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FACULDADE SOCIAL DA BAHIA
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
TATIANA DOURADO
TATIANA PORTO
TIAGO FERREIRA
TEM GENTE NA PISTA
UM DOCUMENTÁRIO SOBRE O COTIDIANO DE TRÊS MULHERES
SALVADOR
2007.2
TATIANA DOURADO
TATIANA PORTO
TIAGO FERREIRA
TEM GENTE NA PISTA
UM DOCUMENTÁRIO SOBRE O COTIDIANO DE TRÊS MULHERES
Memorial referente ao Projeto Experimental
apresentado ao curso de Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo da Faculdade Social da
Bahia como requisito parcial para a obtenção do grau
de Bacharel em Jornalismo.
Orientadora: Juliana Gutmann
SALVADOR
2007.2
RESUMO
Este projeto experimental teve como objetivo humanizar a figura da prostituta, a partir
da produção deste vídeo documentário. Propõe-se uma revisão de valores deste
segmento estigmatizado pela sociedade, através da apresentação das garotas de
programa por outra perspectiva. “Tem Gente na Pista” acompanha o cotidiano de três
garotas de programa de Salvador, Adilma, Babalu e Jucilene, com a intenção de mostrar
que, em relação às temáticas comuns na vida de qualquer pessoa (amor, amizade,
dinheiro, diversão, etc), nas delas, estas experiências são semelhantes.
Palavras-chave: Documentário, prostituição e jornalismo.
2
Esse trabalho é dedicado aos nossos
familiares, amigos e mestres que, de alguma
forma, contribuíram para a elaboração deste
Projeto Experimental.
3
AGRADECIMENTOS
Temos o orgulho de expor a nossa gratidão às pessoas que foram essenciais no desenvolvimento
desse Memorial e do vídeo documentário. A Juliana Gutmann, que orientou a execução deste
trabalho, e fez dele uma concretização. Por toda dedicação, apoio, amizade. Além das
professoras Ana Spannemberg, que nos norteou durante todo o pré projeto que, para nós, foi a
base desta realização. E a professora Lílian Reichert, por ser sempre solícita, paciente e amiga.
O nosso “obrigado” por tudo.
4
A prostituição tem sido um problema e um dos temas constantes em
quase todas as sociedades, em todas as épocas, sobre o qual foram
escritos inumeráveis trabalhos em quase todos os idiomas, nos mais
diversos estilos. Do sermão pro-judaico-cristã, à literatura; aos
tratados de ética e moral; aos estudos sistemáticos que tentam
explicar a natureza social da prostituição através da análise da
personalidade da pessoa prostituída, e os estudos científicos que
analisam o indivíduo e a sociedade, na procura de uma explicação
satisfatória e verdadeira. É, pois, um tema vasto, complexo, sobre o
que se costumou chamar de “a mais antiga das profissões.
(ESPINHEIRA, 1984, p.39)
5
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................7
2. PRESSUPOSTO TEÓRICO ............................................................................12
2.1 PROSTITUIÇÃO...............................................................................................12
2.1.1 A HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO........................................................12
2.1.2 A PROSTITUIÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE.............................17
2.1.3 MILITÂNCIA REUNIDA.........................................................................22
2.2 DOCUMENTÁRIO............................................................................................27
2.2.1 DOCUMENTÁRIO E JORNALISMO ....................................................30
2.2.2 DOCUMENTÁRIO NO BRASIL.............................................................33
2.2.3 CLASSIFICALÇAO DO DOCUMENTÁRIO........................................36
3. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS............................................................42
3.1 ESTILO DO PRODUTO....................................................................................42
3.2 CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA..................................................................43
3.3 ASPECTOS FORMAIS......................................................................................45
3.3.1 ESTÉTICA E ENQUADARMENTO........................................................45
3.3.2 SOM...........................................................................................................46
3.4 PERSONAGENS................................................................................................47
4. RELATÓRIO DE ATIVIDADES......................................................................49
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................54
6. ANEXOS..............................................................................................................56
6.1 ROTEIRO...........................................................................................................56
6.2 DECUPAGEM....................................................................................................61
6
1. INTRODUÇÃO
Tem Gente na Pista é um vídeo documentário que pretende humanizar a figura da
prostituta de modo a desconstruir a imagem de mero objeto de consumo estabelecida,
principalmente, pelos meios de comunicação e estigmatizada pela sociedade. O objetivo
é mostrar a prostituta enquanto sujeito que tem uma rotina, hábitos, gostos, manias,
vaidades, medos e frustrações, como todos nós. Por isso, o foco de nossas lentes se volta
para o dia-a-dia dessas mulheres, quando não estão em atividade. No documentário, elas
não são simplesmente “prostitutas”, são Babalu, Jucilene e Adilma, pessoas com
histórias de vida próprias, conscientes das suas necessidades, deveres e direitos,
mulheres que resistem ao preconceito e ao olhar indiferente dos outros, profissionais
com ideais, que se juntam para conscientizar e mobilizar a sua classe como categoria, a
exemplo do que ocorre na Associação das Prostitutas da Bahia.
