1. Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
Resenha – Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age (Viktor Mayer-
Schönberger)
Tarcízio Silva
Viktor Mayer-Schonberger inicia seu livro com alguns casos polêmicos e impactantes
da interferência da memória digital em casos reais de pessoas comuns. Um dos casos,
que dá título ao primeiro capítulo, é o da professora Stacy Snyder que publicou uma
foto pessoal em seu perfil MySpace, na qual segurava um copo em uma festa. A
legenda, “drunken pirate”, dava a entender que Stacy estava consumindo bebidas
alcoólicas. A ocasião e a foto seriam corriqueiras se Stacy não estivesse em processo de
certificar-se como professora. Os oficiais responsáveis em sua universidade fizeram
uma busca na internet, encontraram a foto e julgaram que Snyder não poderia receber o
certificado para ensinar, devido a seu suposto comportamento inadequado. Este é um
dos diversos casos limítrofes que Mayer-Schonberger cita em seu livro para
compartilhar com o leitor os problemas que diversos desenvolvimentos técnicos e novas
práticas sociais trouxeram. Segundo o autor, a sociedade estaria deixando de esquecer.
O capítulo seguinte trata, então, do papel da memória e da importância do
esquecimento. Mayer-Schonberger fala da memória humana, do papel da linguagem
como apoio à memória, memória externa como pintura e escrita, memória
compartilhada, novos suportes da memória como fotografia, filme e vídeo. Quando fala
sobre as matérias da memória, o autor parece temer que a recuperação da memória
através de suportes físicos engesse os significados. O autor explica que a pesquisa sobre
a memória humana hoje concorda que o processo de lembrança não é apenas uma
recuperação estéril da informação armazenadas, mas sim um reprocessamento contínuo.
Como explica José van Dijck:
“memory objects are not simply technological or material prostheses of the
mind, as the movie wants us to believe. Personal cultural memory, as I will
argue in this article, is neither located strictly within the brain nor outside in
technological artifacts or in culture, but is the result of a complex interaction
between brain, material objects, and the cultural matrix from which they
arise” (VAN DIJCK, 2004, p.2)
Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
2. Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
Os suportes descritos por Mayer-Schonberger neste capítulo são vistos como
mecanismos e dispositivos que trariam em si traços que levavam ao esquecimento, visto
como natural.
Novos dispositivos digitais, como computadores, entretanto, estariam ajudando a acabar
com o esquecimento. O próximo capítulo é aberto com a descrição da pesquisa de
Gordon Bell e o desenvolvimento do dispositivo MyLifeBits. A proposta desta pesquisa
é construir um dispositivo de armazenamento das experiências e memória pessoais para
uso individual. Descrito no livro O Futuro da Memória – Como essa transformação
mudará tudo o que conhecemos (BELL & GEMMEL, 2009), este projeto vai de
encontro ao que Mayer-Schonberger pensa sobre a memória. Alguns dos motivadores
do “declínio do esquecimento”, que o autor descreve neste capítulo, são desenvolvidos
por Bell.
Segundo Mayer-Schonberger, o primeiro foi a digitalização da informação. A cultura
mainstream de hoje é quase totalmente baseada em digitalização, o que deixa para o
passado a adição de ruído e envelhecimento nas cópias das informações. A
reprodutibilidade hoje é exata, não se perde bits de informação a cada cópia realizada de
outra cópia. O armazenamento barato é outro motivador pois chegou-se a um ponto em
que é mais fácil, rápido e barato manter as informações do que apagá-las. Sistemas
complexos e consistentes de metadados permitem a recuperação fácil das informações –
ou memórias -, que podem ser encontradas tão facilmente quanto fazer uma busca no
Google. O alcance global, por fim, permite que as pessoas acessem suas – e, muitas
vezes, de outras pessoas – informações de qualquer lugar do mundo. Os dispositivos de
armazenamento estão conectados à web e os dispositivos de acesso não se limitam aos
desktops.
O declínio do esquecimento traz muitas conseqüências nefastas, descritas no quarto
capítulo. O autor discorre sobre o poder da informação e diz que “others gain in
information power from our loss, influencing the circumstances of our future
interactions with the world and how we function as a society” (p.63). Três
características da memória digital teriam tornado isto possível: acessibilidade,
durabilidade e abrangência.
