Este documento discute a inclusão digital em países emergentes. Analisa as experiências da Índia, Uruguai e Brasil em políticas de inclusão digital, destacando os desafios enfrentados e as diferenças que explicam seus resultados. Defende que a inclusão digital deve ser vista como inclusão social, não apenas como acesso à tecnologia, levando em conta fatores como conteúdo, língua, educação e estruturas institucionais.
1. XI SEMINÁRIO MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGIA PERIFÉRICA
RECIFE, 4 a 6 de NOVEMBRO de 2009
Fundação Joaquim Nabuco, Apipucos, Sala Gilberto Osório, Rua Dois Irmãos, 92
Discutindo a “inclusão digital”: acertos, equívocos e desafios
Renan Cabral da Silva
renancabrals@gmail.com1
Marcos Costa Lima
marcoscostalima@terra.com.br
2
Resumo
A intensificação da revolução tecnológica associada à economia da informação trouxe consigo,
um hiato entre os “incluídos digitalmente” - que têm acesso e capacidade de apropriação às
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) – e aqueles que não têm. Partindo do
pressuposto de que o acesso e domínio das TIC podem ser uma forma de expansão das
liberdades das pessoas, atenuando obstáculos tradicionais como tempo e distância, também é
possível pensar no apoio ao processo de desenvolvimento humano - através da redução das
desigualdades de uma economia de mercado, de um maior diálogo entre redes de
conhecimento, do aumento da transparência para a democracia, etc. Este trabalho pretende
refletir sobre as conseqüências da revolução tecnológica para o desenvolvimento de países
emergentes, investigando comparativamente algumas políticas de “inclusão digital” da Índia, do
Uruguai e do Brasil, salientando as diferenças que explicam seu desempenho e alguns dos
desafios para os países citados.
Palavras-chave: Inclusão digital, desenvolvimento, política comparada.
Abstract
The intensification of the third technological revolution associated with the knowledge economy
also brings with it the digital divide - the gap between people with effective access to digital and
information technology and those with very limited or no access at all. Considering that the
access and competence to use Information technologies can be a way to expand substantive
human freedoms and to mitigate old obstacles such as distances and time, is also possible to
think about the support to the human development process – for instance, through the reduction
of the inequalities of a market economy, a greater dialogue between knowledge networks, the
increasing of transparency in a democracy, etc. This article aims to reflect on the consequences
of the last technological revolution of development in emerging countries, investigating in a
comparative way some policies that aim to reduce or to bridge the digital divide based on the
experiences of the following countries: India Uruguay and Brazil, showing differences that
explain their performances and some challenges to the countries reported.
Key words: Digital divide, development, comparative politics.
1
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco, bolsista PIBIC PROPESQ/CNPq e
membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e do Desenvolvimento (D&R-UFPE).
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. Doutor pela Unicamp e Pós Doutor pela
Université Paris XIII (Villetaneuse). O pesquisador agradece ao CNPq pelo apoio, que o permitiu visitar o estado
indiano de Kerala em agosto de 2008, sem a qual parte desse artigo não poderia ter sido feita.
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1. Introdução
O fim da Guerra Fria e a globalização econômica coincidiram com a terceira Revolução
tecnológica. Esta revolução, associada à economia da informação e depois ao computador e à
internet, provocou uma série de mudanças econômicas, políticas e sociais. A intensificação
desses processos levou a um extraordinário avanço da tecnologia digital trazendo consigo uma
série de possibilidades que se tornaram comuns a uma parcela do globo. Cada vez mais, as
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tornam-se cruciais para o processo de
desenvolvimento dos países conformadores da “economia baseada no conhecimento” e
governos de todo o mundo tem se empenhado em investir em políticas condizentes com esta
“nova economia”.
Nesse contexto, as desigualdades de uso efetivo, ou mesmo do acesso a essas tecnologias e
às oportunidades para sua apropriação, conferem à evolução tecnológica um caráter perverso:
o de excluir milhares de pessoas de desfrutarem das vantagens oferecidas pelo progresso
técnico ou; para adequar-se àquilo que se convencionou chamar de “era do conhecimento”,
“sociedade da informação (Castells, 1996)”, “Economia do aprendizado”3
. Sobre isso, é
necessário que consideremos a transferência cada vez mais freqüente de serviços –
governamentais, ou não - para internet. Do caso brasileiro podemos citar como exemplo:
boletins de ocorrência, votação para decidir sobre políticas publicas (caso do “Orçamento
Participativo”), banco por internet etc, havendo inclusive casos em que estes serviços estão
disponíveis exclusivamente em meio digital, como por exemplo, as declarações de Imposto de
Renda no Brasil.
Esse artigo tem como objetivo aprofundar as questões teóricas relativas às TICs, buscando
articular inclusão digital e desenvolvimento, além de tentar identificar quais as condições
essenciais para o sucesso das chamadas políticas de inclusão digital, a partir da discussão das
experiências de Índia, Uruguai e Brasil, sobre seus limites e possibilidades.
2. A inclusão digital e a controversa abordagem da Digital Divide
A abordagem mais disseminada sobre “inclusão digital” surgiu nos Estados Unidos, que é o
“país berço da internet” e que conta com o maior número de usuários em todo o mundo. Os
americanos utilizaram uma imagem, bem didática, mas também bastante controversa e
limitada, a de que há uma digital divide. Esse conceito auto-explicativo foi utilizado pela
National Telecommunications na Information Administration, durante o governo Clinton (NT),
para descrever a distância de oportunidades entre “incluídos” e “excluídos digitalmente”. A
bibliografia sobre digital divide nos fornece uma série de estudos, predominantemente
empíricos, que nos permite elencar algumas condições técnicas indispensáveis a uma política
de “inclusão digital”. Segundo Kenneth Keniston (2002), devem preceder às políticas de
“inclusão digital” três requisitos indispensáveis: 1. Conectividade; 2. Computadores ou
dispositivos similares e; 3. software.
Em 2001 a Onu reconheceu que as TIC são poderosas no sentido de alcançarem metas de
desenvolvimento. Elas facilitam uma comunicação mais fácil, provêem melhor acesso à
informação e geram tanto ganhos na produção como de utilização do conhecimento. Em 2003,
na reunião de Cúpula realizada pelas Nações Unidas em Genebra, e, posteriormente em Tunis,
3
Sobre as distinções entre os conceitos “sociedade da informação” e do “conhecimento”, ver nota emitida pela
UNESCO: http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-URL_ID=20493&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html
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em 2005, ficou estabelecido o compromisso de buscar maneiras de difundir o imenso potencial
de TIC para o desenvolvimento econômico e social, através da superação da digital divide.
Embora hegemônica, a abordagem da digital divide é bastante criticada, sobretudo, pelas suas
implicações. Para diversos autores, como por exemplo, Warschauer (2006), essa abordagem
tem o problema freqüente de considerar a falta de acesso às TIC per se, concebendo o
problema da “exclusão digital” como um simples problema de acesso tecnológico, de pobreza
de telecomunicações, de infra-estrutura e de baixa conectividade da internet. Ou,
como um percurso que os atores precisam fazer de um lugar vazio,
de uma tabula rasa, para outro de prosperidade, numa clara
reatualização da visão dos atores em posição subalterna como seres
faltantes (Ferreira e Rocha, 2009. P.p.1).
Reconhecendo que nenhuma inovação tecnológica se produz num vazio histórico, social e
cultural, Mark Warschauer (2006) se propõe a reorientar o debate, pensando inclusão digital
como inclusão social. Assim, para proporcionar acesso significativo a novas tecnologias, o
conteúdo, a língua, o letramento, a educação e as estruturas comunitárias e institucionais
devem todos ser levados em consideração.
Saskia Sassen (2007) tem um conceito interessante. O de “formações digitais”, que no nosso
entendimento também pode ser utilizado para tentar captar, além das propriedades técnicas, a
lógica social “externa”, que envolve as dimensões econômicas, políticas e culturais em vez da
restrição ao determinismo tecnológico convencional. As “formações digitais” podem assumir
uma variedade de formas, as “redes”, os mercados, as comunidades, os governos etc.
Pois bem, para nós a “exclusão digital” não é meramente um problema de acesso às TIC, mas
antes, um amplo problema de desenvolvimento no qual uma vasta parcela da população
mundial está desprovida do uso do potencial dessas tecnologias. O acesso e domínio das TIC
podem ser uma forma de expansão das liberdades das pessoas, diminuindo obstáculos
tradicionais como tempo e distância. Também é possível pensar no apoio ao processo de
desenvolvimento humano - através da redução das desigualdades de uma economia de
mercado, de um maior diálogo entre redes de conhecimento, do aumento da transparência
para a democracia, etc.
3. Amartya Sen, algumas idéias sobre desenvolvimento e como elas
podem nos ajudar a pensar a inclusão digital
Na história recente, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, desenvolvimento quase sempre foi
considerado sinônimo de crescimento econômico. Todavia, após a onda de desenvolvimento
econômico de 1950 que afetou de forma intensa também os países semi-industrializados -
inclusive o Brasil - esse desenvolvimento não se traduziu nestes últimos, necessariamente, em
maior acesso de populações pobres a bens materiais e culturais, como ocorrera nos países
considerados desenvolvidos. Essa maneira de entender desenvolvimento também limitava a
forma de medi-lo - feita, sobretudo, a partir do PNB - e levou um tempo razoável até que uma
forma alternativa de entender e medir desenvolvimento ganhasse maior visibilidade.
Em 1990, houve uma mudança radical na forma de medir desenvolvimento, fruto, é claro, de
uma mudança no seu próprio entendimento. Com o lançamento do IDH (Índice e
Desenvolvimento Humano), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, houve
um grande abalo esclarecedor, mas que aumentou ainda mais a controvérsia até hoje sem fim.
O IDH, que teve sua formulação bastante influenciada pelo economista indiano Amartya Sen,
parte do pressuposto de que só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento
servem à ampliação das capacidades humanas, entendidas como o conjunto das coisas que as
pessoas podem ser ou fazer na vida. O índice (IDH) procura aferir variáveis como: se as
pessoas são capazes de participar da vida da comunidade, se têm uma vida longa e saudável,
se são instruídos, se têm acesso aos recursos necessários e a um nível de vida digno.
É então que - grosso modo - passa a ser possível observar duas “correntes” que pensam o
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desenvolvimento: 1. De um lado, temos aqueles que pensam crescimento econômico e
desenvolvimento como sinônimos, e; 2. Do outro, aqueles como Amartya Sen, que tal como
Celso Furtado - que foi um dos primeiros a divulgar a obra deste economista indiano no Brasil -
pensam o conceito de forma mais ampla, sem amesquinhar seu entendimento apenas como
crescimento econômico.
Segundo as formulações do indiano Amartya Sen, a expansão das liberdades individuais é o
fim e principal meio do desenvolvimento. Ou seja, desenvolvimento, para Sen, consiste na
eliminação de tudo o que limita as oportunidades e as escolhas das pessoas. O
desenvolvimento, então, requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade:
pobreza, tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática,
negligência dos serviços púbicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos.
A partir dessa perspectiva, números como nível de produção e rendimento são insuficientes
para mensurar o complexo entendimento do desenvolvimento. Para o autor indiano, a natureza
do desenvolvimento, é a relação entre recursos e realizações, entre bens e potencialidades,
entre riqueza econômica e a capacidade para vivermos como gostaríamos. Esse autor retoma
aquela que ele considera a concepção original de desenvolvimento, encontrada em “Ética a
Nicómaco”, do filósofo grego Aristóteles, citando um trecho desta obra que diz: “a riqueza não é
manifestadamente o bem que buscamos; pois ela é meramente utilitária, em vista de outra
coisa”.
Sen faz uma divisão do papel da liberdade no desenvolvimento. Há o papel constitutivo, que se
refere às liberdades substantivas que abrange certas capacidades como ter condições de evitar
privações, ter participação política e liberdade de expressão e o papel instrumental, que se
refere à liberdade global, onde os indivíduos possam viver da forma como desejam.
Assim, para Sen uma política que promova o desenvolvimento deve remover as várias
restrições que limitam as escolhas e oportunidades das pessoas. Segundo a perspectiva de
desenvolvimento de Amartya Sen as realizações ao alcance de cada um dependem dos
investimentos e estímulos às suas iniciativas. Dessa forma, o desenvolvimento como liberdade
contrasta com outras perspectivas mais restritas, que o identificam com o crescimento da
produção ou com aumento dos rendimentos, por exemplo.
“Entre as liberdades relevantes inclui-se a liberdade de agir como
cidadão que tem sua importância reconhecida e cujas opiniões são
levadas em conta, em vez de viver como vassalo bem alimentado,
bem vestido e bem entretido (Sen, 2000, p. 326).”
Sen procura demonstrar que o desenvolvimento pode vir a ser um processo atrelado
intimamente a expansão e garantia de liberdade para todos os indivíduos. Para ele,
desenvolvimento só terá sentido se significar melhores condições para expansão das
liberdades individuais.
Nesse contexto, a “exclusão digital”, assim como a exclusão social, deve ser pensada como um
problema de privação de liberdades, um problema de desenvolvimento e não apenas como um
problema de acesso às TIC. As políticas de “inclusão digital” devem, portanto ampliar as
liberdades das pessoas, ou seja, ser desenvolvimento. Amartya Sen (1981) também tem outro
conceito que parece ser muito útil a nossa reflexão, o de “entitlement” ou “intitulação” que
define um conjunto de liberdades necessárias à inclusão plena na sociedade. Para nós, a falta
de acesso e de habilitação às TIC faz parte de uma destas privações, tão mais relevante
quanto às sociedades mundiais passam a transformá-las em instrumento fundamental de
trabalho e de conhecimento, ajudando a driblar obstáculos tradicionais como espaço e tempo4
.
Dessa forma, esperamos ter feito uma reflexão adequada, que torne mais nítido nosso
problema.
4
Sobre a modificação nas relações dos homens com tempo e o espaço, provocadas pelo progresso técnico tomaremos
as reflexões de Harvey (1998).
