada para Sintra, ia perguntando «se o hotel Lawrence, em Sintra, estava aberto todo o ano»; até que, repentinamente, tomou uma decisão. Iria atrás dela. Correria a Sintra. E para não ir só, convidou o seu amigo Cruges, o maestro: «- Dize cá, Cruges, queres vir amanhã a Sintrc?», e porque o maestro demorou a res- ponder, Carlos antecipou-se: «- Está claro que queres, não te faz senão bem vir a Sintra ...». Fica ali, durante o serão, combinada a partida para Sintra, às oito da manhã do dia seguinte. 6
  • 7. Sobretudo a partir do termo da guerra civil. em 1834,Sintra conheceu uma das épocas áureas da sua história. A sociedade romântica da cha- mada Regeneração transformou a região num espaço bem determinado de lazer: «Sintro era então um ninho de amores, e sob as suas românticas ramagens as fidalgas abandonavam-se aos abraços dos poetas.» Vindos de Lisboa pela antiga estrada de Belas, viajando sobretudo de sege, cale- che, tipóia, diligência ou ónibus, os visitantes podiam experimentar, a partir de 1841,uma estrada considerada piloto, que serviu de modelo a outras vias que foram construídas posteriormente no país. Para tornar as viagens mais amenas, mais aprazíveis, as margens da estrada sofreram obras de arborização lateral entre Belas e Sintra, de 1844a 1849. Carlos e Cruges não utilizaram qualquer destes meios de transporte. Vieram de breque, carruagem mais íntima, de cariz aristocrático, mais coadonante com a posição de Carlos da Maia no seio da sociedade, e, sobretudo, mais leve, por isso mais rápida. Pontualmente às oito da manhã, «Curlos parava o breque na Rua das Flores, diante do conhecido portão da casa do Cruges. Mas o trintanário, que ele mandara acima bater à campainha do terceiro andar, desceu com a estranha nova de que o Sr. Cruges já não morava ali». Filho de uma viúva rica que possuía várias casas pela Baixa lisboeta, o maestro mudava de habitação com frequência. Este imprevisto irritou particularmente Carlos. Com pressa de chegar a Sintra, porque só queria estar onde ela estava, desesperou com a falta de cuidado de Cruges em não o ter avisado, na véspera, que mudara para a Rua de S. Francisco (actual Rua Ivens). Foi encontrar o maestro atrasado como sempre, «a correr, quase aos trambolhões, com um cachez-nez de seda na mão, o guarda-chuva debaixo do braço, abotoando atarantadamente o paletó». Antes de parti- rem, ainda uma voz feminina gritou de cima: «- Olha não te esqueçam as queijadas!» Pelo caminho, Cruges quis saber o porquê desta viagem inesperada. Carlos acaba por lhe confessar, de modo subtil, as suas razões e, despreo- cupando-o: «- Deixa-te levar, que não te hás-de arrepender». Cruges não se arrependia, Sempre gostara muito de Sintra, embora não se lembrasse muito bem da vila, pois já não ia a Sintra desde os nove anos e apenas lhe ficara «uma vaga ideia de grandes rochas e de nascentes de águas vivas». Surpreendido com a ignorância de Cruges sobre Sintra, Carlos traça logo um itinerário, de sabor só aparentemente turístico: «O quêl, o maes- tro não conhecia Sintra? ... Então era necessário ficarem lá, fazer as pere- grinações clássicas, subir à Pena, ir beber água à Fonte dos Amores, barquejar na Várzea ...», e perante este apetecível passeio. Cruges des- venda o seu mais vivo desejo: «- A mim o que me está a apetecer muito é Seteais; e a manteiga frescc.» Ao longo do percurso pela estrada de Sintra, os viajantes apenas pararam uma vez. Foi na Porcalhota (hoje a cidade da Amadora), onde Cruges, esfomeado por causa dos ares do campo, se avia com «uma bela pratada de ovos com chouriço», enquanto Carlos apenas bebe um café. Pelo caminho, o maestro «pesado dos ovos com chouriço, olhava vaga e melancolicamente, as ancas lustrosas dos cavalos», Carlos pensava no motivo que o trazia a Sintra, e «realmente não sabia bem porque vinha; mas havia duas semanas que ele não avistava certa figura que tinha um passo de deusa pisando a Terra, e que não encontrava o negro profundo de dois olhos que se tinham fixado nos seus: agora supunha que ela estava em Sintra, corria a Sintra», e imaginando um encontro poético, de sabor dito romântico, via a possibilidade de «daí a pouco, na velha Lawrence, ele a cruzasse de repente no corredor, roçasse talvez o seu ves- tido, ouvisse talvez a sua voz». Ao longo deste episódio passado em Sintra, muitas são as persona- gens que vamos encontrar pela Vila, todas elas em busca do amor: uns em verdadeiros jogos amorosos, outros devaneando em paixões platóni- cas. Eça de Queiroz apenas nos oferece uma personagem pura em todo o capítulo oitavo: o maestro Cruges, que vem a Sintra com a intenção pri- mária de conhecer Sintra. Será, portanto, sempre através do olhar atento, quase fotográfico, do maestro, que Eça nos dará as descrições das paisa- gens, dos monumentos, das ambiências de Sintra. Entrando em Sintra pelo mesmo local que ainda hoje se entra, para quem vem de Lisboa: o Ramalhão; chegam as primeiras descrições da paisagem natural e social da região: «E, a passo, o breque foi penetrando sob as árvores do Ramalhão. Com a paz das grandes sombras, envolvia- -os pouco a pouco uma lenta sussurração de ramagens e como o difuso e 7
