SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 22
Descargar para leer sin conexión
1121




                      Subjetividade e defesa
                     na obra de Michael Balint

                                                                     Renata Mello
                        Psicóloga. Mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade
                        Federal do Rio de Janeiro.
                        End.: R. Gastão Bahiana, 575/404, Lagoa. Rio de Janeiro,
                        RJ. CEP: 22071-030.
                        E-mail: renatamello@gmail.com

                                                                  Regina Herzog
                        Psicanalista. Professora Associada do Programa de
                        Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade
                        Federal do Rio de Janeiro.
                        End.: R. Frei Leandro, 32/602, Lagoa. Rio de Janeiro, RJ.
                        CEP: 22470-210.
                        E-mail: rherzog@globo.com



   Resumo
   Na atualidade, nos deparamos com a difusão dos chamados
   pacientes difíceis na clínica psicanalítica. Estes pacientes se
   mostram resistentes à técnica dita clássica da psicanálise,
   remetendo à necessidade de se debruçar sobre sua dinâmica
   psíquica, com vistas a um entendimento maior do que está em jogo
   nestes casos. Verifica-se que o processo de subjetivação reporta
   para uma vivência traumática precoce que incide sobre a relação do
   indivíduo com o que lhe é externo. Por conta do transbordamento
   de intensidades provocado pelo trauma, medidas de proteção
   elementares são mobilizadas visando evitar um colapso narcísico.
   A defesa passa a ser a via privilegiada pela qual o psiquismo se



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1122       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


constitui, o que se traduz em um significativo empobrecimento da
vida subjetiva. Para tentar compreender esta dinâmica e propor
uma direção ao tratamento psíquico, vamos recorrer às idéias de
Michael Balint sobre as relações objetais primárias, visto que seu
pensamento oferece elementos importantes para uma renovação do
entendimento, tanto da prática analítica, quanto da própria dinâmica
psíquica em jogo nos dias de hoje. Com respeito às idéias de Balint,
vamos nos deter em sua teoria do amor primário e na questão das
modalidades de vínculo defensivas – ocnofilia e filobatismo – face
ao desamor dos objetos primordiais, idéias que podem fornecer
subsídios para lidar com estes pacientes ditos difíceis.
Palavras-chave: subjetividade, relações objetais, falha básica,
defesa, Michael Balint.

Abstract
Currently we can observe the diffusion of the so-called tough
patients in psychoanalytic clinic. These patients have proven
resistant to the classic psychoanalysis technique, leading to the
necessity of relying on their psychic dynamics, aiming at a broader
understanding of what is at stake in these cases. It can be observed
that the subjectivation process relates to a precocious traumatic
experience that touches the relation of the individual with what is
external to him. Because of the overwhelming intensity provoked
by the trauma, elementary protection measures are mobilized in
order to prevent a narcissistic collapse. The defense then becomes
the preferred way through which psychism constitutes itself, which
translates into a meaningful impoverishment of subjective life. In
an attempt to understand this dynamic and propose a direction for
the psychic treatment, we will resort to Michael Balint’s ideas about
primary object relations, as his thinking offers important elements for
a renewal of the understanding of both the analytical practice and
the very psychic dynamic we currently see. In regards to Balint’s
ideas, we will hold on to his primary love theory and to the question
of the modalities of defensive links – ocnophilia and philobatism
– given the lack of loving of the primordial objects, ideas that can
provide subsidies to deal with these tough patients.
Keywords: subjectivity, object relations, basic fault, defense, Michael
Balint.



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1123


   Introdução
           Um dos maiores desafios enfrentados pela clínica psicana-
   lítica na atualidade consiste na difusão dos chamados pacientes
   difíceis. Se na época de Freud costuma-se considerar que tais
   pacientes eram raros, hoje parece haver consenso quanto a um
   aumento significativo de seu número. O termo difícil diz respeito
   à própria condução do processo analítico, ou seja, designa uma
   análise que não anda, exigindo um remanejamento dos dispositi-
   vos terapêuticos. Diante da resistência desses pacientes à técnica
   dita clássica da psicanálise, investiga-se acerca da constituição da
   subjetividade em questão, tema que vem fomentando discussões
   acerca das relações objetais primárias.
           Observa-se no cotidiano clínico que esses pacientes sofrem
   pela impossibilidade de serem eles mesmos, o que se expressa por
   sensações de estranheza, inadequação, inutilidade e não-existên-
   cia. Do ponto de vista dinâmico, essa configuração remete para
   uma vivência traumática precoce que incide justamente na base
   dos processos de subjetivação. Por conta do transbordamento de
   intensidades provocado pelo trauma, medidas de proteção elemen-
   tares são mobilizadas visando evitar um colapso narcísico. A defesa
   passa a ser a via privilegiada pela qual o psiquismo se constitui, o
   que se traduz em um significativo empobrecimento da vida subjeti-
   va. Como desdobramento, verifica-se, ainda, uma dificuldade em ser
   afetado pelo que se produz no encontro alteritário, parecendo justi-
   ficar a inacessibilidade das intervenções analíticas com os referidos
   pacientes. Atribulado com estratégias de sobrevivência psíquica, o
   indivíduo se fecha para a experimentação mundana. Sem a experi-
   ência do outro, a experiência de si esvazia-se.
          Buscando abrir novos caminhos para a compreensão clí-
   nica do funcionamento psíquico em destaque nesses pacientes,
   propomos tomar as idéias de Michael Balint por acreditar que seu
   pensamento oferece elementos importantes para uma renovação
   do entendimento da prática analítica nos dias de hoje. Herdeiro da
   tradição ferencziana, Balint se dedica ao tratamento dos pacientes
   difíceis, diante dos quais apresenta uma postura instigante e in-
   ventiva. Na tentativa de açambarcar traumas originários de falhas
   na relação entre o indivíduo e o outro, o psicanalista húngaro se



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1124       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


volta para a emergência dos processos subjetivos. Especialmente
atento às condições segundo as quais os primeiros vínculos com
os objetos se estabelecem, Balint elabora uma teoria do amor pri-
mário. Uma das suas formulações mais originais consiste justo nas
modalidades de vínculo defensivas - ocnofilia e filobatismo - face
ao desamor dos objetos primordiais. No presente artigo, exami-
naremos a concepção balintiana acerca das particularidades das
vinculações primitivas, uma vez que essas se encontram freqüen-
temente presentes nas sintomatologias contemporâneas.

Amor primário
       Na gramática balintiana o amor corresponde à relação de
objeto. Para Balint, o indivíduo nasce imerso numa intensa relação
com o entorno, descrita a partir da teoria do amor primário (Balint,
1937/1965a). Nessa perspectiva, a subjetividade é produto da inte-
ração do indivíduo com o meio. Designar a relação objetal arcaica
em termos de amor primário não significa negligenciar a existência
do ódio nos estágios iniciais, considerado como fenômeno se-
cundário, originário da separação abrupta do bebê para com os
objetos primordiais. No princípio, trata-se de uma relação de inter-
dependência amorosa entre o recém-nascido e o entorno, na maior
parte das vezes encarnado na figura materna. Interdependência
significa que tanto o bebê depende da mãe quanto a mãe depen-
de do bebê e, nessa medida mesma, cada um satisfaz a si próprio
por meio do outro, sem, contudo, obrigação de retribuição. Nas pa-
lavras de Balint: “o que é bom para um é agradável para o outro1”
(1937/1965a, p. 85). A idéia aqui é a de um relacionamento mutu-
amente satisfatório e, nesse sentido, se supõe uma coincidência
entre os desejos do bebê e da mãe. Para sermos precisos, em vir-
tude da imaturidade e extrema dependência do bebê em relação
aos cuidados primários, são os interesses dos objetos cuidadores
que precisam ser adaptados aos interesses do indivíduo ao nascer.
Vale salientar que essa adaptação se realiza de forma prazerosa
por esses objetos. Inicialmente, portanto, existe uma relação des-
simétrica e desmedida de amor, uma vez que o recém-nascido
requer satisfação incondicional das suas necessidades. Tal exi-
gência de amor pode ser acompanhada na descrição detalhada
de Balint (1968/1993):



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1125


                Preciso ser amado e cuidado em tudo por todos e só no
                que me interessa, sem que ninguém possa exigir qual-
                quer esforço ou compensação por isso. O que importa
                são apenas meus próprios desejos, interesses e neces-
                sidades; ninguém que seja importante para mim pode ter
                quaisquer interesses, desejos e necessidades diferentes
                dos meus e, se tiver, precisa subordiná-los aos meus,
                sem nenhum ressentimento ou solicitação; na verdade,
                seu prazer e alegria devem estar de acordo com os meus
                desejos (p. 64).

          Desse modo, o amor de objeto primário, isto é, os primei-
   ros vínculos afetivos do indivíduo com os objetos primordiais
   correspondem ao desejo de ser amado sem restrições; dese-
   jo que advém da dependência do bebê humano de outrem para
   se constituir e sobreviver. Pode-se situar como correlata dessa
   dependência outra característica essencial do amor primário, a
   saber, a “tendência a agarrar-se” (Balint, 1937/1965a, p. 83), ten-
   dência a se aproximar de objetos para se sentir em segurança.
   Uma série de relações de objeto se desenvolve com base nessa
   tendência, no sentido de uma busca por proximidade. Algumas
   ações humanas, corriqueiras, inclusive, podem ser a ela referidas,
   como por exemplo, o impulso do recém-nascido de prender os
   dedos aos objetos que lhe são chegados, o aperto de mãos ou o
   simples toque físico entre os adultos. Tais ações correspondem
   a símbolos da segurança materna, para tanto, o indivíduo preci-
   sa experimentar o agarramento inicial, o que equivale a sentir-se
   amado na tenra infância. Vejamos como Balint desdobra a emer-
   gência da relação de amor com a alteridade.
          O amor primário caracteriza-se, por um lado, pelo desejo
   passivo do bebê de ser amado e, por outro, pela resposta amo-
   rosa dos seus cuidadores. Trata-se de uma utilização egoísta dos
   objetos de amor por parte do recém-nascido, nas palavras de Alice
   Balint de um “egoísmo ingênuo” (1939/1965b, p. 95), tendo em
   vista que um antagonismo ou diferença entre o interesse próprio e
   o interesse do objeto sequer se coloca para ele. A ação e o afeto
   do outro não são reconhecidos em sua diferença e externalidade,
   tampouco, há uma apropriação por parte do bebê dos seus im-



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1126       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


pulsos e demandas. Nesse sentido, não se deve depreender do
amor primário uma experiência de onipotência, pois não há aqui
a necessidade de esforço ou poder, mas uma relação de sintonia
(Balint, 1968/1993). Nessas condições, a alteridade apresenta-se
como uma referência constante, dada como certa. Sem dúvida, ta-
manha identidade de interesses sustenta-se pela conformação do
entorno às necessidades do recém-nascido.
        Na perspectiva balintiana, o bebê e os seus objetos de
amor formam uma “mescla harmoniosa interpenetrante” (Balint,
1968/1993, p.60), o que significa que o indivíduo ao nascer encontra-
se imerso num mundo de mistura, no qual os limites entre o eu e o
não-eu se apresentam de forma indefinida. No tocante à mistura pri-
mordial, não se pode dizer que exista uma unidade homogênea entre
a mãe e o bebê, mas sim uma modulação afetiva entre eles. Balint
utiliza a relação do organismo com o ar que respira como exemplo
para entender a qualidade dessa relação arcaica do bebê com o
seu entorno. Sabemos que o ar respirado se distingue do indivíduo
que o respira. Certamente, o ser humano utiliza o ar em qualidade
e quantidade suficientes para a sua existência e, de fato, não pode
viver sem ele. Enquanto o ar existir, simplesmente não o considera
como um objeto, isto é, como algo separado dele. A situação muda
de forma abrupta se o suprimento de ar sofrer alguma interrupção,
de modo que a diferença entre os dois só aparece quando o indiví-
duo é privado de ar. O mesmo ocorre em relação à interação ativa
e intensa entre o bebê e a mãe. Ela só torna-se um objeto separa-
do quando falha na sua adaptação a ele. Sendo assim, os objetos
diferenciados emergem a partir da descontinuidade, oposição e re-
sistência do entorno.
      No mundo de mistura não existem ainda objetos separados
nem fronteiras delimitadas, apenas substâncias ou expansões ili-
mitadas com as quais o indivíduo interage. Convém sublinhar que
a noção de substância descreve justamente partes do mundo sem
contornos nítidos e diferenciados, em contraposição aos objetos,
que se referem às partes do mundo com limites claros, resistentes
e passíveis de representação (Balint, 1959). De início, os laços com
os objetos, denominados de substâncias primárias, se inscrevem
no âmbito da mistura. A mãe, os odores, o ritmo, a temperatura, os
sons formam uma mescla na qual o bebê circunda e com a qual