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4. Os países em questão
Neste artigo, o primeiro referente ao Projeto Facepe intitulado “Inclusão Digital em
Pernambuco: Políticas em perspectiva comparada”, procuramos checar o estado atual das
pesquisas sobre inclusão digital, propondo a alternativa de pensar a exclusão digital como um
problema de desenvolvimento, além de investigar algumas políticas de “inclusão digital” em três
países periféricos, com ênfase nas condições necessárias para o seu sucesso. Estes países
são: a Índia, o Uruguai e o Brasil. O primeiro e o ultimo – Índia (vale dizer: segundo maior
exportador de software do mundo) e Brasil – compõe o acrônimo BRIC, grupo dos países que
supostamente estariam entre os mais desenvolvidos do mundo em 2050. Já o terceiro, o
Uruguai, é o país que primeiro adotou o Programa One Laptop Per Child (OLPC), como será
visto adiante.
4.1. O caso indiano
A Índia é um país interessante para pesquisar sobre exclusão digital por vários motivos. Talvez
o principal deles seja o fato de naquele país o rápido crescimento do setor de Tecnologia da
Informação (TI) nos anos recentes coexiste com um crescimento muito mais lento dos setores
agrícola e industrial bem como pelo alto nível de pobreza entre populações rurais numerosas.
Uma pesquisa empírica que compara as áreas rurais de Malappuram, no estado de Kerala, e
Kuppan, em Andra Pradesh (ver mapa abaixo), realizada nos meses de junho e agosto de
2004, retrata resultados diferentes, a partir de centros comunitários de informação que foram
criados nas duas áreas citadas, provendo aos habitantes dos vilarejos acesso às tecnologias
digitais, que passaram a operar nas duas localidades citadas (PARAYIL, 2005).
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Essa parte do trabalho está estruturada em duas: na primeira, introduz-se um quadro das
disparidades regionais na Índia, na intenção de evidenciar para um público que pouco conhece
o país, as suas enormes diferenças e diversidades. Na segunda, trata das políticas de
“inclusão digital” que foram implementadas no mesmo período histórico em Kerala e Andrha
Pradesh, que apresentaram resultados bastante diferenciados. Como poderemos observar a
introdução, a absorção e o trato com as novas tecnologias não dependem apenas da existência
dos equipamentos, mas de um conjunto complexo de variáveis sociais que interferem no
resultado do aprendizado tecnológico.
A questão Regional na Índia
Amartya Sen (1996) observou que existe uma grande diversidade interna na Índia e, segundo
ele, cada uma de suas regiões têm muitas lições a oferecer às demais. Um estudo de
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Bhattacharya e Sakthivel (2004)5
levou à conclusão de que grandes países e uma grande
economia apresentam regiões com recursos naturais muito diferentes e ritmos históricos de
crescimento variados. Por isso mesmo é que o planejamento centralizado advogou, desde
muito cedo na Índia, políticas para restringir a ampliação das disparidades regionais. Em que
pesem estas políticas, as disparidades regionais permaneceram um sério problema naquele
país. Uma nova controvérsia diz respeito a se as taxas de crescimento e padrões de vida em
diferentes regiões convergiriam, eventualmente, ou não.
Na Índia, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acelerou-se desde a década de
1980. Enquanto a média anual de crescimento de 1950 a 1980 foi somente de 3.6%, a partir de
1980, esse número cresceu para 4,8% e logo em seguida às reformas econômicas – após
1991 – com a economia passando por mudanças estruturais como: desregulamentação dos
investimentos (internos e externos), liberalização do comércio, taxa de cambio, taxa de lucro,
fluxo de capital e preços, passou a 4,7%. O período pós-reforma também foi de aguda
desaceleração nos investimentos públicos devido às restrições fiscais. Para se ter uma idéia, o
nível agregado - a média da participação dos investimentos públicos no total dos investimentos
- declinou de 45%, no início dos anos 1980, para um terço nos anos 2000. Muito embora sejam
escassas as informações sobre investimentos regionais, os indicadores existentes revelam
que, mais e mais, os investimentos estão hoje ocorrendo nos estados mais ricos. Os estados
mais pobres, com precária infra-estrutura, não são capazes de atrair investimentos externos.
O paper de Bhattacharya et al. evidencia que a desigualdade regional no período pós-reforma
tem aumentado e, também, indica que houve uma relação inversa entre o crescimento da
população e o crescimento da renda nos anos 1990, o que, segundo eles, “é uma séria
implicação, não apenas para o crescimento, mas também para o emprego6
”. As estatísticas
estaduais de crescimento têm apresentado um alto grau de variação, pois, alguns estados têm
vivenciado rápido e impressionante crescimento enquanto outros têm permanecido ou
aprofundado suas posições. O artigo em questão apresenta os 17 maiores estados, excluindo
Jammu & Kashmir, por conta dos distúrbios nos anos 1990. Foram ainda excluídos seis
pequenos estados do Nordeste porque são muito pequenos para refletir o comportamento geral
da economia indiana. Ainda três novos estados como Chattisgarh, Jharkhand e Uttaranchal
foram excluídos porque não existem séries estatísticas sobre os mesmos.
5
Bhattacharya é Vice Chancellor da Jawaharlal Nehru University em Delhi.
6
Bhattacharay et al. p.3.
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Tabela 1 Taxa de Crescimento os Estados a Preços Constantes (%por ano)
Estados 1980-90 1990=00 1980-00
Andhra Pradesh 4.81 5.12 5.05
Assam 3.91 2.47 3.49
Bihar 5.20 3.46 3.85
Goa 5.71 8.23 7.47
Gujarat 5.71 8.28 6.80
Haryana 6.68 6.71 7.80
Himachal Prd. 6.10 6.91 6.20
Karnataka 6.10 7.07 6.53
Kerala 4.50 6.0 5.97
Madhya Pradesh 5.18 5.45 5.89
Maharastra 5.98 6.80 6.30
Orissa 5.85 3.60 3.90
Punjab 5.14 4.63 4.70
Rajasthan 7.17 6.46 6.95
Tamil Nadu 6.35 6.65 5.05
Uttar Pradesh 5.88 4.43 3.49
West Bengal 5.20 7.24 3.85
All Índia 5.60 6.03 7.47
Coeficiente de Variação 0.14 0.29 0.22
In: Bhattacharya. Op.cit.p.6
Estados como Gujarat, Maharastra, Karnaaka e Tamil Nadu abocanharam, segundo os autores,
a maior parte dos investimentos externos. Os estados pobres como Bihar, Orissa, Assam e
Uttar Pradesh atraíram menos capital externo e doméstico e tiveram fracos desempenhos.
Afora o baixo nível de investimentos nestes últimos estados, a pobreza da infra-estrutura
combinada com o baixo nível de governo (e terrorismo no caso de Assam) acabaram por
reduzir seus crescimentos.