Em relação à primeira característica, o autor explica que possuímos informações que
dependem do contexto para serem relevantes, apropriadas ou não. Com a atual
configuração da memória digital, isso se perde em diversos casos. O caráter público e
Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
3. Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
semi-público das interações realizadas permite que estas informações compartilhas
sejam acessadas por pessoas não previstas originalmente pelo emissor. A durabilidade
das informações é outro fator relevante, pois permite que informações sejam acessadas
em momentos socioculturais muito diferentes, nos quais os interagentes exercem outros
papéis sociais. A abrangência, por fim, dá conta do caráter múltiplo das informações
disponíveis e, também, à possibilidade de cruzamento destas informações. Estas três
características seriam responsáveis por maiores desníveis de poder entre pessoas e
entidades como empresas e instituições governamentais. Estas últimas teriam acesso
privilegiado a pedaços de informações individuais que estas pessoas sequer tem
consciência de que estão armazenadas em algum local. Além disso, o poder de
transformação dessas informações em recursos financeiros (através de perfis de
consumo, por exemplo) ou sistemas de controle (através da vigilância dos cidadãos) não
está nas mãos dos cidadãos. O autor enfatiza o fator “tempo” durante o capítulo. Para
Mayer-Schonberger, a memória completa nega o tempo.
O quinto capitulo traz “respostas possíveis” ao declínio do esquecimento. O autor
discorre sobre seis possíveis respostas. A primeira, mais radical, é a da simples
abstinência digital. Se as pessoas não utilizarem os dispositivos tecnológicos de
digitalização e compartilhamento da informação, não haveria memórias digitais fora de
seu alcance. Evidentemente, mesmo levando em consideração que o indivíduo consiga
realizar tal feito, somos lembrados de que a memória é também construída socialmente.
Além das dificuldades em relação a aspectos práticos e cotidianos da sociedade
(compras, por exemplo), as interações com outras pessoas “não-abstêmias” poriam em
risco os objetivos.
Desenvolver o direito à privacidade da informação é outra alternativa. Se as pessoas
tiverem controle efetivo sobre seus dados pessoais, poderiam evitar usos indevidos. Este
tipo de direito também se aplica à organizações, que perdem (com a pirataria, por
exemplo), o direito à seus produtos. Outra alternativa é a efetivação de “ajustes
cognitivos”. Se as pessoas começarem a pensar sobre todas as implicações da memória
digital, poderiam comportar-se de forma diferente.
Regras de ecologia da informação, propostas por alguns pesquisadores,
regulamentariam, entre outras coisas, que os dados pessoais devem ter uma data de
validade. Assim, parte do problema poderia ser resolvido. Esta solução é diretamente
ligada à sexta proposta, que busca a contextualização perfeita. Mayer-Schonberger
Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
4. Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
sugere que uma abordagem inusitada, mas que poderia resolver alguns dos problemas,
seria adicionar ainda mais informações às memórias digitais. Assim, poderia ser que
dados de contextualização das informações evitassem interpretações e reapropriações
das informações distanciadas no tempo. Porém, essa alternativa sofre de diversas
fraquezas, pois cada decisão tomada deveria, nessa perspectiva, estar acompanhada de
reflexão profunda e interpretação de diversos dados de diversas fontes.
No capítulo seguinte, Mayer-Schonberger propõe e discute a exeqüibilidade de se criar
uma “data de expiração” obrigatória e automática para as informações digitais. O autor
fala das necessidades técnicas e comportamentais para levar o projeto à frente. Na
conclusão, revisa o que discutiu e propõe e retoma a importância de “lembrar a
importância do esquecimento”.
Durante seu livro, Mayer-Schonberger por vezes apresenta uma perspectiva um tanto
ludista da tecnologia. Exagera consideravelmente nos malefícios que a memória digital
traz e oferece uma solução muito radical – como suas premissas -, pouco prática. A
exeqüibilidade de seu projeto parece ser nula. Porém, a discussão apresentada é válida
por chamar atenção a aspectos pouco discutidos sobre a chamada web 2.0
Os pontos altos do livro parecem ser os capítulos três e quatro. A sistematização dos
“motivadores” do declínio do esquecimento – armazenamento barato, digitalização,
recuperação fácil e alcance global –, assim como as três características da memória
digital que identifica como influenciadoras nas relações de poder (acessibilidade,
durabilidade e abrangência) são úteis para o entendimento de diversos fenômenos em
torno das interações sociais em ambientes online.
Referências
BELL, Gordon, GEMMEL, Jim. Total Recall: How the E-Memory Revolution will
Change Everything. New York: Dutton, 2009.
MAYER-SCHONBERGER, Viktor. Delete: the virtue of forgetting in the digital age.
Princeton, Princeton University Press: 2009.
VAN DIJCK, José. Memory Matters in the Digital Age. Configurations, Volume 12,
Number 3, Fall 2004, pp. 349-373.
Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio