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2006-2009
                                                                            RELATÓRIO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA
                                                                                                                                                                      RELATÓRIO SOBRE OS
                                                                                                                                                               DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO
                                                                                                                                                                   DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA
      A ASSOCIAÇÃO JUSTIÇA, PAZ E DEMOCRACIA (AJPD) é uma
organização legalmente constituída em Angola que se propõe trabalhar na
promoção, divulgação e advocacia dos direitos dos cidadãos e comunidades
   que forem violados por indivíduo, grupos de indivíduos e instituições
públicas tendo em vista a construção do Estado de Direito Democrático em
Angola. Os seus estatutos foram publicados no DIÁRIO DA REPÚBLICA DE
  ANGOLA, de 11 de Agosto de 2000, III Série N.º 31, págs 1377 - 1382.
 A AJPD tornou-se a primeira organização angolana a obter o estatuto de
membro observador da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Este facto fez com que a AJPD colocasse em discussão junto das sessões da
   Comissão Africana a problemática dos Direitos Humanos em Angola,
           tendo, para o efeito, apresentado vários relatórios.




                                                                                                                                                               OS PROGRESSOS E OS RETROCESSOS
                             Ajuda Popular da Noruega
                                                                                                                                                                DE UMA JUSTIÇA PENAL EM CRISE
                                                                            AJPD




                                                                                                                                                                           2006 - 2009
Índice


Agradecimentos .........................................................................................................9

Contextualização .....................................................................................................11

Nota Introdutória e Metodologia.............................................................................13

1. Análise comparativa da situação da administração da justiça no sistema penal

   angolano hoje à época do primeiro relatório........................................................15

2. Sistema Penal Angolano.......................................................................................19

        2.1 A Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC)...........................19

        2.2 Os Serviços Prisionais...............................................................................26

        2.3 A Procuradoria - Geral da República (PGR).............................................31

        2.4 Os Tribunais.............................................................................................38

3. Princípios e Direitos sistemáticamente violados: práticas de uma justiça penal

   em crise...............................................................................................................51

        3.1 O princípio da separação de poderes e a independência do Poder Judicial........51

        3.2 O direito à informação.........................................................................................58

        3.3 O direito à assistência e patrocínio judiciários.....................................................61

        3.4 O direito à vida e a prática das execuções sumárias .............................................66

        3.5 O direito à integridade física e moral...................................................................71

        3.6 A situação particular da província de Cabinda ....................................................77

        3.7 Direito à liberdade ...............................................................................................82
3.8 Direito à providência do «Habeas Corpus» .........................................................85

4. Alguns sinais positivos ......................................................................................................87

         4.1 As reuniões de coordenação da justiça .................................................................87

         4.2 Entrosamento dos tribunais com a sociedade civil ..............................................89

         4.3 Criação do Tribunal Constitucional ....................................................................90

         4.4 Cumprindo obrigações internacionais.................................................................92

         4.5 Criação da Provedoria de Justiça..........................................................................93

         4.6 Projecto de Reforma da Justiça e do Direito........................................................94

         4.7 O Gabinete de Direitos Humanos do Ministério da Justiça...............................97

         4.8 Aprovação de uma nova Lei Penitenciária ...........................................................99

         4.9 A construção de novas cadeias e formação de profissionais...............................100

5. Conclusões e recomendações .........................................................................................103

         5.1 Conclusões.........................................................................................................103

         5.2 Recomendações .................................................................................................106

              5.2.1 Ao Poder Executivo ...................................................................................106

              5.2.2 Ao Poder Judiciário e seus agentes.............................................................107

              5.2.3 Ao Poder Legislativo..................................................................................109

              Anexos.................................................................................................................111
RELATÓRIO SOBRE
OS DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO
      DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA
               2006 - 2009



     OS PROGRESSOS E OS RETROCESSOS
      DE UMA JUSTIÇA PENAL EM CRISE
FICHA TÉCNICA
                                  TÍTULO:
                               RELATÓRIO SOBRE
                   OS DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO
                    DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA 2006-2009


                               ELABORAÇÃO:  :
                                   AJPD
                                COPYRICHT:
                                © AJPD 2009

               PAGINAÇÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO:
                    EAL - Edições de Angola Limitada

                                 TIRAGEM:
                               2300 Exemplares

                                     Endereço:
                        Associação Justiça, Paz e Democracia
                           Avenida Comandante Valódia,
                         Prédio n.º 253, 2.º Andar, Apt C
                                  Luanda - Angola
            Telefones: (244) 222-430300 / 923-401023 / 222 430 299
                           E-mail: ajpd@netangola.com
                                ajpd@ajpdangola.org
                             Site: www.ajpdangola.org


Relatório publicado com o alto apoio da Oxfam Novib - Holanda e da Ajuda Popular
                                    da Noruega
« (…) É função do governo prover a existência de serviços judiciários que
               garantam aos sujeitos em geral a existência e exercício dos seus direitos.
                                                                 Esse é serviço tão vital
                    quanto o fornecimento de água ou de outras necessidades básicas:
                    sem ele as pessoas ficam submetidas aos interesses dos mais fortes,
                       subordinadas às potências económicas, mediáticas e políticas»1
                                                                     SÉRGIO CUNHA


                                            « (…) Não há Estado Democrático de Direito
                             sem uma actividade jurisdicional autónoma e independente,
                                      assim como não há Estado Democrático de Direito
                                    em que a sociedade civil não possa controlar as suas
                                          Instituições Políticas, Legislativas e Judiciais»2.
                                                                       JOSÉ GERÓNIMO




1
 CUNHA, Sérgio Sérvulo da, Fundamentos do Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2004, Vol 1, pag 309, 312,
 citado in CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito Constitucional-Teoria do Estado e da Constituição-Direito Cons-
 titucional Positivo, 15.ª Edição, Del Rei Editora, Belo Horizonte, 2009, pág 1273.
In O Controlo Extremo do Poder Judiciário e a Questão Democrática, pág 5.
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




                                 AGRADECIMENTOS



   Este relatório é um ponto de convergência do trabalho realizado por várias pessoas e
do investimento de múltiplos recursos com diferentes perspectivas.
   Antes de mais, queremos agradecer em nome da AJPD, a colaboração prestada pela
senhora Lívia França, Satter Human Rights Fellow, Harvard Law School. O nosso
obrigado muito especial é dirigido a todos os membros e funcionários da AJPD que
directa ou indirectamente emprestaram a sua experiência e o seu saber para a feitura do
presente relatório, nomeadamente: Serra de Assunção, Fernando Macedo, Lúcia da
Silveira, João Reis, Sandra Furtado, Delma Monteiro, Godinho Cristóvão, Maria Henda,
Carlos Alberto, Pedro Romão, Joaquim Gonçalves e Domingas Fortunato.
   Agradecível é também a senhora Nadejda Marques, ex-investigadora da Human
Rights Watch pela correcção e revisão do relatório que ora publicamos.
   Agradecemos também o apoio do Professor Doutor Germano Marques da Silva,
professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto (UCP)
e convidado do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, em Portugal.
   Os nossos agradecimentos são também dirigidos às organizações Oxfam Novib
Holanda e Ajuda Popular da Noruega (APN) por terem aceitado a parceria com a AJPD,
apoiando a produção e a publicação deste relatório.
   Agradecemos igualmente as instituições do Estado que deram o seu contributo para
a conclusão deste importante trabalho, sobretudo a Direcção Nacional dos Serviços
Prisionais, alguns juízes e procuradores e membros de alguns comités provinciais dos
direitos humanos.
   Agradecíveis são também todos os juízes e procuradores que receberam em audiên-
cias os membros da AJPD para trocar ideias e informações sobre o actual estado da
administração da justiça penal em Angola, bem como apresentar caminhos para a sua me-
lhoria.




                                                          A Associação Justiça, Paz e Democracia,

                                                                                   António Ventura
                                                                              (Presidente da AJPD)

                                                                         Luanda, Outubro de 2009



         OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE   9
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




                                     CONTEXTUALIZAÇÃO



   Angola é um país situado na África Austral, delimitada a Norte e nordeste pela República
Democrática do Congo, a Leste pela Zâmbia e ao Sul pela Namíbia e a Oeste pelo Oceano
Atlântico.Com uma área total de 1. 246 700 Km2 e uma linha de costa de 1.650km,
Angola está dividida em 18 províncias e possui actualmente 15 milhões de habitantes2
distribuídos principalmente pela orla costeira e planalto central ocidental.
   Depois da sua independência em 1975, Angola entrou num período de guerra civil
e adoptou até 1992 o regime político monopartidário, de legalidade socialista e de inspiração
Marxista -Leninista.
    Em consequência, os mecanismos de protecção dos direitos, liberdades e garan-
tias fundamentais dos cidadãos contra os abusos e arbitrariedade do Estado foram sempre
subalternizados à mera vontade do poder e do partido governante. Assim também
o Poder Judicial!
   O Poder Judicial ainda continua a enfrentar dificuldades que o impedem de ser, ispo
facto, um verdadeiro poder. Essas dificuldades ainda são resquícios do período colonial
e de legalidade socialista e monopartidária, e são fundamentalmente de natureza legal e
política.
    Em 1991, consagrou-se na Constituição angolana, o Estado de Direito Democrático
– baseado no primado da lei, no multipartidarismo, no respeito e garantia dos direitos
e liberdades fundamentais e na separação de poderes - que conduziu o país a realizar as
primeiras eleições. Mas, logo depois das eleições, retomou-se a guerra civil que culminou
com a Assinatura do Memorando de Entendimento do Luena – Moxico, entre o Governo
e a UNITA, em 2002. E em Agosto de 2006, o Governo angolano celebrou o Memorando
de Entendimento com a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC).
   Depois de seis anos de paz e de preparação, realizaram-se as eleições legislativas em
Setembro de 2008, tendo sido vencedor o partido no poder, MPLA.
   Neste momento, faltam realizar dois actos políticos importantes, nomeadamente
a aprovação de uma nova Constituição da República de Angola e a realização das eleições
Presidenciais, com vista a normalização da vida política em Angola. O processo de
elaboração da futura constituição está em curso e as eleições presidenciais continuam sem
data marcada.


2
    Segundo dado Instituto Nacional de Estatística, 2004.



               OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE   11
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




   O recente relatório produzido pelo Centro de Estudos e Investigação Científica
(CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN) aponta o IDH angolano como
0.484, a esperança de vida dos cidadãos angolanos é 43,1 anos, a taxa de mortalidade
infantil em 2008 era de 130, o acesso à água potável estimado entre 2006/2007 é de apenas
51% e o acesso ao saneamento básico estimado em 50%. Diz ainda que a taxa de
analfabetismo de adultos caiu de 32,6% para 31% em 2004.
  Presentemente, Angola ocupa a posição n.º 143.ª do Indice de Desenvolvimento
Humano, segundo o Relatório das Nações Unidas recentemente publicado .3




3
    Cf. Recente Relatório das Nações Unidas, PNUD, disponível na internet.



     12          Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




Nota Introdutória e Metodológica
   É importante inserir algumas notas a respeito da metodologia utilizada para a feitura
deste relatório. Para elaborar o relatório, a AJPD utilizou três principais fontes de informações:
(1) Notícias e entrevistas nas rádios e jornais; e (2) entrevistas a várias entidades ligadas
à administração da justiça, juízes, procuradores e também alguns activistas dos direitos
humanos (3) constatações de alguns membros da AJPD na sua visita em determinados
locais.
   Além do mais, também foram utilizados o comunicado de imprensa do Grupo
de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária da ONU, aquando da sua visita a Angola em
2007, o primeiro Relatório elaborado pela AJPD sobre os direitos humanos no Sistema
Penal Angolano em 2005, e os documentos do Seminário da Reforma da Justiça promovido
pelo Governo de Angola.
    Foram pesquisadas notícias em jornais de conteúdos abrangidos por este relatório, ou
seja, os direitos humanos e o sistema penal. Pesquisaram-se notícias veiculadas entre os
anos de 2006 e 2009, dando-se preferência às notícias mais recentes, de forma a manter
a actualidade das informações aqui apresentadas.
   Quanto às entrevistas, a AJPD inquiriu servidores públicos e personalidades da
sociedade civil no período de Janeiro a Maio de 2009.
   A AJPD solicitou audiências a várias entidades públicas desde Dezembro de
2008. Infelizmente, apesar da insistência da AJPD manifestada, muitas vezes, através do
reenvio de ofícios e de constantes telefonemas para os gabinetes das autoridades, muitas
delas nem sequer responderam aos ofícios que receberam. Outras entidades responderam,
comprometeram-se a receber-nos, mas nunca o fizeram.
   Em relação à abrangência geográfica, a equipe da AJPD visitou 9 das 18 províncias
do País, contando com apoios locais que a auxiliaram no agendamento das entrevistas.
   Em todo o país, foram realizadas um total de 52 entrevistas que permitiram a colecta
de dados. Desse número excluíram-se aquelas audiências em que as autoridades recebe-
ram a equipe da AJPD, mas não forneceram nenhuma informação.
   De forma a obter o máximo possível de informações, a equipe da AJPD comprometeu-se
com as pessoas entrevistadas a não revelar seus nomes, ou mesmo dados que pudessem
facilmente identificá-los, por razões de protecção e de sua segurança. Assim, ao preço do
rigor metodológico, os nomes dos entrevistados e, em muitos casos, os nomes de suas
províncias, foram ocultados.
   A leitora e o leitor perceberão que este relatório não menciona entrevistadas do sexo
feminino. Isso, no entanto, não significa que mulheres não foram inquiridas; significa apenas
que, para sua protecção, não fizemos referência a este facto. Ainda que este relatório
não tenha focado em questões de género, tornou-se evidente para os entrevistadores que


          OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE   13
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




uma minoria feminina ocupa cargos de poder nos serviços públicos, sendo a grande
maioria composta por homens. Assim, ao revelarmos o sexo da pessoa entrevistada, tal
dado poderia facilitar a sua identificação. Por esse motivo, todos os entrevistados foram
apresentados como do sexo masculino, ainda que um número de mulheres tenha inte-
grado o grupo de entrevistados.




  14        Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




1. Análise comparativa da situação da administração da justiça no
   sistema penal angolano hoje à época do primeiro relatório
    Quando a AJPD publicou o 1.º Relatório sobre os Direitos Humanos no Sistma
Penal Angolano em 2005, Angola vivia uma realidade diferente da actual. Na altura, o
sistema de justiça penal angolano enfrentava várias dificuldades no capítulo da legislação,
das infra-estruturas e dos recursos humanos.
A AJPD tinha constatado o seguinte:
   1) Que apesar da transição formal do Estado socialista para o Estado Democrático de
      direito, operada pela Lei Constitucional, aprovada pela Lei n.º 23/92, foi visível a
      continuidade das práticas violadoras dos direitos e liberdades fundamentais;
   2) Que não houve forte vontade política do Governo no ajustamento e reforma do
      sistema judicial tendo em conta os desafios do Estado de Direito;
   3) Que a maioria da legislação estruturante do sistema judicial (sistema penal) estava
      desajustada e/ou era inconstitucional; referindo-se à Lei 18/88, de 31 de Dezem-
      bro- Lei do Sistema Unificado de Justiça; Código Penal, datado de 1886; ao
      Código de Processo Penal (1929), a Lei da Procuradoria-Geral da República, a Lei
      da Prisão Preventiva, inexistência de uma Lei Ordinária de “Habeas Corpus”;
      a Lei dos Serviços Prisionais, regulada pelo Decreto n.º 39 997 de 1955; a Lei
      n.º 20/88 de 31 de Dezembro –Lei sobre o ajustamento das leis processuais
      penal e civil, etc…, que necessitavam de revisão urgente.
   4) Que haviam muitos casos de excesso de prisão preventiva e de prolongamento ilegal
      das penas de prisão e atrasos no envio de certidões de sentença;
   5) Que a maioria das infra-estruturas físicas que albergavam os tribunais, os cartórios
      notariais, as esquadras policiais (incluindo as DNIC e DPICs), os estabelecimentos
      prisionais não possuíam condições materiais dignas dos respectivos serviços;
   6) Que os tribunais eram escassos para atender a demanda processual, as salas de
      audiência, as secretárias, os gabinetes dos juízes e procuradores estavam cada vez
      mais degradados; eram escassos os meios de comunicação e de transportes para se
      efectuarem as diligências necessárias à prossecução da função jurisdicional;
   7) Que a maioria das cadeias do país não possuíam condições dignas de habitabilidade
      e não realizavam o fim de reabilitação e reintegração social dos reclusos;
   8) Que a competência de legalizar as detenções e de fiscalizar processos criminais
      deveriam ser tarefas próprias do Poder Judicial e não do Ministério Público como
      acontece actualmente;
   9) Que a nível dos recursos humanos, havia insuficiência de juízes, procuradores, in-
      vestigadores, instrutores, assistentes prisionais, oficiais de diligência etc…Outrossim,


          OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE   15
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




         a AJPD tinha constatado que muitos desses agentes da justiça eram mal remunerados
         e não possuíam as melhores condições para realizarem dignamente as suas funções.

Volvidos que são 4 anos, no âmbito do seu Programa de Reforma Penal, em parti-
cular, e de defesa dos direitos humanos, em geral, a AJPD após ter monitorado o fun-
cionamento da justiça penal em Angola, constatou o seguinte:
    1) Que a realidade da justiça penal em Angola melhorou em alguns aspectos, e
       manteve-se inalterável noutros.
    2) Que a condição sine qua non para que se operem as profundas mudanças que se
       impõem e se esperam ao nível do actual estado da justiça penal em Angola dependem
       de uma determinada vontade política do Executivo, do Presidente da República;
       e dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público.
    3) Que os magistrados judiciais e do Ministério Público, bem como os respectivos
       conselhos destas Magistraturas, têm grande responsabilidade para que o actual
       quadro não se altere, porque eles recusam-se, por acto e omissões, a pugnar para
       que as reformam sejam rapidamente efectuadas;
    4) Que as condições remuneratórias dos actuais agentes da justiça melhoraram apenas
       para os juízes e procuradores, sendo que os instrutores e investigadores, os oficiais de
       diligencia, os secretários judiciais, os escrivães de direito e seus auxiliares e os assistentes
       prisionais continuam a auferir salários não condicentes com o seu trabalho.
    5) Que embora não seja ainda suficiente, o número de Magistrados Judiciais e do
       Ministério Público aumentou. Por exemplo, entre os anos 1990 e 2002, o número
       de juízes tinha crescido de cerca de 50 para 82; o de Magistrados do Ministério
       Público de cerca de 70 para 154.4 Já no período entre 2003 e 2008, o número de
       juízes cresceu de cerca de 111 para 2225.
    6) Que ao nível dos serviços prisionais, houve um aumento do número de psicólogos,
       de sociólogos e assistentes sociais para prestarem melhores serviços aos reclusos.
    7) Que ao nível da alteração da legislação penal em Angola, apenas foram actualizadas
       ou aprovadas a Lei n.º 08/08 de 29 de Agosto ( Lei Penitenciária); o Decreto
       n.º 64/04 (Regulamento do Trabalho Prisional); e apresentado para discussão e
       contribuições públicas, o Ante-Projecto do novo Código Penal.
    8) Que maior parte das infra-estruturas que albergam os serviços dos órgãos que
       intervêm na administração da justiça, nomeadamente os tribunais, as procuradorias

4
  Cf MARQUES, Luís Paulo Monteiro, Labirinto do Sistema Judicial Angolano-Notas para a sua compreensão, Lou-
  res, 2004,pág 92.
5
  Fonte: Relação Nominal dos Magistrados Judiciais, actualizada a 30 de Dezembro de 2008, Comissão Para Reforma
  da Justiça e do Direito. Na lista dos 222 Juízes, apenas 209 estão no activo, dos restantes 10 são jubilados e outros por
  outras situações, não temos disponíveis os números de outros agentes da justiça por dificuldade no acesso às fontes.