Caso seja acrescentado ao crescimento do PIB estadual o crescimento do PIB per capita em
nível dos estados, teremos uma compreensão um pouco mais abrangente:
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Tabela 2 Taxa de Crescimento per capita dos Estados (%por ano)
Estados 1980-90 1990=00 1980-00
Andhra Pradesh 2.56 3.62 3.09
Assam 1.74 0.65 1.38
Bihar 2.97 1.86 1.93
Goa 4.08 6.84 6.01
Gujarat 3.62 6.38 4.85
Haryana 4.12 4.42 5.32
Himachal Prd. 4.36 5.11 4.29
Karnataka 4.00 5.27 4.63
Kerala 3.04 4.78 4.64
Madhya Pradesh 2.74 3.22 3.08
Maharastra 3.60 5.04 4.83
Orissa 3.96 2.12 2.15
Punjab 3.19 2.71 2.73
Rajasthan 4.41 4.09 4.20
Tamil Nadu 4.79 5.40 5.10
Uttar Pradesh 3.46 1.98 2.92
West Bengal 2.93 5.41 3.99
All Índia 3.36 4.07 3.54
Coeficiente de Variação 0.22 0.43 0.34
In: Bhattacharya. Op.cit.p.6
Nesta tabela, os mesmos estados de Assam, Bihar, Orissa e Uttar Pradesh, incluindo agora o
Punjab (estado mais rico da Índia nos anos 1980) foram aqueles com baixo desempenho
quando em 1990 a maioria dos estados melhoraram seu padrão de vida, com destaque para
Goa, Haryana e Tamil Nadu. A análise destes dados nos faz perceber que os estados do Sul
tiveram resultados melhores do que aqueles do Leste e os Centrais (à exceção de West
Bengal). O padrão de vida nos estados do Sul cresceu mais rápido nos anos 1990 devido à
combinação de redução do crescimento populacional e a aceleração do produto interno destes
estados. Nos estados do Oeste, o produto interno per capita acelerou basicamente por caso do
aumento do crescimento do produto interno. Para concluirmos este panorama das disparidades
regionais, é importante indicar alguns dados sobre a situação da educação básica nestes
estados, o que fazemos a seguir.
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A Exclusão Social e Digital na Índia
O desenvolvimento contemporâneo da Índia apresenta um quando paradoxal. De um lado, o
rápido crescimento das indústrias de alta tecnologia e o empreendedorismo em algumas
cidades, enquanto do outro, a pobreza e a fome assolam em muitas de suas áreas rurais. O
PIB da Índia cresceu a uma taxa anual acima de 6% desde os anos 2000 e acima de 8% a
partir de 2004. O País está emergindo como um destino privilegiado das offshore e tem
garantido emprego em muitos setores de serviços, mas também naqueles campos intensivos
em conhecimento como engenharia de software, desenho de aeronaves, fármacos, pesquisa e
manufatura automobilística. Os rendimentos gerados pela Inovação Tecnológica - incluindo
produção e serviços de softwares - e Tecnologia de Serviços (ITES), indústrias (incluindo TI
hardware) foram estimados em US$ 47.8 bilhões em 2006-2007, o equivalente a 5.4% do PIB
nacional. Ao mesmo tempo, 70% da sua população rural de quase 1.150 bilhão de pessoas
vivem em áreas rurais. A contagem da pobreza para o ano de 1999-2000 foi estimada em pelo
menos 28.8% para as áreas rurais e 25,1% para as áreas urbanas. Segundo o censo da Índia
de 2001, 34% dos indianos são analfabetos e, do total da força de trabalho do país, de mais de
400 milhões, apenas 3 milhões trabalham no setor de IT e 26.5 milhões estão o setor
organizado, enquanto o reto da mão-de-obra está engajada em trabalhos de baixo valor
agregado, entre os quais a agricultura e o setor informal.
D’Costa (2003; 2006) se refere à experiência indiana como um caso de “desenvolvimento
desigual e com uma impressionante expansão da rede no país” pois existem variações
substantivas na conectividade da Telecom entre os diferentes estados indianos e entre áreas
urbanas e rurais. Há também diversos desafios para o crescimento das tecnologias de
inovação e comunicação (TIC) na Índia, como: i) a indústria indiana de TI é extremamente
dependente dos mercados de exportação, os quais desencorajam as articulações inter-firmas e
o esforço futuro da inovação para o crescimento da indústria (D’Costa, 2006); ii) o limitado
número de emprego para as futuras gerações; iii) o predomínio de poucas grandes firmas; iv) a
dependência de segmentos menos qualificados para a composição do produto (Chandrasekar,
2005); v) A indústria indiana não desenvolveu ligações significativas com o mercado interno,
portanto, os impactos sobre os avanços na produtividade em outros setores tal como o de
manufaturas não é muito expressivo (Joseph, 2006).
Com respeito à difusão de TIC para áreas rurais, as maiores limitações são a deficiência infra-
estrutura de telecomunicações, a baixa penetração dos computadores individuais e uma pobre
conectividade da internet. Embora as reformas da Telecom tenham acontecido na Índia desde
os anos 1990, resultando num aumento expressivo das redes no país, existem variações
significativas entre as áreas urbanas e rurais. Em dezembro de 2005, havia apenas 18 linhas
telefônicas por mil pessoas vivendo no meio rural (World Report IT, 2008). Para a efetiva
difusão da internet em áreas rurais, uma ênfase mais forte deve ser dada ao desenvolvimento
dos conteúdos da informação em línguas locais, pois o país tem 18 línguas oficiais (Thomas,
2006; Keniston, 2002).
O analfabetismo e várias formas de exclusão social baseadas no sistema de castas e gênero
continuam existindo em diversas regiões e estados da Índia e não será surpresa se uma
pessoa oriunda das castas menos privilegiadas seja barrada no uso de um quiosque em
algumas destas regiões (Sreekumar, 2006). A Índia não atingiu o objetivo de prover educação
gratuita e compulsória para todas suas crianças até a idade dos quatorze anos. O sucesso
relativo conseguido através da implantação da reforma agrária ocorreu apenas em dois estados
indianos que foram e são atualmente governados por partidos comunistas eleitos
democraticamente em Kerala, no Sudoeste e West Bengal, no Nordeste da Índia. Como vemos
o período das reformas econômicas na Índia, desde 1991 foi caracterizado por significativa
queda no ritmo de crescimento na agricultura e na infra-estrutura rural.
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Andhra Pradesh e Kerala
Andhra Pradesh foi um estado pioneiro na Índia no desenvolvimento informacional
especialmente com relação a estabelecer instituições regionais para inovação e pela introdução
de programas de e-governace (governança eletrônica). Em especial a sua capital, Hyderabad,
tem sido uma liderança em software e nas indústrias de ITES. Comparada a Andhra Pradesh,
Kerala representa apenas 0,5% do total das exportações de software da Índia, de um total de
9,7% do primeiro estado. Embora, a renda familiar per capita em Kerala tenha sido a mais alta
do país entre 1999-2000 e muito mais alta do que a de Andhra Pradesh. Em junho de 2005,
havia 97.4 linhas telefônicas rurais em Kerala por mil pessoas, se comparados aos 23.7 na
área rural de Andhra Pradesh. Em que pese notável avanço da indústria de IT, Andhra Pradesh
sofreu várias crises no meio rural. Diversos casos de fome com causa mortis, migração de
agricultores sem terra e suicídios entre fazendeiro e trabalhadores do setor têxtil.