  • 8. vago murmúrio de águas correntes. Os muros estavam cobertos de heras e de musgos: através da folhagem, faiscavam longas flechas de sol. Um ar subtil e aveludado circulava, rescendendo às verduras novas; aqui e além, nos ramos mais sombrios, pássaros chilreavam de leve; e naquele simples bocado de estrada, todo salpicado de manchas de sol. sentia-se já, sem se ver, a religiosa solenidade dos espessos arvoredos, a frescura distante das nascentes vivas, a tristeza que cai das penedias e o repouso fidalgo das quintas de Verão ...» Cruges, absorvido por toda aquela beleza, pergunta na sua ignorân- cia de Sintra: «- A Lawrence onde é? Na serrc?», mas Carlos desilude-o: «- Nós não vamos para o Lawrence (...) Vamos para o Nunes, estamos lá muito melhor!» O velho e pioneiro Hotel Lawrence albergava, sobretudo a aristocracia e alta burguesia lisboeta, os funcionários de Estado e casais em lua-de-mel. Poder-se-á perguntar então por que é que Carlos, sendo um fino aristocrata e frequentador do Lcwrence nas suas vindas a Sintra, prefere, desta vez, instalar-se no Nunes. E que, de repente, lhe viera «uma timidez, a que se misturava um laivo de orgulho, o receio melindrado de ser indiscreto, seguindo-a assim a Sintra, ainda que ela o não reconhe- cesse, indo instalar-se sob as mesmas telhas, apoderando-se de um lugar à mesma mesa ... E ao mesmo tempo repugnou-lhe a ideia de lhe ser apre- sentado pelo Dâmaso: via-o já bochechudo e vestido de campo, a esboçar um gesto de cerimónia, a mostrar o "seu amigo Maia", a tratá-lo por tu, afectando intimidades com ela, cocando-a com um olhar terno ... Isto seria intolerável.» Cruges, descendo pela estrada de São Pedro à Vila, suspenso na ver- dejante paisagem que lhe causava «uma impressão religiosa», avista por entre uma clareira o Paço Real: «(...) este maciço e silencioso palácio, sem florões e sem torres, patriarcalmente assentado entre o casaria da vila, com as suas belas janelas manuelinas que lhe fazem um nobre sem- blante real. o vale aos pés, frondoso e fresco, e no alto as duas chaminés colossais, disformes, resumindo tudo, como se essa residência fosse toda ela uma cozinha talhada às proporções de uma gula de rei que cada dia come todo "umreino ...» Recentemente demolido o magnífico imóvel onde, em meados do século XIX, funcionara a hospedaria Bragança, o Hotel Nunes não seria propriamente, na década de 70, a mais recatada das unidades hoteleiras de Sintra. Situado num lugar recôndito da Vila, cujo acesso se fazia pela estreita Rua de Meca, entalada por um casaria demolido durante a Pri- meira República, em 1911,e pertencente ao palácio, o Hotel Nunes está ligado às facetas mais deletérias das personagens de Os Maias. E mesmo o criado do hotel quem confirma a má imagem deixada por indivíduos como Salcede: «só com raparigas e em pândega é que o sr. Dâmaso vinha para o Nunes». Desta vez, em lugar de Dâmaso, aí se encontram instalados alarve- mente e sem escrúpulos, Eusebiozinho, o viúvo, franzino e acanhado que se intimidava desde pequeno perante a figura de Carlos da Maia; com «outro sujeito, gordo, baixo, sem pescoço», o Palma Cavalão, jornalista medíocre de pasquim, acompanhados por duas prostitutas espanholas. Ali se desvenda, naquele episódico encontro, que Cruges e Carlos da Maia eram também, afinal. velhos convivas das seiíoritas. Na ânsia de saber se Maria Eduarda estava em Sintra, Carlos preci- sava de ir ao Lawrence. Numa época pouco frequentada, as ruas apresen- tavam-se calmas: «Na praça, por defronte das lojas vazias e silenciosas, cães vadios dormiam ao sol: através das grades da cadeia, os presos pediam esmola. Crianças, enxovalhadas e em farrapos, garotavam pelos cantos; e as melhores casas tinham ainda as janelas fechadas, continu- ando o seu sono de Inverno, entre as árvores já verdes.» A Praça era então o local de mercado da Vila, onde as vendedeiras apregoavam os seus pro- dutos em volta do Repuxo (hoje colocado no Jardim da Preta do Palácio de Sintra). Formava o largo mais amplo do centro urbano, com a Alpendrada (demolida em 1893)de um lado, a Torre do Relógio e a Cadeia (hoje o edi- fício dos Correios) do outro. Seguindo a estrada de Sintra a Colares, mais adiante os dois protago- nistas do passeio deparam com o afamado Hotel Lawrence, na sua cons- trução setecentista, de estrutura modesta e «fcchcrdc banal», mas que, todavia, encantava de imediato o observador: «- Tem o ar mais simpá- tico - disse o maestro.» O Hotel Lawrence, a mais antiga unidade hote- leira da Península Ibérica, e uma das primeiras do seu género em toda a Europa, era pertença de uma família inglesa e encontrava-se em activi- dade desde cerca de 1780.Hoje seriamente arruinado, o hotel agradava, 8