    16          Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




       provinciais, a Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPICs), continuam
       degradadas e que as benfeitorias nelas efectuadas são de pouca qualidade, como por
       exemplo, as DPICs em Malange, na Lunda Norte e Huíla.
    9) Que o Governo construiu novos estabelecimentos prisionais nas províncias de
       Cabinda, Lunda Norte, Bengo, Luanda (Kakila e sector feminino de Viana),
       Zaire e Malange; e novos pavilhões em alvenaria nas Cadeias de Viana, Kakila e
       Caxito, todas com capacidade de 600 reclusos.
    10) Que o Governo está a construir, lentamente, 3 Palácios de Justiça em alguns
        municípios em Luanda e que as obras de construção e reabilitação de tribunais nas res-
        tantes províncias do país, bem como o seu apetrechamento são quase inexistentes;
    11) Que continua a existir morosidade nos processos criminais por causa das leis
        penais ainda desajustadas, existir a falta de condições de trabalho nas secretarias
        dos tribunais, de comunicação e transporte quer da Polícia de Investigação, quer
        dos estabelecimentos prisionais, quer dos tribunais. À esta realidade alia-se a fraca
        capacidade do pessoal auxiliar e da escassez de juízes e magistrados.6
    12) Que o índice de produtividade na sala dos crimes comuns ainda continua aquém
        das expectativas dos cidadãos. Por exemplo, no início de 2008, a Sala dos Crimes
        Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, tinha um total de 14.185 processos,
        dos quais 11.494 transitaram de 2007 e 2. 691 entrados em 2008. No fim de
        2008, apenas tinham sido julgados 1978, tendo transitado para 2009, 11.901
        processos.7 Ainda assim, pelas condições disponíveis para os juízes, para os
        procuradores e sobretudo para os funcionários auxiliares dos tribunais, deve-se
        elogiar esforço.
    13) Que continua a existir a prática de maus tratos e violação à integridade física dos
        cidadãos nas Celas das DPICs e em algumas esquadras do país;
    14) Que a cultura de confindencialismo e militarismo ainda é acentuada em muitos
        investigadores, instrutores, e em alguns procuradores e juízes.
    15) Que até à data da elaboração deste relatório, o Tribunal nunca tinha dado
        provimento ao Habeas Corpus interposto por cidadãos e por advogados contra o
        abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, contrariamente ao previsto
        na Lei Constitucional (Artigo 42.º ss).
    16) Que, apesar dos parcos investimentos no sector, os Tribunais ainda estão longe de
        cumprir a sua função de defesa do direito e dos direitos: contribuir para a efectivação
        dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a defesa da legalidade demo-
        crática em Angola.

6
  Cf ainda « No Uíge para constatações, Presidente do Supremo reconhece falta de quadros»; Luanda, 22 de Outu-
  bro de 2009, n.º 11636, pág 2.
7
  Fonte: Tribunal Provincial de Luanda, Março de 2009



            OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE      17
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




                  2. O SISTEMA PENAL ANGOLANO




2.1 A DIRECÇÃO NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
    (DNIC)
   Nos termos da Lei 20/93, de 11 de Junho, a DNIC é o órgão afecto ao Ministério
do Interior com competência para investigar e instruir os processos criminais. É tam-
bém chamada a Polícia de Investigação Criminal. É o órgão operativo central ao qual com-
pete a investigação dos crimes, a realização de buscas e apreensões e a captura de suspeitos.
    Os resquícios de confidencialismo e militarismo – típicos da época de guerra, em que
o segredo e a hierarquia eram essenciais – vêm-se claramente nas DPICs, onde os cidadãos
são impedidos de, com o intuito de aperfeiçoar a organização institucional no país,
colher informações de natureza públicas.
   A verdade, no entanto, é que tal observação preliminar já indica aos mais atentos
alguns traços do quotidiano das DPICs. A mentalidade militarista está bastante presente
também na extrema rigidez que leva não só ao desrespeito da legislação criminal, mas até
mesmo à intolerância em casos onde profissionais buscam legitimamente informações para
aplicar a lei. O depoimento abaixo exemplifica essa situação.
   Quando perguntado acerca da utilização em peças processuais de normas de documentos
internacionais de direitos humanos, nos termos do artigo 21.º da actual Lei Constitucional,
um procurador nos revelou que:« Isto é muito complicado. Sim, há determinados casos em
que procuramos aplicar instrumentos também internacionais. Mas muitas vezes somos mal
compreendidos, eu já tive essa experiência. Em muitos casos temos prisões ilegais. Então,
naqueles casos em que o indivíduo estiver preso sem cumprimento da lei da prisão preventiva,
ordeno que o processo me seja entregue, analiso os fatos e o enquadramento da lei e liberto o
indivíduo. Mas isso já me levou a processos disciplinares! O maior problema é esse, as autoridades
que não compreendem. Sim, cito documentos internacionais de direitos humanos, como
Carta Africana. Os juízes não são o problema, o problema são os órgãos de instrução».
   Este depoimento, como muitos outros colhidos, revela uma mentalidade ainda
muito presente na DNIC e nas DPICs de considerar os suspeitos e arguidos como inimi-
gos e não como cidadãos. Tal mentalidade já não se adequa aos tempos de paz e da
construção do estado de direito democrático que os artigos 1.º e 2.º da actual Lei Consti-
tucional consagram.
   Segundo o depoimento de um jornalista, « Por serem militares os investigadores são
arrogantes, continuam com a prepotência, não atendem convenientemente as pessoas, usam
o poder para se vingar, usam tortura na investigação, é um sistema caduco. Precisam de formação,
de reciclagem, precisam saber que direitos humanos precisam ser respeitados».


          OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE   19
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




   Nas visitas efectuadas pela AJPD às Direcções Provinciais de Investigação Criminal
– DPICs – constataram-se situações contrastantes quanto ao trabalho nesta instituição.
Por um lado, os membros das DPICs aparentam ser aqueles que trabalham mais horas
quando comparados com os funcionários dos Tribunais e das Procuradorias. É de fato
impressionante a quantidade de horas de trabalho. Por outro lado, as suas instalações são,
em geral, as menos apetrechadas, algumas a necessitarem de urgente reestruturação e
aparelhamento.
   Segundo o director de uma DPIC, a rotina de trabalho, além de pesada, é extensa nas
DPICs: «Todos os dias há reunião às 23h, do quadro operativo; para evitar que fuja um ou
outro que é esse horário. É para prestar contas do que foi produzido ao longo do dia; e outra
às 8h, com o Comando da Polícia».
   As condições materiais são precárias. O procurador junto a uma das DPICs desabafou:
«Fax, telefone, nada disso... Internet? [risos]. Nem tem luz aqui, já reclamamos». Já um
investigador de uma DPIC revelou-nos o seguinte: « Não são boas as condições de trabalho,
são péssimas, falta de quase tudo, material de escritório etc. Isso não impede que trabalhemos,
mas não podemos fazer muita coisa».
   Se as condições dos escritórios de algumas DPICs estão débeis, a situação das celas
é desumana e “péssima”, nas palavras de um procurador entrevistado: « A cadeia junto
à DPIC, se vissem iam ficar arrepiados... uma casa assim, mínima, onde ficam mulheres
e homens no mesmo quarto, e onde se fazem necessidades no mesmo local».
   Membros das DPICs queixam-se ainda da falta de um laboratório de análises criminais,
o que possibilitaria que o procedimento de produção de prova se desse de forma mais
objectiva. Recentemente foi inaugurado em Luanda um moderno laboratório de análises
criminais; no entanto, a distância em relação às províncias dificulta que a estrutura seja
utilizada nos fatos ocorridos distantes da capital.
   Um dos profissionais disse-nos que, na sua prática diária como investigador, chegam
à sua presença substâncias que são aparentemente psicotrópicos de uso proibido pela
legislação angolana. No entanto, a amostra somente deveria produzir prova adequada de
um crime caso um perito pudesse avaliá-la e, após a utilização de reagentes e outros
instrumentos adequados, comprovasse que de fato se trata de substância ilegal. Como
disse o investigador da DPIC: «Sou investigador e presumo ser cocaína, mas preciso enviar
à peritagem própria, logística».
   Perguntados acerca da existência e qualidade de cursos de superação, os membros das
DPICs disseram que, de fato, há uma série de cursos destinados ao aperfeiçoamento dos
profissionais da instituição. É clara a vontade de aperfeiçoar a qualidade técnica dos
profissionais. Dentro de seus limites orçamentais, percebe-se que o Estado está de facto
trabalhando pela capacitação dos quadros das DPICs. O próximo passo, no entanto, é
aumentar a qualidade dessas formações, ainda aquém das necessidades do pessoal, que


  20         Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




chega às DPICs com uma série de debilidades resultantes do actual estado do sistema
de ensino básico do país.
   Notou-se ainda que a relação entre as DPICs e os Magistrados Judiciais e do Ministério
Público em geral são harmoniosas. No entanto, em alguns momentos tem havido tensões
que muitas vezes resultam simplesmente da vontade dos procuradores em manterem os
processos na legalidade através do respeito dos prazos de instrução de processos-crimes.
    A iniciativa mais louvável de todas é o projecto de patrulhamento de proximidade.
Através dessa iniciativa, uma das DPICs está promovendo a aproximação da comunidade,
baseada no princípio de que: “O alicerce da actividade criminal é a prevenção, ao investigar,
estamos a falhar! Nossa palavra de ordem é a prevenção, se não mesmo o corte, da actividade
delituosa. Se tivéssemos mais investigadores, haveria menos crimes!”
   Dessa forma, o Comando de Polícia tem-se reunido quinzenalmente com a comunidade,
com líderes dos bairros, com os sobas, de forma a pesquisar como pode ser mais eficiente
e corresponder melhor aos anseios dos cidadãos: “Temos policiais que vão à casa do cidadão,
perguntam como passaram a noite, se houve problema na rua etc.” Os números de telefone
do pessoal da DPIC foram tornados disponíveis à população que com eles podem
entrar em contacto directamente quando necessário.
   Por isso a estratégia do patrulhamento de proximidade torna o policiamento mais
eficiente: ao estreitar as relações entre os oficiais de polícia e a população, esta sente-se
mais disponível para compartilhar o que sabe a respeito da criminalidade local. O patru-
lhamento de proximidade parece ser uma óptima iniciativa para se prevenir a criminalidade.
   O trabalho de instrução de processos-crime feitos pelas DPICs foi tido como cheio
de dificuldades na avaliação dos procuradores:
   1) Uma delas é a formação académica de alguns investigadores, que, segundo os
      procuradores, não é a desejável. Segundo eles, uma formação que os torne hábeis
      em lidar com a legislação penal e escrever peças é fundamental. Um magistrado do
      MP afirmou que « processos mal instruídos na polícia têm criado uma série de
      dificuldades para os advogados e magistrados». Já outro falou: « Peças mal instruídas,
      falta de formação. Um instrutor deve saber sobre os exames que instruem o processo, a
      gravidade das lesões, o tempo que ele pode levar».
   2) Outra dificuldade é a escassez de material de trabalho, o que se relaciona com uma
      dependência ineficiente de recursos materiais em relação ao Comando Provincial.
   3) Uma terceira dificuldade associada aos trabalhos das DPICs, é o facto de o Ministério
      do Interior, sob cuja tutela se encontram as divisões de investigação, dispor de uma
      estrutura gigantesca de órgãos e instituições que impede que o cuidado especializado
      que as DPICs merecem se materialize em um mais vigoroso apoio e aperfeiçoamento
      de procedimentos. Como consequência, essa desatenção se reverte em reflexos
      negativos no dia-a-dia das DPICs: «Nós analisamos e vemos que o processo é incompleto,


          OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE   21
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




       queríamos investigação mais aprofundada, mas eles não podem, porque não têm meios.
       Tudo depende do Comando; e o Comando é grande...».
   Segundo alguns procuradores, tais dificuldades decorrem do facto de, nos termos do
artigo 2.º do Decreto n.º20/93 (Estatuto Orgânico da Polícia Nacional), as DPICs,
estarem subordinadas aos Comandos Provinciais, e estes, por sua vez, aos órgãos do
Ministério do Interior nas Províncias.
   Perguntado acerca da relação do MP com a polícia, um magistrado respondeu
que:“Tem sido feito esforço para efectivamente as coisas correrem de outra forma. Mas é
difícil porque a subordinação do chefe da DPIC ao Comandante da polícia reduz os poderes
do MP junto ao Director da DPIC. A minha chamada fica em segundo plano se chamo ao
mesmo tempo que o comandante, porque o investigador é militar, tem que responder ao su-
perior; e se não obedecer não é promovido! A situação dos militares é complicada. Há
comandantes que compreendem, mas já tive comandante que, para eu ir visitar prisão, eu
tinha que comunicar ‘vou visitar no dia tal’. Mas quem faz fiscalização tem que surpreender!
Quando chegar lá não vou encontrar problema nenhum... Exigem que, quando desloquemos
para a instituição sob sua tutela, primeiro os demos a conhecer.
   Eu por exemplo, se receber uma reclamação de um cidadão por causa de um processo, peço para
o director me mandar o processo aqui; mas há directores que exigem que eu faça uma requisição
para o envio do processo. Para encontrar essa compreensão é preciso gerir e sacrificar alguns
interesses. Eu podia dar ordem, mas se eu disser ‘quero o processo tal no meu gabinete!’ ele me
entende mal! Preciso dizer ‘senhor director, faz favor’. É preciso uma pessoa gerir. O cidadão
encontra mais facilidade para vir aqui do que ir até a DPIC! Às vezes tenho que ligar para
o director e falar ‘fala com o porteiro para deixar entrar o cidadão tal’ .
   A preocupação relatada acima remete-nos, mais uma vez, para a questão tratada já no
início deste subcapítulo: as atitudes militaristas que reinam nas DPICs. Muitos quadros
da investigação criminal ainda não compreenderam ou interiorizaram que se vive num
Estado de Direito, onde, por definição, a lei é soberana. A obediência à hierarquia não
se pode confundir com o estrito cumprimento da lei.
   Sobre o militarismo na DNIC e DPICs também se pronunciaram o Juiz Neto
de Miranda e o advogado Raul Araújo, ex-bastonário da Ordem dos Advogados no
debate sobre a integração da DNIC na justiça.
    « Neto de Miranda, Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo, sustentou o seu ponto de
vista com o argumento de o objecto principal das actividades da DNIC tem um carácter
civil, contrariamente ao carácter paramilitar do órgão que hoje a tutela, rejeitando o
argumento de transitoriedade com que se prolonga a integração daquele órgão de policia
criminal no seio do Comando Geral da Policia Nacional, e achando que o seu director
deve ser um magistrado». « (…) Raul Araújo defendeu, de igual modo, que enquanto
estrutura militarizada, o Comando Geral da Policia Nacional não devia dirigir a DNIC,
que tem como missão lidar com os cidadãos».


  22         Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




   O militarismo das DPICs, está directamente relacionado com a subordinação hie-
rárquica dos directores das DPICs em relação aos Chefes dos Comandos Provinciais da
polícia. Tal hierarquia necessita de uma urgente reestruturação.
    De facto, a hierarquia aparenta estar acima do respeito aos direitos e liberdades fundamentais.
Uma leitura do Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional ( Decreto no 41, de
27/12/1996) revela que em nenhum de seus 99 artigos se faz menção à importância de
se respeitarem os direitos humanos. O único dispositivo que se aproxima da questão -
Artigo 3.o, parágrafo único – fá-lo de forma avessa ao princípio do Estado Democrático
de Direito em que Angola hoje se deve pautar:
    « Em casos excepcionais, em que o cumprimento de uma ordem possa originar inconve-
niente ou prejuízo, o inferior estando presente somente o superior, pode, obtida a precisa
autorização, dirigir-lhe respeitosamente as reflexões que julgar convenientes, mas, se o superior
insistir na execução da ordem que tiver dado, o inferior obedecer a pronta e inteiramente,
assistindo-lhe, contudo, o direito de solicitar a ordem por escrito».
   Tal artigo é um indicativo de quão destoantes são as orientações legais fornecidas
à polícia quando se trata de direitos humanos. No que toca ao direito internacional, já
desde 1950, os julgamentos do Tribunal de Nuremberg assentaram que a prática de
acções que incidem em violações de direitos humanos não livram seu autor de culpa
no caso de terem sido ordenadas por superiores hierárquicos. É momento de Angola
reconhecer esse princípio de direito internacional e aplicá-lo em sua ordem interna.
    Outra preocupação ainda no tocante à preponderância da obediência hierárquica
em relação aos direitos, liberdades e garantias fundamentais está no n.º 27 do artigo 5.º
do Regulamento da Polícia. Segundo tal disposição, é um dever da Polícia Nacional: “Ser
moderado na linguagem, não murmurar das ordens de serviço nem as discutir, não se referir
a superiores, iguais ou inferiores por modo que denote falta de respeito ou de consideração, não
emitir apreciações, conceitos ou opiniões que importem censura aos actos dos mesmos superiores,
nem consentir que subordinados seus ou indivíduos estranhos à Polícia Nacional o façam.”
   A dificuldade em cumprir as regras se manifesta também de uma outra forma extremamente
perniciosa: as chamadas “prisões de fim de semana”.
   Alguns juízes e procuradores alertaram-nos para a prática de prender sem nenhum
fundamento legal. De acordo com uma série de depoimentos, os “desafectos” de indivíduos
próximos ao poder podem pagar um preço caro caso desagradem aos investigadores,
policiais, procuradores ou juízes que não compreendem o princípio da legalidade.
    Em algumas províncias, foi-nos dito que cidadãos, mesmo sem terem incorrido em
qualquer conduta delituosa, são presos numa sexta-feira e somente soltos na segunda-
feira. Isso porque em muitas províncias, os procuradores que atestariam a ilegalidade de
tais prisões e ordenariam a imediata soltura, nem sempre estão presentes nas DPICs ou
nas esquadras nos fins de semana. O seguinte depoimento de um entrevistado ilustra essa
prática:


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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




    «Há prisões ilegais na DPIC! Por tudo e por nada, vais à cadeia! Aqui, já notei isto! Por
capricho do investigador. Como as famílias estão próximas, basta haver alguma desavença,
vai falar com o investigador, te prende na sexta, fica pelo menos de sexta a domingo preso! É
preciso que o procurador junto à investigação esteja atento e visite a cadeia aos fins de semana
e feriados. Procurador tem que actuar, não tem que soltar só! Não é só mandado de soltura!
Tem que saber quem prendeu, averiguar, interrogar: ‘É crime? Você tinha poder para detê-lo?’
Se diz que sim, então não conhece a lei, então não pode trabalhar aqui. Se diz que está
errado, agiu dolosamente, é preciso abrir processo contra essa pessoa. Se fizer isso, muda! O
papel da procuradoria não está a ser exercido. O procurador provincial tem que saber pôr um
bom procurador na DPIC, com personalidade. Há algum tempo esteve lá um procurador que
bebia muito. Com uma cerveja, lhe convenciam».
    Em Luanda, a prática das “prisões de fim de semana” era comum e frequente até
2008, depois de um despacho do Procurador Geral da Repúblicas que orientou os pro-
curadores a se fazerem presentes nas esquadras e DPICs nos fins de semana com vista a
fiscalizar a legalidade ou ilegalidade das detenções efectuadas. Além disso, a polícia também
tomou medidas para não permitir que sexta-feira se emitissem ou fizessem cumprir
qualquer mandado de captura. Nas palavras do procurador, “Não posso dizer que acabou,
MP não consegue chegar a todos os recônditos locais em que a policia está, mas desde 2008 a pior fase
já passou.”
    A corrupção ainda está presente de forma marcante no trabalho das DPICs e da
DNIC. Ela se manifesta basicamente de 2 formas: tráfico de influência e suborno. Um
número grande de magistrados afirmou que os traços do militarismo, já apontados nesse
relatório, levam à confusão da obediência à hierarquia com a troca de favores violadores
da lei. Os magistrados narram que essa situação é frequente. Um juiz de um dos tribunais
provinciais do país, narrou-nos o seguinte caso:“O filho de um dos responsáveis da DNIC,
em racha de motas, morreu. Toda a instrução do processo foi feita nessa direcção: porque ele
filho de não-sei-quem. A mota não tinha licença, arranjaram um livrete com a matrícula do
[nome de província – omitido], depois soubemos que lá não havia registo de mota. A mota não
apareceu nos autos. A viatura ficou aprendida, andaram atrás do rapaz para matá-lo, nada
disso contou no processo durante a instrução. Todo o resto, testemunhas etc., não interessava.
Tem a ver com se ter instalado em nosso país em geral um certo sentimento de impunidade.
A quem está em determinada posição, não é o ‘Zé ali da esquina’ que fica impune. É só ir-
mos às cadeias e vermos quem lá está, irmos à DNIC e vermos contra quem os processos correm.
Aqueles que se beneficiam dessa impunidade protegem os seus. Conseguir que o filho de um
general de nosso exército seja detido porque cometeu uma infracção qualquer de rua não é fácil.
O contrário também não é fácil: já vi um general que queria à força meter na cadeia duas
meninas e um rapaz por discussão de rua, numa discussão com o motorista dele. As meninas
queriam meter o carro dentro da garagem delas, estavam em casa, e o motorista estava
interrompendo a passagem. O motorista saiu do carro e bateu na menina! Gerou-se confusão,
era uma festa, o general saiu para ver o que estava acontecendo, o general disse que as miúdas
bateram nele. Esse processo desapareceu, junto com o prédio da DNIC que caiu. O irmão das


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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




meninas veio em socorro delas também. As pessoas acham que beneficiam desse estatuto de
impunidade e transferem esse ‘direito’ para os seus».”
   Em relação à segunda forma de corrupção, o suborno, também encontramos relatos
sobre a prática. Enquanto a polícia não criar a sua imagem de zeladora da lei, será
irónico que se tente cobrar que o cidadão não infrinja normas. De acordo com alguns
entrevistados, é preciso criar condições para que o polícia não permita o aliciamento; um
cidadão ou uma cidadã que possua um salário digno e boas condições de trabalho
estará menos vulnerável às tentações da corrupção. Na entrevista do Comissário Joaquim
Ribeiro concedido ao Semanário Angolense, em Maio de 2009, a questão dos baixos
salários da polícia é abordada e relacionada com a prática do suborno ou da “gasosa”:
   “Semanário Angolense – Um outro aspecto também importante para o próprio combate
à criminalidade será um bom salário para todos os integrantes da polícia. Acha que os seus
homens ganham bem?
   Joaquim Ribeiro – Não. Nem pensar. Com o custo de vida que temos no país, ainda não
ganhamos como gostaríamos.” 8
   É preciso dizer ainda que, segundo os depoimentos dos magistrados, a prática da
corrupção está instaurada na polícia e, mesmo que as condições materiais sejam melhoradas,
ainda assim o problema persistirá se outro trabalho mais aprofundado não for realizado
de forma a combater o problema.
    São também esclarecedoras as declarações do Grupo de Trabalho da ONU sobre
a Detenção Arbitrária:“As entrevistas feitas apontam para uma percepção de que existe uma
corrupção generalizada dentro do sistema de administração da justiça, em particular no seio
da polícia e das autoridades prisionais. O Grupo de Trabalho foi informado que a libertação
das pessoas detidas ilegalmente e o andamento célere da instrução preparatória muitas vezes
depende de subornos mais do que do cumprimento de procedimentos legais, em particular em
Luanda. A ausência de registos de detenção adequados facilita tais comportamentos, porque
tais registos não contêm a informação necessária para um controlo rápido e eficaz das chegadas,
transferências e libertações dos presos, e da população carcerária.” 9




8
    Semanário Angolense, em 30 de Maio de 2009, “A gasosa é universal”, p. 42.
9
    African Press Organization, em 28/09/2007, “Nações Unidas: O grupo de trabalho sobre a detenção arbitrária vi-
    sitou Angola”, disponível em: http://appablog.wordpress.com/2007/09/28/nacoes-unidas-o-grupo-de-trabalho-
    sobre-a-detencao-arbitraria-visitou-angola/ e para mais informações Cf AJPD, Relatório de Direitos Humanos, um
    olhar sobre o Sistema Penal angolano, 2000-2004.



               OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE       25
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




2. 2 OS SERVIÇOS PRISIONAIS
    Nos termos do Decreto-Lei n.º 11/99, de 9 de Julho, os Serviços Prisionais integram
a estrutura orgânica do Ministério do Interior, como sendo Serviços Executivos Centrais.
O seu artigo 23.º dispõe que os Serviços Prisionais são o órgão encarregue do controlo
da execução de penas e medidas de segurança impostas pelos tribunais aos indivíduos
sujeitos a privação de liberdade, sua reeducação, bem como do acompanhamento dos prazos
de prisão preventiva.
   A actividade dos Serviços Prisionais, como órgão que integra o sistema penal, é regulada
da Lei n.º 8 /08 de 29 de Agosto, Lei Penitenciaria. Para complementar a execução das
penas, existe a o Regulamento da Organização do Trabalho Prisional (Decreto-Lei
64/2004 de 1 de Outubro) com vista a dotar o recluso de formação técnico-profissional,
que e facilite sua inserção social.
    Durante as suas visitas, a equipa da AJPD constatou, em Luanda e nas províncias, que
a atitude militarista é ainda mais acentuada no tratamento dos reclusos. A lógica da guerra
– de que o preso é um inimigo, não um cidadão – ainda é muito viva nas prisões.
   A óptica de que todas as pessoas merecem tratamento humano, independentemente
de estarem ou não atrás das grades, está longe de representar a mentalidade dominante
entre muitos investigadores das DPICs e funcionários das cadeias. O Director de uma
das DPICs disse que: «Os presos têm tido tratamento devido, não especial, porque se for
especial não é preso. Há orientação que não se pode tratar mal os presos, são seres humanos.
Pelo contrário, eles é que se portem mal».
   O que esperar de uma província cujo director de investigação criminal parte do princí-
pio de que os detidos e presos se portam mal unicamente por serem presos?
    Verifica-se, dessa forma, flagrante violação do direito à integridade física e moral,
expresso no artigo 23.º da actual Lei Constitucional que dispõe que “Nenhum cidadão
pode ser submetido a tortura nem a outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou
degradantes”);e no artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
ratificado por Angola segundo o qual “Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas
ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma
pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas”), na alínea c) do
n.º 2 do artigo 6o da Lei Penitenciária e nos artigos 31.º e 32.º das Regras Mínimas para
o Tratamento dos Reclusos da ONU de 1955.
    A ausência de profissionais do ramo da psicologia e psiquiatria também é lamen-
tada pelos profissionais que trabalham nas cadeias. Lamenta-se a falta de apoio de espe-
cialistas no diagnóstico de distúrbios e no tratamento de problemas mentais: «Nunca
tivemos educadores sociais. Eu faço decisões aqui que muitas vezes não estão correctas porque
eu não sei o interior do homem, eu preciso de conhecimento também, posso dizer que sujeito
estava anormal, mas na verdade não estava».


  26         Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




   Os juízes foram unânimes em revelar que não há nenhuma colaboração por parte dos
profissionais da área de assistência social. E que, mesmo quando se nota a necessidade
da actuação de pessoal dessa área, não há verbas para pagá-los.
   Um magistrado ilustrou essa realidade no seguinte depoimento:« Tínhamos cerca de
[número omitido] réus em Luanda que aqui apresentavam indícios de loucura. Abriram-se
processos de alienação mental, mas aqui não havia especialistas; orientamos a cadeia a
mandá-los à cadeia de São Paulo, à psiquiatria. Fui ao São Paulo uma vez, pessoalmente, não
me davam informações sobre um réu preso, não sabiam nem onde o réu estava. Eu achei
o rapaz, e perguntei ao médico: nesses casos onde a demência é notória, por que não fazem
um relatório e liberam o preso? Eu soltei o réu. Alguns precisam de psicólogo, há uns que
fingem loucura, mas há aqueles casos onde a demência é notória, é só atestar. “Estão aqui os
malucos todos!” foi o que me disseram. Era preciso trabalhar mais sério com esses doentes.
Aquela cadeia de São Paulo não é psiquiatria, Luanda é que tem psiquiatria, eles próprios
deveriam encaminhar, não reter os doentes ali no São Paulo por muito tempo».
   Segundo um funcionário de uma cadeia visitada, a maior dificuldade está em fixar
os especialistas em sítios distantes de Luanda. Há poucos atractivos para os especialistas,
a remuneração é insuficiente e as condições de habitação são precárias. É vital que
o Estado crie medidas e planos que permitam a existência de melhores condições para
que psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais se fixem próximo às cadeias. De outra
forma, a ideia de ressocialização permanecerá muito distante da realidade.
    Os recursos humanos e financeiros afectos às cadeias são irrisórios para se atingir o fim
da ressocialização. De acordo com declarações de Carlos Diamantino à Rádio Eclésia, em
24/07/2008, em todo o País há apenas 24 assistentes sociais a trabalhar nos serviços prisionais.
Quando se trata de psicólogos, há 16 em Luanda, 1 em Benguela, 1 no Uíge e 8 técnicos
especializados em psicologia em Viana, província de Luanda. Com esta equipa de apoio tão
restrita é impossível que as cadeias cumpram com seu papel de reeducação e reintegração.
   As condições de habitabilidade em algumas cadeias do país continuam péssimas. Esta
constatação foi unânime na opinião da maioria dos entrevistados, entre procuradores,
investigadores e funcionários prisionais.
    Uma das cadeias visitadas alberga mais que 10 vezes o número de presos para a qual
foi planeada. O director de uma das cadeias afirmou que o orçamento destinado à sua
unidade é diminuto e insuficiente para satisfazer as condições básicas do estabelecimento
prisional e que às vezes tira “dinheiro do próprio bolso para pagar dívidas”.
   De acordo com o Ministro do Interior, Roberto Leal Monteiro, em Maio de 2008
existiam em todo o país 15.000 reclusos, mas uma capacidade de internamento de apenas
7500 pessoas. 10 Já no primeiro trimestre de 2009 a situação piorou de acordo com

10
  Portal Angop, 20/05/2008, “Excesso de prisão preventiva domina reunião entre Minint e órgãos de justiça”, in-
formação disponível em www.portalangop.co.ao/



            OS P ROG R E S S OS   E OS   R ETRO CE S S OS   DE UMA   JUSTIÇ A PEN AL   EM   CR ISE       27
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




dados fornecidos à AJPD pelos Serviços Prisionais, pois que para uma população penal
de 16137 há uma capacidade efectiva de 8394 lugares. De acordo com o Departamento
de Reeducação Penal dos Serviços Prisionais, o maior problema da instituição hoje é a
superlotação dos estabelecimentos prisionais.
    Conforme a declaração de Roberto de Almeida, ex-presidente da Assembleia Nacional:
« Durante as deputações realizadas às diversas províncias no âmbito da actividade da
Assembleia Nacional, tem-se constatado em termos gerais que a Justiça no país atravessa um
período difícil, caracterizado pelas cadeias repletas de reclusos e detidos e com processos em
tribunal a aguardar julgamento» 11
   Tal constatação também foi feita numa reportagem do Semanário Angolense. Há ques-
tões de cunho processual que contribuem para a superlotação das cadeias. Todos os
reclusos que tenham cumprido metade de suas penas podiam concorrer à liberdade
condicional, mas muitos não beneficiam deste direito por responsabilidade da entidade
judicial competente.12
   Mesmo as condições exigidas pela nova Lei Penitenciária13 no que concerne ao tratamento
dos reclusos ainda estão longe de se concretizarem. O director de uma das cadeias
afirmou que tem conhecimento que a nova Lei Penitenciária foi promulgada, mas ainda
não possui uma cópia do documento.
   De acordo com as visitas efectuadas às cadeias pela equipa da AJPD, em Outubro de
2007, e também segundo o comunicado de imprensa da ONU sobre a visita a Angola
do Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária, de 27/07/2007, verificou-se o seguinte
quadro, em flagrante desrespeito aos direitos humanos dos reclusos:14
   - Cadeia do Condueje, Lunda Norte: os dirigentes não sabem informar o número
de presos no estabelecimento. Por certo tempo os reclusos não tiveram as 3 refeições diárias,
havia sinais claros de fome entre os presos e faltava viatura para o transporte dos reclusos.

11
   BERNADINO, Manje, Actual sistema de justiça é insuportável, Jornal de Angola, Luanda, 25/04/2008, Bernar-
   dino Manje.
12
   Cf artigo 17 da Lei Penitenciária e artigo 120.º Codigo Penal ss
13
   A Lei Penitenciária, aprovada pela Lei n.º 8/08, de 19 de Agosto. No artigo 6.º, o diploma consagra, dentre uma
   série de outros direitos assegurados aos presos, o direito ao respeito pela dignidade humana e ao desenvolvimento
   integral da sua personalidade, à vida, à saúde e integridade pessoal e a não ser submetido à tortura, maus tratos ou
   medidas degradantes.
14
   Além de violação ao direito à integridade física (conforme os dispositivos já citados no item 2.1.2 deste relatório),
   as constatações da AJPD revelam também a violação ao princípio da ressocialização do recluso e do princípio da
   prevenção geral e especial, expressos nos artigos 1o e 5o da Lei Penitenciária (Lei no 08/08), do direito à vida e à saúde
   do recluso (artigo 6.º), e do direito à assistência médico-sanitária, médica e medicamentosa, expressos nos artigos
   54o e 55o da Lei Penitenciária e no artigo 16.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos; do direito
   à assistência social, expresso no artigo 58o da Lei Penitenciária; ao acesso à cultura, expresso no n.º 2, alínea g) do
   artigo 6o, da Lei Penitenciária; do direito à assistência laboral, expresso no artigo 59o da Lei Penitenciária; do di-
   reito ao devido processo legal, conforme expresso no artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
   Povos; do direito à educação, conforme expresso no artigo 62o da Lei Penitenciária e no artigo 17.º da Carta Afri-
   cana dos Direitos do Homem e dos Povos.



     28          Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




A prisão estava a abarrotar com o triplo de sua capacidade, o que contribuía para um
calor sufocante nas celas que na verdade são um “armazém” além de que o local era
inundado quando chovia.Havia denúncias de abusos sexuais contra mulheres
detidas.
   - Prisão do Yabi, Cabinda: a prisão e detenção à ordem das Forças Armadas Angolanas,
embora não tenham competência para prender e deter civis, isso é prática corrente em
Cabinda. Muitos detidos não são apresentados a um juiz dentro do prazo legalmente
estabelecido. É muito recorrente a prática de torturas através do uso de armas de fogo.
Há notícia de um detido que perdeu a perna após ter sido baleado.
   A situação nas cadeias de Cabinda é desde há muito preocupante a ponto das autoridades
locais terem impedido o grupo de trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU, em 2007,
de visitar os estabelecimentos prisionais. Além disso, detidos que se encontravam na DPIC
e na Esquadra da Polícia de Cabinda foram transferidos para outros locais pouco antes
da visita do grupo.
   - Cadeia de Viana, Luanda: vários presos apresentavam sinais visíveis de maus tratos
e tortura; água e comida são oferecidas em escassez aos presos. A cadeia foi construída
para abrigar 1250 presos, no entanto albergava 3125 em Maio de 2008. Alguns dos
presos dormiam no chão e mesmo assim não havia espaço para todos se deitarem.15
   - Ca dei a do Péu Péu, Ku n ene: as celas encontram-se em condições deploráveis.
A cadeia não tem programas de ocupação dos reclusos com vista à sua reinserção na
sociedade. As celas de transição das esquadras na província do Kunente, incluindo a da
DPIC, não possuem condições de habitabilidade para os detidos que por ali passam,
redundando em constantes violações de direitos humanos. Até então, na cadeia do Péu-Péu
a população penal era de 544 pessoas, entre as quais 238 condenados e 266 detidos,
incluindo mulheres e 6 estrangeiros. Cerca de 70 detidos aguardavam julgamento, que não se
realizam por falta de juízes suficientes e de carro celular à disposição para transportar os
arguidos.
    Em 01/10/2007, houve um motim na Cadeia Central de Luanda (CCL). Até então,
havia 3.750 presos no estabelecimento com capacidade para abrigar apenas 300. Além
do “confinamento”, outra violação que teria incitado a rebelião foi o hábito dos guardas
prisionais roubarem a comida dos presos. Segundo o Semanário Angolense, quando não
passa pelo roubo da comida, passa pela chantagem feita pelos guardas: a troca da comida
dos presos pela concessão de pequenos privilégios. Caso não cedam a comida, os presos
sofrem castigos e torturas psicológicas. De acordo com o jornal:“Com efeito, é fácil
imaginar um tumulto numa prisão em que se juntam mais de três milhares de pessoas a aguardar
julgamento, em péssimas condições de vida, a sofrer os desmandos dos guardas prisionais, tendo

15
     ALEXANDRE, Elsa, «Falta de água e comida originou motim na cadeia de Viana», Jornal Angolense, Luanda, 10
     a 17 de Maio de 2008,pág 14-15.



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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




os presos consciência da ilegalidade, muitas vezes, do prolongamento da sua prisão preventiva
e, em muitos casos, alegando a sua inocência.” 16
   Mais de uma dezena de presos morreram por asfixia em 2006, numa cadeia de
Lunda Norte, devido à sobrelotação do estabelecimento. Em Outubro de 2007, dois outros
presos morreram também por asfixia devido à sobrelotação numa cadeia da Lunda Sul.17
Tal situação já tinha sido reportada pela AJPD no seu primeiro relatório em 2005 e mais
tarde pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre a Detenção Arbitrária ao afirmar que
« Os presos vivem em condições muito duras nas prisões e noutros locais de detenção. Ficam
a maior parte do dia em celas superlotadas sem participar em qualquer actividade. Comida
e água constituem um problema sério, devido aos constrangimentos orçamentais das auto-
ridades prisionais. As condições nas celas de detenção da DNIC; da Cadeia Central de Luanda
e da Cadeia Provincial de Condueji na Província de Lunda Norte são alarmantes.» 18
   Observa-se a boa vontade de alguns em relação à melhoria das más condições a que
são submetidos os presos. O seguinte depoimento é um exemplo dessa prática. Quando
perguntado acerca da existência de denúncias de maus tratos contra reclusos, o director
de uma das cadeias visitadas disse: « Eu recebo essas notícias às vezes. Maus tratos vêm naquelas
moléstias que às vezes um funcionário dá. Tenho recebido. Nós temos umas caixas dentro da
cadeia onde o preso lança a reclamação e eu mando recolher. Às quintas, os presos conversam
comigo. Muitos às vezes não sabem escrever, precisam conversar, um de cada vez. Para o
colectivo, uma vez por mês os reúno todos ali fora e conversamos. Eu apuro as denúncias sem
revelar a identidade dos presos».
    Tal prática de comunicação estreitada com os reclusos deveria ser mais incentivada nas
demais cadeias. Se o que se espera é a ressocialização, ou seja, que os reclusos, ao
terminarem o cumprimento de sua pena estejam aptos a reingressar na vida em sociedade,
é indispensável que lhes sejam concedidas oportunidades de fazer valer seus direitos de
cidadania. Se o Estado garantir que o recluso possa comunicar à autoridade competente
a violação dos seus direitos, sem o medo de represálias, ao invés de ser condicionado a
aceitar passivamente as violações, não estará fazendo nada mais do que sua obrigação de
criar estruturas para que os cidadãos sejam respeitados e tenham uma vida mental e
emocional sadia.




16
   KALIENGUE, José. COSTA, Dani. MARGOSO, Ana, “Roubo de comida, sobrelotação e excesso de prisão pre-
   ventiva na base da rebelião”. Semanário Angolense, Luanda, 6 a 13/2007, pag 14.
17
   Semanário Angolense, «Abuso da prerrogativa da prisão preventiva», 06.10.2007.
18
   African Press Organization, em 28/09/2007, “Nações Unidas : O grupo de trabalho sobre a detenção arbitrária vi-
   sitou Angola”, disponível em: http://appablog.wordpress.com/2007/09/28/nacoes-unidas-o-grupo-de-trabalho-
   sobre-a-detencao-arbitraria-visitou-angola.



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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




2.3 A PROCURADORIA – GERAL DA REPÚBLICA (PGR)
   Nos termos da Lei 5/90 de 7 de Abril, « a Procuradoria-Geral da República tem como
função principal o controlo da legalidade socialista, velando pelo estrito cumprimento
das leis (…)».
   Vale dizer, a semelhança do que constatamos aquando do primeiro relatório, que o
nosso sistema penal fere gravemente o princípio da separação de poderes e o princípio
do acesso à Justiça, uma vez que relega para o Ministério Público a competência de
legalizar as detenções e de fiscalizar os processos criminais, tarefas que são, por essência,
próprias do poder judicial.
   Em termos gerais, os gabinetes dos Procuradores Provinciais visitados, nomeadamente
Malange, Bengo, Benguela e Cabinda, possuem condições materiais de trabalho. Um
grande número deles está apetrechado com computadores, fax e mobiliário de escritório
adequado.
   Em algumas províncias, porém, há condições lastimáveis de trabalho para os procu-
radores. Um deles afirmou que: «Quando chove temos que nos ausentar das instalações por
causa da água que entra». Também se observou que em grande número de municípios
não há serviços de procuradoria e nos que os têm não existem casas-função para os
procuradores lá destacados.
    Um dos piores problemas apontados pelos procuradores no que toca à estrutura ma-
terial é a ausência ou o número insuficiente de viaturas. Numa província visitada, os pre-
sos são conduzidos a pé por funcionários por distância maior que 1 quilómetro. Ainda,
em mais de uma província, os procuradores relataram que a prioridade da concessão de
carros é aos Procuradores Provinciais. Como as viaturas são escassas, os Procuradores
Municipais têm seus trabalhos profundamente prejudicados, uma vez que a sua deslocação
para vilas e comunas – muitas vezes distantes dos centros urbanos – ainda que necessária,
é inviável. Um procurador revelou sua insatisfação da seguinte forma:
    « Os Procuradores Municipais não têm carros. Atrapalha porque trabalham em áreas extensas,
é preciso ir à comunas, às aldeias. Quem tem a responsabilidade de dar os carros é a PGR. Já
foi solicitado várias vezes, de diversas formas, dizem ‘amanhã, amanhã’ e não chega nunca».
   O número de procuradores municipais, e sua qualidade técnica, é com frequência
apontada como insuficiente. Ocorre muitas vezes destacarem-se procuradores para as
procuradorias municipais, mas como muitos deles não encontram condições materiais
mínimas para lá funcionarem acabam por ficar a trabalhar nas capitais provinciais.
   Neste ponto, revela-se uma dependência danosa ao princípio da separação de poderes:
os procuradores provinciais, ainda que tenham a competência para reger o orçamento
recebido pela PGR, não dispõem de verbas extras para a construção de prédios de raiz
para abrigar novos gabinetes ou sequer para reformar antigos edifícios para torná-los em
condições mínimas de abrigarem os procuradores municipais. Assim, os procuradores