Kerala tem sido citada por suas conquistas na esfera social, articularmente os setores
educacionais e de saúde em 2001, o que é uma situação excepcional na maioria dos estados
indianos. A alfabetização das mulheres atingiu neste estado 88% e em Andhra Pradesh não
passou dos 51%. Estas conquistas de Kerala, na esfera social, são as resultadas de décadas
de ação pública bem estabelecida. Kerala tem uma longa história de lutas agrárias que datam
de 1830. Os partidos políticos de esquerda tem sido ativos desde os anos 1930 e foram bem
sucedidos na mobilização popular, agrupando um forte e renovador movimento social que se
tornou politicamente poderoso. A Reforma Agrária de Kerala é de 1967. Em meados de 1990,
Kerala iniciou um ambicioso programa de descentralização política, dando força às
administrações locais eleitas democraticamente, recuperando inclusive algum poder financeiro.
Com o breve quadro comparativo aqui estabelecido, pode-se constatar uma grande diferença
nas presentes condições sociais de Kerala e Andhra Pradesh, em favor do primeiro. Os autores
Thomas e Parayil (2008) perguntam: como estas condições de padrões históricos e
desenvolvimento afetariam as possibilidades das tecnologias de informação e de comunicação
e as possibilidades de usar estas tecnologias para o desenvolvimento das áreas rurais? Na
tabela que segue apresentaremos um conjunto de indicadores sociais e de acesso a infra-
estrutura de informação entre os dois estados e a Índia.
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Tabela 3
Indicador Andhra
Pradesh
Kerala Índia
População (milhões) 76 39 1.027
Expectativa de Vida ao nascer para homens
(1998-2000)
62.0 70.8 61.6
Taxa de Alfabetização das Mulheres maiores
que 7 anos (%)
51.2 87.9 54.3
Média dos Gastos do domicílio per capita
(1999-2000) Rúpias;mês)
541 810 589
Telefone no meio rural (por mil pessoas)
(junho 2005)
23.7 97.4 17.4
Participação no total das exportações de
softwares da Índia 2003-2004 (%)
9.7 0.5 100.0
Fonte: para população e taxa de alfabetização: Censo da Índia, 2001. www.censusindia.gov.in
Para a participação no total das exportações de software: www.indiastat.org
Programas de Inclusão Digital7
O governo de Andhra Pradesh e a companhia Hewlett Packard (HP) conjuntamente lançaram o
projeto “Comunidade Incluída” na região de Kuppan no distrito de Chittoor em abril de 2002. O
governo de Kerala por sua vez, inaugurou o Akshaya Computer Literacy Training Programme8
,
no distrito de Malappuran, em novembro de 2002. Os dois projetos eram dirigidos por
empreendedores locais e ambos estimulavam os habitantes dos dois vilarejos a usar
computadores e internet em um conjunto de temas e assuntos que poderiam afetar suas vidas
cotidianas, incluindo agricultura, saúde e educação. Enquanto alguns serviços eram providos
por “quiosques digitais”, especialmente aqueles relacionados com a alfabetização
computacional, ensinada gratuitamente, outros tinham uma pequena taxa para outros serviços.
Os empresários que operavam estes quiosques (os Community Information Centres ou CIC)
recebiam ajuda financeira das administrações locais (Panchayats) em Kerala, do estado e da
Hewlett Packard em Kuppan.
A pesquisa realizada por Thomas e Parayil9
cobria um raio de quilômetros a partir do Centro
Comunitário de Informação ou quiosque. Na área de Kuppan moravam 320 mil habitantes e a
pesquisa foi realizada em 13 Centros Comunitários. Em Mallapuram viviam na época 3.6
milhões de pessoas e no programa Akshaya, existiam 582 Centros Comunitários. Para a
pesquisa de campo foram selecionados 309 domicílios em Kuppan e 381 em Mallapuran. Dado
comum aos dois vilarejos era que a principal fonte de sobrevivência é a agricultura. Os dados
de alfabetização das mulheres em Mallapuram eram muito mais expressivos do que os
encontrados em Kuppan. No primeiro, 96% das mulheres com mais de 7 anos eram
7
A maior parte dos indicadores de campo de Kuppan e Mallapuran foram extraídos do já citado artigo de Thomas e
Parayil (2008), sendo que em Kerala eu tive a possibilidade de visitar e entrevistar alguns responsáveis pelo projeto
Akshaya, na administração central em Trivandrium, no mês de agosto de 2008, a partir de projeto apoiado pelo CNPq.
8
O site oficial do Akshaya é 210.212.236.212/akshaya/capacityprgms.html
9
Op.cit
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alfabetizadas, ao passo que em Kuppan o mesmo indicador era de apenas 47%. O tamanho
médio das terras em Mallapuram e Kuppan não ultrapassava os 7 acres, sendo um acre o
equivalente a 4.000 metros quadrados.
O Uso dos Computadores nos Vilarejos
Nos questionários aplicados na pesquisa citada, perguntava-se sobre os computadores e se
conheciam o Centro Comunitário de Informação (CCI) da vila, além de questões sobre o uso
dos computadores, TVs, radio, telefone e jornais por cada um dos membros de família
entrevistada. Os jovens demonstraram grande interesse pelos CCI. Quanto ao uso dos
computadores, ele era mais extensivos entre os domicílios de Mallapuram, assim como a
leitura de jornais, audição de rádio e telefone, estavam muito à frente dos números de Kuppan.
Em Mallapuram 64.4% das famílias faziam uso do CIC, sendo que as mulheres tiveram aí parte
ativa no programa de alfabetização digital (e-literacy programme). Em Kuppan, o interesse e
utilização dos computadores comunitários foram muito menores, ficando claro pela leitura das
estatísticas que acesso a computadores e mídias tecnológicas não se traduz automaticamente
em capacitação para uso de computadores e mídia. Dentre as famílias a capacitação para uso
dos computadores foi maior entre os homens que entre as mulheres e ainda maior entre os
homens jovens do que entre os adultos e idosos.
Em Kuppan, as disparidades de gênero, entre jovem e adulto, e entre mais e menos
alfabetizado foram muito acentuadas. Tais disparidades, também foram identificadas em
Mallapuram, só que num grau consideravelmente menor. É necessário dizer que existiam
fatores sociais favoráveis que estimulavam a capacitação para o uso das TIC em Mallapuram,
a começar por um ambiente mais encorajador para a participação e à educação das mulheres
e seu envolvimento ativo nos “panchayats” trabalhados pelo Akshaya Programme. A
associação entre falta de terra e baixo nível educacional também foi considerada como um
fator desvantajoso em termos de acesso ao uso da tecnologia de informação em Kuppan. A
pesquisa evidenciou que todas as pessoas que usavam computadores em Kuppan pertenciam
aos domicílios que tinham propriedade da terra e eram educados com mais de 10 anos de
estudo. Em Mallapuram, as conquistas educacionais superavam as divisões de gênero10
e de
propriedade da terra. Como resultado, a habilidade para se beneficiar das TIC e das
informações que as TIC proviam eram muito mais distribuídas do que em Kuppan. O sucesso
do Projeto Akshaya fez com que fosse disseminado por todo o estado de Kerala e as últimas
informações assinalam que no estado há pelo menos uma pessoa em cada família que sabe
fazer uso da ferramenta11
.