  • 9. sobretudo, pelo ambiente calmo que a delicada vista do vale, nas trasei- ras, proporcionava, a sua cozinha requintada, adereços cuidados e mobi- liário fino. Carlos, que esperava reconhecer a presença dela em Sintra, fixa os olhos numa janela aberta onde estava «um par de botinas de dura que secando ao sol». Iam seguir caminho para Seteais, mas Carlos, ao escutar um som de flauta, ainda se reteve um pouco, «quase certo de Dâmaso lhe ter dito que a bordo Castro Gomes tocava flauta». Cruges, que se sentara adiante, «num bocado de muro baixo, defronte de um alto terraço gra- deado», prodigalizava as maravilhas da natureza, parecendo disposto a permanecer ali em vez de ir visitar «as outras belezas de Sintra». Melan- cólico e romântico, o maestro tinha as suas preferências: «- Sintra não são pedras velhas, nem coisas góticas ... Sintra é isto, um pouco de água, um bocado de musgo ... Isto é um paraíso!...» e sentindo-se enlevado, pos- sesso pelo espaço edílico, concluía: «- Que pena que isto não pertença a um artista!» Ir do Lawrence a Seteais era uma peregrinação obrigatória, espécie de Passeio Público de Sintra. Cruges e Carlos deixam de admirar a paisa- gem, despertos pelo rodar de uma carruagem com ingleses lá dentro. Rolando pela estrada, entãp de terra batida, as carruagens levantavam muito pó em dias de calor. E por detrás dessa nuvem de pó, envolto numa névoa em dissipação, que Eça nos faz surgir a figura carismática do defensor da Ideia Velha, o romântico poeta Tomás de Alencar. O velho bardo, que havia sido íntimo amigo de Pedro da Maia e Maria Monforte, abraça efusivamente Carlos e beija o maestro, «porque conhecia Cruges desde pequeno, Cruges era para ele como um filho». Tomás de Alencar, homem alto, todo vestido de negro e com um panamá na cabeça, de «grandes bigodes românticos», predispõe-se logo a regressar com os «rapazes» a Seteais, ele que já vinha de lá. Mas não se importava, até fazia questão, porque: «aquilo é sítio muito meu, filhos! Não há ali árvore que me não conheça ...». Afirmamos no início deste roteiro que todas as personagens que viajavam para Sintra ou que aí se encontrcvcm.ivinhcrm para flirtar, para namoriscar, em busca de amores quase sempre proibidos, exceptuando o maestro Cruges. Então e Alen- car? Talvez já não tenha idade para grandes pândegas, para namoros fur- tuitos, mas vem a Sintra para recordar os amores que por aqui teve. Sintra, para ele, era um «ninho de recordações. Ninho? Devia antes dizer cemitério ...» A situação geográfica de Sintra em relação a Lisboa, cuja distância era curta e longa, estando simultaneamente perto e longe da capital; a sua beleza paradisíaca, quer natural. quer monumental. faziam da vila um local predilecto para encontros amorosos fora das vistas da socie- dade, verdadeiros jogos de damas disputados entre os hóteis, as ruelas labirínticas do centro urbano e as quintas fidalgas ao redor de Sintra. Antes de prosseguirem o passeio, Alencar faz o prenúncio das vivên- cias que irá recordar, marcadamente, em Seteais: «Quantos luares eu lá vi? Que doces manhãs d'Abril? E os ais que soltei ali Não foram sete mas mil!" Pelas sombras do arvoredo que acompanha a estrada, num dia morno de Primavera, eis que surge finalmente Seteais. Mas Cruges ficou desilu- dido perante o abandono da fidalga residência: «Toda aquela vivenda, com a sua grade enferrujada sobre a estrada, os seus florões de pedra roí- dos pela chuva, o pesado brazão rococó, as janelas cheias de teias de ara- nha, as telhas todas quebradas, parecia estar-se deixando morrer voluntariamente naquela verde solidão - amuada com a vida, desde que dali tinham desaparecido as últimas graças do tricorne e do espadim e os derradeiros vestidos de anquinhas tinham roçado essas relvas ...» Importa aqui falarmos um pouco da história de Seteais. Adquirido no último quartel do séc. XVIII por Daniel Gildemeester, cônsul holandês em Portugal, a quinta passaria para a posse do 5.° Marquês de Marialva, D. Diogo José Vito de Menezes Noronha Coutinho, gentil-homem do reino e estribeiro-mor de Sua Majestade a Rainha D. Maria r. nos finais de sete- centos. Uma vez na posse da propriedade, D. Diogo fez obras de vulto, ficando a vivenda com a actual traça, composta por dois núcleos idênti- cos ligados por um arco que contém, no cimo, um medalhão onde se vêem as efígies de D. João VI (à época ainda príncipe regente) e sua esposa 9
  • 10. 11 ,.; ••• , ~---;;------'j;---';;----;;-- ;-. LO, (',U/II""" ,1# ,'!NHfV/~ <f, '"jlu,huUf ,'lI lU'-'/'i" ti" I'f."tlNrlit ·rJ:~JlM),. lfj~ _ _ rI("~1".II/(n'ur .1/ n'",U"WHÜ'. so 1"'1IfIfUif (Ir' ·'tnl, 1I0,-lIfl#" J7 _ (lHlfrld «II81111'6a #Ir fI!(Rntl1rifl .1~ ~_ tlu l~rdR , {H!"~N } 5'" I!"I"",,II. j~ _ ,II'O'I"_lIft"uI 33 .11111'''"<1. tltI XFTrt1 I"/"..,. •• ,,,,{.,_J _ ••••. ~lH'Itf.fIHr#tf f.I~.,.".,.,·,.l'(' J!I _ ttá !fUfumc.i" -i(* IrI~rryt~(1 ,j,f _ tlR.)~ttll;'t6 Í#''';'JMtllf~''''' / lI; '-.,.J SIJ J/..,4"••"'(tu '0 f.•ctfllurlCII, ;):;_R'I"lI'i. "r F'!IJt/llrr.t l(fl ",ti" U ~rf/If "1f,·J/lunr,.nI,~ .it: _ 1~t"1"' J" Ji"""ti. f.Wr.Ur.Ul'I."'"'TOS l'rBtlro' ';;1 __ tI"r.!fr#, 4~ rlf./lf _{tr.l"_".rlif'n'''.r.JJIJ-';4../t~:iJ4 J8_I;IfIl"'/lt'tl'f nA-";,, :iUI &S_((u(ottú.,lilllI 3~ l'Iuv,{h. ,mlNlrrn'Nf,f1 . 1I,.,/(frfWÚf/ltrf~ j-,if. r.r", ;(<1' lid#.,,. d" í*/J/tIHull'«rlmINty (/, SUá . ·Jlf(!I'~t,ul( U' Iljtoull'tUi..r 11 ••_1/,1'('(##. F.llln' ti <'t"lttll' 11./'/:./I"':lJ'fln 46 rd"'''NIlh;. III"~..I,, 'fP'''''~ ""'rffl* .4/''''4 f~"l">tl -'i ,V"'''''-#n' "'... '" _r t~fn"'ff"~' •••• ,~. Sto. rt'lllI. 10