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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




provinciais precisam negociar com órgãos do Poder Executivo de forma a convencer
governadores provinciais a conceberem as estruturas mínimas de trabalho para os
procuradores municipais. Tais barganhas podem enfraquecer o poder da PGR nos locais
afastados dos centros e resultar numa relação promíscua de troca de favores que deve ser
combatida com todo o vigor.
    O número insuficiente de Procuradorias Municipais também é um problema que afecta
gravemente a operacionalidade da justiça, especialmente nas províncias de maior extensão.
O principal problema é reunir os elementos para permitir uma análise adequada dos factos,
já que o procurador que irá analisar a legalidade da situação está, muitas vezes, a centenas
de quilómetros do local onde a situação ocorreu. Como disse um procurador entrevistado:
    “A justiça assim não pode andar! Um indivíduo preso em [local omitido] chega às vezes
em 5, 6 dias ao procurador. Quando o magistrado vai ver, o crime é banal e o indivíduo
já sofreu, muitas vezes até pancadas. A Justiça não anda bem, podemos concluir sem medo
de errar. Atinge direitos das pessoas! Nos casos em que o indivíduo é detido longe da sede,
às vezes tenho que sacrificá-lo e mandar precatória para que ele venha; e são pessoas que não
têm meios para vir! No fim do julgamento, pessoa vem me dizer que não tem família aqui,
nem conhece ninguém, nem tem dinheiro pra regressar! Muitas vezes já dei dinheiro do meu
bolso para a pessoa regressar à vila de onde veio.”
   Há independência orçamentária para a PGR, o que é um sinal positivo. No entanto,
o mau sinal é a insuficiência dos recursos transferidos. Acresce que nem sempre as datas
de transferência do dinheiro são respeitadas, como alertou um dos procuradores: « Hoje,
dia 16, ainda não recebemos a quota financeira do mês».
   De acordo com os procuradores com quem conversamos, o dinheiro recebido pelas unidades
da PGR nas províncias é insuficiente para que melhorias sejam levadas a cabo. Os recursos
são apenas suficientes para a manutenção do trabalho do dia-a-dia, mesmo assim com
limitações indignas da importância do trabalho da PGR. Um dos procuradores nos disse
que o orçamento permite apenas a compra de “papel, pastas, material informático”.
Outro revelou que “A verba disponibilizada não é satisfatória, dá para resolver algumas coisas”.
   Províncias vizinhas de Luanda não recebem exemplares do Diário da República.
A propósito, dois procuradores disseram-nos; é preciso “mandar trazer”e“temos que comprar
com dinheiro do nosso bolso”. Biblioteca é o sonho de vários procuradores, mas distante
da realidade. A verdade é que os procuradores precisam despender dinheiro de seus
próprios bolsos para encomendar livros e códigos.
   A respeito dos cursos de superação, ainda que haja cursos, disseram-nos que, além das
actividades ocorrerem em periodicidade inferior à desejável, muitos são genéricos, não
atendem a matérias específicas, o que faz com que as necessidades concretas dos magistrados
não sejam atendidas.
   Quando perguntados a respeito da aplicação da legislação interna e dos documentos
internacionais ratificados por Angola relativos aos direitos humanos, nota-se, por vezes,


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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




uma grande confusão e alguns dos magistrados nem mesmo aparentam ter ciência do as-
sunto. Um procurador disse-nos que “somente precisaria lidar com essa questão se lidássemos
com cidadãos de outras nacionalidades, estrangeiros”, e que o assunto deveria “ser colocado a
nível do Tribunal Supremo” e outro que «A chamada de uma disposição sobre a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de forma directa não seria a solução mais correcta».
    Esses procuradores desconhecem que os direitos humanos devem ser aplicados a
todas as pessoas, independentemente de sua nacionalidade, e que qualquer magistrado
no país, seguindo o inscrito no art. 21 da Lei Constitucional, não pode deixar de considerar
tais direitos.
    É ainda digno de nota dizer que, exceptuando os juízes-presidentes dos tribunais das
províncias que foram entrevistados, apenas um procurador afirmou ter actuado em
processo em que as normas internacionais de direitos humanos foram aplicadas em matéria
relativa a prisões ilegais.
   Mais preocupante ainda é o fato de apenas o mesmo procurador haver mencionado
a existência da circular 571/01.05.04/998, do então Procurador-Geral da República,
Augusto Carneiro, que obriga a aplicação de diplomas de direitos humanos quando se
tratar de prisões ilegais, independentemente da legislação interna.
    Perguntados acerca do papel do Conselho Superior Magistratura do Ministério
Público, os procuradores apresentaram opiniões divergentes. Alguns avaliam-no como
adequado ao exercício de suas funções. Já outros referem que o Conselho ainda não possui
estrutura própria para funcionar.
   Alega-se também a ausência de procedimentos claros para a aplicação das suas orientações,
o que reduz drasticamente sua operacionalidade.
   Os procuradores também foram indagados acerca da possível interferência de indivíduos
ou grupos de poder nos processos judiciais. Em geral, alegam três pontos:
   1) O primeiro deles é que as tentativas de influência se dão em significativo maior peso
     em Luanda que nas demais províncias. Isso porque é lá que está a maior concentração
     de indivíduos e grupos com grande poder financeiro, político e militar.
   2) O segundo ponto respeita aos subornos que são mais frequentes no cível que no
      crime e isto porque o poder aquisitivo dos réus de processos criminais é geralmente
      muito mais baixo que o das partes nos processos cíveis.
   3) O terceiro ponto apresenta uma dimensão temporal: afirmam em geral os procuradores
      que os casos de tentativa de corrupção diminuíram sensivelmente a partir de
      2002, com o fim do conflito armado. Antes «as garantias jurídicas não eram uma
      realidade, a justiça era apenas formal. (...) Não se podia tocar em autoridade qualquer
      porque ele era general não sei de quê, membro do conselho tal etc».
   Um dos procuradores afirmou que: «Isso existe em quase todos os sectores, a justiça não
escapa! Já aconteceu aqui: actuando em crime grave que não admite liberdade provisória,
recebi um envelope cheio de dinheiro».


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   Ainda na questão das possíveis interferências de pessoas ou grupos nos processos
judiciais, notou-se que a mentalidade de alguns procuradores ainda se encontra moldada
de acordo com padrões incompatíveis com o princípio do estado de direito democrático.
Esse é o caso do procurador que, quando por nós perguntado se já havia sofrido interfe-
rências de poderosos no curso dos processos, respondeu NÃO à pergunta, mas fez a
seguinte ressalva: «Claro, há questões que eles procuram a todo momento saber. Há pessoas
que não gostam de estar na cadeia, quando uma dessas pessoas é tocada, faz redemoinho em
volta do Procurador-Geral, que pergunta a nós o que se passa».
    Quando o assunto era o Sindicato da Magistratura do Ministério Público, a decepção
esteve presente na maioria dos depoimentos. Um dos procuradores afirmou que a insti-
tuição funciona apenas em Luanda, não nas províncias. Já outro procurador revelou o seguinte:
    «Tínhamos um camarada dinâmico e com coragem, mas quando veio o Procurador Geral
da República, pegou no rapaz e disse ‘vem aqui, precisa estar mais no meu lado’, o trouxe para
a sede, encheu-o de incumbências. No ano seguinte, o rapaz disse que não queria mais participar
do sindicato! Aquilo ficou com outros colegas e não funciona. Meteram lá a Procuradora Geral
de Luanda, também activa, e depois a colocaram ligada ao gabinete da Procuradoria-Geral,
lidando directamente com o chefe! Que sindicato é esse? Se você tem que chocar, como estar
próximo do chefe?».Outro procurador, ainda sobre o Sindicato, afirmou:“O Sindicato
do Ministério Público não funciona. Só com muita força. O Carneiro ameaçou até dissolver
o sindicato. A partir dali os órgãos eleitos começaram a ter mais cautela. Sim, faz falta, há muito
problema, muita coisa a ser resolvida. Problema de formação, de falta de condição de trabalho.”
   A qualidade do pessoal de apoio ao trabalho dos procuradores é considerada aquém
de razoável:
    “O pessoal de assistência não é de boa qualidade, nossa rede escolar não está em boas condições.
O colhimento é feito de forma genérica. A pessoa vem para nós e precisa de qualificação. Há
a escola em Luanda, mas a formação é priorizada para os magistrados, a dos auxiliares não
é priorizada. Sou chefe, professor, orientador, corrijo textos... Estão todos novos e de fato não
há formação desejável. Qualidade não há.”
   Quando se referem à advocacia, as opiniões dos magistrados do Ministério Público
denotam muita insatisfação. A mais latente aparenta ser, sem dúvida, o facto de advogados
serem praticamente ausentes dos fóruns fora de Luanda:
   “Não temos advogados aqui! Vêm de Luanda! A justiça não pode funcionar assim, não pode.
A advocacia que temos em Angola é apenas virada aos aspectos comerciais, são profissionais
liberais. Quantos julgamentos fizemos aqui sem notificar advogado? Não há escritórios de
advogado.”
   O principal problema dessa ausência de advogados nas províncias é a violação ao prin-
cípio da defesa do réu. O instituto do Patrocínio Judiciário, da forma como foi desenhado,
não atende às necessidades do sistema de justiça angolano, muito menos dos cida-


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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




dãos desprovidos de recursos financeiros envolvidos em processos judiciais. Esse assunto
será retomado no item 3.3 deste relatório.
    Qual a causa de tamanha ineficiência? Segundo um dos magistrados entrevistados: «Os
titulares, muitos deles não têm a coragem política de fazer nada: ‘deixa como está’. Creio que
o presidente do Tribunal Supremo não terá a coragem de defender uma política diferente, fica
assim mesmo, a ‘Deus dará’, sem nenhuma orientação».
    No que se refere ao relacionamento das Procuradorias Provinciais com as DPICs,
algumas respostas obtidas indicam a necessidade imediata de sensibilização dos magis-
trados do Ministério Público; principalmente em relação a algo que lhes deveria ser natural:
o choque diante do incumprimento da lei quando se verificam agressões físicas ou qual-
quer tipo de violação à dignidade humana. Um deles nos respondeu que: «Às vezes há
situações que violam a legalidade, mas não de forma assustadora, aí entro em contacto com
o comandante da polícia, quando há um cidadão detido, ou espancado».
    Já outro procurador afirmou o seguinte:«A Lei da Prisão Preventiva diz que detidos
devem ser apresentados no mesmo dia ao procurador. O policial um dia levou um detido na
casa de um colega, na hora do almoço, domingo, no seu descanso! Por isso temos interpretado
de forma não tão rígida esse artigo 5o da Lei de Instrução, no caso de ela não prejudicar o preso.
Hoje a cultura dos magistrados é essa, há despachos do PGR para se cumprir rigorosamente
o que está previsto, mas há casos que às vezes levam a abrir pequena brecha, como nessas
questões que eu lhe disse há pouco».
   Tais relatos manifestam as constantes violações da legalidade. O fato de um polícia
desejar cumprir a lei e apresentar um detido ao procurador dentro do prazo de 24 horas
da detenção, nos termos da lei da prisão preventiva, deveria ser motivo de elogio e não
de crítica. O Estado tem o dever de criar mecanismos para que não seja ultrapassado o
prazo que a lei estabelece e os procuradores devem ser os primeiros a cumpri-lo.
   Quando perguntados acerca das condições nas celas, muitos procuradores disseram
que visitam as cadeias com frequência. Esse facto é razão para elogio, pois indica a preocu-
pação dos procuradores em exercerem o seu dever fiscalizador nas cadeias. Por outro lado,
os magistrados relatam que encontram situações lastimáveis, como o fato de não haver
locais adequados para os presos dormirem em uma das cadeias, tendo que pernoitar no
pátio. Ou ainda, o seguinte relato: «Eventualmente há agressões físicas nas cadeias. No
interrogatório, detido diz que foi agredido pelo agente tal, mostra os sinais. Chamamos o agente,
que mostra sua justificação, ocorrem nas unidades policiais nos bairros».
   A principal justificativa alegada para que se tolerem as condições terríveis de muitas
das celas das esquadras é a seguinte: «Não podemos mandar fechar porque é cadeia transi-
tória, preso vem de unidade prisional do bairro, detido tem que estar no local”. Ou então,
dizem que “Na DPIC [as condições] não são muito boas, o quarto de banho é para os 2
sexos. No comando da polícia é a mesma coisa, não há condições mínimas nem aconselháveis,
mas são unidades prisionais de passagem».


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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




   No entanto, tal resignação é inconsistente com as competências do Ministério Público
de zelar pela aplicação da lei; não basta o diagnóstico negativo, é necessário que as
medidas para que as situações diagnosticadas se corrijam. O relato do mau tratamento
dos presos é apenas um passo para que seus direitos sejam respeitados, mas em si ainda
insuficiente. A resignação dos procuradores em relação às más condições a que os presos
estão submetidos deve ser substituída por uma pressão em relação às autoridades
competentes para que o quadro se reverta.
    As más condições de tratamento dos cidadãos fora ou dentro das cadeias tem uma razão
de fundo histórico, tal ideia ficou incita nas palavras de um procurador: « O país em 1975 teve
a independência. Todas as estruturas sofreram alterações, Poder Judicial não foi excepção; antes pelo
contrário, deve ter sido a mais prejudicada. Antes da independência eram poucos os nacionais que
ocupavam o Poder Judicial; as vagas deixadas foram deixadas por quem não tinha qualificação. Isso
foi se arrastando, juntaram-se às guerras. Há muita litigância hoje e poucos quadros. No crime a
situação é mais gritante. A polícia ainda ficou com muitos quadros mesmo com a fuga dos
portugueses, o efectivo da policia em relação ao do tribunal e da Procuradoria é algumas vezes maior».
   A insuficiência de magistrados é outra das deficiências apontadas. Por mais que
se empenhem não chegam para as necessidades.
    Um último ponto negativo apontado pelos magistrados do Ministério Público respeita
ao Conselho da Magistratura do Ministério Público. Alguns disseram que o Conselho
não tem funcionamento adequado e que o tráfico de influências é determinante de uma
série de decisões ali tomadas. Acerca do Conselho, disse um dos procuradores:
    « Não cumpre suas responsabilidades, o Conselho Superior da Magistratura do Ministério
Público. É manipulado pelo presidente, que é o Procurador-Geral. Quando vai discutir um
assunto que lhe interessa, convida já um determinado número de membros. Os magistrados
estão em maior número. Muitos obedecem porque temem amanhã serem punidos. Acho que
não funciona devidamente. As promoções deviam ser por concurso, ele às vezes aparece na
reunião com os nomes... A lei diz concurso...».
   Mesmo diante de todas as dificuldades apontadas, é com esperança que observamos
a resistência e o esforço de um significativo número de magistrados do Ministério
Público em combaterem os obstáculos à realização da justiça e exercerem sua criatividade
em prol dos cidadãos angolanos. Um dos procuradores, por exemplo, informou-nos que,
devido à ausência de advogados na província em que está colocado, muitas vezes os
cidadãos o consultam quando diante de uma querela.
   Quando o procurador percebe que a questão é pequena e pode ser resolvida sem que
se active o processo judicial, chama as partes envolvidas e age como um mediador,
propondo que o problema seja resolvido de forma que agrade a ambas as partes.
   Um magistrado de outra província falou que também procura incentivar mediação
entre as possíveis partes de um processo. Disse que muitas vezes é procurado para
a resolução de questões como saldar uma dívida, que se fossem levadas a tribunal


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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




custariam dinheiro e ocupariam tempo de ambas as partes. Nessas situações, o magistrado
aconselha as partes conflituantes para procurarem resolver a situação amigavelmente.
   Tais posturas são dignas de nota uma vez que economizam recursos de todos os
envolvidos no processo – os cidadãos e o Estado – além do desgaste emocional que
poupam. Enquanto a legislação nacional não consagra a medição como métodos de
resolução de conflitos é interessante observar que, mesmo na informalidade, tal proce-
dimento é capaz de diminuir a quantidade já demasiadamente elevada acções judiciais.
   Também é com esperança que já se nota a mudança de mentalidade de alguns
procuradores, cuja sensibilização em relação aos direitos de cidadania é notória. Perguntado
se acreditava ser sua função defender direitos humanos e de que forma o fazia, um
procurador nos deu a seguinte resposta:
   «Sim! Um despacho infundado atinge os direitos humanos! Por exemplo: 2 pessoas con-
tendem por um acto que não configura nenhum crime, apenas uma questão de natureza
cível, caso de dívida, por exemplo, e o polícia entende botar um na cadeia. A violência contra
o abandono do exercício da autoridade paternal também tem a ver com os direitos humanos.
O MP é chamado para salvaguardar os direitos das crianças, abandonadas, sem alimentos,
porque os progenitores se separaram e não sustentam as crianças, ou a mãe foi expulsa do lar.
Do ponto de vista moral e social, isso também atinge os direitos da criança».
    À Procuradoria é atribuída a competência, nos termos da alínea s) da Lei da Lei n.º5/90
de 7 de Abril, de contribuir para a elevação da consciência jurídica do Povo e do respeito
da legalidade, promovendo e colaborando na divulgação das leis, decisões dos tribunais,
textos e dados sobre a criminalidade e sua prevenção e todas as demais matérias que
interessam para aqueles fins, podendo servir-se dos órgãos de comunicação social e de editar
as suas próprias publicações.
   No entanto é quase nula esta função da procuradoria, apenas em algumas províncias
são promovidos programas radiofónicos com interacção entre os cidadãos e o procurador
com perguntas e respostas. Geralmente essas acções limitam-se a algumas palestras
nas chamadas “semanas de legalidade”, no mês de Abril de cada ano.




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Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009




2.4 OS TRIBUNAIS
   «A actual Constituição Judicial define o poder judicial como o principal garante do Estado
de Direito democrático em Angola. Infelizmente, na prática, o poder judicial em Angola ainda
não é, nem tem condições para ser, verdadeiramente, esse garante. Se isso não for resolvido o Estado
de Direito democrático corre o sério risco de não passar de mera expectativa, de uma intenção
ou de mera e frustrante ilusão». Rui Ferreira, in Seminário da Reforma da Justiça.19
   A situação dos juízes e demais oficiais de justiça foi alvo de uma série de críticas du-
rante as entrevistas concedidas à equipe da AJPD, mas também assinaladas algumas
iniciativas capazes de demonstrar que há magistrados de facto preocupados com a reali-
zação da justiça nos tribunais.
   Em relação às condições materiais, verificou-se que a situação tem melhorado nos
últimos anos. Muitos magistrados afirmaram que os tribunais têm sido apetrechados
com equipamentos informáticos, mas a inexistência de condições materiais básicas
impossibilita muitas vezes que esses instrumentos sejam utilizados. Conforme revelou um
magistrado entrevistado:
    «A energia eléctrica é ligada apenas à rede pública, a distribuição de energia é muito ruim,
ficamos muito limitados, não temos gerador. Despachamos à mão porque às vezes começamos
a trabalhar, cai a luz e perdemos todo o trabalho! Temos computadores na sala de audiência
mas não são usados, usamos as máquinas de escrever. Não são instalações próprias».
   Ainda sobre a escassez de energia eléctrica, outro juiz revelou-nos de que forma a precarie-
dade das condições materiais implica morosidade nos processos judiciais: «Infelizmente,
a partir das 17 horas nesta sala – um anexo construído no quintal do tribunal – já não se
trabalha devido à falta de luz. Há mais de 6 meses que não conheço uma lâmpada nessa sala,
o que influencia na celeridade dos processos. A partir das 11 horas o calor é intenso».
   Um juiz confidenciou-nos que: «Energia eléctrica contínua é necessária, às vezes fica-se
um mês sem energia, porque o MJ, área do património, não paga a conta, ou porque acaba
o gasóleo para o gerador. É preciso aumentar a verba para o sector da justiça para que ele seja
operante e célere.” Um terceiro magistrado disse-nos: “Continuamos a trabalhar com
máquinas de dactilografia, em número indesejado, não temos nem uma por funcionário».
      Já outro magistrado afirmou:
   « O orçamento que temos não chega a fazer nem as despesas do tribunal, de papel etc. A
verba não é suficiente. Não temos telefone nos gabinetes, não há rubricas no nosso orçamento
para isso. Fizemos passar os telefones do tribunal como despesas correntes. podemos passar
por indisciplinados se descobrirem isso!!»

19
     FERREIRA, Rui. Constituição Judicial (Presente e Futuro). In Seminário da Reforma da Justiça, Edijuris, Luanda,
     2006, p. 76.