4.2. A experiência uruguaia: O Ceibal
Há uma certa especificidade do Uruguai neste trabalho. É o menor país, tanto em extensão
territorial (176.215 Km2
)12
quanto em população ( pouco mais de 3.241.003)13
, considerado
neste trabalho e tem nesses números certa vantagem que tornou possível àquele país ser o
primeiro a utilizar, em uma política de abrangência nacional, os laptops da ONG One Laptop
Per Child (OLPC)14
, os famosos “laptops de cem dólares15
. Politicamente, convém lembrar que
o Uruguai é um Estado unitário organizado em governos departamentais. No total são 19
10
Evidencia dos melhore indicadores em Mallapuram está em que das 381 famílias pesquisadas, 47 pessoas do total
eram educadas por mais de 0 ano de estudo e 29 dentre alas eram mulheres (62%), a maioria das quais pertencendo a
famílias pobres (0,3 acres de terra) in: Thomas and Parayil.op.cit p.430.
11
Os estados do Sul da Índia mais avançados nas indústrias intensivas em softwares são: Tamil Nadu, Karnataka e
Andhra Pradesh .
12
Dado retirado de Uruguay em Cifras 2008,
SILVA, RC; LIMA, MC. Discutindo a “inclusão digital”: acertos, equívocos e desafios 259
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departamentos, incluindo sua Capital Montevidéu. Os outros governos são os de: Artigas,
Canelones, Cerro Largo, Colonia, Durazno, Flores, Florida, Lavalleja, Maldonado, Paysandú,
Rio Negro, Rivera, Rocha, Salto, San José, Soriano, Tacuarembó, e Treinta e Tres.
Em 18 de abril de 2007, a partir do decreto presidencial 144/007, o Uruguai tornou-se o
primeiro país da América Latina a ter uma política de distribuição de laptops para todos os
alunos e professores do ensino primário. Os “XO”, desenvolvidos pela ONG OLPC, através de
um programa de alcance nacional. Como meta, o projeto CEIBAL “Conectividad Educativa de
Informática Básica para el Aprendizaje en Línea” um projeto sócio-educativo, iniciativa conjunta
entre o Ministerio de Educación y Cultura (MEC), o Laboratorio Tecnológico del Uruguay
(LATU), a Administración Nacional de Telecomunicaciones (ANTEL) e a Administración
Nacional de Educación Pública (ANEP) além de contar com o apoio da UNESCO e, claro, da
OLPC tem como meta levar laptops de baixo custo (os XO) a cada uma das crianças da 1º a 6ª
série e a todos os professores da rede pública até o fim de 2009. A intenção assumida pelo
presidente Tabaréz Vasquez é de “converter a brecha digital em oportunidade para todos”. Para
isso, além da distribuição dos laptops para professores e alunos - que podem ser utilizados não
somente nas escolas mas também em casa, podendo ser um ponto de acesso compartilhado
pelos familiares - junto às capacitações para os docentes sobre como usar os computadores
para a promoção de propostas educativas que façam uso deles, fazendo o Ceibal uma grande
aposta do Uruguai em igualdade, na democratização da informação e na melhora educacional.
As fases de implantação do projeto
Conforme o calendário acima, disponível em UNESCO (2008), o Ceibal foi estruturado para ter
a distribuição dos laptops em quatro fazes, sendo: 1. Começou no primeiro semestre de 2007,
com a distribuição de 200 laptops doados pela One Laptop Per Child na Escola de Villa Cardal
(Florida), depois; 2. no segundo semestre do mesmo ano se estendeu a todo o departamento
de Florida, em seguida; 3. os laptops começaram a ser distribuídos aos demais Departamentos
do país, com exceção de Montevidéu e sua região metropolitana para finalmente; 4. chegarem
13
Dados do Instituto Nacional Estadístico – INE (Revisados em 25/4/05)
14
O projeto global OLPC nasceu por iniciativa do fundador do Laboratório de Meios do MIT, Nicholas Negroponte, em
janeiro de 2005, quando durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, anunciou a intenção de produzir
computadores portáteis de baixo custo, como parte de um projeto educativo mundial. Negroponte recebeu o apoio
econômico de vários gigantes da indústria como Google, AMD, Red Hat, News Corp e Brightstar, com o qual criou a
ONG.
15
Só como curiosidade, esses laptop hoje custam hoje $199 mais taxa de entrega, segundo o site da Ong.
SILVA, RC; LIMA, MC. Discutindo a “inclusão digital”: acertos, equívocos e desafios 260
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à Capital e sua região metropolitana.
Alguns objetivos
O Projeto Ceibal tem como objetivos principais: 1. Doação de laptops a todos os alunos e
docentes das escolas públicas primárias uruguaias; 2. promover justiça social ao levar a essas
pessoas as condições para que esses tenham acesso às tecnologias da informação e
comunicação; 3. favorecer a construção de novos entornos de aprendizagem e geração de um
contexto propício para que os alunos uruguaios sejam capazes de responder às exigências da
sociedade baseada no conhecimento e na informação e; 4. estimular a participação ativa ao
colocar a disposição de professores e alunos novas ferramentas com o intuito de estimular a
procura e ampliação do aprendizado, aumentando seu conhecimento e desenvolvendo uma
consciência a respeito da importância de uma educação permanente.”
Os Laptops do Ceibal
O Projeto Ceibal usa daquelas que talvez sejam as principais vantagens das Tecnologias da
Informação e Comunicação (TIC): sua capacidade de reduzir obstáculos tradicionais como
tempo e distância, para ajudar na formação educacional infantil, promovendo habilidades
essenciais para a sociedade do século XXI. Na lógica do CEIBAL, o laptop é um equipamento
que auxilia no desenvolvimento cognitivo das crianças, uma ferramenta de expressão da
imaginação e da criatividade do aluno. Dessa forma, o projeto tem como princípios “a
promoção da igualdade de oportunidades de acesso à tecnologia, a democratização do
conhecimento e a potencialização da aprendizagem em âmbito escolar e “social’ dos alunos”.
Os laptops utilizados, “XO”, são diferentes daqueles dos escritórios. É um computador feito
para o aprendizado, desenvolvido para projetos de educação em países subdesenvolvidos: são
leves, fáceis de transportar, resistentes e têm baixo consumo de energia. Além disso, os XO
possuem um sistema operacional de código aberto, design e interface gráfica (Sugar)
convidativos, softwares voltados para o aprendizado, webcam e conexão a internet sem fio.
Levando assim, novas possibilidades de comunicação entre alunos, professores e pais de
alunos, além novas estratégias de ensino.