  • 11. 'ft [H'l~" I!Z.H m Illf(I{1 ,~I '-"'",.(,Il.'ulÁ#<hllfhl,.,-.<'it, "#fJS~;) I;~ 1/"'j1->l"""J, IJ'W!/",'M 15 _lfmtlnu·'JI "ttu.'r'1'n os. .ú e$ydI" ti" .1 3$_Jh_-~ 11I/,«1''''',1,. ti, . 'J "IJ~I ~~-, ~ f>'Nlln"/II,.f.t;",,..,l,,IJ., u/", j.f. 51 j:·,i<tf "li 'it,nltJtju (/If."ill.t fi JH•• (,. I,:t/ulrujrhl ~J(ffll" &rIt"r~/1I1l ."'"lIm I C(l.l{r6 '$~ ,FilUlltk ('q .l4tH'(('fII ~ .•.Jh!If/iVf"wffi",(lwIh'Mt'tl4./M..,ftrn'txL (.I,.",~,',"M,' $~ «.ul'",ip !&JU'lIfllIf6 ) 6(; ,IINtlffl'ltt.r 7L t!Nl'lnU!,tiiJ~7/NlflH,,,.fNupImtltm. ·'''''''1 ;1;;'_ tltt'}"'''N'Ill fI _ __} 67 .//lit,,/II rdlrtrv ""~J /u.lflthl 77. J,."dl/kUfT.-t« H .. -'-'o. Jlip-d ,lh,,"(;.lIh~, ,H th PIJU' (g.j J filo{ f.~,--"M",I"NJlno,.A_,w"Hltrrta 7~ r.tf(IIfIJlll~", •. n. w tr JH1f*lI.li(l,f Pi,,~n'" ti.« rnp-. 'IRLIf'O<ol. 53 ~ MI'Il'(n I~ _ ) {t!f (;IIU:"". 7~ ~IItI#NI". VivvN"."- ti _ :U"',,,,, ,f&.,r,..,/ilú "l!~If.4.1 ir, Si> _ ,,'" ('U""" I1 _ J AI 'nlOIIJlUnES. n••• .3 ..o--...;;:. ,,.,,,,.u~~IMlMt. '" c.,fr, flUI ''',.11 1J,u1l""t fie, "/lHUHtlUt IV Rt'slt(omlul,JIfI: I/I"DI",'. f~.<S t. 4.,W'T.!iC~.U~ 'OT,","""(S It" _ RHIIIt'/xnl ';,101JJ#I,(tr ti,.. CIU'04"" l,,/,p I ;1"1n1 7J i/,,;.If(#íINIi~,.tI.(''hI,.t1/lt, l'in !Jt1J.'r-/1tlf"r' <I, •.;.ItII1IÂ" f# _ •.tMlI1'Il •• rf/V'IA ti" flinh/lr·,.I""""'- ;.~ _ drj'''~'f1ulH IImrt1H",rltJF~)(,Nm 7~ !Ir Ih!t;1(fdttt4f/~nmf{lrJrllqíh ~J _ 'l{tlWf~t'J ((1I1;'~1 I. /hI/I.<!"'f).f'_.I!lnr'* •• rdt.8~ MI 4r .It.tfn/,. {;""IU lI(1r",~ 7,; _ #tl/'I'u;·tt,..'ft,ifI.v"rbi,AI ~t Jt;l'ttm6al ,; ,'''''li< .1#""11,,, ' I: I -I. 1m-RIr/viII .111#' "(11(,. 7!, 1f«rfv,l9/Ht"* I"JlfrrIÁIl ~J 1M J: ,."'·r,lfdI'MIf «If l'tl'#if n, TAfftIr, t.'t ""'/'f"'/lItrtil.(,.rUf",. ii:"tJ#tl /J,.,_o_ "~"".h."J"'l-4I..JI'n~!I."i~)I~ _ t6-tl,,~ 1.nLAS. J G.J /1t$Vvfl'(a J',."jJw·_1f;! r.~wI,, _ .h1 _ ••. /1 N..,~! .••I"ij 1:'1 _ lI.lknn "W--'K18M'''''';'' •.••• NPrH4IIft"fll1 I. 1l"'9fU- '111 XitN$.. 11
  • 12. D. Carlota Joaquina; ostentando por baixo uma inscrição, datada de 1802, dedicada ao futuro rei. De traça neoclássica, o edifício e a quinta vive- ram os seus momentos áureos nos finais de setecentos e princípios de oitocentos, no tempo em que eram moda os tais «vestidos de anquinhas» como nos diz Eça de Queiroz. Mas Seteais não é só históric. O local tam- bém comporta uma grande carga lendária. Sobre a origem do topónimo, cuja composição sugere a ligação entre duas palavras, Sete + ais, criou o povo as mais variadas lendas. Contudo, a origem do topónimo tem uma explicação bem real, dada pelo falecido escritor sintrense Francisco Costa. Diz este homem das letras que, antes de ali ter existido a vivenda, se cultivava naqueles campos o centeio. Daí, Campo de Centeais, que, por corruptela, fez surgir Seteais, o que é bastante perceptível. As razões do abandono de Seteais nos finais do século passado são múltiplas. Mas afigura-se-nos que a mentalidade romântica terá contri- buído, sobremaneira, para esse abandono. Ao cortarem radicalmente com as ideias iluministas, também as construções desse período sofreram, de algum modo, com esse corte. Perguntaremos, então, o que traz com tão elevado ânimo o poeta Alencar, romântico convicto, a Seteais? Exacta- mente a sua grande carga lendária e, sobretudo, o Penedo da Saudade. Atravessando o terreiro, Cruges, Carlos da Maia e Alencar passaram o arco, e ao cimo da rampa, nas traseiras dos dois pavilhões, foram con- templar a paisagem do varandim sobranceiro ao jardim de simetrias rígi- das, labirínticas, ao sabor classicista: «Cruqes, no entanto, encostado ao parapeito, olhava a grande planície de lavoura que se estendia em baixo, rica e bem trabalhada, repartida em quadros verde-claros e verde-escu- ros, que lhe faziam lembrar um pano feito de remendos.» Já se prepara- vam para abandonar Seteais quando «Cruges quis explorar o outro terraço ao lado». Inevitavelmente o maestro entestou com o Penedo da Saudade. Embora não conhecesse Sintra, Cruges identificou, automatica- mente, o célebre rochedo: «Foram-no encontrar triunfante, diante de um montão de penedos, polidos pelo uso, já com um vago feitio de assentos deixados ali outrora, poeticamente, para dar ao terraço uma graça agreste de selva brava.» E virando-se para o poeta: «- Se eu me lem- brava perfeitamente! Penedo da Saudade, não é que se chama, Alencar?» Mas o bardo não conseguiu responder. Envolto em recordações, a emoção embargava-lhe a voz. Só momentos depois «a sua voz ergueu-se, saudosa e dolente», para recordar em verso certos amores que ali vivera: «Vieste! Cingi-te ao peito. Em redor que noite escura! Não tinha rendas o leito, Não tinha lavares na barra Que era só a rocha dura ... Muito ao longe uma guitarra Gemia vagos harpejos ... (Vê tu que não me esqueceu) ... E a rocha dura aqueceu Ao calor dos nossos beijos!» Perfeitamente enquadrado no espírito romântico, Cruges «ficou a olhar para os penedos como para um sítio histórico». Descendo a rampa, e olhando através do arco, os viajantes experi- mentaram uma visão cujo pitoresco não escapou a Cruges: «O maestro embasbacou. No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma com- posição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavala- l ria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha 1 de folhagem reluzente; e, emergindo abruptamente dessa capada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem fei- tas de ouro ...» Sem dúvida uma das melhores descrições da literatura portuguesa, Eça oferece-nos, de um modo impressivo, o retrato preciso desta «tolo sublime». De regresso à Vila, Carlos fica, finalmente, a saber que Maria Eduarda 12