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   O juiz presidente do Tribunal de Luanda, em entrevista a Rádio Ecclésia, no dia 10 de Janeiro
de 2007, revelou que o Tribunal não estava a julgar processos por falta de corrente eléctrica.
    E o quadro não é esperançoso. Segundo o depoimento de um magistrado, perguntado
sobre a verba para despesas correntes, as condições não aparentam melhorar, mas piorar:
«Temos recebido a verba mas não é suficiente, houve um corte na verba para manutenção da
residência; cada juiz recebia anualmente 4.000 dólares e agora recebemos 2.000».
Em relação ao número de magistrados judiciais, o quadro abaixo esclarece:

                 JUÍZES                                200320              Dezembro/200821
                 Conselheiros                             09                          15
                 Juízes de Direito                        85                         131
                 Juízes Municipais                        17                          76
                 Total                                   111                         222

   Outra preocupação frequente dos magistrados judiciais respeita aos edifícios que abri-
gam os tribunais. Muitas das salas do civil e administrativo do Tribunal Provincial estão
alojadas em construções ainda do tempo colonial, o que acarreta em geral dois problemas.
   O primeiro respeita aos edifícios que, apesar de seu tempo de existência, não passaram
por reformas recentes. Assim, goteiras, assoalhos maltratados, paredes descascadas,
mobílias estragadas acumuladas nos cantos, portas que não funcionam, entre outras marcas
do tempo, são a realidade de muitos dos tribunais visitados.
   O segundo respeita à insuficiência das instalações. Um tribunal construído com um
gabinete de juiz e uma sala de audiência não apresenta condições de abrigar dignamente
toda a estrutura exigida pela quantidade de casos levada aos tribunais nos dias de hoje.
   As fotos (anexo1), tiradas num dos tribunais visitados, evidenciam a precariedade das
condições materiais em grande número dos tribunais angolanos.
     Um dos magistrados entrevistados ilustra essa questão:
   «À altura em que o tribunal começou a funcionar aqui as condições eram diferentes, não havia
guerras, havia menos crimes. Foram criadas [número omitido] salas para acomodar [omitido -
o mesmo número] juízes. Depois da independência, houve degradação das condições sociais,
aumento substancial dos crimes, o tribunal se tornou pequeno para atender a tanta demanda.


20
   Cf. MARQUES, Luís Paulo Monteiro, Labirinto do Sistema Judicial Angolano-Notas para a sua compreensão, Lou-
   res, 2004,pág 114ss, Lista de Dezembro de 2003.
21
   Fonte: Relação Nominal dos Magistrados Judiciais, actualizada a 30 de Dezembro de 2008, Comissão Para Reforma
   da Justiça e do Direito. Na lista dos 222 Juízes, apenas 209 estão no activo, dos restantes 10 são jubilados e outros
   por outras situações.



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Relatório sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009