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1127


   se relaciona. Não existe, portanto, uma relação com a alteridade
   propriamente dita, mas uma “unio mystica” com o objeto (Balint,
   1968/1993, p. 67), pensada em termos de uma acomodação mútua
   entre a mãe e o bebê. O conceito balintiano de substância primá-
   ria permite postular a presença imediata do outro nos primórdios,
   sem, contudo, desconsiderar a incapacidade do recém-nascido de
   representá-lo. O que está em questão aqui é o modo de presença
   do objeto, isto é, a sua apreensão sensorial, expressa no mundo
   nebuloso e indistinto do amor primário. Assim, a ênfase recai nos
   aspectos qualitativos da experiência primária do indivíduo com o
   seu entorno.
          Em termos balintianos, tal experiência de mistura produz
   uma sensação pacífica e tranqüila de bem-estar. Para o autor,
   daí emerge a intenção de todos os esforços humanos, a saber,
   “estabelecer – ou provavelmente restabelecer, – uma harmo-
   nia evolvente com o entorno, para poder amar em paz” (Balint,
   1968/1993, p. 59). Amar em paz refere-se ao desejo de ser amado
   incondicionalmente pelo objeto sem a obrigação de retribuição
   do amor recebido, tal como no princípio. Dessa perspectiva, se
   busca nas relações amorosas a sensação de bem-estar outro-
   ra experimentada. Sendo assim, os primeiros encontros objetais
   permanecem como parâmetro para as relações de objeto pos-
   teriores. Por este viés, o objeto primário é perdido no curso do
   desenvolvimento, mas a sensação de bem-estar reconquistada ul-
   teriormente. A título de ilustração, seguindo a proposta de Souza
   (2002), pode-se pensar as drogas – líquidas e gasosas – enquan-
   to substâncias primárias que se misturam fusionalmente com o
   sujeito. O que está em jogo nesse uso é a necessidade de des-
   frutar o referido estado de bem-estar através de um modo arcaico
   de ligação com o suposto objeto, em virtude de uma possível
   separação objetal traumática. Nesse sentido, as drogas se apre-
   sentam como vias de diluição da exigência e solidez dos objetos
   diferenciados, verdadeiros empecilhos à sensação de harmonia
   e incondicionalidade almejada.
         Vale destacar aqui a qualidade pacificadora que portam
   os primeiros objetos de amor, prévia ao reconhecimento objeti-
   vo do mundo. Por esse viés, se depreende uma experiência de
   acolhimento, segurança, bem-estar e harmonia com a alteridade,



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1128       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


vivenciada pela presença amorosa e responsiva do objeto. Sua
presença se faz sentir tanto pela compreensão e gratificação das
necessidades do indivíduo ao nascer, como pelo gradiente afeti-
vo envolvido nesses cuidados, e, nesse sentido, pela satisfação
amorosa da dependência. Ora, basta simplesmente que as pes-
soas importantes dos primeiros tempos da existência estejam ali,
isto é, com interesse no conforto do indivíduo, sem importunos ou
exigências, respeitando o ritmo do seu desenvolvimento.
       O ponto importante a ser destacado diz respeito à dimen-
são do encontro entre o indivíduo e o objeto-substância. Nem
pouca presença, nem presença demais. Nem longe demais, nem
muito perto. Vislumbra-se, aí, a construção de uma crença con-
fiante e não suspeitosa em relação ao objeto, uma espécie de
expectativa de reencontro com o objeto da mistura vida afora
(Figueiredo, 2007). Desse modo, o outro passa a ser buscado
enquanto fonte de bem-estar. Inaugura-se assim a relação com
o objeto propriamente dito.

Amor adulto
       O amor adulto equivale à passagem do amor de objeto pas-
sivo, característico do amor primário, para o amor objetal ativo e
corresponde à descoberta da externalidade do mundo. Com efeito,
os objetos emergem gradativamente do emaranhado de substân-
cias, emergência patrocinada pelo amor primário. Com o passar
do tempo, o objetivo da mãe deixa de ser a satisfação das de-
mandas do filho de maneira irrestrita e a preservação exclusiva da
harmonia, de modo que ela começa a buscar outras fontes de sa-
tisfação e a se interessar novamente pelo mundo. Paralelamente
a isso, ocorre o desenvolvimento emocional da criança para lidar
com as inevitáveis falhas maternas, como também uma ampliação
e complexificação das suas necessidades.
       Desse contexto, surge uma experiência de desarmonia entre
o indivíduo e o entorno, a partir da qual se inaugura o encontro
com a alteridade. Aqui as fronteiras entre o eu e o não-eu são de-
senhadas com maior nitidez. Nesse sentido, a oferta de amor se
personifica, de modo que os interesses e sentimentos do outro –
agora diferenciado – passam a ser considerados, evidenciando a



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1129


   existência de condições para ser amado. Inicia-se, assim, o pro-
   cesso de abandono da passividade amorosa com a introdução de
   um sentido de realidade, ou seja, a exigência de amor incondicio-
   nal cede lugar a uma relação de reciprocidade amorosa.
          Por esse viés, os laços afetivos são tecidos com a al-
   teridade no propósito de recuperar a experiência de mistura
   harmoniosa com o entorno e, nessa medida, o indivíduo se di-
   rige para o objeto na tentativa de restabelecer uma relação de
   correspondência outrora experimentada, referência de segu-
   rança narcísica. Nas palavras de Balint: “a finalidade última de
   todo impulso libidinal é, pois, a preservação ou restauração da
   harmonia original” (1968/1993, p. 67). O amor se converte num
   “trabalho de conquista” (Balint, 1947/1965c, p.115), isto é, uma
   adaptação mútua entre os amantes, no sentido de se satisfazer
   ao mesmo tempo em que satisfaz ao outro. Nessas ocasiões,
   o objeto deve se transformar num parceiro cooperativo, o que
   supõe uma doação por parte do sujeito, tendo em vista que tal
   parceiro precisa ser induzido a sentir prazer em satisfazê-lo.
   Trata-se, portanto, de um acordo de cooperação entre os in-
   divíduos a fim de sintonizarem suas demandas de satisfação,
   inclusive, a satisfação sexual.
          De fato, o amor adulto significa esforço, privação e troca em
   contraposição à gratificação automática e incondicional do amor
   primário. A formulação de Balint nos aponta para um processo de
   educação e invenção de novos caminhos para reconquistar a expe-
   riência de êxtase amoroso. Tal processo implica tanto a aceitação
   do outro como uma subjetividade irredutível, com preferências e
   desgostos peculiares, quanto a administração de uma dose de
   descontentamento em relação às expectativas objetais. O grau do
   auto-sacrifício e investimento objetal se encontra intrinsecamente
   relacionado ao que se demanda do outro; assim, o indivíduo ama
   e gratifica o seu parceiro na própria medida em que espera ser
   amado e gratificado por ele de volta. Ainda que ter como objeti-
   vo a sua própria satisfação remeta para uma natureza egoísta ou
   completamente narcísica do amor, a imprescindibilidade do outro
   para tal realização não é desconsiderada. A título de ilustração, nos
   parece interessante pensar nos poemas e músicas românticas, na
   galanteria e no cortejo2, como estratégias para alcançar uma liga-



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1130       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


ção emocional com o outro de caráter fusional, uma espécie de
protocolo da experiência de amor.
       Como vimos, o estabelecimento de uma relação harmoniosa
exige uma identidade de interesses e demandas e, nesse sentido,
o amor pressupõe uma experiência mútua de bem-estar. Trata-se,
portanto, de um arranjo conjunto a ser alcançado e não, necessa-
riamente, de um embate amoroso entre indivíduo e objeto. Ambos
estão sob a rubrica do desejo de ser amado, ambos aspiram ao
mesmo modo de satisfação. Aqui o outro é tratado como um par-
ceiro igual, submetido ao mesmo trabalho de conquista. Assim
sendo, o amor primário, âmbito das primeiras interações com as
substâncias primárias, situa-se como a base das vinculações de
objeto posteriores. Em outras palavras, o que se busca nas rela-
ções objetais está intimamente imbricado com o que se experiencia
nos primeiros encontros com a alteridade.
       A passagem para o mundo dos objetos não se dá sem
desarmonia entre o eu e o não-eu, o que implica em falhas no
atendimento das necessidades do indivíduo. Tais falhas, no entan-
to, precisam ser dosadas, isto é, a discrepância entre a demanda
e a oferta de amor não deve ultrapassar um limite suportável pelo
recém-nascido. Caso contrário, as conseqüências são catastróficas
e as cicatrizes profundas. Em decorrência, determinados proces-
sos defensivos são engendrados, comprometendo a possibilidade
de vínculos autênticos e efetivos com a alteridade. Vejamos como
Balint aborda a dimensão traumática primitiva e suas implicações
na forma do indivíduo se portar no mundo.

A falha básica
       Balint propõe o termo falha a partir da sua experiência clí-
nica com pacientes difíceis e severamente regredidos. Em tais
circunstâncias, muitos desses pacientes se referem a uma falha
dentro de si que precisa ser corrigida. Trata-se de uma sensação
de falha, deficiência ou defeito e não de um conflito intrapsíquico.
Há ainda um sentimento de descuido ou abandono ocasionado
por uma experiência de desproteção precoce dos objetos primor-
diais. Em termos clínicos, os pacientes apresentam uma “mistura
de sofrimento profundo, falta de menor vontade de luta e uma ina-



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1131


   balável determinação de avançar” (Balint, 1968/1993, p. 16-17),
   além de intensas sensações de vazio, inutilidade e morte. Como
   corolário, se demanda angustiadamente do analista a probabili-
   dade de não falhar.
          Falha é uma terminologia utilizada de modo semelhan-
   te pela geologia e cristalografia para descrever uma “súbita
   irregularidade na estrutura total, uma irregularidade que, em
   circunstâncias normais, estaria escondida, mas se houver pres-
   sões ou forças, pode levar a uma ruptura” (Balint, 1968/1993,
   p.19). Tal ruptura é capaz de alterar profundamente essa estru-
   tura, tal como ocorre com o indivíduo. O adjetivo básica, por
   sua vez, implica não só numa anterioridade em relação ao com-
   plexo de Édipo, como também diz respeito à ampla extensão de
   seus efeitos na subjetividade, envolvendo em diferentes grada-
   ções e arranjos tanto o psíquico quanto o somático.
          A origem da falha básica encontra-se no descompasso
   entre as exigências amorosas do indivíduo e a doação de amor
   por parte dos objetos primordiais no período da constituição psí-
   quica. Tal discrepância se justifica em função da ausência de
   adaptação às necessidades singulares e primárias do recém-nas-
   cido por parte dos objetos cuidadores. É interessante observar,
   sobretudo clinicamente, que as formas da falha básica são ex-
   perimentadas pelos indivíduos: seja através de um sentimento
   de que o entorno intencionalmente lhe negligencia cuidados, o
   que produz uma posição subjetiva de suspeita em relação aos
   objetos; seja pela sensação de culpa por não conquistar a aten-
   ção do entorno e, nesse sentido, responsabilizam-se pela falha
   dos objetos primordiais, o que suscita desconfiança em relação
   às próprias potencialidades. Em ambos trata-se de uma vivência
   de inadequação, no que se refere ao ambiente ou em relação a
   si próprio. Por conseguinte, tais experiências viabilizam diferen-
   tes modalidades de relação com o objeto, como investigaremos
   adiante. De qualquer maneira, as infiltrações da falha básica na
   subjetividade portam uma angústia avassaladora e um apelo de-
   sesperado por um preenchimento da deficiência, uma espécie de
   pedido de cicatrização. Passemos agora ao exame da falha bási-
   ca, nos valendo dos ensinamentos acerca do amor primário3.




Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1132       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


       Nos tempos da infância, a falta de ajustamento entre o eu
e o não-eu implica em ressonâncias na própria conformação da
subjetividade. Vimos que na concepção balintiana existe, desde o
princípio, uma relação de reciprocidade entre o indivíduo e o meio,
de modo que qualquer alteração ou insuficiência desse meio de-
sencadeia reações por parte do indivíduo. Sob essa ótica, o não
atendimento das necessidades primitivas ou a ausência de gratifi-
cação, tal qual a carência de suprimento de ar, suscita sentimentos
de ódio e frustração. Tais sentimentos são derivados diretos da
privação de amor, isto é, respostas do indivíduo à recusa de amor
das pessoas importantes para o seu existir. Nessa perspectiva, o
ódio reporta à imaturidade subjetiva do indivíduo, traduzindo de
forma dolorosa a dependência amorosa de outrem para sobrevi-
ver. Assim, o ódio é a medida da desigualdade entre o indivíduo
e o outro e, quanto mais recursos simbólicos o indivíduo dispor,
menos ele precisa odiar (Balint, 1951/1965d). Em contrapartida,
quanto mais precoce for o desatendimento às suas demandas,
maior a infiltração do ódio nos processos subjetivos. Nesse sen-
tido, o ódio advém da constatação do desamor dos objetos dos
quais se é dependente.
        Nesse contexto, se o amor primário não se realiza, ou seja,
se o cuidado primordial falha em demasia, o indivíduo é tomado por
um “medo de ser largado”, nos termos utilizados por Alice Balint
(apud Balint, 1935/1965e, p. 49). É interessante pensar, seguin-
do as formulações de Balint, na origem do medo de ser largado
atrelado à tendência a agarrar-se, característica do amor arcaico,
posto que a busca por laços de proximidade, em variações múlti-
plas, é claro, possibilita uma experiência de proteção. Com efeito,
quando os primeiros vínculos com os objetos primordiais se in-
terrompem bruscamente, também se rompem as ligações com
o mundo, instaurando um estado de violenta insegurança sub-
jetiva. Como resultado da falta de correspondência alteritária se
pode pensar numa desconfiança em relação não só ao mundo
dos objetos, como também no tocante à sua própria capacida-
de de contenção, posto o imperativo de se refazer por sua própria
conta do desespero e da angústia vivenciados. Delineia-se assim,
uma dupla impossibilidade: contar com os objetos e decepcionar-
se com os mesmos.



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1133


           Em virtude de demandas de amor não correspondidas,
   torna-se necessário criar outros modos de satisfação e apazigua-
   mento, o que se faz mediante saídas narcísicas. Na concepção
   balintiana, a satisfação auto-erótica só se apresenta como forma
   de obter bem-estar, a partir do momento em que o eu não conse-
   gue obter gratificação no mundo dos objetos. A idéia é a de que
   se o indivíduo não é amado o suficiente pelo mundo, deve amar e
   gratificar a si próprio (Balint, 1935/1965e). Sob essa ótica, Balint
   afirma que todo narcisismo é secundário ao investimento obje-
   tal original, ou seja, encontra-se subseqüente à relação de objeto
   arcaica4. Nesse contexto, ao receber muito pouco do entorno, o in-
   vestimento libidinal, que anteriormente fluía do isso para os objetos,
   torna-se essencialmente narcísico. O narcisismo, portanto, corres-
   ponde a “uma reação psíquica secundária que só existe quando o
   outro se furta ao pedido que lhe é feito” (Costa, 1998, p.113), uma
   espécie de simulação da doação que não existiu.
           Dessa perspectiva, a gratificação narcísica apresenta-se
   como resposta diante das dificuldades com o outro, cujo objetivo
   consiste em recuperar a unidade dos primeiros estágios da mistu-
   ra. Trata-se, portanto, de um artifício para obter amor, contudo, tal
   artifício porta certo limite. Por certo, o amor a si próprio não basta,
   tornando necessário o amor do outro. Levando em consideração
   que a segurança narcísica do indivíduo está em jogo, pode-se en-
   trever a necessidade de criar estratégias para recuperá-la. Nessas
   condições, o indivíduo se dirige aos objetos, tendo como pano de
   fundo os seus primeiros encontros amorosos. Isso implica pensar
   que a receptividade ao outro depende do modo como se experi-
   menta o amor primário. Nesse sentido, quando os vínculos afetivos
   com os objetos primordiais se interrompem precoce e duradoura-
   mente, modos de funcionamento subjetivos são engendrados em
   resposta e na proporção do impacto traumático, em termos balin-
   tianos, da falha básica.

   Ocnofilia e filobatismo
         Ao longo de sua obra, Balint descreve três modalidades de
   relações com os objetos, a saber, o amor primário, examinado
   acima, que corresponde ao desejo de ser amado incondicional-
   mente pelo outro; a ocnofilia, modo em que a presença do objeto


Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1134       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


é excessivamente requisitada; e o filobatismo, forma em que os
objetos são constantemente afastados. O termo ocnofilia é deriva-
do do grego okneo e significa agarrar-se ou segurar-se com força.
A denominação filobatismo é proposta em função da imagem do
acrobata, que faz referência a quem anda na ponta dos dedos,
longe da terra firme (Balint, 1959). Trata-se de posições subjetivas
extremadas frente ao mundo, que se mesclam e se confundem du-
rante a existência do indivíduo5, posições cujas funções consistem
em minimizar o perigo decorrente do encontro com o objeto e re-
cuperar o estado de mistura harmoniosa.
       O mundo da ocnofilia se estrutura pelo toque e pela proximi-
dade. O ocnofílico busca segurança aproximando-se dos objetos,
ao passo que os espaços vazios entre os objetos são experimenta-
dos como arriscados e perigosos. Sendo assim, qualquer ameaça de
perda do objeto gera uma angústia avassaladora, posto que sem ele,
o indivíduo sente-se perdido e indefeso. A idéia é a de que o sujeito
precisa se agarrar desesperadamente ao outro, como garantia de
proteção, tal qual a criança se segura na sua mãe quando pequena.
Como decorrência, instaura-se uma dependência e supervaloriza-
ção das relações objetais em detrimento do desenvolvimento das
potencialidades individuais para lidar com as vicissitudes do mundo.
Nessas condições, o objeto ocnofílico assume um suporte vital para
o indivíduo, símbolo do amor e segurança materna. Aqui “a deman-
da pelo objeto é absoluta” (Balint, 1959, p. 33).
       O mundo do filobatismo se caracteriza pela distância e
pela visão. O filobata busca segurança distanciando-se dos ob-
jetos, pois essa ligação é experimentada como imprevisível e
suspeita. Desse modo, o indivíduo sente-se seguro apenas nas
expansões sem objetos, longe de qualquer amparo, razão pela
qual, evita-os ao máximo. A idéia é a de que o sujeito não preci-
sa de nenhum objeto, que são, por sua vez, considerados como
invasivos e incertos. Por conseguinte, há um superinvestimen-
to nas próprias habilidades subjetivas para lidar com os riscos,
cujo intuito consiste em manter-se somente com seus próprios
recursos, dispensando o auxílio externo. Nessas condições, o
sujeito assume uma “postura heróica” (Balint, 1959, p. 28) dian-
te de si mesmo.




Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1135


           Dessa ótica, sustenta-se que tais modalidades de relação
   com a alteridade exprimem modos de satisfação obtidos com a
   experiência de segurança, o que não significa, necessariamente,
   amor. De fato, o objetivo é sentir-se seguro diante da assustadora
   fragilidade narcísica: o ocnofílico busca segurança se agarrando
   aos objetos, enquanto o filobata, mantendo os objetos à distân-
   cia. Em outros termos, o mundo do ocnofílico se constrói na ilusão
   de que os objetos estão sempre disponíveis quando solicitados,
   Tamanha confiança e aderência aos objetos, porém, encontra-se
   fadada à decepção. Ora, o objeto não se presta a reivindicação ab-
   soluta da sua presença, pelo simples fato de que ele é outro, com
   desejos que lhe são peculiares, ou seja, o objeto vem e vai quando
   bem entende. No filobatismo a frustração ocorre justamente pelo
   inverso, isto é, em função do apreço pela independência e auto-
   nomia em relação aos objetos. O filobata edifica um mundo com
   base na ilusão de que pode se valer só, daí desenvolve uma con-
   fiança irrestrita na eficácia de seus atributos, contudo, não suporta
   estabelecer vínculos contínuos e autênticos com a alteridade. Com
   efeito, “nem o filobata, nem o ocnofílico sabem ou podem justificar
   a confiança que têm em seus respectivos meios de experimentar a
   satisfação da segurança” (Salém e Costa, 2003, p. 39).
          De acordo com Balint (1959), tais ilusões se originam de
   equívocos no teste de realidade. Cabe ressaltar que não se trata
   de postular uma interpretação correta da realidade, tendo em vista
   a singularidade da apreensão em questão, mas de marcar que
   o indivíduo se apropria do mundo em função de suas experiên-
   cias primitivas. Como descrevemos anteriormente, o indivíduo e
   a substância primária encontram-se originariamente envolvidos
   numa mistura. A distinção entre mundo interno e mundo externo
   equivale à introdução do teste de realidade, o que se faz proces-
   sualmente. Inicialmente, se distingue acerca da origem e natureza
   de uma sensação, isto é, se ela vem de fora ou de dentro; em se-
   guida, se interpreta o que é percebido; por último, busca-se uma
   reação apropriada para a sensação percebida. Ocnofílicos e filo-
   batas são capazes de diferenciar a realidade externa da realidade
   interna, porém, a compreensão da realidade mostra-se falha para
   ambos (Balint, 1959). Enquanto o filobata minimiza os perigos do
   entorno com uma confiança cega em seus predicados, o ocnofí-



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1136       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


lico nega tais perigos, confiando integralmente na proteção dos
objetos. Dessa ótica, se constroem a ilusão da proximidade e do
distanciamento das pessoas como estratagemas de segurança.
Apesar da aparente diferença, torna-se relevante explicitar a ambi-
valência presente nos dois tipos de relação objetal, o que termina
por mesclá-los. “Na verdade, o ocnofílico é tão pouco sincero para
consigo mesmo quanto o filobata” (Peixoto Jr, 2004, p.241).
        Com efeito, existem modalidades de ambivalência carac-
terísticas da ocnofilia e do filobatismo. Os objetos ocnofílicos,
inevitavelmente, são tão amados quando unidos por adesão ao
indivíduo, quanto odiados pelo que encerram de divergência e
frustração. Com os filobatas, o desprendimento dos objetos con-
vive com a dependência dos seus “equipamentos”, representação
simbólica da segurança materna nas mãos. Em ambas as formas
defensivas estão presentes “amor e ódio, confiança e desconfian-
ça ao mesmo tempo” (Balint, 1959, p.54). Pela suposta confiança,
filobatas e ocnofílicos buscam restabelecer uma relação de har-
monia com o ambiente, condição de possibilidade de abertura ao
amor e à diversão. Em última instância, trata-se aqui de uma neces-
sidade de confiar a qualquer preço – nos objetos ou em si mesmo
– como medida de prevenção ante um colapso psíquico. Convém
insistir que a desconfiança é defensiva e reporta a não correspon-
dência entre o eu e o não-eu e uma desproporção em relação ao
que se demanda e se recebe do mundo.
       Desapontado com a realidade a sua volta, o indivíduo in-
venta outra – ocnofílica e filobática – a fim de evitar a reedição do
encontro com objetos não confiáveis. Entretanto, apesar de tais
posições subjetivas extremadas, a insegurança não cede, inclusi-
ve, pelo fato de que qualquer vivência decepcionante, natural da
vida, produz uma experiência de extrema desproteção, incremen-
tando a suspeita em relação ao mundo. A idéia é a de que se o
indivíduo experimenta precocemente uma falha na relação alteritá-
ria, temerá qualquer desilusão que remonte a essa experiência. O
temor se justifica em função do restrito repertório de respostas ante
o desmoronamento psíquico, levando-se em conta a maturação
em questão. Nessas condições, os processos subjetivos passam
a ser engendrados pela impossibilidade de lidar com o desencon-
tro objetal, efeito traumático por excelência, o que caracteriza um



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1137


   funcionamento extremamente defensivo. Tal impossibilidade se ex-
   pressa na dificuldade em estabelecer vinculações objetais efetivas.
   Com isso, a subjetividade se desvitaliza.
          Certamente, não há como prescindir do amor da alterida-
   de. Desse modo, a transformação dos objetos em parceiros – ato
   eminentemente criativo para Balint – se apresenta como única al-
   ternativa possível para uma vida com sentido. Para tanto, porém,
   ocnofílicos e filobatas precisam experimentar novas modalidades
   de relação objetal, mobilizando a sua subjetividade outrora parali-
   sada e confinada. O intuito é restaurar a confiabilidade do mundo
   dos objetos, condição de abertura para o outro. Na esteira des-
   sas idéias, desponta a crença balintiana acerca da potencialidade
   humana de constantemente recomeçar, através da desobstrução
   dos caminhos fixados pela insegurança e pela invenção de outras
   nuances de encontro com a alteridade.