  • 13. partira na véspera para Mafra. Então, sabendo-a longe, «Sintro, de repente, pareceu-lhe intoleravelmente deserta e triste». Cruges apenas teve tempo para uma visita rápida ao «vasto casarão histórico», o Paço Real. sob «a voz monótona do cicerone mostrando a cama de S. M. EI-Rei, as cortinas do quarto de S. M. a Rainha, melhores que as de Mafra, o tira-botas de S. A.; e trazia de lá uma pouca dessa melancolia que erra, como uma atmosfera própria, nas residências reais». Reuniram-se novamente no Lawrence, e Alencar, que se apercebera ser necessário animar os «rapazes», propôs: «- E, para ser festa completa - exclamou ele, limpando os bigodes do conhaque - enquanto vocês vão ao Nunes pagar a conta e dar ordens para o breque, eu vou-me enten- der lá abaixo à cozinha com a velha Lawrence e preparar-vos um baca- lhau à Alencar, récipe meu ... E vocês verão o que é um bacalhau! Porque, lá isso, rapazes, versos os farão outros melhores; bacalhau ndo!» Bulhão Pato, um dos pontífices do Romantismo, viria a reconhecer-se na figura de Tomás de Alencar, exactamente por também ele ser poeta e cozinheiro ao mesmo tempo. Sentindo-se caricaturado, Bulhão Pato ataca, em 1889, Eça de Queiroz, escrevendo duas sátiras violentas: O Grande Maia e Lázaro Cônsul. Eça responde com alguns artigos esfusiantes de humorismo, e que se encontram compilados nas Notas Contemporâneas. Depois do jantar, a partida. Em tempo de despedida, Eça deixa-nos algumas imagens nocturnas: «Algum tempo o breque rodou em silêncio, na beleza da noite. A espaços, a estrada aparecia banhada de uma clari- dade quente que faiscava. Fachadas de casas, caladas e pálidas, sur- giam, de entre as árvores, com um ar de melancolia romântica. Murmúrios de águas perdiam-se na sombra; e, junto dos muros enrama- dos, o ar estava cheio de aroma». Rolando pela estrada, meio adormecidos pelos balanços do breque, e quando Alencar vai para recitar uns versos, Cruges solta um grito na escuridão: «Com mil rcrios!»: inevitavelmente esquecera-se das queijadas. Para além do itinerário descrito no capítulo oitavo, e que forma o corpo central deste Roteiro Queiroziano, as referências a Sintra multipli- cam-se ao longo de todo o romance, sempre de uma forma persuasiva em que o espaço se torna cúmplice do sujeito, caracterizando-o, movimen- tando-o na acção em função do cenário. De salientar as deslocações à Vila de João da Ega, essa personagem magistral tida em muitos aspectos como o retrato do próprio Eça: «Fidalgote rico, figura esgrouviada e seca, os pêlos do bigode arrepiados sobre o nariz adunco, um quadrado de vidro entalado no olho direito - tinha realmente alguma coisa de rebelde e de satânico.» Amante de Raquel Cohen, mulher do director do Banco Nacional. vê Dômc so Salcede disputar-lhe a conquista e, roído pelo ciúme, corre a Sintra e instala-se no Hotel Vítor. Propriedade de Vítor Sassetti. o Hotel Vítor é o terceiro dos hóteis de Sintra citados na obra. Situado já na encosta da serra, empoleirado sobre o casaria da Vila, juntamente com o Hotel Lawrence e o Hotel Nunes fechava em triângulo todo o centro urbano, numa teia dominadora em cujas malhas se tecem os mais variados episódios amorosos. Em carta a Carlos da Maia, João da Ega desculpa esta sua correria atrás daquela «Icrmbisqóic de Israel. melada e molenga, sovada a ben- gala», alegando «uma saudade infinita da natureza e do verde», e prome- tendo que apenas se demoraria «o tempo de cavaquear um bocado com o Absoluto, no alto dos Capuchos, e ver o que estão fazendo os miosótis junto à meiga Fonte dos Amores ...». Mais tarde, Carlos recebe notícias de Ega, que se instalara no Vítor e desesperava na presença de Dâmaso e Raquel: «O Dâmaso aparecia em toda a parte com a Cohen; o Dâmaso tornara-se grotesco em Sintra, numa corrida de burros; o Dâmaso arvorara capacete e véu em Seteais; o Dâmaso era uma besta imunda», e acentuando a sua ira, despeitado por se ver rejeitado pela sua amada, remata furioso: «o Dâmaso, no pátio do Vítor, de perna traçada, dizia familiarmente 'a Raquel'; era um dever de moralidade pública dar bengaladas no Dâmaso!...». O Hotel Vítor era uma das hospedarias predilectas na época de vera- neio. Espécie de casino particular, jogava-se no Vítor. Era também local de partida das famosas burricadas, as corridas de burros que alegravam a sociedade lisboeta. Através das interjeições irónicas, satirizantes, de João da Ega, Eça oferece-nos quadros exactos da ambiência de Sintra em tempo de Verão. Atente-se neste diálogo em que Carlos da Maia interroga Eusebiozinho sobre Sintra e, nomeadamente, o Ega: «- E tu - perguntou então Carlos, voltando-se para Eusebiozinho.- Tens estado em Sintra, hem? Que se faz lá? .. O Ega? 13