Para refletir sobre este problema, o presente projeto propõe a realização de um
vídeo documentário, de 27 minutos, em que a apresentação do caso será feita por quem
está inserido no contexto da prostituição. As histórias que irão conduzir o documentário
serão baseadas nos relatos de vida de três mulheres, Babalu, Jucilene e Adilma. Como
critério de seleção dos atores sociais foram levados em consideração os diferentes
universos em que elas atuam. Babalu tem 28 anos, mora e trabalha em Piatã, orla de
Salvador; Jucilene, 21 anos, atua em um bar, na Ladeira da Conceição, que é, também, o
local onde reside; e Adilma, que trabalha durante o dia na Praça da Sé e é integrante da
equipe da Associação das Prostitutas de Camaçari, a Gabriela. Elas falam sobre
diversos temas, como profissão, família, lazer e vida amorosa. Temas comuns na
trajetória de qualquer pessoa, mas diferenciado através de cada experiência de vida. Os
pequenos detalhes do cotidiano dessas mulheres têm ênfase no documentário.
Ao fazer um estudo sobre a prostituição, percebemos o seu papel fundamental na
construção da história das civilizações antigas e como se explica a formação do estigma
atual em torno da imagem da prostituta. Resistência. Esta é a palavra que mais pode
definir a vida das prostitutas na história. Resistência aos julgamentos e preconceitos da
sociedade.
7
Primeiro, em uma sociedade matriarcal, e depois, mesmo com o início das
perseguições, desencadeada na ascensão do império romano (século V d.C), as
prostitutas podiam assumir o orgulho que tinham do seu trabalho. Eram as únicas
mulheres com status, verdadeiramente livres e independentes financeiramente
(ROBERTS, 1998). Agora, são marginalizadas, desmoralizadas, desrespeitadas. Ser
prostituta, na maioria das vezes, é ser excluída, viver escondida. Assim como as
mulheres, a meretriz é sempre condenada, enquanto o homem, que utiliza seus serviços,
é destacado pela sua masculinidade. Quando o tema prostituição é pensado dentro da
sociedade, o preconceito e a visão negativa são sempre mais fortes. Mas, se elas ainda
existem, é porque resistem.
Ao mesmo tempo moralmente condenada pela sociedade, a prostituição é
permitida. Permissão esta não concedida por compreensão, mas pela impossibilidade de
impedir a sua atuação e expansão (ESPINHEIRA,1984). É uma ocupação econômica
autêntica, em que as relações sexuais são entendidas como relações de trabalho, com
suas regras e formas de satisfação do cliente. Neste comércio, o corpo é a matéria prima
e o quarto, a rua ou a boate é o local de trabalho (ESPINHEIRA,1984). De acordo
com o Código Penal, é crime facilitar, tirar proveito ou explorar a prática da
prostituição, porém, o ato de se prostituir não é crime. Ao mesmo tempo, na CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho), não existe nenhuma referência à prostituição
como profissão. Incluir as prostitutas nos direitos trabalhistas é uma luta constante
desta classe. A expectativa dessa conquista é a esperança de tentar retomar a imagem da
prostituta como cidadã, como nos tempos remotos do Império Romano.
A proposta aqui apresentada é de produzir um documentário sobre o assunto, no
intuito de humanizar a imagem da prostituta, que é vista popularmente apenas como
objeto de consumo. Hoje, esta imagem é construída, principalmente, pelos meios de
comunicação que, quando retratam o tema, enfocam os aspectos negativos, como a
exploração sexual infantil, o tráfico de mulheres, as doenças sexualmente transmissíveis
(DSTs). Temas importantes de serem noticiados, de fato, mas, quando só eles são
retratados, resultam em uma imagem negativa para quem assiste, e estes esquecem que
existem muitos outros lados e diferentes formas de olhar a mulher prostituta.