  • 1. 2006-2009 RELATÓRIO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA RELATÓRIO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA A ASSOCIAÇÃO JUSTIÇA, PAZ E DEMOCRACIA (AJPD) é uma organização legalmente constituída em Angola que se propõe trabalhar na promoção, divulgação e advocacia dos direitos dos cidadãos e comunidades que forem violados por indivíduo, grupos de indivíduos e instituições públicas tendo em vista a construção do Estado de Direito Democrático em Angola. Os seus estatutos foram publicados no DIÁRIO DA REPÚBLICA DE ANGOLA, de 11 de Agosto de 2000, III Série N.º 31, págs 1377 - 1382. A AJPD tornou-se a primeira organização angolana a obter o estatuto de membro observador da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Este facto fez com que a AJPD colocasse em discussão junto das sessões da Comissão Africana a problemática dos Direitos Humanos em Angola, tendo, para o efeito, apresentado vários relatórios. OS PROGRESSOS E OS RETROCESSOS Ajuda Popular da Noruega DE UMA JUSTIÇA PENAL EM CRISE AJPD 2006 - 2009
  • 2.
  • 3.
  • 4. Índice Agradecimentos .........................................................................................................9 Contextualização .....................................................................................................11 Nota Introdutória e Metodologia.............................................................................13 1. Análise comparativa da situação da administração da justiça no sistema penal angolano hoje à época do primeiro relatório........................................................15 2. Sistema Penal Angolano.......................................................................................19 2.1 A Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC)...........................19 2.2 Os Serviços Prisionais...............................................................................26 2.3 A Procuradoria - Geral da República (PGR).............................................31 2.4 Os Tribunais.............................................................................................38 3. Princípios e Direitos sistemáticamente violados: práticas de uma justiça penal em crise...............................................................................................................51 3.1 O princípio da separação de poderes e a independência do Poder Judicial........51 3.2 O direito à informação.........................................................................................58 3.3 O direito à assistência e patrocínio judiciários.....................................................61 3.4 O direito à vida e a prática das execuções sumárias .............................................66 3.5 O direito à integridade física e moral...................................................................71 3.6 A situação particular da província de Cabinda ....................................................77 3.7 Direito à liberdade ...............................................................................................82
  • 5. 3.8 Direito à providência do «Habeas Corpus» .........................................................85 4. Alguns sinais positivos ......................................................................................................87 4.1 As reuniões de coordenação da justiça .................................................................87 4.2 Entrosamento dos tribunais com a sociedade civil ..............................................89 4.3 Criação do Tribunal Constitucional ....................................................................90 4.4 Cumprindo obrigações internacionais.................................................................92 4.5 Criação da Provedoria de Justiça..........................................................................93 4.6 Projecto de Reforma da Justiça e do Direito........................................................94 4.7 O Gabinete de Direitos Humanos do Ministério da Justiça...............................97 4.8 Aprovação de uma nova Lei Penitenciária ...........................................................99 4.9 A construção de novas cadeias e formação de profissionais...............................100 5. Conclusões e recomendações .........................................................................................103 5.1 Conclusões.........................................................................................................103 5.2 Recomendações .................................................................................................106 5.2.1 Ao Poder Executivo ...................................................................................106 5.2.2 Ao Poder Judiciário e seus agentes.............................................................107 5.2.3 Ao Poder Legislativo..................................................................................109 Anexos.................................................................................................................111
  • 6. RELATÓRIO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA 2006 - 2009 OS PROGRESSOS E OS RETROCESSOS DE UMA JUSTIÇA PENAL EM CRISE
  • 7. FICHA TÉCNICA TÍTULO: RELATÓRIO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL EM ANGOLA 2006-2009 ELABORAÇÃO: : AJPD COPYRICHT: © AJPD 2009 PAGINAÇÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO: EAL - Edições de Angola Limitada TIRAGEM: 2300 Exemplares Endereço: Associação Justiça, Paz e Democracia Avenida Comandante Valódia, Prédio n.º 253, 2.º Andar, Apt C Luanda - Angola Telefones: (244) 222-430300 / 923-401023 / 222 430 299 E-mail: ajpd@netangola.com ajpd@ajpdangola.org Site: www.ajpdangola.org Relatório publicado com o alto apoio da Oxfam Novib - Holanda e da Ajuda Popular da Noruega
  • 8. « (…) É função do governo prover a existência de serviços judiciários que garantam aos sujeitos em geral a existência e exercício dos seus direitos. Esse é serviço tão vital quanto o fornecimento de água ou de outras necessidades básicas: sem ele as pessoas ficam submetidas aos interesses dos mais fortes, subordinadas às potências económicas, mediáticas e políticas»1 SÉRGIO CUNHA « (…) Não há Estado Democrático de Direito sem uma actividade jurisdicional autónoma e independente, assim como não há Estado Democrático de Direito em que a sociedade civil não possa controlar as suas Instituições Políticas, Legislativas e Judiciais»2. JOSÉ GERÓNIMO 1 CUNHA, Sérgio Sérvulo da, Fundamentos do Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2004, Vol 1, pag 309, 312, citado in CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito Constitucional-Teoria do Estado e da Constituição-Direito Cons- titucional Positivo, 15.ª Edição, Del Rei Editora, Belo Horizonte, 2009, pág 1273. In O Controlo Extremo do Poder Judiciário e a Questão Democrática, pág 5.
  • 9.
  • 10. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 AGRADECIMENTOS Este relatório é um ponto de convergência do trabalho realizado por várias pessoas e do investimento de múltiplos recursos com diferentes perspectivas. Antes de mais, queremos agradecer em nome da AJPD, a colaboração prestada pela senhora Lívia França, Satter Human Rights Fellow, Harvard Law School. O nosso obrigado muito especial é dirigido a todos os membros e funcionários da AJPD que directa ou indirectamente emprestaram a sua experiência e o seu saber para a feitura do presente relatório, nomeadamente: Serra de Assunção, Fernando Macedo, Lúcia da Silveira, João Reis, Sandra Furtado, Delma Monteiro, Godinho Cristóvão, Maria Henda, Carlos Alberto, Pedro Romão, Joaquim Gonçalves e Domingas Fortunato. Agradecível é também a senhora Nadejda Marques, ex-investigadora da Human Rights Watch pela correcção e revisão do relatório que ora publicamos. Agradecemos também o apoio do Professor Doutor Germano Marques da Silva, professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto (UCP) e convidado do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, em Portugal. Os nossos agradecimentos são também dirigidos às organizações Oxfam Novib Holanda e Ajuda Popular da Noruega (APN) por terem aceitado a parceria com a AJPD, apoiando a produção e a publicação deste relatório. Agradecemos igualmente as instituições do Estado que deram o seu contributo para a conclusão deste importante trabalho, sobretudo a Direcção Nacional dos Serviços Prisionais, alguns juízes e procuradores e membros de alguns comités provinciais dos direitos humanos. Agradecíveis são também todos os juízes e procuradores que receberam em audiên- cias os membros da AJPD para trocar ideias e informações sobre o actual estado da administração da justiça penal em Angola, bem como apresentar caminhos para a sua me- lhoria. A Associação Justiça, Paz e Democracia, António Ventura (Presidente da AJPD) Luanda, Outubro de 2009 OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 9
  • 11.
  • 12. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 CONTEXTUALIZAÇÃO Angola é um país situado na África Austral, delimitada a Norte e nordeste pela República Democrática do Congo, a Leste pela Zâmbia e ao Sul pela Namíbia e a Oeste pelo Oceano Atlântico.Com uma área total de 1. 246 700 Km2 e uma linha de costa de 1.650km, Angola está dividida em 18 províncias e possui actualmente 15 milhões de habitantes2 distribuídos principalmente pela orla costeira e planalto central ocidental. Depois da sua independência em 1975, Angola entrou num período de guerra civil e adoptou até 1992 o regime político monopartidário, de legalidade socialista e de inspiração Marxista -Leninista. Em consequência, os mecanismos de protecção dos direitos, liberdades e garan- tias fundamentais dos cidadãos contra os abusos e arbitrariedade do Estado foram sempre subalternizados à mera vontade do poder e do partido governante. Assim também o Poder Judicial! O Poder Judicial ainda continua a enfrentar dificuldades que o impedem de ser, ispo facto, um verdadeiro poder. Essas dificuldades ainda são resquícios do período colonial e de legalidade socialista e monopartidária, e são fundamentalmente de natureza legal e política. Em 1991, consagrou-se na Constituição angolana, o Estado de Direito Democrático – baseado no primado da lei, no multipartidarismo, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais e na separação de poderes - que conduziu o país a realizar as primeiras eleições. Mas, logo depois das eleições, retomou-se a guerra civil que culminou com a Assinatura do Memorando de Entendimento do Luena – Moxico, entre o Governo e a UNITA, em 2002. E em Agosto de 2006, o Governo angolano celebrou o Memorando de Entendimento com a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC). Depois de seis anos de paz e de preparação, realizaram-se as eleições legislativas em Setembro de 2008, tendo sido vencedor o partido no poder, MPLA. Neste momento, faltam realizar dois actos políticos importantes, nomeadamente a aprovação de uma nova Constituição da República de Angola e a realização das eleições Presidenciais, com vista a normalização da vida política em Angola. O processo de elaboração da futura constituição está em curso e as eleições presidenciais continuam sem data marcada. 2 Segundo dado Instituto Nacional de Estatística, 2004. OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 11
  • 13. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 O recente relatório produzido pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN) aponta o IDH angolano como 0.484, a esperança de vida dos cidadãos angolanos é 43,1 anos, a taxa de mortalidade infantil em 2008 era de 130, o acesso à água potável estimado entre 2006/2007 é de apenas 51% e o acesso ao saneamento básico estimado em 50%. Diz ainda que a taxa de analfabetismo de adultos caiu de 32,6% para 31% em 2004. Presentemente, Angola ocupa a posição n.º 143.ª do Indice de Desenvolvimento Humano, segundo o Relatório das Nações Unidas recentemente publicado .3 3 Cf. Recente Relatório das Nações Unidas, PNUD, disponível na internet. 12 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 14. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 Nota Introdutória e Metodológica É importante inserir algumas notas a respeito da metodologia utilizada para a feitura deste relatório. Para elaborar o relatório, a AJPD utilizou três principais fontes de informações: (1) Notícias e entrevistas nas rádios e jornais; e (2) entrevistas a várias entidades ligadas à administração da justiça, juízes, procuradores e também alguns activistas dos direitos humanos (3) constatações de alguns membros da AJPD na sua visita em determinados locais. Além do mais, também foram utilizados o comunicado de imprensa do Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária da ONU, aquando da sua visita a Angola em 2007, o primeiro Relatório elaborado pela AJPD sobre os direitos humanos no Sistema Penal Angolano em 2005, e os documentos do Seminário da Reforma da Justiça promovido pelo Governo de Angola. Foram pesquisadas notícias em jornais de conteúdos abrangidos por este relatório, ou seja, os direitos humanos e o sistema penal. Pesquisaram-se notícias veiculadas entre os anos de 2006 e 2009, dando-se preferência às notícias mais recentes, de forma a manter a actualidade das informações aqui apresentadas. Quanto às entrevistas, a AJPD inquiriu servidores públicos e personalidades da sociedade civil no período de Janeiro a Maio de 2009. A AJPD solicitou audiências a várias entidades públicas desde Dezembro de 2008. Infelizmente, apesar da insistência da AJPD manifestada, muitas vezes, através do reenvio de ofícios e de constantes telefonemas para os gabinetes das autoridades, muitas delas nem sequer responderam aos ofícios que receberam. Outras entidades responderam, comprometeram-se a receber-nos, mas nunca o fizeram. Em relação à abrangência geográfica, a equipe da AJPD visitou 9 das 18 províncias do País, contando com apoios locais que a auxiliaram no agendamento das entrevistas. Em todo o país, foram realizadas um total de 52 entrevistas que permitiram a colecta de dados. Desse número excluíram-se aquelas audiências em que as autoridades recebe- ram a equipe da AJPD, mas não forneceram nenhuma informação. De forma a obter o máximo possível de informações, a equipe da AJPD comprometeu-se com as pessoas entrevistadas a não revelar seus nomes, ou mesmo dados que pudessem facilmente identificá-los, por razões de protecção e de sua segurança. Assim, ao preço do rigor metodológico, os nomes dos entrevistados e, em muitos casos, os nomes de suas províncias, foram ocultados. A leitora e o leitor perceberão que este relatório não menciona entrevistadas do sexo feminino. Isso, no entanto, não significa que mulheres não foram inquiridas; significa apenas que, para sua protecção, não fizemos referência a este facto. Ainda que este relatório não tenha focado em questões de género, tornou-se evidente para os entrevistadores que OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 13
  • 15. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 uma minoria feminina ocupa cargos de poder nos serviços públicos, sendo a grande maioria composta por homens. Assim, ao revelarmos o sexo da pessoa entrevistada, tal dado poderia facilitar a sua identificação. Por esse motivo, todos os entrevistados foram apresentados como do sexo masculino, ainda que um número de mulheres tenha inte- grado o grupo de entrevistados. 14 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 16. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 1. Análise comparativa da situação da administração da justiça no sistema penal angolano hoje à época do primeiro relatório Quando a AJPD publicou o 1.º Relatório sobre os Direitos Humanos no Sistma Penal Angolano em 2005, Angola vivia uma realidade diferente da actual. Na altura, o sistema de justiça penal angolano enfrentava várias dificuldades no capítulo da legislação, das infra-estruturas e dos recursos humanos. A AJPD tinha constatado o seguinte: 1) Que apesar da transição formal do Estado socialista para o Estado Democrático de direito, operada pela Lei Constitucional, aprovada pela Lei n.º 23/92, foi visível a continuidade das práticas violadoras dos direitos e liberdades fundamentais; 2) Que não houve forte vontade política do Governo no ajustamento e reforma do sistema judicial tendo em conta os desafios do Estado de Direito; 3) Que a maioria da legislação estruturante do sistema judicial (sistema penal) estava desajustada e/ou era inconstitucional; referindo-se à Lei 18/88, de 31 de Dezem- bro- Lei do Sistema Unificado de Justiça; Código Penal, datado de 1886; ao Código de Processo Penal (1929), a Lei da Procuradoria-Geral da República, a Lei da Prisão Preventiva, inexistência de uma Lei Ordinária de “Habeas Corpus”; a Lei dos Serviços Prisionais, regulada pelo Decreto n.º 39 997 de 1955; a Lei n.º 20/88 de 31 de Dezembro –Lei sobre o ajustamento das leis processuais penal e civil, etc…, que necessitavam de revisão urgente. 4) Que haviam muitos casos de excesso de prisão preventiva e de prolongamento ilegal das penas de prisão e atrasos no envio de certidões de sentença; 5) Que a maioria das infra-estruturas físicas que albergavam os tribunais, os cartórios notariais, as esquadras policiais (incluindo as DNIC e DPICs), os estabelecimentos prisionais não possuíam condições materiais dignas dos respectivos serviços; 6) Que os tribunais eram escassos para atender a demanda processual, as salas de audiência, as secretárias, os gabinetes dos juízes e procuradores estavam cada vez mais degradados; eram escassos os meios de comunicação e de transportes para se efectuarem as diligências necessárias à prossecução da função jurisdicional; 7) Que a maioria das cadeias do país não possuíam condições dignas de habitabilidade e não realizavam o fim de reabilitação e reintegração social dos reclusos; 8) Que a competência de legalizar as detenções e de fiscalizar processos criminais deveriam ser tarefas próprias do Poder Judicial e não do Ministério Público como acontece actualmente; 9) Que a nível dos recursos humanos, havia insuficiência de juízes, procuradores, in- vestigadores, instrutores, assistentes prisionais, oficiais de diligência etc…Outrossim, OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 15
  • 17. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 a AJPD tinha constatado que muitos desses agentes da justiça eram mal remunerados e não possuíam as melhores condições para realizarem dignamente as suas funções. Volvidos que são 4 anos, no âmbito do seu Programa de Reforma Penal, em parti- cular, e de defesa dos direitos humanos, em geral, a AJPD após ter monitorado o fun- cionamento da justiça penal em Angola, constatou o seguinte: 1) Que a realidade da justiça penal em Angola melhorou em alguns aspectos, e manteve-se inalterável noutros. 2) Que a condição sine qua non para que se operem as profundas mudanças que se impõem e se esperam ao nível do actual estado da justiça penal em Angola dependem de uma determinada vontade política do Executivo, do Presidente da República; e dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público. 3) Que os magistrados judiciais e do Ministério Público, bem como os respectivos conselhos destas Magistraturas, têm grande responsabilidade para que o actual quadro não se altere, porque eles recusam-se, por acto e omissões, a pugnar para que as reformam sejam rapidamente efectuadas; 4) Que as condições remuneratórias dos actuais agentes da justiça melhoraram apenas para os juízes e procuradores, sendo que os instrutores e investigadores, os oficiais de diligencia, os secretários judiciais, os escrivães de direito e seus auxiliares e os assistentes prisionais continuam a auferir salários não condicentes com o seu trabalho. 5) Que embora não seja ainda suficiente, o número de Magistrados Judiciais e do Ministério Público aumentou. Por exemplo, entre os anos 1990 e 2002, o número de juízes tinha crescido de cerca de 50 para 82; o de Magistrados do Ministério Público de cerca de 70 para 154.4 Já no período entre 2003 e 2008, o número de juízes cresceu de cerca de 111 para 2225. 6) Que ao nível dos serviços prisionais, houve um aumento do número de psicólogos, de sociólogos e assistentes sociais para prestarem melhores serviços aos reclusos. 7) Que ao nível da alteração da legislação penal em Angola, apenas foram actualizadas ou aprovadas a Lei n.º 08/08 de 29 de Agosto ( Lei Penitenciária); o Decreto n.º 64/04 (Regulamento do Trabalho Prisional); e apresentado para discussão e contribuições públicas, o Ante-Projecto do novo Código Penal. 8) Que maior parte das infra-estruturas que albergam os serviços dos órgãos que intervêm na administração da justiça, nomeadamente os tribunais, as procuradorias 4 Cf MARQUES, Luís Paulo Monteiro, Labirinto do Sistema Judicial Angolano-Notas para a sua compreensão, Lou- res, 2004,pág 92. 5 Fonte: Relação Nominal dos Magistrados Judiciais, actualizada a 30 de Dezembro de 2008, Comissão Para Reforma da Justiça e do Direito. Na lista dos 222 Juízes, apenas 209 estão no activo, dos restantes 10 são jubilados e outros por outras situações, não temos disponíveis os números de outros agentes da justiça por dificuldade no acesso às fontes. 16 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 18. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 provinciais, a Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPICs), continuam degradadas e que as benfeitorias nelas efectuadas são de pouca qualidade, como por exemplo, as DPICs em Malange, na Lunda Norte e Huíla. 9) Que o Governo construiu novos estabelecimentos prisionais nas províncias de Cabinda, Lunda Norte, Bengo, Luanda (Kakila e sector feminino de Viana), Zaire e Malange; e novos pavilhões em alvenaria nas Cadeias de Viana, Kakila e Caxito, todas com capacidade de 600 reclusos. 10) Que o Governo está a construir, lentamente, 3 Palácios de Justiça em alguns municípios em Luanda e que as obras de construção e reabilitação de tribunais nas res- tantes províncias do país, bem como o seu apetrechamento são quase inexistentes; 11) Que continua a existir morosidade nos processos criminais por causa das leis penais ainda desajustadas, existir a falta de condições de trabalho nas secretarias dos tribunais, de comunicação e transporte quer da Polícia de Investigação, quer dos estabelecimentos prisionais, quer dos tribunais. À esta realidade alia-se a fraca capacidade do pessoal auxiliar e da escassez de juízes e magistrados.6 12) Que o índice de produtividade na sala dos crimes comuns ainda continua aquém das expectativas dos cidadãos. Por exemplo, no início de 2008, a Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, tinha um total de 14.185 processos, dos quais 11.494 transitaram de 2007 e 2. 691 entrados em 2008. No fim de 2008, apenas tinham sido julgados 1978, tendo transitado para 2009, 11.901 processos.7 Ainda assim, pelas condições disponíveis para os juízes, para os procuradores e sobretudo para os funcionários auxiliares dos tribunais, deve-se elogiar esforço. 13) Que continua a existir a prática de maus tratos e violação à integridade física dos cidadãos nas Celas das DPICs e em algumas esquadras do país; 14) Que a cultura de confindencialismo e militarismo ainda é acentuada em muitos investigadores, instrutores, e em alguns procuradores e juízes. 15) Que até à data da elaboração deste relatório, o Tribunal nunca tinha dado provimento ao Habeas Corpus interposto por cidadãos e por advogados contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, contrariamente ao previsto na Lei Constitucional (Artigo 42.º ss). 16) Que, apesar dos parcos investimentos no sector, os Tribunais ainda estão longe de cumprir a sua função de defesa do direito e dos direitos: contribuir para a efectivação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a defesa da legalidade demo- crática em Angola. 6 Cf ainda « No Uíge para constatações, Presidente do Supremo reconhece falta de quadros»; Luanda, 22 de Outu- bro de 2009, n.º 11636, pág 2. 7 Fonte: Tribunal Provincial de Luanda, Março de 2009 OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 17
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  • 20. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 2. O SISTEMA PENAL ANGOLANO 2.1 A DIRECÇÃO NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL (DNIC) Nos termos da Lei 20/93, de 11 de Junho, a DNIC é o órgão afecto ao Ministério do Interior com competência para investigar e instruir os processos criminais. É tam- bém chamada a Polícia de Investigação Criminal. É o órgão operativo central ao qual com- pete a investigação dos crimes, a realização de buscas e apreensões e a captura de suspeitos. Os resquícios de confidencialismo e militarismo – típicos da época de guerra, em que o segredo e a hierarquia eram essenciais – vêm-se claramente nas DPICs, onde os cidadãos são impedidos de, com o intuito de aperfeiçoar a organização institucional no país, colher informações de natureza públicas. A verdade, no entanto, é que tal observação preliminar já indica aos mais atentos alguns traços do quotidiano das DPICs. A mentalidade militarista está bastante presente também na extrema rigidez que leva não só ao desrespeito da legislação criminal, mas até mesmo à intolerância em casos onde profissionais buscam legitimamente informações para aplicar a lei. O depoimento abaixo exemplifica essa situação. Quando perguntado acerca da utilização em peças processuais de normas de documentos internacionais de direitos humanos, nos termos do artigo 21.º da actual Lei Constitucional, um procurador nos revelou que:« Isto é muito complicado. Sim, há determinados casos em que procuramos aplicar instrumentos também internacionais. Mas muitas vezes somos mal compreendidos, eu já tive essa experiência. Em muitos casos temos prisões ilegais. Então, naqueles casos em que o indivíduo estiver preso sem cumprimento da lei da prisão preventiva, ordeno que o processo me seja entregue, analiso os fatos e o enquadramento da lei e liberto o indivíduo. Mas isso já me levou a processos disciplinares! O maior problema é esse, as autoridades que não compreendem. Sim, cito documentos internacionais de direitos humanos, como Carta Africana. Os juízes não são o problema, o problema são os órgãos de instrução». Este depoimento, como muitos outros colhidos, revela uma mentalidade ainda muito presente na DNIC e nas DPICs de considerar os suspeitos e arguidos como inimi- gos e não como cidadãos. Tal mentalidade já não se adequa aos tempos de paz e da construção do estado de direito democrático que os artigos 1.º e 2.º da actual Lei Consti- tucional consagram. Segundo o depoimento de um jornalista, « Por serem militares os investigadores são arrogantes, continuam com a prepotência, não atendem convenientemente as pessoas, usam o poder para se vingar, usam tortura na investigação, é um sistema caduco. Precisam de formação, de reciclagem, precisam saber que direitos humanos precisam ser respeitados». OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 19