  • 14. Planta da CÁMARA MUNICIPAL 14
  • 15. -- PERCURSO OUEIROSlANO DE MENINOS ~ I ; CASCAIS-ESTORIL .' ""'- Vila de 5inlla I I) ~e 100 100 lO •• I SOl ~ SãàaadE!A S 15
  • 16. o outro ergueu-se guardando o canivete, ajeitando as lunetas. - Lá está no Vítor, muito engraçado, comprou um burro ... Lá está o Dâmaso também ... Mas esse pouco se vê, não larga os Cohen ... Enfim, tem-se passado menos mel. com bastante calor ... - Tu estavas outra vez com a mesma prostituta, a LaIa? Eusebiozinho fez-se escarlate. Credo! Estava no Vítor, muito sériol» Depois deste trajecto pelos pontos capitais da obra referentes a Sin- tra, fica-nos a imagem nítida, possível de ser visualizada, da Vila nos finais do século passado. Através de uma grande perspicácia de olhar, de um profundo sentido de análise, Eça de Queiroz em Os Maias atribuiu a Sintra um papel preponderante quer no desenrolar da acção, quer na pró- pria caracterização das personagens, cuja movimentação se faz em per- feita dialéctica entre o sujeito e o espaço de Sintra. Para sempre ficarão fixados locais de Sintra de uma forma impressiva, capaz de transmitir às gerações aspectos sociais, culturais e monumentais, alguns deles já desaparecidos - como o malogrado Hotel Nunes, hoje substituído por outro edifício de traça moderna que alberga o Hotel Tivoli -, outros ainda acessíveis, que nos possibilitam a reconstituição do percurso enun- ciado em Os Maias. 16
  • 17. 3. ROMÂNTICAS RAMAGENS Castelo visto da Vila Sintra pode, ainda hoje, oferecer ao visitante o que de mais belo e sig- nificativo o movimento romântico criou. Por si só, a geografia sintrense é naturalmente romântica, com a sua serra nascida abruptamente do meio da planície e que a faz parecer mais alta do que, efectivamente, é; as flo- restas densas dissimuladas em neblinas perpétuas; as águas correntes e nascentes que tanto evocam o derrame de lágrimas como o passar irre- versível do tempo; o mar agreste e selvático ao fundo; as populações rurais exibindo os seus usos e costumes; enfim, os seus vestígios do pas- sado que vêm desde os primórdios do homem, fazem de Sintra um local propício à corporalização dos sentimentos românticos. Foi este cenário que levou os homens, ao longo do século XIX, a burilarem esse roman- tismo natural, ora cantando as belezas da terra, ora salpicando a serra com mágicos palacetes e chalets. E nessa demanda colectiva de fazer de Sintra um santuário romântico, bom é que se levante a figura de D. Fer- nando II como pioneiro e principal impulsionador, cujo papel preponde- rante não só modificou elegantemente o espaço sintrense, como o tornou num dos locais mais belos do mundo. «Ob! Cintra! oh saudosissimo retiro, Onde se esquecem magoas, onde folga De se olvidar no seio á natureza Pensamentos que embala adormecido O sussurro das folhas, c'o murmurio Das despenhadas lymphas misturado! Quem, descansado á fresca sombra tua, Sonhou senão venturas? Quem, sentado No musgo de tuas rocas escarpadas, Espairecendo os olhos satisfeitos Por céus, por mares, por montanhas, prados, Por quanto ha hi mais bello no universo, Não sentiu arroubar-se-lhe a existência, Poisar-lhe o coração suavemente Sobre esquecidas penas, amarguras, Ansias, lavor da vida? - Oh grutas frias, Oh gemedoras fontes, oh suspiros De namoradas selvas, brandas veigas, Verdes outeiros, gigantescas serras! Não vos verei eu mais, delicias d'aliua?» in Camões, Almeida Garretl 17
  • 18. 3.1. Palácio de Seteais Seteais: Gravura Romântica Ouviu O visitante falar de Seteais e ficou curioso. O topónimo sugere- -lhe ecos e lendas antigas de belas princesas mouras. Vai lá e não deu por perdido o seu tempo. No meio da romântica floresta tingida por românticos palácios. emergem surpreendentemente as linhas neoclássi- cas do Palácio de Seteais. empoleirado sobre o vale do Rio das Maçãs. onde a vista se estende e se deleita no retalho dos campos cultivados. o branco das casas saloias ao longe. e a linha azulada do mar ao fundo. Hoje uma requintada unidade hoteleira. Seteais foi edificado no último quartel do século XVIII. pelo cônsul holandês Daniel Gildemeester. que o 0 vendeu. nos finais da mesma centúria. ao 5. marquês de Marialva. D. Diogo Vito. Este destacado nobre português acrescentou. à primitiva construção. um segundo núcleo. ligando-os por um arco encimado pelo brasão real e um medalhão que contém as efígies de D. João e de D. Carlota Joaquina. erguido em 1802. No seu interior. de notar as pinturas atribuídas a Pillement, o mobiliá- rio único e uma decoração capaz de fazer o visitante revi ver o espírito da época. 3.2. Palácio Nacional da Pena Os ecos de uma lenda antiga contam-nos que. cmdcmdo D. Manuel I a caçar pelo alto da serra e preocupado com novas da Indin, avistou. de um dos picos onde existia uma ermida dedicada a N." Sr.° da Penha. a nau de Nicolau Coelho a entrar a barra do Tejo. E pela graça concedida. mandou erguer. em 1503.o Real Mosteiro de Nossa Senhora da Pena. confiado à Ordem de São [erónimo. Depois. muito depois. houve um príncipe da Baviera que teve um sonho. Chamava-se D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha e casou. em 1836.com a nossa rainha D. Maria 11.Homem detentor de uma sensibili- dade invulgar e apurado gosto. adquiriu. a expensas próprias. as ruínas do antigo cenóbio e toda a mata circundante. incluindo o Castelo dos Mouros. Mandou plantar o fabuloso Parque da Pena. verdadeiro museu botânico que contém espécies das mais variadas partes do mundo. e idea- liza. juntamente com o Barão de Eschewege. um palácio mítico-mágico que concilia valores de várias épocas e civilizações. transformando. enfim. aquele local no baluarte arquitectónico do movimento romântico em Portugal. 18
  • 19. Pena: Gravura Romântica o visitante que penetrar neste palácio terá a nítida visão da ambiên- cia romântica dos seus interiores, com as salas ricamente decoradas, por de mais preenchidas, notando o horror ao espaço vazio. Terá ainda a pos- sibilidade de admirar uma das obras mais belas da nossa Renascença, o retábulo quinhentista 0529-1532), em alabastro, que concebeu mestre Nicolau Chanterene. No exterior, o visitante sentirá o contacto com o céu, Ó mar e a serra, numa amplidão de horizontes que não mais esquecerá. 19
  • 20. Jardim Romântico Amo-te, ó cruz, no vertice firmada De esplendidas egrejas; Amo-te quando á noite, sobre a campa, Junto ao cypreste alvejas; Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos, As preces te rodeiam; Amo-te quando em prestito festivo As multidões te hasteiam; Amo-te erguida no cruzeiro antigo, No adro do presbyterio, Ou quando o morto, impressa no ataúde, Guias ao cemitério; Amo-te, ó cruz, até quando no valle Negrejas triste e só, Nuncia do crime a que deveu a terra Do assassinado o pó!" Cruz Mutilada, A. Herculano 20
  • 21. 3.3. Parque e Palácio de Monserrate Este maravilhoso local deve o nome a uma pequena ermida ali edifi- cada por Frei Gaspar Preto, em 1540, dedicada a Nossa Senhora de Mon- serrate. Manteve-se este templinho a culto até ao início do século XVIII, altura em que foi votado ao abandono. Em 1718, instituiu-se o vínculo da Quinta de Monserrate a D. Caetano de Melo e Castro, comendador da Ordem de Cristo e vice-rei da Índia. Tendo ficado bastante danificada com o terramoto de 1755, a quinta e as casas existentes foram arrendadas a um rico comerciante inglês, de nome Gerald de Visme. Este huguenote, que se instalara em Portugal no ano de 1746, mandou edificar uma vivenda acastelada de sabor neogó- tico, onde residiu por um curto período. Em 1794, aí se instalou William Beckford, fazendo obras nos jardins e redecorando a vivenda. Quando Lord Byron visitou aquele local, em 1809, já a vivenda se encontrava abandonada, entregue ao vandalismo e à pilhagem, mas, mesmo assim, o grande poeta ainda lhe chamaria «o primeiro e mais lindo lugar deste reino». Só em 1856, Monserrate é, de novo, revitalizado, com a venda a outro rico comerciante inglês, Francis Cook, que vai transformar a antiga vivenda num singular palácio de cariz orientalizante, procedendo tam- bém à modificação da propriedade rural num exótico jardim, com o plan- tio de diversas espécies provenientes das mais remotas paragens do mundo. Assim, o visitante que se passeia em Monserrate, naquele harmo- nioso e exuberante conjunto artístico e ambiental, sente, de uma forma viva e marcante, o «glorioso Eden» que Byron tão bem soube cantar. 3.4. Chalet da Condessa d'Edla Elisa Frederica Hensler, grande cantora de origem alemã, cuja repu- tação verdadeiramente internacional adquiriu através das suas sober- bas interpretações nas mais significativas capitais europeias (incluindo Lisboa, onde se apresentou, pela primeira vez, em 23 de Fevereiro de 1860), recebeu do Príncipe Ernesto 11, de Saxe, o título de Condessa d'Edla. Em 1869, a Condessa viria a desposar o rei consorte D. Fernando 11, que enviuvara 16 anos antes. Partilhando do entusiasmo do monarca pelas obras de construção do Palácio e Parque da Pena, iniciadas já em 1839, deveras contribuiu para o enriquecimento dos imensos jardins, quer através da plantação da conhecida «Feteira da Condessa», quer introdu- zindo raras espéç:ies provenientes da América do Norte, país onde pas- sara parte da sua juventude. Ainda no mesmo ano em que contraiu matrimónio com o rei-artista, esta senhora de grande sensibilidade mandou erguer, em pleno Parque, um curioso chalet. O estilo arquitectónico do edifício, traçado pela pró- pria Condessa d'Edla, antecipou-se e, de certa forma, preconizou a moda de chalets que, em finais de oitocentos, se fez notar sobretudo em Sintra e na Costa do Estoril. De planta rectangular, ao nível do rés-do-chão, e cruciforme no pri- meiro andar, a habitação apresenta fachadas de alvenaria que imitam longas tábuas, à semelhança das casas rústicas da América do Norte. Com as ombreiras das portas, janelas e óculos ornamentadas em cortiça, sobressai deste conjunto homogéneo uma típica varanda que circunda todo o piso superior. Os interiores, ricos e bem trabalhados, fazem o visi- tante notar, por entre estuques, frescos, embutidos de cortiça e cobre, a doçura do amor vivido pelo nobre casal. "A proximidade de Cintra é o mais superior dos merecimentos que tem Cascaes, porque - apesar da moda que ultimamente a esqueceu e que há poucos annos fazia de Cintra a belleza official, a paisagem dos compendios de retorica, o logar selecto pela antipathica unanimi- dade dos suffragios - Cintra é, ainda assim, pella belleza dos seus terrenos, pella abundancia das suas águas, pellas suas vegetações, pellas suas quintas, uma das mais bellas, das mais suaves, das mais tranquillas regiões que offerece o pcríz.» in As Praias de Portugal, R. Ortigão 21