O grande desafio
A implantação do Ceibal leva o sistema educativo uruguaio a reciclar seus recursos humanos,
ao final de 2009 todos os docentes da educação primária deverão ter passado por capacitação
em uso educativo de informática e internet. Assim, o projeto tenta promover o desenvolvimento
de novas práticas de ensino e aprendizagem e uma reconfiguração dos atores envolvidos com
a educação e com o saber de modo geral. Ainda que a inserção das TICs no currículo uruguaio
promova acesso a pessoas que nunca poderiam comprar um computador e ter acesso a
internet, o documento da UNESCO (2008) coloca como grande desafio “equilibrar tecnologia e
educação”. Discordando dessa “ordem das coisas”, nós acreditamos que, apesar de toda a
euforia sobre as possibilidades de uso das TIC na educação, esta deve vir antes da tecnologia.
Nosso temor aqui, é de que ocorra um problema comum nesse tipo de política, ou , conforme
Martha Stone, Professora da Universidade de Harvard resumiu sobre a situação dos projetos
“inclusão digital” nos Estados Unidos: “uma das dificuldades mais duradouras em torno da
questão de tecnologia e educação é que muitas pessoas pensam em tecnologia em primeiro
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lugar e depois em educação” (apud Schacter, 1999, p. 10).
Algumas dificuldades na pesquisa
O fato de não termos tido acesso a relatórios avaliativos do Ceibal nos incomoda. Para se ter
um exemplo, essa parte do artigo foi feita, em boa medida, graças ao Livro Ceibal en La
sociedad del siglo XXI (UNESCO, 2008). Conhecer com mais profundidade o Ceibal é
fundamental se considerarmos que o Governo do Brasil começa a desenvolver um programa
semelhante, o Um Computador por Criança (UCA), sobre o qual fazemos algumas
considerações na próxima sessão.
4.3. O caso brasileiro
No Brasil, segundo a Pesquisa TIC Domicílios 2008, somente 28% dos domicílios brasileiros
têm computador, mas, dos que têm computador, somente 18% têm internet disponível. Os
números da exclusão digital repetem as desigualdades regionais que marcam o pais, contando
o Nordeste com os piores índices, seja em relação à residências com computador, somente
11% dos domicílios com computador, seja em acesso a internet, em que aparece empatada
com a região Norte com cerca de 7% das casas com acesso a internet. Também existe uma
importante diferença entre o acesso a computadores e internet entre os meios urbano e rural,
com boa vantagem para o primeiro. Com esses números, 48% do acesso à internet acaba
sendo feito em lan houses e 4% dos internautas acessam a rede em locais públicos de acesso
gratuito.
Com relação aos telecentros, uma das principais formas de democratização das TIC no Brasil,
dados disponibilizados pelo Onid em 2008 - que também englobam outras parcerias, como por
exemplo, com as Ongs - apresentam uma dura realidade para as pessoas que vivem nas
regiões Norte e Centro-oeste. Nestas regiões estão situados apenas 13,9% dos telecentros do
país.
:
Responsabilidade
Na teoria, todas as ações de inclusão digital deveriam ser supervisionadas pelo Ministério das
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Comunicações. Segundo Lopes (2007) tal atribuição éi dada pelo Decreto 5.581, de 10 de
novembro de 2005, que acrescenta a seguinte previsão ao Decreto 4.733, de 10 de junho de
2003: “o Ministério das Comunicações fica incumbido de formular e propor políticas, diretrizes,
objetivos e metas, bem como exercer a coordenação da implementação dos projetos e ações
respectivos, no âmbito do programa de inclusão digital” (Art. 4º, parágrafo único, inciso I).
As ações
Com o intuito de enfrentar esses números promovendo um acesso mais igualitário das TIC, o
Governo Federal tem alguns programas em funcionamento. Um deles é o Observatório
Nacional de Inclusão Digital (Onid), que tem o objetivo de “aglutinar informações sobre todos os
programas de inclusão digital do Governo”, onde existem algumas informações sobre os
programas de “inclusão digital” do Governo. Além de várias iniciativas importantes que ajudam
na implantação de telecentros, há também os programas pensados para as escolas públicas –
aos quais temos dedicado mais atenção em virtude da pesquisa “Inclusão digital em
Pernambuco: Políticas em perspectiva comparada”, que conta com o apoio da FACEPE. Para
atuação nas escolas destacam-se as seguintes iniciativas:
1. O ProInfo, que funciona de forma descentralizada, havendo em cada Unidade da
Federação uma Coordenação Estadual do ProInfo, cuja atribuição principal é a de
introduzir o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas da rede
pública, além de articular as atividades desenvolvidas sob sua jurisdição, em especial
as ações dos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTEs);
2. O Programa Computador Portátil para Professores, que visa criar condições para
facilitar a aquisição de computadores portáteis para professores da rede pública e
privada da educação básica, profissional e superior, credenciadas junto ao MEC, a
baixo custo e condições diferenciadas de empréstimo, com vistas a contribuir com o
aperfeiçoamento da capacidade de produção e formação pedagógica dos mesmos.
3. O Programa UCA (Um Computador Por Aluno), similar brasileiro do Ceibal, tem
a finalidade de promover a inclusão digital, por meio da distribuição de 1 computador
portátil (laptop) para cada estudante e professor de educação básica em escolas
públicas que está sendo ampliado mas ainda se encontra em fase experimental.
E aqueles mais restritos ao apoio, ou de infra-estrutura em TI (que visam levar infra-estrutura
para acesso a internet nas escolas), como o Programa Banda Larga nas Escolas e o Gesac
(Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão), que também objetiva garantir
conexão à internet - sendo que via satélite – atendendo também a telecentros, ONGs,
comunidades distantes e bases militares fronteiriças, além de oferecer serviços como conta de
e-mail, hospedagem de páginas e capacitação de agentes multiplicadores locais.
Dentre essas iniciativas pensadas para atuar na escola há um objetivo comum difícil de ser
avaliado: o de objetivar incluir computadores e internet nas escolas com o objetivo de melhorar
a educação. Como por exemplo, no caso do Programa Nacional de Informática na Educação
(PROINFO), que existe desde o primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso,
cujo objetivo principal é a “a introdução das novas tecnologias de informação e comunicação
(TIC) na escola pública, como ferramenta de apoio ao processo de ensino-aprendizagem”.
Revisões bibliográficas como as feitas por Dwyer e equipe (2007a) sobre o impacto das
tecnologias na educação chegam a resultados inconclusivos.
Noutro artigo, do mesmo autor (2007b), Dwyer vale-se das teorias sobre o paradoxo da
produtividade para tentar explicar a não melhoria do ensino nos dados que apresenta. O
problema, neste último artigo, é que a correlação a qual esse a autor chega - de que os alunos
que mais utilizam computadores têm piores notas - é admitidamente frágil e ele acaba
aplicando mais a crítica do paradoxo da produtividade que as suas tentativas de explicação.
Em todo caso, para nós, essa crítica deve ser tomada no intuito de pensarmos que a promoção
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do acesso a computadores e internet é apenas o primeiro passo para a inclusão digital.
Belém do Pará - Programa Navega Pará
Evidentemente, há estados mais dedicados com relação à inclusão digital. Um deles é o Pará,
que conforme apresentamos, está situado na região mais carente de políticas de
democratização das TIC. No Pará a iniciativa se dá através do Navega Pará que tem como
objetivo interligar por internet de alta velocidade, a partir de cinco ações básicas, os principais
órgãos administrativos do Estado, viabilizando ações como tele-educação, tele-negócios e
inclusão digital. Esta primeira fase do projeto foi viabilizada por dois convênios. Serão
construídos infocentros públicos que além de permitir o acesso de dois milhões de pessoas à
internet, beneficiará, sobretudo, o setor produtivo, que poderá usar os telecentros para mostrar
produtos e fazer negócios com o mundo inteiro.
A meta do Governo, é levar pelo menos dois infocentros públicos, com vinte computadores
cada um, para ações de inclusão digital gratuita e terá todos os órgãos públicos (municipais,
estaduais e federais) interligados; um telecentro de negócios, pelo qual pequenos produtores
poderão comprar e vender pela internet, além de participar e promover cursos variados, como
de qualificação e de exportação; dois telecentros públicos específicos para ações de medicina
e educação à distância, beneficiando tanto instituições públicas como organizações não-
governamentais e iniciativas de pequenas comunidades; e também internet sem fio em locais
públicos como praças. Todos estes serviços e ações compõem o que o governo do Estado
chama de Cidades Digitais16
.
O orçamento em nível federal e o caso do FUST
Embora se fale de problemas orçamentários com relação a esses programas, é importante
lembrar que esse não parece ser o maior dos nossos problemas. Lembramos aqui, quem em
2000, foi criado o Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST)17
, um mecanismo
de autofinanciamento cuja fonte de recursos é, primordialmente, uma taxa de 1% cobrada
sobre o resultado bruto das concessionárias de telecomunicações, descontados os impostos.
Em 2006, segundo o relatório TIC Domicílios e Empresas (CGI, 2006) o Fundo tinha
acumulado mais de R$ 3 bilhões e segundo Lopes (2007). A previsão em 2008, era de que o
fundo terminasse o ano com R$ 7,2 bilhões arrecadados. Pelo menos até abril do ano passado,
nenhum centavo do fundo havia sido gasto. Para Lopes, ainda no mesmo artigo, a explicação é
de que o Governo prefere utilizar o Fundo para fazer um “truque orçamentário”, transformando
o fundo num trunfo para atingir superávit fiscal, ajudando assim a alcançar suas rígidas metas
fiscais. O autor deixa ainda o protesto de que “verbas desse tipo de fundo devem ser utilizadas
única e exclusivamente para o fim a que se propõem, barrando-se truques que as transformem
em superávit fiscal”.
16
Os municípios beneficiados pelo Navega Pará até final de 2008 são: Abaetuba, Altamira, Ananindeua,
Barcarena,Belém, Bonito, Bragança, Bujaru, Capanema, Capitão Poço, Castanhal, Colares, Curuçá, Garrafão do
Norte, Igarapé Açu, Inhangapi, Intuía, Itatuba, Jacundá, Magalhães Barata, Marabé, Maracanã, Manapanim, Manituba,
Nova Timboteua,, Ourám, Pacajá, Peixe-Boi, Primavera, Quatipuru, Rurópolis, Salinópolis, Santa Bárbara, Santa Isabel
do Pará, Santa Luzia, Santa Maria do Pará, Santarém, Santo Antonio do Tauá, São Caetano,de Odivelas, São
Domingos do Capim, São Francisco do Pará, São João da Ponta, São João de Pirabas, São Miguel do Guamá,
Tailândia , Terra Alta, Tracueteua, Tucurí, Uruará e Vigia.
17
Instituído pela Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000.
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5. Conclusões
Os exemplos da Índia evidenciam que não basta pensar em prover acesso à tecnologia, mas
sim em um conjunto de ações que se torna indispensável para a obtenção de bons resultados.
Uma cultura mais democrática, mais dialógica e criativa amplia esses resultados, bem como
avanços educacionais e de saúde, ou ainda a maior integração das mulheres à vida social
plena. Todos esses, são requisitos importantes. Outra constatação que fazemos, é que não
bastam computadores de última geração (Rubem et al., 2003), se não vêm associados a
práticas educacionais de trabalho e aprendizado coletivo, com a elaboração de programas
específicos adequados às diversas faixas etárias.
A questão regional aparece também na discussão sobre a exclusão digital e deve ser
considerada ao serem pensados programas de inclusão digital e os números apresentados
sobre a Índia e o Brasil nos dão uma boa noção sobre isso. Embora os programas de “inclusão
digital” necessitem de infra-estrutura de Tecnologia da Informação, a garantia dessa estrutura
não leva sozinha a um bom aproveitamento da política, ou seja, a afirmação – muito
influenciada pela abordagem da digital divide – de que “inclusão digital” se faz com simples
acesso é equivocada.
Também é preciso entender que embora bastante importantes os investimentos na
democratização das tecnologias não devem ser tomados como uma panacéia. Ou que, a
“inclusão digital”, apesar de apoiar processos de desenvolvimento humano, não resolve, por
conseqüência, todas as outras exclusões existentes, como aquelas relativas às dimensões
econômica e social. Talvez por isso, existam muitos programas que abordam a exclusão digital
priorizando os aspectos da ferramenta, da tecnologia, e se utilizam de uma retórica que omite o
fato de que as habilidades de uso das TIC estão na capacidade de transformar as informações
que as TIC possibilitam em conhecimento útil. A conversão da informação da internet em um
funcionamento desejado e que leva a uma capacitação, dependerá tanto da habilidade
individual quanto do ambiente social no qual o indivíduo opera.
É importante, também, que as políticas de “inclusão digital” sejam utilizadas para reforçar redes
sociais existentes, como no caso do Ceibal que tenta reforçar as redes entre professores,
alunos e pais. Além disso, é segundo autores como Sorj (2005), o lugar ideal para implantação
de políticas de “inclusão digital”, ou, o lugar onde seria possível ao Estado alcançar um bom
número de cidadãos.
A escola é um lugar onde a prática cotidiana e orientada de uso das TIC pode ajudar na difusão
da tecnologia entre as famílias, como diria Jean Jaques Rousseau: “A criança é o pai do
homem”. As estruturas sociais que toleram o analfabetismo e outras desigualdades sociais
entre amplos setores da população, retira do indivíduo a capacidade de uso das TIC e dos
benefícios que estas ferramentas podem trazer para suas vidas. Para superar a exclusão digital
são necessárias intervenções sociais e políticas públicas que promovam maior equidade e
assegure o acesso à educação primária, à saúde pública, à água potável, eletricidade, vias e
estrada em bom estado de conservação oportunidades de emprego. Tais intervenções são
cruciais em países onde as divisões sociais são profundamente enraizadas na história.
Uma política pública determinista para prover o acesso às tecnologias de Informação e
Comunicação para áreas rurais em quiosques ou Centros Comunitários de informação, por si
só, não serão capazes de possibilitar o desenvolvimento e a mudança. É importante também
que sejam elaborados indicadores e metodologias de avaliação desse tipo de política, capazes
de medir os resultados na educação e no desenvolvimento.
SILVA, RC; LIMA, MC. Discutindo a “inclusão digital”: acertos, equívocos e desafios 265
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