8
Gilberto Dimenstein, em seu livro, Meninas da Noite: a prostituição das
meninas escravas no Brasil (1992), por exemplo, aborda o tema através da história da
exploração sexual infanto-juvenil em garimpos de vários estados do norte do país,
principalmente Pará e Amazônia. Ele investigou a violência e a prostituição vivenciada
por essas meninas nos anos 90. Apesar de se tratar do mesmo tema, a prostituição, a
obra de Dimenstein apresenta aspectos negativos do universo da prostituição
protagonizada por crianças e adolescentes, como exploração sexual, violência e
doenças.
O filme Anjos do Sol (2006), de Rudi Langemann, retrata a exploração sexual de
crianças, vendidas do interior do Brasil, e distribuídas para pontos de prostituição do
norte do país. As meninas eram colocadas em condições sub-humanas, sendo que, além
de serem obrigadas a se prostituir, ainda pagavam ao ‘cafetão’, todas as suas
necessidades, como o local onde dormiam, comidas e remédios, o que as tornavam
também escravas. O filme se diferencia do objetivo do Tem Gente na Pista por mostrar
casos ruins da prostituição, como a exploração sexual em seu nível extremo, e por ser
um filme, e não um vídeo documentário.
Em Tem Gente na Pista as mulheres estão na prostituição por opção e, de
alguma maneira, se satisfazem com a relação de trabalho. Esta imagem, única, estática,
que fica intrínseca na concepção do senso comum, pode, realmente, ser difícil de mudar
para quem não tem a oportunidade de conhecer histórias diferentes ou para quem não
convive com elas diariamente. A prostituição, por si só, possui restrição moral, uma
questão cultural que pode, talvez, vir a ser mudada com o tempo.
Por isso, o que se almeja é tentar desarticular esta imagem propagada da
prostituta, a partir da abordagem de como é o seu dia-a-dia. Mostrar que as suas
necessidades são iguais às das outras pessoas que possuem uma vida dentro dos padrões
moralistas da sociedade ocidental. A idéia é transmitir esta “realidade” por um outro
viés, não estereotipado: Mulheres-prostitutas que foram casadas e possuem filhos; que
se apaixonaram durante o seu trabalho; ou que até não consideram a prostituição uma
profissão ideal, mas que preferem esta opção de trabalho a se submeter a outras práticas
convencionais e aceitas na sociedade, como empregada doméstica; mulheres
participativas na mobilização de sua classe, que delimitam algumas horas na semana
9
para atuar em organizações, como ocorre com a Associação das Prostitutas da Bahia
(Aprosba).1
Para garantir a profundidade que se espera do tema, surgiu o interesse pela
produção de um registro audiovisual, daí a escolha do vídeo - documentário como
produto, porque narra histórias e acontecimentos através de imagens. O objetivo do
projeto é mostrar mulheres que não tenham vergonha da sua profissão, a prostituição, e
retratá-las através da linguagem visual foi pontual na escolha do vídeo como suporte.
Através dele, é possível que o telespectador não tenha contato apenas com a história
narrada, mas possa conhecer os personagens com mais proximidade.
Esse contato íntimo com as personagens é possível desenvolver, assim como na
literatura e em outros gêneros, também com o recurso audiovisual. No caso, há
possibilidade de serem mostrados explicitamente seu rosto, seus gestos, sua voz e o
ambiente em que tais personagens estão inseridos, não ficando assim, no campo na
imaginação de quem consome a obra. Nesse aspecto, a opção do documentário como
suporte adveio da compatibilidade de suas características com os aspectos que se
pretende transmitir de forma enfática nesta temática: mulheres que se assumam como tal
(mostrar a representação do seu rosto através da imagem é uma forma de se assumir
como prostituta). A combinação do elemento imagem com o tema é adequado também
às particularidades enaltecidas: a resistência, a auto-estima e o orgulho.
Existem muitas formas de se fazer jornalismo e o documentário é uma delas.
Pelo vídeo, o telespectador fica mais próximo do “real” construído, já que este utiliza
elementos do mundo real a que o receptor já está acostumado, como a voz humana, as
imagens das pessoas e do ambiente. Por esse suporte, é possível cultivar diferentes
possibilidades na técnica e na construção do relato, como a mistura de diferentes estilos
e elementos, na produção da narrativa, como foto, gráfico, animação, além de poder
deixar claro o ponto de vista do realizador, visto que, no jornalismo informativo, a
estrutura é de certa forma, padronizada. Mesmo podendo ousar no estilo de maneira
que a característica pessoal possa ser reconhecida em um texto, não se pode fugir muito
dos padrões. Existem marcas no jornalismo que servem como “regras”, como a tentativa
1
A Aprosba promove um trabalho de conscientização das profissionais do sexo da Bahia, através de
palestras, cursos e seminários que discutem temas polêmicos do cotidiano dessas profissionais, como as
doenças sexualmente transmissíveis e a tentativa de resgate da dignidade.