   Novo começo: a aposta clínica de Balint
          Movida por preocupações clínicas, a produção teórica de
   Balint traz em si inspirações para a prática psicanalítica. Crédulo
   no “poder cicatrizante da relação” (Balint, 1968/1993, p.147),
   o psicanalista húngaro se ocupa, especialmente, da dimensão
   qualitativa do campo transferencial. Tal qualidade engendra uma
   atmosfera na relação analítica, como na díade mãe-bebê, com-
   posta tanto pela linguagem como pelo modo de presença do
   analista. Aqui estão em jogo as suas respostas frente ao sofri-
   mento psíquico do paciente, o que abarca a intensidade e o tom
   da sua voz, seus gestos e expressões faciais, a gestão do tempo
   e do ritmo das sessões e, ainda, a maneira como as palavras são
   usadas ou caladas por ele. A questão é que somente em con-
   dições seguras o indivíduo pode se despir das suas armaduras
   defensivas e experimentar, na transferência, outras formas de re-
   lação de objeto.
         A ampliação deste repertório de possíveis corresponde ao
   pensamento balintiano acerca do “novo começo” (1968/1993,
   p.152). Trata-se da construção de uma outra disposição para ser
   e estar no mundo, o que implica na criação de novos caminhos e
   sentidos para a existência. Para Balint, o surgimento de um reco-



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1138       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


meço pressupõe um movimento regressivo em direção aos modos
de vinculação objetal mais primitivos durante o processo analítico.
Dessa perspectiva, apenas quando o paciente regride aos velhos
hábitos e costumes de relação com o objeto, pode desprender-
se da imobilidade e coerção dos mesmos. A proposta terapêutica
é justamente voltar ao princípio do desenvolvimento psíquico em
reação à falha básica, para daí, ajudar o paciente a ter um novo
começo. A regressão, portanto, se apresenta como a condição
de possibilidade da progressão subjetiva. O conceito de regres-
são é fundamental para a compreensão das particularidades da
clínica balintiana com pacientes difíceis. Os fenômenos regressi-
vos equivalem a formas primitivas de comportamento e interação
com o objeto, mesmo depois de terem sido estabelecidos padrões
considerados adultos e maduros. Ao experimentar sentimentos de
amor e ódio primários, o paciente perfaz a sua história subjetiva,
transformando a relação com o outro. Vale salientar o luto e a tris-
teza advindos da experiência de confronto com a falha básica, a
despeito da possibilidade de preenchimento e cicatrização com o
novo começo.
       Preocupado em se aproximar da “criança dentro do pa-
ciente” (Balint, 1968/1993, p. 82), Balint indica a necessidade de
instituir uma comunicação numa linguagem apropriada. Nesses
casos, mais do que interpretações reveladoras e sofisticadas se
trata de compreender e aceitar o paciente sem reservas. Isso im-
plica na instauração de uma atmosfera de confiança entre o par
analítico, capaz de minimizar os perigos e suspeitas do entorno.
De acordo com Balint (1968/1993), “a finalidade é que o pacien-
te possa se tornar capaz de encontrar-se, aceitar-se e continuar
por si mesmo” (p.165). Considerar a regressão em análise com o
propósito de auto-reconhecimento e não como fonte de gratifica-
ção requer um entendimento acerca da subjetividade e defesa em
questão na falha básica. Caso contrário, se pode interromper ou
mesmo inibir o processo regressivo com interferências apressadas,
apesar de corretas. Com base nesses pressupostos, as falhas exis-
tentes na relação entre o paciente e o analista são justificadas pelo
uso de uma linguagem adulta e convencional no lugar de uma lin-
guagem infantil e terna6. Sendo assim, a regressão depende não só
do paciente, mas do modo como o analista responde a ela. Daí se



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1139


   afirma que a regressão não é apenas um processo intrapsíquico,
   mas uma experiência intersubjetiva, na qual o analista encontra-
   se intimamente envolvido (Peixoto Jr, 2002).
           O trabalho psicanalítico para sustentar a regressão se faz
   pelo oferecimento de uma presença asseguradora e genuinamen-
   te disponível. A idéia é propiciar uma qualidade de relação analítica
   que não pôde ser experimentada pelo paciente nos seus primeiros
   encontros alteritários. A concessão de tempo e espaço, indispensá-
   veis aos processos subjetivos, torna-se imperativo. Tais processos
   não precisam ser acelerados, mas sim acompanhados ativamente
   pelo psicanalista. Isso exige uma sintonia afetiva entre o par ana-
   lítico, tal como requerida nos vínculos do amor primário. Nesse
   sentido, a função do analista deve se assemelhar a das substân-
   cias primárias, conforme propõe Balint (1968/1993):
                A substância, o analista, não deve resistir, deve consentir,
                não deve dar origem a muito atrito, deve aceitar e trans-
                portar o paciente durante um certo tempo, deve provar
                ser ou menos indestrutível, não deve insistir em manter
                limites nítidos, permitindo o desenvolvimento de uma es-
                pécie de mistura entre o paciente e ele próprio (p. 134).

          Uma vez que os processos defensivos primitivos emergem
   a partir da dissonância entre o eu e o não-eu, o analista precisa
   estar sensível às necessidades e interesses do paciente a fim de
   evitar a reedição dos desencontros traumáticos. Não se trata aqui
   de compensar as privações dos tempos da infância, nem, tam-
   pouco, satisfazer todos os anseios e desejos do paciente, sem
   dúvida, inviável e improdutivo; mas de respeitar o ritmo da sua sub-
   jetivação. Desse modo, uma experiência de abertura, afetação e
   entrelaçamento entre o eu e o outro desponta na própria medida
   da liberação das amarras defensivas e da entrega mais confiante
   aos cuidados analíticos.

   Notas
   1. As traduções das citações são de nossa inteira
      responsabilidade.
   2. Trata-se de fenômenos culturalmente opcionais e não



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1140       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


    obrigatórios. Para um estudo detalhado sobre o amor romântico,
    ver Costa, J. F. (1998).
3. Convém explicitar que o caráter traumático da desarmonia
   entre indivíduo e objeto não é tão acentuado nas primeiras
   formulações de Balint que datam de 1937, ganhando maior
   relevo com a temática da falha básica em 1968. Seguindo Balint,
   podemos dizer que “o nível mais precoce é o do amor primário
   e com ele o nível da falha básica” (1968/1993, p. 26).
4. Para um estudo minucioso a respeito das divergências e
   aproximações entre o narcisismo primário em Freud e o
   narcisismo secundário em Balint, ver Peixoto Jr., C. A. (2003).
5. Balint aborda a ocnofilia e o filobatismo como modos de
   funcionamento subjetivos extremamente patológicos face às
   dificuldades primitivas com o entorno, contudo, nos parece
   interessante pensar que tais funcionamentos podem estar
   presentes de forma não exclusiva no psiquismo, ou seja,
   como modalidades defensivas diante das falhas inerentes às
   relações alteritárias.
6. Tal falha expressa justamente a confusão de línguas existente
    tanto entre a criança e o adulto quanto entre o paciente e o
    analista. Trata-se aqui de uma marcada referência a Ferenczi.
    Para um estudo aprofundado a respeito, ver Ferenczi, S.
    (1933/1992).

Referências
Balint, M. (1959). Thrills and regressions. New York: International
   Universities Press.
Balint, M. (1965a). Early developmental states of the ego: Primary
   object-love. In Primary love and psycho-analytic technique (pp.
   74-90). London: Tavistok. (Originalmente publicado em 1937).
Balint, A. (1965b). Love for the mother and mother love. In M.
   Balint, Primary love and psycho-analytic technique (pp. 91-108).
   London: Tavistok. (Originalmente publicado em 1939).
Balint, M. (1965c). On genital love: Primary object-love. In Primary
   love and psycho-analytic technique (pp. 109-120). London:



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt   1141


        Tavistok. (Originalmente publicado em 1947).
   Balint, M. (1965d). On love and hate. In Primary love and
     psycho-analytic technique (pp. 121-135). London: Tavistok.
     (Originalmente publicado em 1951).
   Balint, M. (1965e). Critical notes on the theory of the pregenital
      organizations of the libido. In Primary love and psycho-analytic
      technique (pp.37-58). London: Tavistok. (Originalmente
      publicado em 1935).
   Balint, M. (1965f). Eros and Aphrodite. In Primary love and psycho-
      analytic technique (pp. 59-73). London: Tavistok. (Originalmente
      publicado em 1936).
   Balint, M. (1993). A falha básica: Aspectos terapêuticos da
      regressão. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. (Originalmente
      publicado em 1968).
   Costa, J. (1998). Sem fraude, nem favor: Estudos sobre o amor
     romântico. Rio de Janeiro: Rocco.
   Ferenczi, S. (1933). Confusão de línguas entre adultos e crianças.
      In S. Ferenczi, Psicanálise IV (pp. 97-106). São Paulo: Martins
      Fontes. (Originalmente publicado em 1992).
   Figueiredo, L. C. (2007). Confiança: A experiência de confiar na
      clínica psicanalítica e no plano da cultura. Revista Brasileira de
      Psicanálise, 41 (3), 69-87.
   Montes, F. F., & Herzog, R. (2005). A relação do sujeito com o tempo
     na atualidade. Pulsional Revista de Psicanálise, 18, 49-59.
   Peixoto, C. A., Jr. (2002). Sobre a regressão e novo começo: Balint
      e a técnica psicanalítica. Percurso, (29), 92-102.
   Peixoto, C. A., Jr. (2003). Do narcisismo ao amor primário: Balint
      e a gênese dos processos de subjetivação. Revista Psychê, 6
      (11), 13-28.
   Peixoto, C. A., Jr. (2004). As relações primárias no contexto da falha
      básica. Natureza Humana, 6 (2), 235-254.
   Salém, P., & Costa, J. (2003). Sobre a confiança em Balint. Revista
      de Psicanálise Textura 3, 37- 41.



Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
1142       ReNata Mello e RegiNa HeRzog


Souza, O. (2002). Aspectos clínicos e metapsicológicos do uso de
  drogas. In C. A. Plastino (Org.), Transgressões (pp.93-102). Rio
  de Janeiro: Contra Capa.

Recebido em 23 de junho de 2008
Aceito em 16 de outubro de 2008
Revisado em 27 de outubro de 2008




Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

Teoria das relações interpessoais em enfermagem
Teoria das relações interpessoais em enfermagemTeoria das relações interpessoais em enfermagem
Teoria das relações interpessoais em enfermagemAnhanguera Enfermagem A/B
 
Analise do Comportamento no Brasil
Analise do Comportamento no BrasilAnalise do Comportamento no Brasil
Analise do Comportamento no Brasilmairamatoscosta
 
Joyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoa
Joyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoaJoyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoa
Joyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoaRenattaFerreira
 
Madeleine leininger - Teorias
Madeleine leininger - TeoriasMadeleine leininger - Teorias
Madeleine leininger - TeoriasFernanda Gomes
 
Resumo b1 terapia cognitiva comportamental
Resumo b1 terapia cognitiva comportamentalResumo b1 terapia cognitiva comportamental
Resumo b1 terapia cognitiva comportamentalCarina Fonseca
 
Jean watson e teoria aplicada à enfermagem
Jean watson e teoria aplicada à enfermagemJean watson e teoria aplicada à enfermagem
Jean watson e teoria aplicada à enfermagemCamilla Mota
 
Seminário dorothea elizabeth orem
Seminário dorothea elizabeth oremSeminário dorothea elizabeth orem
Seminário dorothea elizabeth oremDessa Reis
 
Texto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICO
Texto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICOTexto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICO
Texto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICOPsicologia_2015
 

La actualidad más candente (18)

Organograma slid1
Organograma slid1Organograma slid1
Organograma slid1
 
Organograma slid1
Organograma slid1Organograma slid1
Organograma slid1
 
Jean watson
Jean watsonJean watson
Jean watson
 
Teoria das relações interpessoais em enfermagem
Teoria das relações interpessoais em enfermagemTeoria das relações interpessoais em enfermagem
Teoria das relações interpessoais em enfermagem
 
Apresentação teoria transcultural
Apresentação teoria transculturalApresentação teoria transcultural
Apresentação teoria transcultural
 
Analise do Comportamento no Brasil
Analise do Comportamento no BrasilAnalise do Comportamento no Brasil
Analise do Comportamento no Brasil
 
Joyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoa
Joyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoaJoyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoa
Joyce Travelbee - Modelo de Relação Pessoa-a-pessoa
 
Madeleine leininger - Teorias
Madeleine leininger - TeoriasMadeleine leininger - Teorias
Madeleine leininger - Teorias
 
Sistêmica
SistêmicaSistêmica
Sistêmica
 
Resumo b1 terapia cognitiva comportamental
Resumo b1 terapia cognitiva comportamentalResumo b1 terapia cognitiva comportamental
Resumo b1 terapia cognitiva comportamental
 
Teoria de Imogene King
Teoria de Imogene KingTeoria de Imogene King
Teoria de Imogene King
 
TEORIAS DA ENFERMAGEM - HISTÓRIA
TEORIAS DA ENFERMAGEM - HISTÓRIATEORIAS DA ENFERMAGEM - HISTÓRIA
TEORIAS DA ENFERMAGEM - HISTÓRIA
 
Jean watson e teoria aplicada à enfermagem
Jean watson e teoria aplicada à enfermagemJean watson e teoria aplicada à enfermagem
Jean watson e teoria aplicada à enfermagem
 
Teorias da personalidade
Teorias da personalidadeTeorias da personalidade
Teorias da personalidade
 
Psicologia humanista
Psicologia humanistaPsicologia humanista
Psicologia humanista
 