  • 21. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 Nas visitas efectuadas pela AJPD às Direcções Provinciais de Investigação Criminal – DPICs – constataram-se situações contrastantes quanto ao trabalho nesta instituição. Por um lado, os membros das DPICs aparentam ser aqueles que trabalham mais horas quando comparados com os funcionários dos Tribunais e das Procuradorias. É de fato impressionante a quantidade de horas de trabalho. Por outro lado, as suas instalações são, em geral, as menos apetrechadas, algumas a necessitarem de urgente reestruturação e aparelhamento. Segundo o director de uma DPIC, a rotina de trabalho, além de pesada, é extensa nas DPICs: «Todos os dias há reunião às 23h, do quadro operativo; para evitar que fuja um ou outro que é esse horário. É para prestar contas do que foi produzido ao longo do dia; e outra às 8h, com o Comando da Polícia». As condições materiais são precárias. O procurador junto a uma das DPICs desabafou: «Fax, telefone, nada disso... Internet? [risos]. Nem tem luz aqui, já reclamamos». Já um investigador de uma DPIC revelou-nos o seguinte: « Não são boas as condições de trabalho, são péssimas, falta de quase tudo, material de escritório etc. Isso não impede que trabalhemos, mas não podemos fazer muita coisa». Se as condições dos escritórios de algumas DPICs estão débeis, a situação das celas é desumana e “péssima”, nas palavras de um procurador entrevistado: « A cadeia junto à DPIC, se vissem iam ficar arrepiados... uma casa assim, mínima, onde ficam mulheres e homens no mesmo quarto, e onde se fazem necessidades no mesmo local». Membros das DPICs queixam-se ainda da falta de um laboratório de análises criminais, o que possibilitaria que o procedimento de produção de prova se desse de forma mais objectiva. Recentemente foi inaugurado em Luanda um moderno laboratório de análises criminais; no entanto, a distância em relação às províncias dificulta que a estrutura seja utilizada nos fatos ocorridos distantes da capital. Um dos profissionais disse-nos que, na sua prática diária como investigador, chegam à sua presença substâncias que são aparentemente psicotrópicos de uso proibido pela legislação angolana. No entanto, a amostra somente deveria produzir prova adequada de um crime caso um perito pudesse avaliá-la e, após a utilização de reagentes e outros instrumentos adequados, comprovasse que de fato se trata de substância ilegal. Como disse o investigador da DPIC: «Sou investigador e presumo ser cocaína, mas preciso enviar à peritagem própria, logística». Perguntados acerca da existência e qualidade de cursos de superação, os membros das DPICs disseram que, de fato, há uma série de cursos destinados ao aperfeiçoamento dos profissionais da instituição. É clara a vontade de aperfeiçoar a qualidade técnica dos profissionais. Dentro de seus limites orçamentais, percebe-se que o Estado está de facto trabalhando pela capacitação dos quadros das DPICs. O próximo passo, no entanto, é aumentar a qualidade dessas formações, ainda aquém das necessidades do pessoal, que 20 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 22. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 chega às DPICs com uma série de debilidades resultantes do actual estado do sistema de ensino básico do país. Notou-se ainda que a relação entre as DPICs e os Magistrados Judiciais e do Ministério Público em geral são harmoniosas. No entanto, em alguns momentos tem havido tensões que muitas vezes resultam simplesmente da vontade dos procuradores em manterem os processos na legalidade através do respeito dos prazos de instrução de processos-crimes. A iniciativa mais louvável de todas é o projecto de patrulhamento de proximidade. Através dessa iniciativa, uma das DPICs está promovendo a aproximação da comunidade, baseada no princípio de que: “O alicerce da actividade criminal é a prevenção, ao investigar, estamos a falhar! Nossa palavra de ordem é a prevenção, se não mesmo o corte, da actividade delituosa. Se tivéssemos mais investigadores, haveria menos crimes!” Dessa forma, o Comando de Polícia tem-se reunido quinzenalmente com a comunidade, com líderes dos bairros, com os sobas, de forma a pesquisar como pode ser mais eficiente e corresponder melhor aos anseios dos cidadãos: “Temos policiais que vão à casa do cidadão, perguntam como passaram a noite, se houve problema na rua etc.” Os números de telefone do pessoal da DPIC foram tornados disponíveis à população que com eles podem entrar em contacto directamente quando necessário. Por isso a estratégia do patrulhamento de proximidade torna o policiamento mais eficiente: ao estreitar as relações entre os oficiais de polícia e a população, esta sente-se mais disponível para compartilhar o que sabe a respeito da criminalidade local. O patru- lhamento de proximidade parece ser uma óptima iniciativa para se prevenir a criminalidade. O trabalho de instrução de processos-crime feitos pelas DPICs foi tido como cheio de dificuldades na avaliação dos procuradores: 1) Uma delas é a formação académica de alguns investigadores, que, segundo os procuradores, não é a desejável. Segundo eles, uma formação que os torne hábeis em lidar com a legislação penal e escrever peças é fundamental. Um magistrado do MP afirmou que « processos mal instruídos na polícia têm criado uma série de dificuldades para os advogados e magistrados». Já outro falou: « Peças mal instruídas, falta de formação. Um instrutor deve saber sobre os exames que instruem o processo, a gravidade das lesões, o tempo que ele pode levar». 2) Outra dificuldade é a escassez de material de trabalho, o que se relaciona com uma dependência ineficiente de recursos materiais em relação ao Comando Provincial. 3) Uma terceira dificuldade associada aos trabalhos das DPICs, é o facto de o Ministério do Interior, sob cuja tutela se encontram as divisões de investigação, dispor de uma estrutura gigantesca de órgãos e instituições que impede que o cuidado especializado que as DPICs merecem se materialize em um mais vigoroso apoio e aperfeiçoamento de procedimentos. Como consequência, essa desatenção se reverte em reflexos negativos no dia-a-dia das DPICs: «Nós analisamos e vemos que o processo é incompleto, OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 21
  • 23. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 queríamos investigação mais aprofundada, mas eles não podem, porque não têm meios. Tudo depende do Comando; e o Comando é grande...». Segundo alguns procuradores, tais dificuldades decorrem do facto de, nos termos do artigo 2.º do Decreto n.º20/93 (Estatuto Orgânico da Polícia Nacional), as DPICs, estarem subordinadas aos Comandos Provinciais, e estes, por sua vez, aos órgãos do Ministério do Interior nas Províncias. Perguntado acerca da relação do MP com a polícia, um magistrado respondeu que:“Tem sido feito esforço para efectivamente as coisas correrem de outra forma. Mas é difícil porque a subordinação do chefe da DPIC ao Comandante da polícia reduz os poderes do MP junto ao Director da DPIC. A minha chamada fica em segundo plano se chamo ao mesmo tempo que o comandante, porque o investigador é militar, tem que responder ao su- perior; e se não obedecer não é promovido! A situação dos militares é complicada. Há comandantes que compreendem, mas já tive comandante que, para eu ir visitar prisão, eu tinha que comunicar ‘vou visitar no dia tal’. Mas quem faz fiscalização tem que surpreender! Quando chegar lá não vou encontrar problema nenhum... Exigem que, quando desloquemos para a instituição sob sua tutela, primeiro os demos a conhecer. Eu por exemplo, se receber uma reclamação de um cidadão por causa de um processo, peço para o director me mandar o processo aqui; mas há directores que exigem que eu faça uma requisição para o envio do processo. Para encontrar essa compreensão é preciso gerir e sacrificar alguns interesses. Eu podia dar ordem, mas se eu disser ‘quero o processo tal no meu gabinete!’ ele me entende mal! Preciso dizer ‘senhor director, faz favor’. É preciso uma pessoa gerir. O cidadão encontra mais facilidade para vir aqui do que ir até a DPIC! Às vezes tenho que ligar para o director e falar ‘fala com o porteiro para deixar entrar o cidadão tal’ . A preocupação relatada acima remete-nos, mais uma vez, para a questão tratada já no início deste subcapítulo: as atitudes militaristas que reinam nas DPICs. Muitos quadros da investigação criminal ainda não compreenderam ou interiorizaram que se vive num Estado de Direito, onde, por definição, a lei é soberana. A obediência à hierarquia não se pode confundir com o estrito cumprimento da lei. Sobre o militarismo na DNIC e DPICs também se pronunciaram o Juiz Neto de Miranda e o advogado Raul Araújo, ex-bastonário da Ordem dos Advogados no debate sobre a integração da DNIC na justiça. « Neto de Miranda, Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo, sustentou o seu ponto de vista com o argumento de o objecto principal das actividades da DNIC tem um carácter civil, contrariamente ao carácter paramilitar do órgão que hoje a tutela, rejeitando o argumento de transitoriedade com que se prolonga a integração daquele órgão de policia criminal no seio do Comando Geral da Policia Nacional, e achando que o seu director deve ser um magistrado». « (…) Raul Araújo defendeu, de igual modo, que enquanto estrutura militarizada, o Comando Geral da Policia Nacional não devia dirigir a DNIC, que tem como missão lidar com os cidadãos». 22 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 24. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 O militarismo das DPICs, está directamente relacionado com a subordinação hie- rárquica dos directores das DPICs em relação aos Chefes dos Comandos Provinciais da polícia. Tal hierarquia necessita de uma urgente reestruturação. De facto, a hierarquia aparenta estar acima do respeito aos direitos e liberdades fundamentais. Uma leitura do Regulamento de Disciplina da Polícia Nacional ( Decreto no 41, de 27/12/1996) revela que em nenhum de seus 99 artigos se faz menção à importância de se respeitarem os direitos humanos. O único dispositivo que se aproxima da questão - Artigo 3.o, parágrafo único – fá-lo de forma avessa ao princípio do Estado Democrático de Direito em que Angola hoje se deve pautar: « Em casos excepcionais, em que o cumprimento de uma ordem possa originar inconve- niente ou prejuízo, o inferior estando presente somente o superior, pode, obtida a precisa autorização, dirigir-lhe respeitosamente as reflexões que julgar convenientes, mas, se o superior insistir na execução da ordem que tiver dado, o inferior obedecer a pronta e inteiramente, assistindo-lhe, contudo, o direito de solicitar a ordem por escrito». Tal artigo é um indicativo de quão destoantes são as orientações legais fornecidas à polícia quando se trata de direitos humanos. No que toca ao direito internacional, já desde 1950, os julgamentos do Tribunal de Nuremberg assentaram que a prática de acções que incidem em violações de direitos humanos não livram seu autor de culpa no caso de terem sido ordenadas por superiores hierárquicos. É momento de Angola reconhecer esse princípio de direito internacional e aplicá-lo em sua ordem interna. Outra preocupação ainda no tocante à preponderância da obediência hierárquica em relação aos direitos, liberdades e garantias fundamentais está no n.º 27 do artigo 5.º do Regulamento da Polícia. Segundo tal disposição, é um dever da Polícia Nacional: “Ser moderado na linguagem, não murmurar das ordens de serviço nem as discutir, não se referir a superiores, iguais ou inferiores por modo que denote falta de respeito ou de consideração, não emitir apreciações, conceitos ou opiniões que importem censura aos actos dos mesmos superiores, nem consentir que subordinados seus ou indivíduos estranhos à Polícia Nacional o façam.” A dificuldade em cumprir as regras se manifesta também de uma outra forma extremamente perniciosa: as chamadas “prisões de fim de semana”. Alguns juízes e procuradores alertaram-nos para a prática de prender sem nenhum fundamento legal. De acordo com uma série de depoimentos, os “desafectos” de indivíduos próximos ao poder podem pagar um preço caro caso desagradem aos investigadores, policiais, procuradores ou juízes que não compreendem o princípio da legalidade. Em algumas províncias, foi-nos dito que cidadãos, mesmo sem terem incorrido em qualquer conduta delituosa, são presos numa sexta-feira e somente soltos na segunda- feira. Isso porque em muitas províncias, os procuradores que atestariam a ilegalidade de tais prisões e ordenariam a imediata soltura, nem sempre estão presentes nas DPICs ou nas esquadras nos fins de semana. O seguinte depoimento de um entrevistado ilustra essa prática: OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 23
  • 25. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 «Há prisões ilegais na DPIC! Por tudo e por nada, vais à cadeia! Aqui, já notei isto! Por capricho do investigador. Como as famílias estão próximas, basta haver alguma desavença, vai falar com o investigador, te prende na sexta, fica pelo menos de sexta a domingo preso! É preciso que o procurador junto à investigação esteja atento e visite a cadeia aos fins de semana e feriados. Procurador tem que actuar, não tem que soltar só! Não é só mandado de soltura! Tem que saber quem prendeu, averiguar, interrogar: ‘É crime? Você tinha poder para detê-lo?’ Se diz que sim, então não conhece a lei, então não pode trabalhar aqui. Se diz que está errado, agiu dolosamente, é preciso abrir processo contra essa pessoa. Se fizer isso, muda! O papel da procuradoria não está a ser exercido. O procurador provincial tem que saber pôr um bom procurador na DPIC, com personalidade. Há algum tempo esteve lá um procurador que bebia muito. Com uma cerveja, lhe convenciam». Em Luanda, a prática das “prisões de fim de semana” era comum e frequente até 2008, depois de um despacho do Procurador Geral da Repúblicas que orientou os pro- curadores a se fazerem presentes nas esquadras e DPICs nos fins de semana com vista a fiscalizar a legalidade ou ilegalidade das detenções efectuadas. Além disso, a polícia também tomou medidas para não permitir que sexta-feira se emitissem ou fizessem cumprir qualquer mandado de captura. Nas palavras do procurador, “Não posso dizer que acabou, MP não consegue chegar a todos os recônditos locais em que a policia está, mas desde 2008 a pior fase já passou.” A corrupção ainda está presente de forma marcante no trabalho das DPICs e da DNIC. Ela se manifesta basicamente de 2 formas: tráfico de influência e suborno. Um número grande de magistrados afirmou que os traços do militarismo, já apontados nesse relatório, levam à confusão da obediência à hierarquia com a troca de favores violadores da lei. Os magistrados narram que essa situação é frequente. Um juiz de um dos tribunais provinciais do país, narrou-nos o seguinte caso:“O filho de um dos responsáveis da DNIC, em racha de motas, morreu. Toda a instrução do processo foi feita nessa direcção: porque ele filho de não-sei-quem. A mota não tinha licença, arranjaram um livrete com a matrícula do [nome de província – omitido], depois soubemos que lá não havia registo de mota. A mota não apareceu nos autos. A viatura ficou aprendida, andaram atrás do rapaz para matá-lo, nada disso contou no processo durante a instrução. Todo o resto, testemunhas etc., não interessava. Tem a ver com se ter instalado em nosso país em geral um certo sentimento de impunidade. A quem está em determinada posição, não é o ‘Zé ali da esquina’ que fica impune. É só ir- mos às cadeias e vermos quem lá está, irmos à DNIC e vermos contra quem os processos correm. Aqueles que se beneficiam dessa impunidade protegem os seus. Conseguir que o filho de um general de nosso exército seja detido porque cometeu uma infracção qualquer de rua não é fácil. O contrário também não é fácil: já vi um general que queria à força meter na cadeia duas meninas e um rapaz por discussão de rua, numa discussão com o motorista dele. As meninas queriam meter o carro dentro da garagem delas, estavam em casa, e o motorista estava interrompendo a passagem. O motorista saiu do carro e bateu na menina! Gerou-se confusão, era uma festa, o general saiu para ver o que estava acontecendo, o general disse que as miúdas bateram nele. Esse processo desapareceu, junto com o prédio da DNIC que caiu. O irmão das 24 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 26. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 meninas veio em socorro delas também. As pessoas acham que beneficiam desse estatuto de impunidade e transferem esse ‘direito’ para os seus».” Em relação à segunda forma de corrupção, o suborno, também encontramos relatos sobre a prática. Enquanto a polícia não criar a sua imagem de zeladora da lei, será irónico que se tente cobrar que o cidadão não infrinja normas. De acordo com alguns entrevistados, é preciso criar condições para que o polícia não permita o aliciamento; um cidadão ou uma cidadã que possua um salário digno e boas condições de trabalho estará menos vulnerável às tentações da corrupção. Na entrevista do Comissário Joaquim Ribeiro concedido ao Semanário Angolense, em Maio de 2009, a questão dos baixos salários da polícia é abordada e relacionada com a prática do suborno ou da “gasosa”: “Semanário Angolense – Um outro aspecto também importante para o próprio combate à criminalidade será um bom salário para todos os integrantes da polícia. Acha que os seus homens ganham bem? Joaquim Ribeiro – Não. Nem pensar. Com o custo de vida que temos no país, ainda não ganhamos como gostaríamos.” 8 É preciso dizer ainda que, segundo os depoimentos dos magistrados, a prática da corrupção está instaurada na polícia e, mesmo que as condições materiais sejam melhoradas, ainda assim o problema persistirá se outro trabalho mais aprofundado não for realizado de forma a combater o problema. São também esclarecedoras as declarações do Grupo de Trabalho da ONU sobre a Detenção Arbitrária:“As entrevistas feitas apontam para uma percepção de que existe uma corrupção generalizada dentro do sistema de administração da justiça, em particular no seio da polícia e das autoridades prisionais. O Grupo de Trabalho foi informado que a libertação das pessoas detidas ilegalmente e o andamento célere da instrução preparatória muitas vezes depende de subornos mais do que do cumprimento de procedimentos legais, em particular em Luanda. A ausência de registos de detenção adequados facilita tais comportamentos, porque tais registos não contêm a informação necessária para um controlo rápido e eficaz das chegadas, transferências e libertações dos presos, e da população carcerária.” 9 8 Semanário Angolense, em 30 de Maio de 2009, “A gasosa é universal”, p. 42. 9 African Press Organization, em 28/09/2007, “Nações Unidas: O grupo de trabalho sobre a detenção arbitrária vi- sitou Angola”, disponível em: http://appablog.wordpress.com/2007/09/28/nacoes-unidas-o-grupo-de-trabalho- sobre-a-detencao-arbitraria-visitou-angola/ e para mais informações Cf AJPD, Relatório de Direitos Humanos, um olhar sobre o Sistema Penal angolano, 2000-2004. OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 25
  • 27. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 2. 2 OS SERVIÇOS PRISIONAIS Nos termos do Decreto-Lei n.º 11/99, de 9 de Julho, os Serviços Prisionais integram a estrutura orgânica do Ministério do Interior, como sendo Serviços Executivos Centrais. O seu artigo 23.º dispõe que os Serviços Prisionais são o órgão encarregue do controlo da execução de penas e medidas de segurança impostas pelos tribunais aos indivíduos sujeitos a privação de liberdade, sua reeducação, bem como do acompanhamento dos prazos de prisão preventiva. A actividade dos Serviços Prisionais, como órgão que integra o sistema penal, é regulada da Lei n.º 8 /08 de 29 de Agosto, Lei Penitenciaria. Para complementar a execução das penas, existe a o Regulamento da Organização do Trabalho Prisional (Decreto-Lei 64/2004 de 1 de Outubro) com vista a dotar o recluso de formação técnico-profissional, que e facilite sua inserção social. Durante as suas visitas, a equipa da AJPD constatou, em Luanda e nas províncias, que a atitude militarista é ainda mais acentuada no tratamento dos reclusos. A lógica da guerra – de que o preso é um inimigo, não um cidadão – ainda é muito viva nas prisões. A óptica de que todas as pessoas merecem tratamento humano, independentemente de estarem ou não atrás das grades, está longe de representar a mentalidade dominante entre muitos investigadores das DPICs e funcionários das cadeias. O Director de uma das DPICs disse que: «Os presos têm tido tratamento devido, não especial, porque se for especial não é preso. Há orientação que não se pode tratar mal os presos, são seres humanos. Pelo contrário, eles é que se portem mal». O que esperar de uma província cujo director de investigação criminal parte do princí- pio de que os detidos e presos se portam mal unicamente por serem presos? Verifica-se, dessa forma, flagrante violação do direito à integridade física e moral, expresso no artigo 23.º da actual Lei Constitucional que dispõe que “Nenhum cidadão pode ser submetido a tortura nem a outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes”);e no artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ratificado por Angola segundo o qual “Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas”), na alínea c) do n.º 2 do artigo 6o da Lei Penitenciária e nos artigos 31.º e 32.º das Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos da ONU de 1955. A ausência de profissionais do ramo da psicologia e psiquiatria também é lamen- tada pelos profissionais que trabalham nas cadeias. Lamenta-se a falta de apoio de espe- cialistas no diagnóstico de distúrbios e no tratamento de problemas mentais: «Nunca tivemos educadores sociais. Eu faço decisões aqui que muitas vezes não estão correctas porque eu não sei o interior do homem, eu preciso de conhecimento também, posso dizer que sujeito estava anormal, mas na verdade não estava». 26 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 28. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 Os juízes foram unânimes em revelar que não há nenhuma colaboração por parte dos profissionais da área de assistência social. E que, mesmo quando se nota a necessidade da actuação de pessoal dessa área, não há verbas para pagá-los. Um magistrado ilustrou essa realidade no seguinte depoimento:« Tínhamos cerca de [número omitido] réus em Luanda que aqui apresentavam indícios de loucura. Abriram-se processos de alienação mental, mas aqui não havia especialistas; orientamos a cadeia a mandá-los à cadeia de São Paulo, à psiquiatria. Fui ao São Paulo uma vez, pessoalmente, não me davam informações sobre um réu preso, não sabiam nem onde o réu estava. Eu achei o rapaz, e perguntei ao médico: nesses casos onde a demência é notória, por que não fazem um relatório e liberam o preso? Eu soltei o réu. Alguns precisam de psicólogo, há uns que fingem loucura, mas há aqueles casos onde a demência é notória, é só atestar. “Estão aqui os malucos todos!” foi o que me disseram. Era preciso trabalhar mais sério com esses doentes. Aquela cadeia de São Paulo não é psiquiatria, Luanda é que tem psiquiatria, eles próprios deveriam encaminhar, não reter os doentes ali no São Paulo por muito tempo». Segundo um funcionário de uma cadeia visitada, a maior dificuldade está em fixar os especialistas em sítios distantes de Luanda. Há poucos atractivos para os especialistas, a remuneração é insuficiente e as condições de habitação são precárias. É vital que o Estado crie medidas e planos que permitam a existência de melhores condições para que psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais se fixem próximo às cadeias. De outra forma, a ideia de ressocialização permanecerá muito distante da realidade. Os recursos humanos e financeiros afectos às cadeias são irrisórios para se atingir o fim da ressocialização. De acordo com declarações de Carlos Diamantino à Rádio Eclésia, em 24/07/2008, em todo o País há apenas 24 assistentes sociais a trabalhar nos serviços prisionais. Quando se trata de psicólogos, há 16 em Luanda, 1 em Benguela, 1 no Uíge e 8 técnicos especializados em psicologia em Viana, província de Luanda. Com esta equipa de apoio tão restrita é impossível que as cadeias cumpram com seu papel de reeducação e reintegração. As condições de habitabilidade em algumas cadeias do país continuam péssimas. Esta constatação foi unânime na opinião da maioria dos entrevistados, entre procuradores, investigadores e funcionários prisionais. Uma das cadeias visitadas alberga mais que 10 vezes o número de presos para a qual foi planeada. O director de uma das cadeias afirmou que o orçamento destinado à sua unidade é diminuto e insuficiente para satisfazer as condições básicas do estabelecimento prisional e que às vezes tira “dinheiro do próprio bolso para pagar dívidas”. De acordo com o Ministro do Interior, Roberto Leal Monteiro, em Maio de 2008 existiam em todo o país 15.000 reclusos, mas uma capacidade de internamento de apenas 7500 pessoas. 10 Já no primeiro trimestre de 2009 a situação piorou de acordo com 10 Portal Angop, 20/05/2008, “Excesso de prisão preventiva domina reunião entre Minint e órgãos de justiça”, in- formação disponível em www.portalangop.co.ao/ OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 27
  • 29. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 dados fornecidos à AJPD pelos Serviços Prisionais, pois que para uma população penal de 16137 há uma capacidade efectiva de 8394 lugares. De acordo com o Departamento de Reeducação Penal dos Serviços Prisionais, o maior problema da instituição hoje é a superlotação dos estabelecimentos prisionais. Conforme a declaração de Roberto de Almeida, ex-presidente da Assembleia Nacional: « Durante as deputações realizadas às diversas províncias no âmbito da actividade da Assembleia Nacional, tem-se constatado em termos gerais que a Justiça no país atravessa um período difícil, caracterizado pelas cadeias repletas de reclusos e detidos e com processos em tribunal a aguardar julgamento» 11 Tal constatação também foi feita numa reportagem do Semanário Angolense. Há ques- tões de cunho processual que contribuem para a superlotação das cadeias. Todos os reclusos que tenham cumprido metade de suas penas podiam concorrer à liberdade condicional, mas muitos não beneficiam deste direito por responsabilidade da entidade judicial competente.12 Mesmo as condições exigidas pela nova Lei Penitenciária13 no que concerne ao tratamento dos reclusos ainda estão longe de se concretizarem. O director de uma das cadeias afirmou que tem conhecimento que a nova Lei Penitenciária foi promulgada, mas ainda não possui uma cópia do documento. De acordo com as visitas efectuadas às cadeias pela equipa da AJPD, em Outubro de 2007, e também segundo o comunicado de imprensa da ONU sobre a visita a Angola do Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária, de 27/07/2007, verificou-se o seguinte quadro, em flagrante desrespeito aos direitos humanos dos reclusos:14 - Cadeia do Condueje, Lunda Norte: os dirigentes não sabem informar o número de presos no estabelecimento. Por certo tempo os reclusos não tiveram as 3 refeições diárias, havia sinais claros de fome entre os presos e faltava viatura para o transporte dos reclusos. 11 BERNADINO, Manje, Actual sistema de justiça é insuportável, Jornal de Angola, Luanda, 25/04/2008, Bernar- dino Manje. 12 Cf artigo 17 da Lei Penitenciária e artigo 120.º Codigo Penal ss 13 A Lei Penitenciária, aprovada pela Lei n.º 8/08, de 19 de Agosto. No artigo 6.º, o diploma consagra, dentre uma série de outros direitos assegurados aos presos, o direito ao respeito pela dignidade humana e ao desenvolvimento integral da sua personalidade, à vida, à saúde e integridade pessoal e a não ser submetido à tortura, maus tratos ou medidas degradantes. 14 Além de violação ao direito à integridade física (conforme os dispositivos já citados no item 2.1.2 deste relatório), as constatações da AJPD revelam também a violação ao princípio da ressocialização do recluso e do princípio da prevenção geral e especial, expressos nos artigos 1o e 5o da Lei Penitenciária (Lei no 08/08), do direito à vida e à saúde do recluso (artigo 6.º), e do direito à assistência médico-sanitária, médica e medicamentosa, expressos nos artigos 54o e 55o da Lei Penitenciária e no artigo 16.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos; do direito à assistência social, expresso no artigo 58o da Lei Penitenciária; ao acesso à cultura, expresso no n.º 2, alínea g) do artigo 6o, da Lei Penitenciária; do direito à assistência laboral, expresso no artigo 59o da Lei Penitenciária; do di- reito ao devido processo legal, conforme expresso no artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos; do direito à educação, conforme expresso no artigo 62o da Lei Penitenciária e no artigo 17.º da Carta Afri- cana dos Direitos do Homem e dos Povos. 28 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 30. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 A prisão estava a abarrotar com o triplo de sua capacidade, o que contribuía para um calor sufocante nas celas que na verdade são um “armazém” além de que o local era inundado quando chovia.Havia denúncias de abusos sexuais contra mulheres detidas. - Prisão do Yabi, Cabinda: a prisão e detenção à ordem das Forças Armadas Angolanas, embora não tenham competência para prender e deter civis, isso é prática corrente em Cabinda. Muitos detidos não são apresentados a um juiz dentro do prazo legalmente estabelecido. É muito recorrente a prática de torturas através do uso de armas de fogo. Há notícia de um detido que perdeu a perna após ter sido baleado. A situação nas cadeias de Cabinda é desde há muito preocupante a ponto das autoridades locais terem impedido o grupo de trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU, em 2007, de visitar os estabelecimentos prisionais. Além disso, detidos que se encontravam na DPIC e na Esquadra da Polícia de Cabinda foram transferidos para outros locais pouco antes da visita do grupo. - Cadeia de Viana, Luanda: vários presos apresentavam sinais visíveis de maus tratos e tortura; água e comida são oferecidas em escassez aos presos. A cadeia foi construída para abrigar 1250 presos, no entanto albergava 3125 em Maio de 2008. Alguns dos presos dormiam no chão e mesmo assim não havia espaço para todos se deitarem.15 - Ca dei a do Péu Péu, Ku n ene: as celas encontram-se em condições deploráveis. A cadeia não tem programas de ocupação dos reclusos com vista à sua reinserção na sociedade. As celas de transição das esquadras na província do Kunente, incluindo a da DPIC, não possuem condições de habitabilidade para os detidos que por ali passam, redundando em constantes violações de direitos humanos. Até então, na cadeia do Péu-Péu a população penal era de 544 pessoas, entre as quais 238 condenados e 266 detidos, incluindo mulheres e 6 estrangeiros. Cerca de 70 detidos aguardavam julgamento, que não se realizam por falta de juízes suficientes e de carro celular à disposição para transportar os arguidos. Em 01/10/2007, houve um motim na Cadeia Central de Luanda (CCL). Até então, havia 3.750 presos no estabelecimento com capacidade para abrigar apenas 300. Além do “confinamento”, outra violação que teria incitado a rebelião foi o hábito dos guardas prisionais roubarem a comida dos presos. Segundo o Semanário Angolense, quando não passa pelo roubo da comida, passa pela chantagem feita pelos guardas: a troca da comida dos presos pela concessão de pequenos privilégios. Caso não cedam a comida, os presos sofrem castigos e torturas psicológicas. De acordo com o jornal:“Com efeito, é fácil imaginar um tumulto numa prisão em que se juntam mais de três milhares de pessoas a aguardar julgamento, em péssimas condições de vida, a sofrer os desmandos dos guardas prisionais, tendo 15 ALEXANDRE, Elsa, «Falta de água e comida originou motim na cadeia de Viana», Jornal Angolense, Luanda, 10 a 17 de Maio de 2008,pág 14-15. OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 29