10
de busca pela objetividade. Mesmo que a imparcialidade e objetividade sejam
improváveis, tem de ser preservadas como marcas discursivas.
É preciso dizer que documentários não são meras reproduções da realidade.
Documentários são representações do mundo, de uma determinada ótica. Diante disso, é
possível que os aspectos deste tema sejam familiares ao telespectador, mas este, talvez,
nunca tenha se deparado com aquela forma de olhar o fato (NICHOLS, 2005). Essa foi
mais uma característica levada em consideração quando se optou pelo documentário
para retratar este tema. Será feito um recorte proposital do universo da prostituição. É
um olhar assumido sobre uma realidade.
2. PRESSUPOSTO TEÓRICO
11
2.1 PROSTITUIÇÃO
2.1.1 A história da Prostituição
O que é hoje desvalorizado e imposto como imoral, antes era responsável pela
organização social e econômica de uma sociedade. A história da prostituição começou
há mais de 25.000 anos, muito antes de Cristo, em uma sociedade matriarcal, na qual a
mulher era Deusa, e os rituais sexuais eram sagrados. Essa história será brevemente
relatada com base no livro “As Prostitutas na História” (1992), de Nickie Roberts.
Desde o período Paleolítico, 25.000 a.C., as mulheres tinham um lugar de
destaque nas sociedades, evidenciado pelas representações artísticas espalhadas ainda
hoje pela Europa. As mulheres eram consideradas personificação de uma divindade,
vistas como ligação entre a terra e o campo superior, através do cargo de sacerdotisas
xamânicas. Com todo esse poder, elas controlavam também a sexualidade. O sexo era
algo sagrado nas sociedades, e as sacerdotisas comandavam ritos sexuais comunitários.
Em combate ao poder feminino, foram introduzidos deuses masculinos no
imaginário religioso e popular e, através de homens em exercício de governo, leis foram
criadas no intuito de reverter o quadro de supremacia. Foram criados, também,
sacerdotes, em contraposição à “deusa”, e estes passaram a controlar as sacerdotisas.
Desde a Idade da Pedra, a tradição dos ritos sexuais tornou a prostituição sagrada, e era
parte da adoração religiosa de várias das primeiras civilizações. As sacerdotisas
começaram a história da prostituição no mundo.
Logo, as mulheres foram divididas em duas categorias: esposas e prostitutas. Um
código, denominado Lipit-Ishtar, foi criado nos anos 2000 a.C., na Suméria. Embasado
nele, decretou-se, que se a mulher-esposa não tivesse parido e a prostituta tivesse dado
uma criança ao mesmo homem, este filho seria herdeiro legítimo. A meretriz, no
entanto, não ganha o direito de residir na mesma morada enquanto a esposa estiver viva.
12
As instituições religiosas aumentaram a separação entre esposas e prostitutas, de
acordo com o modelo de casamento patriarcal, no sentido do homem ser proprietário da
sua mulher. As prostitutas sofriam com leis cada vez mais opressivas.
Na Grécia antiga, por volta do século V a.C., os homens de posses tinham acesso
facilitado aos serviços sexuais. O acesso era fácil para quem era rico, que podia utilizar
as prostitutas sem ter que passar por qualquer crítica social. No entanto, a democracia
grega não fazia questão de se relacionar com as mulheres, que não possuíam poder de
voto e bem de propriedade, por exemplo. As responsáveis por isso eram as leis feitas
por Sólon, governante de Atenas no final do século VII a.C até o começo do século VI
a.C. A esposa de Atenas se limitava a ter educação doméstica. Elas eram proibidas de
ter atividades variadas, sob pena de serem taxadas de prostitutas. As mulheres eram
resguardadas pelos homens, seus pais, maridos e filhos.
Com a percepção dos lucros gerados pelo mercado da prostituição, Sólon
organizou a abertura de bordéis gerenciados pelo próprio estado. As prostitutas
passaram a receber ordenados, que eram pagos aos pronobosceion, homens designados
para administrar individualmente os bordéis. Este fato é o como primeiro registro de
cafetinagem da história, porém a prostituição não se restringia aos trabalhos internos
dos bordéis.
Muitas das esposas, desejosas de liberdade, chegaram a escolher o meretrício
como forma de se livrar dos maridos, livre arbítrio que, por si só, já era considerado um
bandeamento para a prostituição. Na antiga Grécia, as prostitutas que obtiveram mais
fama foram chamadas de hetairae, notórias pelo grau de conhecimento, beleza e
habilidades sexuais. Eram as únicas que podiam se comparar aos homens.