Silide bases
Silide basesSilide bases
Silide bases
 
Seminário dorothea elizabeth orem
Seminário dorothea elizabeth oremSeminário dorothea elizabeth orem
Seminário dorothea elizabeth orem
 
Texto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICO
Texto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICOTexto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICO
Texto 6 ACONSELHAMENTO PSICOLOGICO
 

Similar a Balint

Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3eprpfsr
 
Clinica psicanalitica atual
Clinica psicanalitica atualClinica psicanalitica atual
Clinica psicanalitica atualElaine Coimbra
 
Paciente borderline e seu tratamento pdf
Paciente borderline e seu tratamento  pdfPaciente borderline e seu tratamento  pdf
Paciente borderline e seu tratamento pdfCinthya Bretas
 
A clínica psicológica do trabalho
A clínica psicológica do trabalhoA clínica psicológica do trabalho
A clínica psicológica do trabalhoDeisiane Cazaroto
 
2016 1_ebm_base histórica e científica_3
2016 1_ebm_base histórica e científica_32016 1_ebm_base histórica e científica_3
2016 1_ebm_base histórica e científica_3Flora Couto
 
SOBRE AS NEUROSES.pdf
SOBRE AS NEUROSES.pdfSOBRE AS NEUROSES.pdf
SOBRE AS NEUROSES.pdfssuser6647d3
 
Psicologia Humanista - Apresentação.pdf
Psicologia Humanista - Apresentação.pdfPsicologia Humanista - Apresentação.pdf
Psicologia Humanista - Apresentação.pdfErickFelipe22
 
Delicado manejo da transferência em pacientes de difícil acesso
Delicado manejo da transferência em pacientes de difícil acessoDelicado manejo da transferência em pacientes de difícil acesso
Delicado manejo da transferência em pacientes de difícil acessoEduardo Name Risk
 
Aula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptx
Aula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptxAula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptx
Aula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptxReverendo Celiomar Tiago Freitas
 
Aula 6 14 abr - Refletindo a Alma
Aula 6    14 abr - Refletindo a AlmaAula 6    14 abr - Refletindo a Alma
Aula 6 14 abr - Refletindo a AlmaProf. Paulo Ratki
 
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentesResponsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentesCláudio Costa
 
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentesResponsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentesCláudio Costa
 

Similar a Balint (20)

Organograma slid1
Organograma slid1Organograma slid1
Organograma slid1
 
Psicopatologia
PsicopatologiaPsicopatologia
Psicopatologia
 
Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3
 
Clinica psicanalitica atual
Clinica psicanalitica atualClinica psicanalitica atual
Clinica psicanalitica atual
 
Grupos
GruposGrupos
Grupos
 
Grupos
GruposGrupos
Grupos
 
Paciente borderline e seu tratamento pdf
Paciente borderline e seu tratamento  pdfPaciente borderline e seu tratamento  pdf
Paciente borderline e seu tratamento pdf
 
Aula dr. jacó 20102016
Aula dr. jacó   20102016Aula dr. jacó   20102016
Aula dr. jacó 20102016
 
09
0909
09
 
0Cuidador de idoso
0Cuidador de idoso0Cuidador de idoso
0Cuidador de idoso
 
A clínica psicológica do trabalho
A clínica psicológica do trabalhoA clínica psicológica do trabalho
A clínica psicológica do trabalho
 
2016 1_ebm_base histórica e científica_3
2016 1_ebm_base histórica e científica_32016 1_ebm_base histórica e científica_3
2016 1_ebm_base histórica e científica_3
 
SOBRE AS NEUROSES.pdf
SOBRE AS NEUROSES.pdfSOBRE AS NEUROSES.pdf
SOBRE AS NEUROSES.pdf
 
Algumas formas de psicoterapia
Algumas formas de psicoterapiaAlgumas formas de psicoterapia
Algumas formas de psicoterapia
 
Psicologia Humanista - Apresentação.pdf
Psicologia Humanista - Apresentação.pdfPsicologia Humanista - Apresentação.pdf
Psicologia Humanista - Apresentação.pdf
 
Delicado manejo da transferência em pacientes de difícil acesso
Delicado manejo da transferência em pacientes de difícil acessoDelicado manejo da transferência em pacientes de difícil acesso
Delicado manejo da transferência em pacientes de difícil acesso
 
Aula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptx
Aula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptxAula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptx
Aula Pós - APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DA TERAPIA COGNITIVA NO CONTEXTO CLÍNICO.pptx
 
Aula 6 14 abr - Refletindo a Alma
Aula 6    14 abr - Refletindo a AlmaAula 6    14 abr - Refletindo a Alma
Aula 6 14 abr - Refletindo a Alma
 
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentesResponsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
 
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentesResponsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
Responsabilidade parental na clínica psiquiátrica com crianças e adolescentes
 

Último

Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxD9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxRonys4
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Mary Alvarenga
 
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSilvana Silva
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxkarinedarozabatista
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOColégio Santa Teresinha
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasRosalina Simão Nunes
 
Universidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comum
Universidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comumUniversidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comum
Universidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comumPatrícia de Sá Freire, PhD. Eng.
 
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasRecurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasCasa Ciências
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresLilianPiola
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBAline Santana
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024Jeanoliveira597523
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManuais Formação
 
ELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VER
ELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VERELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VER
ELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VERDeiciane Chaves
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasCassio Meira Jr.
 
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?Rosalina Simão Nunes
 

Último (20)

Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxD9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
 
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
 
XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA -
XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA      -XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA      -
XI OLIMPÍADAS DA LÍNGUA PORTUGUESA -
 
Bullying, sai pra lá
Bullying,  sai pra láBullying,  sai pra lá
Bullying, sai pra lá
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
 
Universidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comum
Universidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comumUniversidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comum
Universidade Empreendedora como uma Plataforma para o Bem comum
 
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasRecurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
 
ELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VER
ELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VERELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VER
ELETIVA TEXTOS MULTIMODAIS LINGUAGEM VER
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
 
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
E agora?! Já não avalio as atitudes e valores?
 