  • 31. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 os presos consciência da ilegalidade, muitas vezes, do prolongamento da sua prisão preventiva e, em muitos casos, alegando a sua inocência.” 16 Mais de uma dezena de presos morreram por asfixia em 2006, numa cadeia de Lunda Norte, devido à sobrelotação do estabelecimento. Em Outubro de 2007, dois outros presos morreram também por asfixia devido à sobrelotação numa cadeia da Lunda Sul.17 Tal situação já tinha sido reportada pela AJPD no seu primeiro relatório em 2005 e mais tarde pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre a Detenção Arbitrária ao afirmar que « Os presos vivem em condições muito duras nas prisões e noutros locais de detenção. Ficam a maior parte do dia em celas superlotadas sem participar em qualquer actividade. Comida e água constituem um problema sério, devido aos constrangimentos orçamentais das auto- ridades prisionais. As condições nas celas de detenção da DNIC; da Cadeia Central de Luanda e da Cadeia Provincial de Condueji na Província de Lunda Norte são alarmantes.» 18 Observa-se a boa vontade de alguns em relação à melhoria das más condições a que são submetidos os presos. O seguinte depoimento é um exemplo dessa prática. Quando perguntado acerca da existência de denúncias de maus tratos contra reclusos, o director de uma das cadeias visitadas disse: « Eu recebo essas notícias às vezes. Maus tratos vêm naquelas moléstias que às vezes um funcionário dá. Tenho recebido. Nós temos umas caixas dentro da cadeia onde o preso lança a reclamação e eu mando recolher. Às quintas, os presos conversam comigo. Muitos às vezes não sabem escrever, precisam conversar, um de cada vez. Para o colectivo, uma vez por mês os reúno todos ali fora e conversamos. Eu apuro as denúncias sem revelar a identidade dos presos». Tal prática de comunicação estreitada com os reclusos deveria ser mais incentivada nas demais cadeias. Se o que se espera é a ressocialização, ou seja, que os reclusos, ao terminarem o cumprimento de sua pena estejam aptos a reingressar na vida em sociedade, é indispensável que lhes sejam concedidas oportunidades de fazer valer seus direitos de cidadania. Se o Estado garantir que o recluso possa comunicar à autoridade competente a violação dos seus direitos, sem o medo de represálias, ao invés de ser condicionado a aceitar passivamente as violações, não estará fazendo nada mais do que sua obrigação de criar estruturas para que os cidadãos sejam respeitados e tenham uma vida mental e emocional sadia. 16 KALIENGUE, José. COSTA, Dani. MARGOSO, Ana, “Roubo de comida, sobrelotação e excesso de prisão pre- ventiva na base da rebelião”. Semanário Angolense, Luanda, 6 a 13/2007, pag 14. 17 Semanário Angolense, «Abuso da prerrogativa da prisão preventiva», 06.10.2007. 18 African Press Organization, em 28/09/2007, “Nações Unidas : O grupo de trabalho sobre a detenção arbitrária vi- sitou Angola”, disponível em: http://appablog.wordpress.com/2007/09/28/nacoes-unidas-o-grupo-de-trabalho- sobre-a-detencao-arbitraria-visitou-angola. 30 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 32. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 2.3 A PROCURADORIA – GERAL DA REPÚBLICA (PGR) Nos termos da Lei 5/90 de 7 de Abril, « a Procuradoria-Geral da República tem como função principal o controlo da legalidade socialista, velando pelo estrito cumprimento das leis (…)». Vale dizer, a semelhança do que constatamos aquando do primeiro relatório, que o nosso sistema penal fere gravemente o princípio da separação de poderes e o princípio do acesso à Justiça, uma vez que relega para o Ministério Público a competência de legalizar as detenções e de fiscalizar os processos criminais, tarefas que são, por essência, próprias do poder judicial. Em termos gerais, os gabinetes dos Procuradores Provinciais visitados, nomeadamente Malange, Bengo, Benguela e Cabinda, possuem condições materiais de trabalho. Um grande número deles está apetrechado com computadores, fax e mobiliário de escritório adequado. Em algumas províncias, porém, há condições lastimáveis de trabalho para os procu- radores. Um deles afirmou que: «Quando chove temos que nos ausentar das instalações por causa da água que entra». Também se observou que em grande número de municípios não há serviços de procuradoria e nos que os têm não existem casas-função para os procuradores lá destacados. Um dos piores problemas apontados pelos procuradores no que toca à estrutura ma- terial é a ausência ou o número insuficiente de viaturas. Numa província visitada, os pre- sos são conduzidos a pé por funcionários por distância maior que 1 quilómetro. Ainda, em mais de uma província, os procuradores relataram que a prioridade da concessão de carros é aos Procuradores Provinciais. Como as viaturas são escassas, os Procuradores Municipais têm seus trabalhos profundamente prejudicados, uma vez que a sua deslocação para vilas e comunas – muitas vezes distantes dos centros urbanos – ainda que necessária, é inviável. Um procurador revelou sua insatisfação da seguinte forma: « Os Procuradores Municipais não têm carros. Atrapalha porque trabalham em áreas extensas, é preciso ir à comunas, às aldeias. Quem tem a responsabilidade de dar os carros é a PGR. Já foi solicitado várias vezes, de diversas formas, dizem ‘amanhã, amanhã’ e não chega nunca». O número de procuradores municipais, e sua qualidade técnica, é com frequência apontada como insuficiente. Ocorre muitas vezes destacarem-se procuradores para as procuradorias municipais, mas como muitos deles não encontram condições materiais mínimas para lá funcionarem acabam por ficar a trabalhar nas capitais provinciais. Neste ponto, revela-se uma dependência danosa ao princípio da separação de poderes: os procuradores provinciais, ainda que tenham a competência para reger o orçamento recebido pela PGR, não dispõem de verbas extras para a construção de prédios de raiz para abrigar novos gabinetes ou sequer para reformar antigos edifícios para torná-los em condições mínimas de abrigarem os procuradores municipais. Assim, os procuradores OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 31
  • 33. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 provinciais precisam negociar com órgãos do Poder Executivo de forma a convencer governadores provinciais a conceberem as estruturas mínimas de trabalho para os procuradores municipais. Tais barganhas podem enfraquecer o poder da PGR nos locais afastados dos centros e resultar numa relação promíscua de troca de favores que deve ser combatida com todo o vigor. O número insuficiente de Procuradorias Municipais também é um problema que afecta gravemente a operacionalidade da justiça, especialmente nas províncias de maior extensão. O principal problema é reunir os elementos para permitir uma análise adequada dos factos, já que o procurador que irá analisar a legalidade da situação está, muitas vezes, a centenas de quilómetros do local onde a situação ocorreu. Como disse um procurador entrevistado: “A justiça assim não pode andar! Um indivíduo preso em [local omitido] chega às vezes em 5, 6 dias ao procurador. Quando o magistrado vai ver, o crime é banal e o indivíduo já sofreu, muitas vezes até pancadas. A Justiça não anda bem, podemos concluir sem medo de errar. Atinge direitos das pessoas! Nos casos em que o indivíduo é detido longe da sede, às vezes tenho que sacrificá-lo e mandar precatória para que ele venha; e são pessoas que não têm meios para vir! No fim do julgamento, pessoa vem me dizer que não tem família aqui, nem conhece ninguém, nem tem dinheiro pra regressar! Muitas vezes já dei dinheiro do meu bolso para a pessoa regressar à vila de onde veio.” Há independência orçamentária para a PGR, o que é um sinal positivo. No entanto, o mau sinal é a insuficiência dos recursos transferidos. Acresce que nem sempre as datas de transferência do dinheiro são respeitadas, como alertou um dos procuradores: « Hoje, dia 16, ainda não recebemos a quota financeira do mês». De acordo com os procuradores com quem conversamos, o dinheiro recebido pelas unidades da PGR nas províncias é insuficiente para que melhorias sejam levadas a cabo. Os recursos são apenas suficientes para a manutenção do trabalho do dia-a-dia, mesmo assim com limitações indignas da importância do trabalho da PGR. Um dos procuradores nos disse que o orçamento permite apenas a compra de “papel, pastas, material informático”. Outro revelou que “A verba disponibilizada não é satisfatória, dá para resolver algumas coisas”. Províncias vizinhas de Luanda não recebem exemplares do Diário da República. A propósito, dois procuradores disseram-nos; é preciso “mandar trazer”e“temos que comprar com dinheiro do nosso bolso”. Biblioteca é o sonho de vários procuradores, mas distante da realidade. A verdade é que os procuradores precisam despender dinheiro de seus próprios bolsos para encomendar livros e códigos. A respeito dos cursos de superação, ainda que haja cursos, disseram-nos que, além das actividades ocorrerem em periodicidade inferior à desejável, muitos são genéricos, não atendem a matérias específicas, o que faz com que as necessidades concretas dos magistrados não sejam atendidas. Quando perguntados a respeito da aplicação da legislação interna e dos documentos internacionais ratificados por Angola relativos aos direitos humanos, nota-se, por vezes, 32 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 34. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 uma grande confusão e alguns dos magistrados nem mesmo aparentam ter ciência do as- sunto. Um procurador disse-nos que “somente precisaria lidar com essa questão se lidássemos com cidadãos de outras nacionalidades, estrangeiros”, e que o assunto deveria “ser colocado a nível do Tribunal Supremo” e outro que «A chamada de uma disposição sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos de forma directa não seria a solução mais correcta». Esses procuradores desconhecem que os direitos humanos devem ser aplicados a todas as pessoas, independentemente de sua nacionalidade, e que qualquer magistrado no país, seguindo o inscrito no art. 21 da Lei Constitucional, não pode deixar de considerar tais direitos. É ainda digno de nota dizer que, exceptuando os juízes-presidentes dos tribunais das províncias que foram entrevistados, apenas um procurador afirmou ter actuado em processo em que as normas internacionais de direitos humanos foram aplicadas em matéria relativa a prisões ilegais. Mais preocupante ainda é o fato de apenas o mesmo procurador haver mencionado a existência da circular 571/01.05.04/998, do então Procurador-Geral da República, Augusto Carneiro, que obriga a aplicação de diplomas de direitos humanos quando se tratar de prisões ilegais, independentemente da legislação interna. Perguntados acerca do papel do Conselho Superior Magistratura do Ministério Público, os procuradores apresentaram opiniões divergentes. Alguns avaliam-no como adequado ao exercício de suas funções. Já outros referem que o Conselho ainda não possui estrutura própria para funcionar. Alega-se também a ausência de procedimentos claros para a aplicação das suas orientações, o que reduz drasticamente sua operacionalidade. Os procuradores também foram indagados acerca da possível interferência de indivíduos ou grupos de poder nos processos judiciais. Em geral, alegam três pontos: 1) O primeiro deles é que as tentativas de influência se dão em significativo maior peso em Luanda que nas demais províncias. Isso porque é lá que está a maior concentração de indivíduos e grupos com grande poder financeiro, político e militar. 2) O segundo ponto respeita aos subornos que são mais frequentes no cível que no crime e isto porque o poder aquisitivo dos réus de processos criminais é geralmente muito mais baixo que o das partes nos processos cíveis. 3) O terceiro ponto apresenta uma dimensão temporal: afirmam em geral os procuradores que os casos de tentativa de corrupção diminuíram sensivelmente a partir de 2002, com o fim do conflito armado. Antes «as garantias jurídicas não eram uma realidade, a justiça era apenas formal. (...) Não se podia tocar em autoridade qualquer porque ele era general não sei de quê, membro do conselho tal etc». Um dos procuradores afirmou que: «Isso existe em quase todos os sectores, a justiça não escapa! Já aconteceu aqui: actuando em crime grave que não admite liberdade provisória, recebi um envelope cheio de dinheiro». OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 33
  • 35. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 Ainda na questão das possíveis interferências de pessoas ou grupos nos processos judiciais, notou-se que a mentalidade de alguns procuradores ainda se encontra moldada de acordo com padrões incompatíveis com o princípio do estado de direito democrático. Esse é o caso do procurador que, quando por nós perguntado se já havia sofrido interfe- rências de poderosos no curso dos processos, respondeu NÃO à pergunta, mas fez a seguinte ressalva: «Claro, há questões que eles procuram a todo momento saber. Há pessoas que não gostam de estar na cadeia, quando uma dessas pessoas é tocada, faz redemoinho em volta do Procurador-Geral, que pergunta a nós o que se passa». Quando o assunto era o Sindicato da Magistratura do Ministério Público, a decepção esteve presente na maioria dos depoimentos. Um dos procuradores afirmou que a insti- tuição funciona apenas em Luanda, não nas províncias. Já outro procurador revelou o seguinte: «Tínhamos um camarada dinâmico e com coragem, mas quando veio o Procurador Geral da República, pegou no rapaz e disse ‘vem aqui, precisa estar mais no meu lado’, o trouxe para a sede, encheu-o de incumbências. No ano seguinte, o rapaz disse que não queria mais participar do sindicato! Aquilo ficou com outros colegas e não funciona. Meteram lá a Procuradora Geral de Luanda, também activa, e depois a colocaram ligada ao gabinete da Procuradoria-Geral, lidando directamente com o chefe! Que sindicato é esse? Se você tem que chocar, como estar próximo do chefe?».Outro procurador, ainda sobre o Sindicato, afirmou:“O Sindicato do Ministério Público não funciona. Só com muita força. O Carneiro ameaçou até dissolver o sindicato. A partir dali os órgãos eleitos começaram a ter mais cautela. Sim, faz falta, há muito problema, muita coisa a ser resolvida. Problema de formação, de falta de condição de trabalho.” A qualidade do pessoal de apoio ao trabalho dos procuradores é considerada aquém de razoável: “O pessoal de assistência não é de boa qualidade, nossa rede escolar não está em boas condições. O colhimento é feito de forma genérica. A pessoa vem para nós e precisa de qualificação. Há a escola em Luanda, mas a formação é priorizada para os magistrados, a dos auxiliares não é priorizada. Sou chefe, professor, orientador, corrijo textos... Estão todos novos e de fato não há formação desejável. Qualidade não há.” Quando se referem à advocacia, as opiniões dos magistrados do Ministério Público denotam muita insatisfação. A mais latente aparenta ser, sem dúvida, o facto de advogados serem praticamente ausentes dos fóruns fora de Luanda: “Não temos advogados aqui! Vêm de Luanda! A justiça não pode funcionar assim, não pode. A advocacia que temos em Angola é apenas virada aos aspectos comerciais, são profissionais liberais. Quantos julgamentos fizemos aqui sem notificar advogado? Não há escritórios de advogado.” O principal problema dessa ausência de advogados nas províncias é a violação ao prin- cípio da defesa do réu. O instituto do Patrocínio Judiciário, da forma como foi desenhado, não atende às necessidades do sistema de justiça angolano, muito menos dos cida- 34 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 36. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 dãos desprovidos de recursos financeiros envolvidos em processos judiciais. Esse assunto será retomado no item 3.3 deste relatório. Qual a causa de tamanha ineficiência? Segundo um dos magistrados entrevistados: «Os titulares, muitos deles não têm a coragem política de fazer nada: ‘deixa como está’. Creio que o presidente do Tribunal Supremo não terá a coragem de defender uma política diferente, fica assim mesmo, a ‘Deus dará’, sem nenhuma orientação». No que se refere ao relacionamento das Procuradorias Provinciais com as DPICs, algumas respostas obtidas indicam a necessidade imediata de sensibilização dos magis- trados do Ministério Público; principalmente em relação a algo que lhes deveria ser natural: o choque diante do incumprimento da lei quando se verificam agressões físicas ou qual- quer tipo de violação à dignidade humana. Um deles nos respondeu que: «Às vezes há situações que violam a legalidade, mas não de forma assustadora, aí entro em contacto com o comandante da polícia, quando há um cidadão detido, ou espancado». Já outro procurador afirmou o seguinte:«A Lei da Prisão Preventiva diz que detidos devem ser apresentados no mesmo dia ao procurador. O policial um dia levou um detido na casa de um colega, na hora do almoço, domingo, no seu descanso! Por isso temos interpretado de forma não tão rígida esse artigo 5o da Lei de Instrução, no caso de ela não prejudicar o preso. Hoje a cultura dos magistrados é essa, há despachos do PGR para se cumprir rigorosamente o que está previsto, mas há casos que às vezes levam a abrir pequena brecha, como nessas questões que eu lhe disse há pouco». Tais relatos manifestam as constantes violações da legalidade. O fato de um polícia desejar cumprir a lei e apresentar um detido ao procurador dentro do prazo de 24 horas da detenção, nos termos da lei da prisão preventiva, deveria ser motivo de elogio e não de crítica. O Estado tem o dever de criar mecanismos para que não seja ultrapassado o prazo que a lei estabelece e os procuradores devem ser os primeiros a cumpri-lo. Quando perguntados acerca das condições nas celas, muitos procuradores disseram que visitam as cadeias com frequência. Esse facto é razão para elogio, pois indica a preocu- pação dos procuradores em exercerem o seu dever fiscalizador nas cadeias. Por outro lado, os magistrados relatam que encontram situações lastimáveis, como o fato de não haver locais adequados para os presos dormirem em uma das cadeias, tendo que pernoitar no pátio. Ou ainda, o seguinte relato: «Eventualmente há agressões físicas nas cadeias. No interrogatório, detido diz que foi agredido pelo agente tal, mostra os sinais. Chamamos o agente, que mostra sua justificação, ocorrem nas unidades policiais nos bairros». A principal justificativa alegada para que se tolerem as condições terríveis de muitas das celas das esquadras é a seguinte: «Não podemos mandar fechar porque é cadeia transi- tória, preso vem de unidade prisional do bairro, detido tem que estar no local”. Ou então, dizem que “Na DPIC [as condições] não são muito boas, o quarto de banho é para os 2 sexos. No comando da polícia é a mesma coisa, não há condições mínimas nem aconselháveis, mas são unidades prisionais de passagem». OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 35
  • 37. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 No entanto, tal resignação é inconsistente com as competências do Ministério Público de zelar pela aplicação da lei; não basta o diagnóstico negativo, é necessário que as medidas para que as situações diagnosticadas se corrijam. O relato do mau tratamento dos presos é apenas um passo para que seus direitos sejam respeitados, mas em si ainda insuficiente. A resignação dos procuradores em relação às más condições a que os presos estão submetidos deve ser substituída por uma pressão em relação às autoridades competentes para que o quadro se reverta. As más condições de tratamento dos cidadãos fora ou dentro das cadeias tem uma razão de fundo histórico, tal ideia ficou incita nas palavras de um procurador: « O país em 1975 teve a independência. Todas as estruturas sofreram alterações, Poder Judicial não foi excepção; antes pelo contrário, deve ter sido a mais prejudicada. Antes da independência eram poucos os nacionais que ocupavam o Poder Judicial; as vagas deixadas foram deixadas por quem não tinha qualificação. Isso foi se arrastando, juntaram-se às guerras. Há muita litigância hoje e poucos quadros. No crime a situação é mais gritante. A polícia ainda ficou com muitos quadros mesmo com a fuga dos portugueses, o efectivo da policia em relação ao do tribunal e da Procuradoria é algumas vezes maior». A insuficiência de magistrados é outra das deficiências apontadas. Por mais que se empenhem não chegam para as necessidades. Um último ponto negativo apontado pelos magistrados do Ministério Público respeita ao Conselho da Magistratura do Ministério Público. Alguns disseram que o Conselho não tem funcionamento adequado e que o tráfico de influências é determinante de uma série de decisões ali tomadas. Acerca do Conselho, disse um dos procuradores: « Não cumpre suas responsabilidades, o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público. É manipulado pelo presidente, que é o Procurador-Geral. Quando vai discutir um assunto que lhe interessa, convida já um determinado número de membros. Os magistrados estão em maior número. Muitos obedecem porque temem amanhã serem punidos. Acho que não funciona devidamente. As promoções deviam ser por concurso, ele às vezes aparece na reunião com os nomes... A lei diz concurso...». Mesmo diante de todas as dificuldades apontadas, é com esperança que observamos a resistência e o esforço de um significativo número de magistrados do Ministério Público em combaterem os obstáculos à realização da justiça e exercerem sua criatividade em prol dos cidadãos angolanos. Um dos procuradores, por exemplo, informou-nos que, devido à ausência de advogados na província em que está colocado, muitas vezes os cidadãos o consultam quando diante de uma querela. Quando o procurador percebe que a questão é pequena e pode ser resolvida sem que se active o processo judicial, chama as partes envolvidas e age como um mediador, propondo que o problema seja resolvido de forma que agrade a ambas as partes. Um magistrado de outra província falou que também procura incentivar mediação entre as possíveis partes de um processo. Disse que muitas vezes é procurado para a resolução de questões como saldar uma dívida, que se fossem levadas a tribunal 36 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 38. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 custariam dinheiro e ocupariam tempo de ambas as partes. Nessas situações, o magistrado aconselha as partes conflituantes para procurarem resolver a situação amigavelmente. Tais posturas são dignas de nota uma vez que economizam recursos de todos os envolvidos no processo – os cidadãos e o Estado – além do desgaste emocional que poupam. Enquanto a legislação nacional não consagra a medição como métodos de resolução de conflitos é interessante observar que, mesmo na informalidade, tal proce- dimento é capaz de diminuir a quantidade já demasiadamente elevada acções judiciais. Também é com esperança que já se nota a mudança de mentalidade de alguns procuradores, cuja sensibilização em relação aos direitos de cidadania é notória. Perguntado se acreditava ser sua função defender direitos humanos e de que forma o fazia, um procurador nos deu a seguinte resposta: «Sim! Um despacho infundado atinge os direitos humanos! Por exemplo: 2 pessoas con- tendem por um acto que não configura nenhum crime, apenas uma questão de natureza cível, caso de dívida, por exemplo, e o polícia entende botar um na cadeia. A violência contra o abandono do exercício da autoridade paternal também tem a ver com os direitos humanos. O MP é chamado para salvaguardar os direitos das crianças, abandonadas, sem alimentos, porque os progenitores se separaram e não sustentam as crianças, ou a mãe foi expulsa do lar. Do ponto de vista moral e social, isso também atinge os direitos da criança». À Procuradoria é atribuída a competência, nos termos da alínea s) da Lei da Lei n.º5/90 de 7 de Abril, de contribuir para a elevação da consciência jurídica do Povo e do respeito da legalidade, promovendo e colaborando na divulgação das leis, decisões dos tribunais, textos e dados sobre a criminalidade e sua prevenção e todas as demais matérias que interessam para aqueles fins, podendo servir-se dos órgãos de comunicação social e de editar as suas próprias publicações. No entanto é quase nula esta função da procuradoria, apenas em algumas províncias são promovidos programas radiofónicos com interacção entre os cidadãos e o procurador com perguntas e respostas. Geralmente essas acções limitam-se a algumas palestras nas chamadas “semanas de legalidade”, no mês de Abril de cada ano. OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 37
  • 39. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 2.4 OS TRIBUNAIS «A actual Constituição Judicial define o poder judicial como o principal garante do Estado de Direito democrático em Angola. Infelizmente, na prática, o poder judicial em Angola ainda não é, nem tem condições para ser, verdadeiramente, esse garante. Se isso não for resolvido o Estado de Direito democrático corre o sério risco de não passar de mera expectativa, de uma intenção ou de mera e frustrante ilusão». Rui Ferreira, in Seminário da Reforma da Justiça.19 A situação dos juízes e demais oficiais de justiça foi alvo de uma série de críticas du- rante as entrevistas concedidas à equipe da AJPD, mas também assinaladas algumas iniciativas capazes de demonstrar que há magistrados de facto preocupados com a reali- zação da justiça nos tribunais. Em relação às condições materiais, verificou-se que a situação tem melhorado nos últimos anos. Muitos magistrados afirmaram que os tribunais têm sido apetrechados com equipamentos informáticos, mas a inexistência de condições materiais básicas impossibilita muitas vezes que esses instrumentos sejam utilizados. Conforme revelou um magistrado entrevistado: «A energia eléctrica é ligada apenas à rede pública, a distribuição de energia é muito ruim, ficamos muito limitados, não temos gerador. Despachamos à mão porque às vezes começamos a trabalhar, cai a luz e perdemos todo o trabalho! Temos computadores na sala de audiência mas não são usados, usamos as máquinas de escrever. Não são instalações próprias». Ainda sobre a escassez de energia eléctrica, outro juiz revelou-nos de que forma a precarie- dade das condições materiais implica morosidade nos processos judiciais: «Infelizmente, a partir das 17 horas nesta sala – um anexo construído no quintal do tribunal – já não se trabalha devido à falta de luz. Há mais de 6 meses que não conheço uma lâmpada nessa sala, o que influencia na celeridade dos processos. A partir das 11 horas o calor é intenso». Um juiz confidenciou-nos que: «Energia eléctrica contínua é necessária, às vezes fica-se um mês sem energia, porque o MJ, área do património, não paga a conta, ou porque acaba o gasóleo para o gerador. É preciso aumentar a verba para o sector da justiça para que ele seja operante e célere.” Um terceiro magistrado disse-nos: “Continuamos a trabalhar com máquinas de dactilografia, em número indesejado, não temos nem uma por funcionário». Já outro magistrado afirmou: « O orçamento que temos não chega a fazer nem as despesas do tribunal, de papel etc. A verba não é suficiente. Não temos telefone nos gabinetes, não há rubricas no nosso orçamento para isso. Fizemos passar os telefones do tribunal como despesas correntes. podemos passar por indisciplinados se descobrirem isso!!» 19 FERREIRA, Rui. Constituição Judicial (Presente e Futuro). In Seminário da Reforma da Justiça, Edijuris, Luanda, 2006, p. 76. 38 Os Progressos e os Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise
  • 40. Relatório Sobre os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola 2006 - 2009 O juiz presidente do Tribunal de Luanda, em entrevista a Rádio Ecclésia, no dia 10 de Janeiro de 2007, revelou que o Tribunal não estava a julgar processos por falta de corrente eléctrica. E o quadro não é esperançoso. Segundo o depoimento de um magistrado, perguntado sobre a verba para despesas correntes, as condições não aparentam melhorar, mas piorar: «Temos recebido a verba mas não é suficiente, houve um corte na verba para manutenção da residência; cada juiz recebia anualmente 4.000 dólares e agora recebemos 2.000». Em relação ao número de magistrados judiciais, o quadro abaixo esclarece: JUÍZES 200320 Dezembro/200821 Conselheiros 09 15 Juízes de Direito 85 131 Juízes Municipais 17 76 Total 111 222 Outra preocupação frequente dos magistrados judiciais respeita aos edifícios que abri- gam os tribunais. Muitas das salas do civil e administrativo do Tribunal Provincial estão alojadas em construções ainda do tempo colonial, o que acarreta em geral dois problemas. O primeiro respeita aos edifícios que, apesar de seu tempo de existência, não passaram por reformas recentes. Assim, goteiras, assoalhos maltratados, paredes descascadas, mobílias estragadas acumuladas nos cantos, portas que não funcionam, entre outras marcas do tempo, são a realidade de muitos dos tribunais visitados. O segundo respeita à insuficiência das instalações. Um tribunal construído com um gabinete de juiz e uma sala de audiência não apresenta condições de abrigar dignamente toda a estrutura exigida pela quantidade de casos levada aos tribunais nos dias de hoje. As fotos (anexo1), tiradas num dos tribunais visitados, evidenciam a precariedade das condições materiais em grande número dos tribunais angolanos. Um dos magistrados entrevistados ilustra essa questão: «À altura em que o tribunal começou a funcionar aqui as condições eram diferentes, não havia guerras, havia menos crimes. Foram criadas [número omitido] salas para acomodar [omitido - o mesmo número] juízes. Depois da independência, houve degradação das condições sociais, aumento substancial dos crimes, o tribunal se tornou pequeno para atender a tanta demanda. 20 Cf. MARQUES, Luís Paulo Monteiro, Labirinto do Sistema Judicial Angolano-Notas para a sua compreensão, Lou- res, 2004,pág 114ss, Lista de Dezembro de 2003. 21 Fonte: Relação Nominal dos Magistrados Judiciais, actualizada a 30 de Dezembro de 2008, Comissão Para Reforma da Justiça e do Direito. Na lista dos 222 Juízes, apenas 209 estão no activo, dos restantes 10 são jubilados e outros por outras situações. OS P ROG R E S S OS E OS R ETRO CE S S OS DE UMA JUSTIÇ A PEN AL EM CR ISE 39