  • 22. 3.5. Quinta do Relógio Quinta do Relógio Reinava D. Pedro V quando esta propriedade passou para as mãos de Manuel Pinto da Fonseca, rico aventureiro conhecido como o «Monte Cristo», epíteto extraído do célebre romance de Dumas, por ter enrique- cido à custa dos escravos. Cerca de 1860,Manuel da Fonseca, na esteira do espírito romântico que em Sintra tinha já revelado a sua feição arquitectónica, nomeada- mente através da construção dos singulares e exóticos palácios da Pena e Monserrate, mandou erguer uma nova vivenda na Quinta do Relógio, e que ainda hoje subsiste, em pronunciado estilo arabizante. Nos jardins, embora de dimensões não muito grandes, pode encon- trar-se abundante vegetação exótica e lagos cheios de nenúfares. Sob projecto de António Manuel da Fonseca [únior. o palacete então edificado é constituído por um pavilhão central de topo ameado, ao qual se anexam dois corpos mais baixos. Na fachada, destaca-se uma legenda árabe, repetida por três vezes, divisa dos reis mouros de Granada, que diz: «Deus é o único vencedor.» Nesta casa passaram a lua-de-mel. em 1886,D. Carlos e D. Amélia, reis de Portugal. 3.6. Chalet Biester Ernesto Biester (1829-1880),dramaturgo e jornalista, empresário do Teatro D. Maria II, juntamente com D. João de Menezes e o actor Eduardo Brasão, desejou um dia construir um bonito e cenográfico chalet na encosta da Serra de Sintra. Encomendou a obra ao arquitecto José Luís Monteiro, em 1880,precisamente antes de morrer, em 12 de Dezembro do mesmo ano. Deixou assim o seu nome ligado a Sintra através do famoso exemplar riscado por José Monteiro, e soberbamente decorado nos inte- riores, onde a teatral idade efémera e os «décors» quase de ópera se adequam ao espaço, e que para tal foram recrutados, entre uma elite, aqueles que mais se familiarizavam com o gosto revivalista. Assim, apa- recem o entalhador Leandro Braga, o cera mista Bordalo Pinheiro e, sobre- tudo, o cenógrafo Luigi Manini. a trabalharem os cenários interiores, numa colaboração que, apesar da sua unidade aparente, assinala uma responsabilidade estética diferente. 22
  • 23. 3.7. Quinta da Regaleira Quinta da Regaleira António Augusto Carvalho Monteiro. homem de grande cultura e imensa fortuna. encomendou o projecto da Quinta da Regaleira a Luigi Manini. célebre encenador do Real Teatro de São Carlos e autor dos dese- nhos que regeram a edificação do Palácio-Hotel do Buçaco. Contudo. na Quinta da Regaleira. Manini não irá apenas espelhar o seu gosto reviva- lista. mas também inscrever nas construções diversa simbologia maçó- nica. transformando o local num espaço de grande interesse esotérico. A Regaleira é. efectivamente. possuidora de uma rica e abrangente gramática ornamental. mistura de estilos que convivem em perfeita har- monia. O resultado surpreendente do conjunto deve-se. em parte. à sábia e subtil condução do projecto por parte de Carvalho Monteiro e Manini. e. também. porque escolheram os mais notáveis canteiros da época. A Capela da Santíssima Trindade. edificada em frente ao palacete. foi igualmente projectada por Luigi Manini. Assim. o exterior do templo apresenta-se pleno de ornamentação. ostentando uma magnífica fachada neomanuelina. Por outro lado. no interior. destaca-se sobretudo a riqueza da decoração. com os seus coloridos vitrais. Saliente-se. ainda. a profusão de emblemas maçónicos aqui presentes. cujo significado se prolonga por outras estruturas simbólicas existentes ao longo do parque. nomeada- mente o curioso poço iniciático. 23
  • 24. 3.8. Paços do Concelho Com o crescimento da Vila de Sintra, sobretudo depois da inaugura- ção do caminho-de-ferro, em 1889, e o consequente aparecimento do Bairro da Estefânia, assistiu-se a uma deslocação do centro económico e administrativo que permaneciam precariamente instalados na Vila Velha. Assim, escolheu-se um local intermédio entre os dois burgos para a implantação dos Paços do Concelho, no local onde, então, se erguia a antiga ermida de São Sebastião. Segundo projecto de Adães Bermudes, a construção foi iniciada em 1906e concluída em 1908. Os Paços do Concelho apresentam fachadas austeras, com janelas neomanuelinas sobriamente decoradas. No alçado principal destaca-se, pela sua imponência, uma bela torre rematada por ameias, e por uma cobertura piramidal revestida com azulejos, os quais representam alternadamente a Cruz de Cristo e o escudo Pátrio. No topo, surge, majestosa, a esfera armilar, enquanto outras quatro de menores dimensões ladeiam esta curiosa cobertura. No interior, abre-se um mag- nífico claustro, cujos varandins do piso superior se encontram ricamente ornamentados com motivos manuelinos e renascentistas. 24