Balint

  • 1. 1121 Subjetividade e defesa na obra de Michael Balint Renata Mello Psicóloga. Mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. End.: R. Gastão Bahiana, 575/404, Lagoa. Rio de Janeiro, RJ. CEP: 22071-030. E-mail: renatamello@gmail.com Regina Herzog Psicanalista. Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. End.: R. Frei Leandro, 32/602, Lagoa. Rio de Janeiro, RJ. CEP: 22470-210. E-mail: rherzog@globo.com Resumo Na atualidade, nos deparamos com a difusão dos chamados pacientes difíceis na clínica psicanalítica. Estes pacientes se mostram resistentes à técnica dita clássica da psicanálise, remetendo à necessidade de se debruçar sobre sua dinâmica psíquica, com vistas a um entendimento maior do que está em jogo nestes casos. Verifica-se que o processo de subjetivação reporta para uma vivência traumática precoce que incide sobre a relação do indivíduo com o que lhe é externo. Por conta do transbordamento de intensidades provocado pelo trauma, medidas de proteção elementares são mobilizadas visando evitar um colapso narcísico. A defesa passa a ser a via privilegiada pela qual o psiquismo se Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 2. 1122 ReNata Mello e RegiNa HeRzog constitui, o que se traduz em um significativo empobrecimento da vida subjetiva. Para tentar compreender esta dinâmica e propor uma direção ao tratamento psíquico, vamos recorrer às idéias de Michael Balint sobre as relações objetais primárias, visto que seu pensamento oferece elementos importantes para uma renovação do entendimento, tanto da prática analítica, quanto da própria dinâmica psíquica em jogo nos dias de hoje. Com respeito às idéias de Balint, vamos nos deter em sua teoria do amor primário e na questão das modalidades de vínculo defensivas – ocnofilia e filobatismo – face ao desamor dos objetos primordiais, idéias que podem fornecer subsídios para lidar com estes pacientes ditos difíceis. Palavras-chave: subjetividade, relações objetais, falha básica, defesa, Michael Balint. Abstract Currently we can observe the diffusion of the so-called tough patients in psychoanalytic clinic. These patients have proven resistant to the classic psychoanalysis technique, leading to the necessity of relying on their psychic dynamics, aiming at a broader understanding of what is at stake in these cases. It can be observed that the subjectivation process relates to a precocious traumatic experience that touches the relation of the individual with what is external to him. Because of the overwhelming intensity provoked by the trauma, elementary protection measures are mobilized in order to prevent a narcissistic collapse. The defense then becomes the preferred way through which psychism constitutes itself, which translates into a meaningful impoverishment of subjective life. In an attempt to understand this dynamic and propose a direction for the psychic treatment, we will resort to Michael Balint’s ideas about primary object relations, as his thinking offers important elements for a renewal of the understanding of both the analytical practice and the very psychic dynamic we currently see. In regards to Balint’s ideas, we will hold on to his primary love theory and to the question of the modalities of defensive links – ocnophilia and philobatism – given the lack of loving of the primordial objects, ideas that can provide subsidies to deal with these tough patients. Keywords: subjectivity, object relations, basic fault, defense, Michael Balint. Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 3. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1123 Introdução Um dos maiores desafios enfrentados pela clínica psicana- lítica na atualidade consiste na difusão dos chamados pacientes difíceis. Se na época de Freud costuma-se considerar que tais pacientes eram raros, hoje parece haver consenso quanto a um aumento significativo de seu número. O termo difícil diz respeito à própria condução do processo analítico, ou seja, designa uma análise que não anda, exigindo um remanejamento dos dispositi- vos terapêuticos. Diante da resistência desses pacientes à técnica dita clássica da psicanálise, investiga-se acerca da constituição da subjetividade em questão, tema que vem fomentando discussões acerca das relações objetais primárias. Observa-se no cotidiano clínico que esses pacientes sofrem pela impossibilidade de serem eles mesmos, o que se expressa por sensações de estranheza, inadequação, inutilidade e não-existên- cia. Do ponto de vista dinâmico, essa configuração remete para uma vivência traumática precoce que incide justamente na base dos processos de subjetivação. Por conta do transbordamento de intensidades provocado pelo trauma, medidas de proteção elemen- tares são mobilizadas visando evitar um colapso narcísico. A defesa passa a ser a via privilegiada pela qual o psiquismo se constitui, o que se traduz em um significativo empobrecimento da vida subjeti- va. Como desdobramento, verifica-se, ainda, uma dificuldade em ser afetado pelo que se produz no encontro alteritário, parecendo justi- ficar a inacessibilidade das intervenções analíticas com os referidos pacientes. Atribulado com estratégias de sobrevivência psíquica, o indivíduo se fecha para a experimentação mundana. Sem a experi- ência do outro, a experiência de si esvazia-se. Buscando abrir novos caminhos para a compreensão clí- nica do funcionamento psíquico em destaque nesses pacientes, propomos tomar as idéias de Michael Balint por acreditar que seu pensamento oferece elementos importantes para uma renovação do entendimento da prática analítica nos dias de hoje. Herdeiro da tradição ferencziana, Balint se dedica ao tratamento dos pacientes difíceis, diante dos quais apresenta uma postura instigante e in- ventiva. Na tentativa de açambarcar traumas originários de falhas na relação entre o indivíduo e o outro, o psicanalista húngaro se Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 4. 1124 ReNata Mello e RegiNa HeRzog volta para a emergência dos processos subjetivos. Especialmente atento às condições segundo as quais os primeiros vínculos com os objetos se estabelecem, Balint elabora uma teoria do amor pri- mário. Uma das suas formulações mais originais consiste justo nas modalidades de vínculo defensivas - ocnofilia e filobatismo - face ao desamor dos objetos primordiais. No presente artigo, exami- naremos a concepção balintiana acerca das particularidades das vinculações primitivas, uma vez que essas se encontram freqüen- temente presentes nas sintomatologias contemporâneas. Amor primário Na gramática balintiana o amor corresponde à relação de objeto. Para Balint, o indivíduo nasce imerso numa intensa relação com o entorno, descrita a partir da teoria do amor primário (Balint, 1937/1965a). Nessa perspectiva, a subjetividade é produto da inte- ração do indivíduo com o meio. Designar a relação objetal arcaica em termos de amor primário não significa negligenciar a existência do ódio nos estágios iniciais, considerado como fenômeno se- cundário, originário da separação abrupta do bebê para com os objetos primordiais. No princípio, trata-se de uma relação de inter- dependência amorosa entre o recém-nascido e o entorno, na maior parte das vezes encarnado na figura materna. Interdependência significa que tanto o bebê depende da mãe quanto a mãe depen- de do bebê e, nessa medida mesma, cada um satisfaz a si próprio por meio do outro, sem, contudo, obrigação de retribuição. Nas pa- lavras de Balint: “o que é bom para um é agradável para o outro1” (1937/1965a, p. 85). A idéia aqui é a de um relacionamento mutu- amente satisfatório e, nesse sentido, se supõe uma coincidência entre os desejos do bebê e da mãe. Para sermos precisos, em vir- tude da imaturidade e extrema dependência do bebê em relação aos cuidados primários, são os interesses dos objetos cuidadores que precisam ser adaptados aos interesses do indivíduo ao nascer. Vale salientar que essa adaptação se realiza de forma prazerosa por esses objetos. Inicialmente, portanto, existe uma relação des- simétrica e desmedida de amor, uma vez que o recém-nascido requer satisfação incondicional das suas necessidades. Tal exi- gência de amor pode ser acompanhada na descrição detalhada de Balint (1968/1993): Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 5. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1125 Preciso ser amado e cuidado em tudo por todos e só no que me interessa, sem que ninguém possa exigir qual- quer esforço ou compensação por isso. O que importa são apenas meus próprios desejos, interesses e neces- sidades; ninguém que seja importante para mim pode ter quaisquer interesses, desejos e necessidades diferentes dos meus e, se tiver, precisa subordiná-los aos meus, sem nenhum ressentimento ou solicitação; na verdade, seu prazer e alegria devem estar de acordo com os meus desejos (p. 64). Desse modo, o amor de objeto primário, isto é, os primei- ros vínculos afetivos do indivíduo com os objetos primordiais correspondem ao desejo de ser amado sem restrições; dese- jo que advém da dependência do bebê humano de outrem para se constituir e sobreviver. Pode-se situar como correlata dessa dependência outra característica essencial do amor primário, a saber, a “tendência a agarrar-se” (Balint, 1937/1965a, p. 83), ten- dência a se aproximar de objetos para se sentir em segurança. Uma série de relações de objeto se desenvolve com base nessa tendência, no sentido de uma busca por proximidade. Algumas ações humanas, corriqueiras, inclusive, podem ser a ela referidas, como por exemplo, o impulso do recém-nascido de prender os dedos aos objetos que lhe são chegados, o aperto de mãos ou o simples toque físico entre os adultos. Tais ações correspondem a símbolos da segurança materna, para tanto, o indivíduo preci- sa experimentar o agarramento inicial, o que equivale a sentir-se amado na tenra infância. Vejamos como Balint desdobra a emer- gência da relação de amor com a alteridade. O amor primário caracteriza-se, por um lado, pelo desejo passivo do bebê de ser amado e, por outro, pela resposta amo- rosa dos seus cuidadores. Trata-se de uma utilização egoísta dos objetos de amor por parte do recém-nascido, nas palavras de Alice Balint de um “egoísmo ingênuo” (1939/1965b, p. 95), tendo em vista que um antagonismo ou diferença entre o interesse próprio e o interesse do objeto sequer se coloca para ele. A ação e o afeto do outro não são reconhecidos em sua diferença e externalidade, tampouco, há uma apropriação por parte do bebê dos seus im- Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 6. 1126 ReNata Mello e RegiNa HeRzog pulsos e demandas. Nesse sentido, não se deve depreender do amor primário uma experiência de onipotência, pois não há aqui a necessidade de esforço ou poder, mas uma relação de sintonia (Balint, 1968/1993). Nessas condições, a alteridade apresenta-se como uma referência constante, dada como certa. Sem dúvida, ta- manha identidade de interesses sustenta-se pela conformação do entorno às necessidades do recém-nascido. Na perspectiva balintiana, o bebê e os seus objetos de amor formam uma “mescla harmoniosa interpenetrante” (Balint, 1968/1993, p.60), o que significa que o indivíduo ao nascer encontra- se imerso num mundo de mistura, no qual os limites entre o eu e o não-eu se apresentam de forma indefinida. No tocante à mistura pri- mordial, não se pode dizer que exista uma unidade homogênea entre a mãe e o bebê, mas sim uma modulação afetiva entre eles. Balint utiliza a relação do organismo com o ar que respira como exemplo para entender a qualidade dessa relação arcaica do bebê com o seu entorno. Sabemos que o ar respirado se distingue do indivíduo que o respira. Certamente, o ser humano utiliza o ar em qualidade e quantidade suficientes para a sua existência e, de fato, não pode viver sem ele. Enquanto o ar existir, simplesmente não o considera como um objeto, isto é, como algo separado dele. A situação muda de forma abrupta se o suprimento de ar sofrer alguma interrupção, de modo que a diferença entre os dois só aparece quando o indiví- duo é privado de ar. O mesmo ocorre em relação à interação ativa e intensa entre o bebê e a mãe. Ela só torna-se um objeto separa- do quando falha na sua adaptação a ele. Sendo assim, os objetos diferenciados emergem a partir da descontinuidade, oposição e re- sistência do entorno. No mundo de mistura não existem ainda objetos separados nem fronteiras delimitadas, apenas substâncias ou expansões ili- mitadas com as quais o indivíduo interage. Convém sublinhar que a noção de substância descreve justamente partes do mundo sem contornos nítidos e diferenciados, em contraposição aos objetos, que se referem às partes do mundo com limites claros, resistentes e passíveis de representação (Balint, 1959). De início, os laços com os objetos, denominados de substâncias primárias, se inscrevem no âmbito da mistura. A mãe, os odores, o ritmo, a temperatura, os sons formam uma mescla na qual o bebê circunda e com a qual Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 7. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1127 se relaciona. Não existe, portanto, uma relação com a alteridade propriamente dita, mas uma “unio mystica” com o objeto (Balint, 1968/1993, p. 67), pensada em termos de uma acomodação mútua entre a mãe e o bebê. O conceito balintiano de substância primá- ria permite postular a presença imediata do outro nos primórdios, sem, contudo, desconsiderar a incapacidade do recém-nascido de representá-lo. O que está em questão aqui é o modo de presença do objeto, isto é, a sua apreensão sensorial, expressa no mundo nebuloso e indistinto do amor primário. Assim, a ênfase recai nos aspectos qualitativos da experiência primária do indivíduo com o seu entorno. Em termos balintianos, tal experiência de mistura produz uma sensação pacífica e tranqüila de bem-estar. Para o autor, daí emerge a intenção de todos os esforços humanos, a saber, “estabelecer – ou provavelmente restabelecer, – uma harmo- nia evolvente com o entorno, para poder amar em paz” (Balint, 1968/1993, p. 59). Amar em paz refere-se ao desejo de ser amado incondicionalmente pelo objeto sem a obrigação de retribuição do amor recebido, tal como no princípio. Dessa perspectiva, se busca nas relações amorosas a sensação de bem-estar outro- ra experimentada. Sendo assim, os primeiros encontros objetais permanecem como parâmetro para as relações de objeto pos- teriores. Por este viés, o objeto primário é perdido no curso do desenvolvimento, mas a sensação de bem-estar reconquistada ul- teriormente. A título de ilustração, seguindo a proposta de Souza (2002), pode-se pensar as drogas – líquidas e gasosas – enquan- to substâncias primárias que se misturam fusionalmente com o sujeito. O que está em jogo nesse uso é a necessidade de des- frutar o referido estado de bem-estar através de um modo arcaico de ligação com o suposto objeto, em virtude de uma possível separação objetal traumática. Nesse sentido, as drogas se apre- sentam como vias de diluição da exigência e solidez dos objetos diferenciados, verdadeiros empecilhos à sensação de harmonia e incondicionalidade almejada. Vale destacar aqui a qualidade pacificadora que portam os primeiros objetos de amor, prévia ao reconhecimento objeti- vo do mundo. Por esse viés, se depreende uma experiência de acolhimento, segurança, bem-estar e harmonia com a alteridade, Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 8. 1128 ReNata Mello e RegiNa HeRzog vivenciada pela presença amorosa e responsiva do objeto. Sua presença se faz sentir tanto pela compreensão e gratificação das necessidades do indivíduo ao nascer, como pelo gradiente afeti- vo envolvido nesses cuidados, e, nesse sentido, pela satisfação amorosa da dependência. Ora, basta simplesmente que as pes- soas importantes dos primeiros tempos da existência estejam ali, isto é, com interesse no conforto do indivíduo, sem importunos ou exigências, respeitando o ritmo do seu desenvolvimento. O ponto importante a ser destacado diz respeito à dimen- são do encontro entre o indivíduo e o objeto-substância. Nem pouca presença, nem presença demais. Nem longe demais, nem muito perto. Vislumbra-se, aí, a construção de uma crença con- fiante e não suspeitosa em relação ao objeto, uma espécie de expectativa de reencontro com o objeto da mistura vida afora (Figueiredo, 2007). Desse modo, o outro passa a ser buscado enquanto fonte de bem-estar. Inaugura-se assim a relação com o objeto propriamente dito. Amor adulto O amor adulto equivale à passagem do amor de objeto pas- sivo, característico do amor primário, para o amor objetal ativo e corresponde à descoberta da externalidade do mundo. Com efeito, os objetos emergem gradativamente do emaranhado de substân- cias, emergência patrocinada pelo amor primário. Com o passar do tempo, o objetivo da mãe deixa de ser a satisfação das de- mandas do filho de maneira irrestrita e a preservação exclusiva da harmonia, de modo que ela começa a buscar outras fontes de sa- tisfação e a se interessar novamente pelo mundo. Paralelamente a isso, ocorre o desenvolvimento emocional da criança para lidar com as inevitáveis falhas maternas, como também uma ampliação e complexificação das suas necessidades. Desse contexto, surge uma experiência de desarmonia entre o indivíduo e o entorno, a partir da qual se inaugura o encontro com a alteridade. Aqui as fronteiras entre o eu e o não-eu são de- senhadas com maior nitidez. Nesse sentido, a oferta de amor se personifica, de modo que os interesses e sentimentos do outro – agora diferenciado – passam a ser considerados, evidenciando a Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 9. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1129 existência de condições para ser amado. Inicia-se, assim, o pro- cesso de abandono da passividade amorosa com a introdução de um sentido de realidade, ou seja, a exigência de amor incondicio- nal cede lugar a uma relação de reciprocidade amorosa. Por esse viés, os laços afetivos são tecidos com a al- teridade no propósito de recuperar a experiência de mistura harmoniosa com o entorno e, nessa medida, o indivíduo se di- rige para o objeto na tentativa de restabelecer uma relação de correspondência outrora experimentada, referência de segu- rança narcísica. Nas palavras de Balint: “a finalidade última de todo impulso libidinal é, pois, a preservação ou restauração da harmonia original” (1968/1993, p. 67). O amor se converte num “trabalho de conquista” (Balint, 1947/1965c, p.115), isto é, uma adaptação mútua entre os amantes, no sentido de se satisfazer ao mesmo tempo em que satisfaz ao outro. Nessas ocasiões, o objeto deve se transformar num parceiro cooperativo, o que supõe uma doação por parte do sujeito, tendo em vista que tal parceiro precisa ser induzido a sentir prazer em satisfazê-lo. Trata-se, portanto, de um acordo de cooperação entre os in- divíduos a fim de sintonizarem suas demandas de satisfação, inclusive, a satisfação sexual. De fato, o amor adulto significa esforço, privação e troca em contraposição à gratificação automática e incondicional do amor primário. A formulação de Balint nos aponta para um processo de educação e invenção de novos caminhos para reconquistar a expe- riência de êxtase amoroso. Tal processo implica tanto a aceitação do outro como uma subjetividade irredutível, com preferências e desgostos peculiares, quanto a administração de uma dose de descontentamento em relação às expectativas objetais. O grau do auto-sacrifício e investimento objetal se encontra intrinsecamente relacionado ao que se demanda do outro; assim, o indivíduo ama e gratifica o seu parceiro na própria medida em que espera ser amado e gratificado por ele de volta. Ainda que ter como objeti- vo a sua própria satisfação remeta para uma natureza egoísta ou completamente narcísica do amor, a imprescindibilidade do outro para tal realização não é desconsiderada. A título de ilustração, nos parece interessante pensar nos poemas e músicas românticas, na galanteria e no cortejo2, como estratégias para alcançar uma liga- Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 10. 1130 ReNata Mello e RegiNa HeRzog ção emocional com o outro de caráter fusional, uma espécie de protocolo da experiência de amor. Como vimos, o estabelecimento de uma relação harmoniosa exige uma identidade de interesses e demandas e, nesse sentido, o amor pressupõe uma experiência mútua de bem-estar. Trata-se, portanto, de um arranjo conjunto a ser alcançado e não, necessa- riamente, de um embate amoroso entre indivíduo e objeto. Ambos estão sob a rubrica do desejo de ser amado, ambos aspiram ao mesmo modo de satisfação. Aqui o outro é tratado como um par- ceiro igual, submetido ao mesmo trabalho de conquista. Assim sendo, o amor primário, âmbito das primeiras interações com as substâncias primárias, situa-se como a base das vinculações de objeto posteriores. Em outras palavras, o que se busca nas rela- ções objetais está intimamente imbricado com o que se experiencia nos primeiros encontros com a alteridade. A passagem para o mundo dos objetos não se dá sem desarmonia entre o eu e o não-eu, o que implica em falhas no atendimento das necessidades do indivíduo. Tais falhas, no entan- to, precisam ser dosadas, isto é, a discrepância entre a demanda e a oferta de amor não deve ultrapassar um limite suportável pelo recém-nascido. Caso contrário, as conseqüências são catastróficas e as cicatrizes profundas. Em decorrência, determinados proces- sos defensivos são engendrados, comprometendo a possibilidade de vínculos autênticos e efetivos com a alteridade. Vejamos como Balint aborda a dimensão traumática primitiva e suas implicações na forma do indivíduo se portar no mundo. A falha básica Balint propõe o termo falha a partir da sua experiência clí- nica com pacientes difíceis e severamente regredidos. Em tais circunstâncias, muitos desses pacientes se referem a uma falha dentro de si que precisa ser corrigida. Trata-se de uma sensação de falha, deficiência ou defeito e não de um conflito intrapsíquico. Há ainda um sentimento de descuido ou abandono ocasionado por uma experiência de desproteção precoce dos objetos primor- diais. Em termos clínicos, os pacientes apresentam uma “mistura de sofrimento profundo, falta de menor vontade de luta e uma ina- Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 11. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1131 balável determinação de avançar” (Balint, 1968/1993, p. 16-17), além de intensas sensações de vazio, inutilidade e morte. Como corolário, se demanda angustiadamente do analista a probabili- dade de não falhar. Falha é uma terminologia utilizada de modo semelhan- te pela geologia e cristalografia para descrever uma “súbita irregularidade na estrutura total, uma irregularidade que, em circunstâncias normais, estaria escondida, mas se houver pres- sões ou forças, pode levar a uma ruptura” (Balint, 1968/1993, p.19). Tal ruptura é capaz de alterar profundamente essa estru- tura, tal como ocorre com o indivíduo. O adjetivo básica, por sua vez, implica não só numa anterioridade em relação ao com- plexo de Édipo, como também diz respeito à ampla extensão de seus efeitos na subjetividade, envolvendo em diferentes grada- ções e arranjos tanto o psíquico quanto o somático. A origem da falha básica encontra-se no descompasso entre as exigências amorosas do indivíduo e a doação de amor por parte dos objetos primordiais no período da constituição psí- quica. Tal discrepância se justifica em função da ausência de adaptação às necessidades singulares e primárias do recém-nas- cido por parte dos objetos cuidadores. É interessante observar, sobretudo clinicamente, que as formas da falha básica são ex- perimentadas pelos indivíduos: seja através de um sentimento de que o entorno intencionalmente lhe negligencia cuidados, o que produz uma posição subjetiva de suspeita em relação aos objetos; seja pela sensação de culpa por não conquistar a aten- ção do entorno e, nesse sentido, responsabilizam-se pela falha dos objetos primordiais, o que suscita desconfiança em relação às próprias potencialidades. Em ambos trata-se de uma vivência de inadequação, no que se refere ao ambiente ou em relação a si próprio. Por conseguinte, tais experiências viabilizam diferen- tes modalidades de relação com o objeto, como investigaremos adiante. De qualquer maneira, as infiltrações da falha básica na subjetividade portam uma angústia avassaladora e um apelo de- sesperado por um preenchimento da deficiência, uma espécie de pedido de cicatrização. Passemos agora ao exame da falha bási- ca, nos valendo dos ensinamentos acerca do amor primário3. Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 12. 1132 ReNata Mello e RegiNa HeRzog Nos tempos da infância, a falta de ajustamento entre o eu e o não-eu implica em ressonâncias na própria conformação da subjetividade. Vimos que na concepção balintiana existe, desde o princípio, uma relação de reciprocidade entre o indivíduo e o meio, de modo que qualquer alteração ou insuficiência desse meio de- sencadeia reações por parte do indivíduo. Sob essa ótica, o não atendimento das necessidades primitivas ou a ausência de gratifi- cação, tal qual a carência de suprimento de ar, suscita sentimentos de ódio e frustração. Tais sentimentos são derivados diretos da privação de amor, isto é, respostas do indivíduo à recusa de amor das pessoas importantes para o seu existir. Nessa perspectiva, o ódio reporta à imaturidade subjetiva do indivíduo, traduzindo de forma dolorosa a dependência amorosa de outrem para sobrevi- ver. Assim, o ódio é a medida da desigualdade entre o indivíduo e o outro e, quanto mais recursos simbólicos o indivíduo dispor, menos ele precisa odiar (Balint, 1951/1965d). Em contrapartida, quanto mais precoce for o desatendimento às suas demandas, maior a infiltração do ódio nos processos subjetivos. Nesse sen- tido, o ódio advém da constatação do desamor dos objetos dos quais se é dependente. Nesse contexto, se o amor primário não se realiza, ou seja, se o cuidado primordial falha em demasia, o indivíduo é tomado por um “medo de ser largado”, nos termos utilizados por Alice Balint (apud Balint, 1935/1965e, p. 49). É interessante pensar, seguin- do as formulações de Balint, na origem do medo de ser largado atrelado à tendência a agarrar-se, característica do amor arcaico, posto que a busca por laços de proximidade, em variações múlti- plas, é claro, possibilita uma experiência de proteção. Com efeito, quando os primeiros vínculos com os objetos primordiais se in- terrompem bruscamente, também se rompem as ligações com o mundo, instaurando um estado de violenta insegurança sub- jetiva. Como resultado da falta de correspondência alteritária se pode pensar numa desconfiança em relação não só ao mundo dos objetos, como também no tocante à sua própria capacida- de de contenção, posto o imperativo de se refazer por sua própria conta do desespero e da angústia vivenciados. Delineia-se assim, uma dupla impossibilidade: contar com os objetos e decepcionar- se com os mesmos. Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 13. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1133 Em virtude de demandas de amor não correspondidas, torna-se necessário criar outros modos de satisfação e apazigua- mento, o que se faz mediante saídas narcísicas. Na concepção balintiana, a satisfação auto-erótica só se apresenta como forma de obter bem-estar, a partir do momento em que o eu não conse- gue obter gratificação no mundo dos objetos. A idéia é a de que se o indivíduo não é amado o suficiente pelo mundo, deve amar e gratificar a si próprio (Balint, 1935/1965e). Sob essa ótica, Balint afirma que todo narcisismo é secundário ao investimento obje- tal original, ou seja, encontra-se subseqüente à relação de objeto arcaica4. Nesse contexto, ao receber muito pouco do entorno, o in- vestimento libidinal, que anteriormente fluía do isso para os objetos, torna-se essencialmente narcísico. O narcisismo, portanto, corres- ponde a “uma reação psíquica secundária que só existe quando o outro se furta ao pedido que lhe é feito” (Costa, 1998, p.113), uma espécie de simulação da doação que não existiu. Dessa perspectiva, a gratificação narcísica apresenta-se como resposta diante das dificuldades com o outro, cujo objetivo consiste em recuperar a unidade dos primeiros estágios da mistu- ra. Trata-se, portanto, de um artifício para obter amor, contudo, tal artifício porta certo limite. Por certo, o amor a si próprio não basta, tornando necessário o amor do outro. Levando em consideração que a segurança narcísica do indivíduo está em jogo, pode-se en- trever a necessidade de criar estratégias para recuperá-la. Nessas condições, o indivíduo se dirige aos objetos, tendo como pano de fundo os seus primeiros encontros amorosos. Isso implica pensar que a receptividade ao outro depende do modo como se experi- menta o amor primário. Nesse sentido, quando os vínculos afetivos com os objetos primordiais se interrompem precoce e duradoura- mente, modos de funcionamento subjetivos são engendrados em resposta e na proporção do impacto traumático, em termos balin- tianos, da falha básica. Ocnofilia e filobatismo Ao longo de sua obra, Balint descreve três modalidades de relações com os objetos, a saber, o amor primário, examinado acima, que corresponde ao desejo de ser amado incondicional- mente pelo outro; a ocnofilia, modo em que a presença do objeto Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 14. 1134 ReNata Mello e RegiNa HeRzog é excessivamente requisitada; e o filobatismo, forma em que os objetos são constantemente afastados. O termo ocnofilia é deriva- do do grego okneo e significa agarrar-se ou segurar-se com força. A denominação filobatismo é proposta em função da imagem do acrobata, que faz referência a quem anda na ponta dos dedos, longe da terra firme (Balint, 1959). Trata-se de posições subjetivas extremadas frente ao mundo, que se mesclam e se confundem du- rante a existência do indivíduo5, posições cujas funções consistem em minimizar o perigo decorrente do encontro com o objeto e re- cuperar o estado de mistura harmoniosa. O mundo da ocnofilia se estrutura pelo toque e pela proximi- dade. O ocnofílico busca segurança aproximando-se dos objetos, ao passo que os espaços vazios entre os objetos são experimenta- dos como arriscados e perigosos. Sendo assim, qualquer ameaça de perda do objeto gera uma angústia avassaladora, posto que sem ele, o indivíduo sente-se perdido e indefeso. A idéia é a de que o sujeito precisa se agarrar desesperadamente ao outro, como garantia de proteção, tal qual a criança se segura na sua mãe quando pequena. Como decorrência, instaura-se uma dependência e supervaloriza- ção das relações objetais em detrimento do desenvolvimento das potencialidades individuais para lidar com as vicissitudes do mundo. Nessas condições, o objeto ocnofílico assume um suporte vital para o indivíduo, símbolo do amor e segurança materna. Aqui “a deman- da pelo objeto é absoluta” (Balint, 1959, p. 33). O mundo do filobatismo se caracteriza pela distância e pela visão. O filobata busca segurança distanciando-se dos ob- jetos, pois essa ligação é experimentada como imprevisível e suspeita. Desse modo, o indivíduo sente-se seguro apenas nas expansões sem objetos, longe de qualquer amparo, razão pela qual, evita-os ao máximo. A idéia é a de que o sujeito não preci- sa de nenhum objeto, que são, por sua vez, considerados como invasivos e incertos. Por conseguinte, há um superinvestimen- to nas próprias habilidades subjetivas para lidar com os riscos, cujo intuito consiste em manter-se somente com seus próprios recursos, dispensando o auxílio externo. Nessas condições, o sujeito assume uma “postura heróica” (Balint, 1959, p. 28) dian- te de si mesmo. Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 15. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1135 Dessa ótica, sustenta-se que tais modalidades de relação com a alteridade exprimem modos de satisfação obtidos com a experiência de segurança, o que não significa, necessariamente, amor. De fato, o objetivo é sentir-se seguro diante da assustadora fragilidade narcísica: o ocnofílico busca segurança se agarrando aos objetos, enquanto o filobata, mantendo os objetos à distân- cia. Em outros termos, o mundo do ocnofílico se constrói na ilusão de que os objetos estão sempre disponíveis quando solicitados, Tamanha confiança e aderência aos objetos, porém, encontra-se fadada à decepção. Ora, o objeto não se presta a reivindicação ab- soluta da sua presença, pelo simples fato de que ele é outro, com desejos que lhe são peculiares, ou seja, o objeto vem e vai quando bem entende. No filobatismo a frustração ocorre justamente pelo inverso, isto é, em função do apreço pela independência e auto- nomia em relação aos objetos. O filobata edifica um mundo com base na ilusão de que pode se valer só, daí desenvolve uma con- fiança irrestrita na eficácia de seus atributos, contudo, não suporta estabelecer vínculos contínuos e autênticos com a alteridade. Com efeito, “nem o filobata, nem o ocnofílico sabem ou podem justificar a confiança que têm em seus respectivos meios de experimentar a satisfação da segurança” (Salém e Costa, 2003, p. 39). De acordo com Balint (1959), tais ilusões se originam de equívocos no teste de realidade. Cabe ressaltar que não se trata de postular uma interpretação correta da realidade, tendo em vista a singularidade da apreensão em questão, mas de marcar que o indivíduo se apropria do mundo em função de suas experiên- cias primitivas. Como descrevemos anteriormente, o indivíduo e a substância primária encontram-se originariamente envolvidos numa mistura. A distinção entre mundo interno e mundo externo equivale à introdução do teste de realidade, o que se faz proces- sualmente. Inicialmente, se distingue acerca da origem e natureza de uma sensação, isto é, se ela vem de fora ou de dentro; em se- guida, se interpreta o que é percebido; por último, busca-se uma reação apropriada para a sensação percebida. Ocnofílicos e filo- batas são capazes de diferenciar a realidade externa da realidade interna, porém, a compreensão da realidade mostra-se falha para ambos (Balint, 1959). Enquanto o filobata minimiza os perigos do entorno com uma confiança cega em seus predicados, o ocnofí- Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 16. 1136 ReNata Mello e RegiNa HeRzog lico nega tais perigos, confiando integralmente na proteção dos objetos. Dessa ótica, se constroem a ilusão da proximidade e do distanciamento das pessoas como estratagemas de segurança. Apesar da aparente diferença, torna-se relevante explicitar a ambi- valência presente nos dois tipos de relação objetal, o que termina por mesclá-los. “Na verdade, o ocnofílico é tão pouco sincero para consigo mesmo quanto o filobata” (Peixoto Jr, 2004, p.241). Com efeito, existem modalidades de ambivalência carac- terísticas da ocnofilia e do filobatismo. Os objetos ocnofílicos, inevitavelmente, são tão amados quando unidos por adesão ao indivíduo, quanto odiados pelo que encerram de divergência e frustração. Com os filobatas, o desprendimento dos objetos con- vive com a dependência dos seus “equipamentos”, representação simbólica da segurança materna nas mãos. Em ambas as formas defensivas estão presentes “amor e ódio, confiança e desconfian- ça ao mesmo tempo” (Balint, 1959, p.54). Pela suposta confiança, filobatas e ocnofílicos buscam restabelecer uma relação de har- monia com o ambiente, condição de possibilidade de abertura ao amor e à diversão. Em última instância, trata-se aqui de uma neces- sidade de confiar a qualquer preço – nos objetos ou em si mesmo – como medida de prevenção ante um colapso psíquico. Convém insistir que a desconfiança é defensiva e reporta a não correspon- dência entre o eu e o não-eu e uma desproporção em relação ao que se demanda e se recebe do mundo. Desapontado com a realidade a sua volta, o indivíduo in- venta outra – ocnofílica e filobática – a fim de evitar a reedição do encontro com objetos não confiáveis. Entretanto, apesar de tais posições subjetivas extremadas, a insegurança não cede, inclusi- ve, pelo fato de que qualquer vivência decepcionante, natural da vida, produz uma experiência de extrema desproteção, incremen- tando a suspeita em relação ao mundo. A idéia é a de que se o indivíduo experimenta precocemente uma falha na relação alteritá- ria, temerá qualquer desilusão que remonte a essa experiência. O temor se justifica em função do restrito repertório de respostas ante o desmoronamento psíquico, levando-se em conta a maturação em questão. Nessas condições, os processos subjetivos passam a ser engendrados pela impossibilidade de lidar com o desencon- tro objetal, efeito traumático por excelência, o que caracteriza um Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 17. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1137 funcionamento extremamente defensivo. Tal impossibilidade se ex- pressa na dificuldade em estabelecer vinculações objetais efetivas. Com isso, a subjetividade se desvitaliza. Certamente, não há como prescindir do amor da alterida- de. Desse modo, a transformação dos objetos em parceiros – ato eminentemente criativo para Balint – se apresenta como única al- ternativa possível para uma vida com sentido. Para tanto, porém, ocnofílicos e filobatas precisam experimentar novas modalidades de relação objetal, mobilizando a sua subjetividade outrora parali- sada e confinada. O intuito é restaurar a confiabilidade do mundo dos objetos, condição de abertura para o outro. Na esteira des- sas idéias, desponta a crença balintiana acerca da potencialidade humana de constantemente recomeçar, através da desobstrução dos caminhos fixados pela insegurança e pela invenção de outras nuances de encontro com a alteridade. Novo começo: a aposta clínica de Balint Movida por preocupações clínicas, a produção teórica de Balint traz em si inspirações para a prática psicanalítica. Crédulo no “poder cicatrizante da relação” (Balint, 1968/1993, p.147), o psicanalista húngaro se ocupa, especialmente, da dimensão qualitativa do campo transferencial. Tal qualidade engendra uma atmosfera na relação analítica, como na díade mãe-bebê, com- posta tanto pela linguagem como pelo modo de presença do analista. Aqui estão em jogo as suas respostas frente ao sofri- mento psíquico do paciente, o que abarca a intensidade e o tom da sua voz, seus gestos e expressões faciais, a gestão do tempo e do ritmo das sessões e, ainda, a maneira como as palavras são usadas ou caladas por ele. A questão é que somente em con- dições seguras o indivíduo pode se despir das suas armaduras defensivas e experimentar, na transferência, outras formas de re- lação de objeto. A ampliação deste repertório de possíveis corresponde ao pensamento balintiano acerca do “novo começo” (1968/1993, p.152). Trata-se da construção de uma outra disposição para ser e estar no mundo, o que implica na criação de novos caminhos e sentidos para a existência. Para Balint, o surgimento de um reco- Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 18. 1138 ReNata Mello e RegiNa HeRzog meço pressupõe um movimento regressivo em direção aos modos de vinculação objetal mais primitivos durante o processo analítico. Dessa perspectiva, apenas quando o paciente regride aos velhos hábitos e costumes de relação com o objeto, pode desprender- se da imobilidade e coerção dos mesmos. A proposta terapêutica é justamente voltar ao princípio do desenvolvimento psíquico em reação à falha básica, para daí, ajudar o paciente a ter um novo começo. A regressão, portanto, se apresenta como a condição de possibilidade da progressão subjetiva. O conceito de regres- são é fundamental para a compreensão das particularidades da clínica balintiana com pacientes difíceis. Os fenômenos regressi- vos equivalem a formas primitivas de comportamento e interação com o objeto, mesmo depois de terem sido estabelecidos padrões considerados adultos e maduros. Ao experimentar sentimentos de amor e ódio primários, o paciente perfaz a sua história subjetiva, transformando a relação com o outro. Vale salientar o luto e a tris- teza advindos da experiência de confronto com a falha básica, a despeito da possibilidade de preenchimento e cicatrização com o novo começo. Preocupado em se aproximar da “criança dentro do pa- ciente” (Balint, 1968/1993, p. 82), Balint indica a necessidade de instituir uma comunicação numa linguagem apropriada. Nesses casos, mais do que interpretações reveladoras e sofisticadas se trata de compreender e aceitar o paciente sem reservas. Isso im- plica na instauração de uma atmosfera de confiança entre o par analítico, capaz de minimizar os perigos e suspeitas do entorno. De acordo com Balint (1968/1993), “a finalidade é que o pacien- te possa se tornar capaz de encontrar-se, aceitar-se e continuar por si mesmo” (p.165). Considerar a regressão em análise com o propósito de auto-reconhecimento e não como fonte de gratifica- ção requer um entendimento acerca da subjetividade e defesa em questão na falha básica. Caso contrário, se pode interromper ou mesmo inibir o processo regressivo com interferências apressadas, apesar de corretas. Com base nesses pressupostos, as falhas exis- tentes na relação entre o paciente e o analista são justificadas pelo uso de uma linguagem adulta e convencional no lugar de uma lin- guagem infantil e terna6. Sendo assim, a regressão depende não só do paciente, mas do modo como o analista responde a ela. Daí se Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 19. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1139 afirma que a regressão não é apenas um processo intrapsíquico, mas uma experiência intersubjetiva, na qual o analista encontra- se intimamente envolvido (Peixoto Jr, 2002). O trabalho psicanalítico para sustentar a regressão se faz pelo oferecimento de uma presença asseguradora e genuinamen- te disponível. A idéia é propiciar uma qualidade de relação analítica que não pôde ser experimentada pelo paciente nos seus primeiros encontros alteritários. A concessão de tempo e espaço, indispensá- veis aos processos subjetivos, torna-se imperativo. Tais processos não precisam ser acelerados, mas sim acompanhados ativamente pelo psicanalista. Isso exige uma sintonia afetiva entre o par ana- lítico, tal como requerida nos vínculos do amor primário. Nesse sentido, a função do analista deve se assemelhar a das substân- cias primárias, conforme propõe Balint (1968/1993): A substância, o analista, não deve resistir, deve consentir, não deve dar origem a muito atrito, deve aceitar e trans- portar o paciente durante um certo tempo, deve provar ser ou menos indestrutível, não deve insistir em manter limites nítidos, permitindo o desenvolvimento de uma es- pécie de mistura entre o paciente e ele próprio (p. 134). Uma vez que os processos defensivos primitivos emergem a partir da dissonância entre o eu e o não-eu, o analista precisa estar sensível às necessidades e interesses do paciente a fim de evitar a reedição dos desencontros traumáticos. Não se trata aqui de compensar as privações dos tempos da infância, nem, tam- pouco, satisfazer todos os anseios e desejos do paciente, sem dúvida, inviável e improdutivo; mas de respeitar o ritmo da sua sub- jetivação. Desse modo, uma experiência de abertura, afetação e entrelaçamento entre o eu e o outro desponta na própria medida da liberação das amarras defensivas e da entrega mais confiante aos cuidados analíticos. Notas 1. As traduções das citações são de nossa inteira responsabilidade. 2. Trata-se de fenômenos culturalmente opcionais e não Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 20. 1140 ReNata Mello e RegiNa HeRzog obrigatórios. Para um estudo detalhado sobre o amor romântico, ver Costa, J. F. (1998). 3. Convém explicitar que o caráter traumático da desarmonia entre indivíduo e objeto não é tão acentuado nas primeiras formulações de Balint que datam de 1937, ganhando maior relevo com a temática da falha básica em 1968. Seguindo Balint, podemos dizer que “o nível mais precoce é o do amor primário e com ele o nível da falha básica” (1968/1993, p. 26). 4. Para um estudo minucioso a respeito das divergências e aproximações entre o narcisismo primário em Freud e o narcisismo secundário em Balint, ver Peixoto Jr., C. A. (2003). 5. Balint aborda a ocnofilia e o filobatismo como modos de funcionamento subjetivos extremamente patológicos face às dificuldades primitivas com o entorno, contudo, nos parece interessante pensar que tais funcionamentos podem estar presentes de forma não exclusiva no psiquismo, ou seja, como modalidades defensivas diante das falhas inerentes às relações alteritárias. 6. Tal falha expressa justamente a confusão de línguas existente tanto entre a criança e o adulto quanto entre o paciente e o analista. Trata-se aqui de uma marcada referência a Ferenczi. Para um estudo aprofundado a respeito, ver Ferenczi, S. (1933/1992). Referências Balint, M. (1959). Thrills and regressions. New York: International Universities Press. Balint, M. (1965a). Early developmental states of the ego: Primary object-love. In Primary love and psycho-analytic technique (pp. 74-90). London: Tavistok. (Originalmente publicado em 1937). Balint, A. (1965b). Love for the mother and mother love. In M. Balint, Primary love and psycho-analytic technique (pp. 91-108). London: Tavistok. (Originalmente publicado em 1939). Balint, M. (1965c). On genital love: Primary object-love. In Primary love and psycho-analytic technique (pp. 109-120). London: Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 21. subjetividade e deFesa Na obRa de MicHael baliNt 1141 Tavistok. (Originalmente publicado em 1947). Balint, M. (1965d). On love and hate. In Primary love and psycho-analytic technique (pp. 121-135). London: Tavistok. (Originalmente publicado em 1951). Balint, M. (1965e). Critical notes on the theory of the pregenital organizations of the libido. In Primary love and psycho-analytic technique (pp.37-58). London: Tavistok. (Originalmente publicado em 1935). Balint, M. (1965f). Eros and Aphrodite. In Primary love and psycho- analytic technique (pp. 59-73). London: Tavistok. (Originalmente publicado em 1936). Balint, M. (1993). A falha básica: Aspectos terapêuticos da regressão. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. (Originalmente publicado em 1968). Costa, J. (1998). Sem fraude, nem favor: Estudos sobre o amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco. Ferenczi, S. (1933). Confusão de línguas entre adultos e crianças. In S. Ferenczi, Psicanálise IV (pp. 97-106). São Paulo: Martins Fontes. (Originalmente publicado em 1992). Figueiredo, L. C. (2007). Confiança: A experiência de confiar na clínica psicanalítica e no plano da cultura. Revista Brasileira de Psicanálise, 41 (3), 69-87. Montes, F. F., & Herzog, R. (2005). A relação do sujeito com o tempo na atualidade. Pulsional Revista de Psicanálise, 18, 49-59. Peixoto, C. A., Jr. (2002). Sobre a regressão e novo começo: Balint e a técnica psicanalítica. Percurso, (29), 92-102. Peixoto, C. A., Jr. (2003). Do narcisismo ao amor primário: Balint e a gênese dos processos de subjetivação. Revista Psychê, 6 (11), 13-28. Peixoto, C. A., Jr. (2004). As relações primárias no contexto da falha básica. Natureza Humana, 6 (2), 235-254. Salém, P., & Costa, J. (2003). Sobre a confiança em Balint. Revista de Psicanálise Textura 3, 37- 41. Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008
  • 22. 1142 ReNata Mello e RegiNa HeRzog Souza, O. (2002). Aspectos clínicos e metapsicológicos do uso de drogas. In C. A. Plastino (Org.), Transgressões (pp.93-102). Rio de Janeiro: Contra Capa. Recebido em 23 de junho de 2008 Aceito em 16 de outubro de 2008 Revisado em 27 de outubro de 2008 Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1121-1142 – dez/2008