Com o tempo, o Estado abrandou as leis relacionadas às meretrizes, motivado
principalmente pelo aumento da procura pelos serviços por elas prestados e pelos
próprios homens que as condenavam. Depois que Sólon morreu, as leis foram ainda
mais amenizadas. Mas a segregação imposta por ele continuou. As prostitutas
continuaram a gerar lucros para o Estado no comércio do sexo.
13
Dando um salto na história, o novo cenário é o século V d.C. O Império Romano
sofria com guerras, crises da economia, além das invasões germânicas. Os centros
urbanos começaram um processo de esvaziamento, com o êxodo para a zona rural, o
que foi avassalador para as prostitutas.
[...] se as próprias prostitutas não foram eliminadas com o declínio da
antiga Roma, sua tradição cultural certamente foi. As artes civilizadas
do amor, do prazer e do conhecimento – o erótico e os demais –
desapareceram durante a Idade das Trevas. Vestígios das artes
perdidas iriam reemergir mais tarde, no culto do amor palaciano, mas
a antiga tradição de uma sensualidade feminina, orgulhosa e
exaltadora desapareceu para sempre. Ironicamente, a única tradição
que sobreviveu intacta durante toda a Idade das Trevas e em todas as
sociedades que se seguiram foi aquela do destruidor das artes
femininas: a Igreja Cristã. (ROBERTS, 1992, p. 79)
São Paulo se baseou em tradições patriarcais, anti-sexuais, nas suas divulgações
do cristianismo. Suas idéias foram modelo para as da Igreja. Ele é um dos principais
responsáveis pela condenação das mulheres diante da instituição católica. A Igreja,
visando se comportar de forma correspondente ao que pregava, exigiu celibato do clero,
idéia que foi largamente renegada durante o apogeu na “Idade das Trevas”. O Concílio
de Elvira, em 304 d.C., decretou expulsão aos padres que desobedecessem à exigência.
Para complicar mais ainda a questão, alguns elementos de dentro da
instituição da Igreja tiveram a brilhante idéia de conceder aos padres
recalcitrantes um provento especial – o couillage – para eles
manterem as moças de lar. As tentativas de proibir as concubinas
continuamente colidiam com os interesses financeiros envolvidos,
pois a corrupção reinava. Em 1129, o rei inglês Henry I, da
Inglaterra, manipulou esta situação para seu proveito próprio. Foi
lançado decreto papal proibindo (mais uma vez) as moças de lar, e
Henry reuniu-se ostensivamente com os principais clérigos do país
para confirmar e fazer cumprir a proibição sagrada. Tendo garantido
a sua cooperação, Henry imediatamente enganou as duas partes,
permitindo aos padres manter suas concubinas – contanto que o
couillage fosse pago diretamente a ele. Esta solução deve ter mantido
todas as partes envolvidas razoavelmente felizes: os líderes da Igreja
estavam, para todos os efeitos, fazendo o seu dever; o rei estava tendo
a sua parte; os padres mantinham suas parceiras sexuais – e as
prostitutas continuavam em atividade. (ROBERTS, 1992, p. 87-88)
14
Na primeira metade da Idade Média, a prostituta já era reconhecida de uma
forma mais “familiar” diante da sociedade, as perseguições comumente sofridas, nessa
época, foram amenizadas. Não que a Igreja tenha se modernizado, mas a tolerância
européia se alastrou. Propagou-se a manutenção de casas de concubinas, chamadas
gynacea. Os príncipes mantinham algumas exclusivas, e a elite utilizava as casas
públicas.
Segundo Jacques Rossiaud (1991), no livro A Prostituição na Idade Média, a
igreja era responsável pela manutenção indireta da prostituição, pois redimia as
mulheres dos seus “pecados”, quando estas ofereciam doações para a entidade religiosa.
“Ao aceitar a doação da prostituta, a Igreja reconhecia que esta agia por necessidade”
(ROSSIAUD, 1991, p. 81). Com esta atitude, a igreja excluía essas mulheres, que eram
normalmente inclusas no grupo dos miseráveis - junto com leprosos e judeus - e o das
“debilidades humanas”, que se referiam aos jogos, às blasfêmias, às injustiças, às usuras
e à prostituição.
No Vaticano, por exemplo, muitas meretrizes trabalhavam nas ruas, com apoio
do clero. A Igreja tinha razões claras para essa adesão à “indústria sexual”. O rei Henry
II decretou, em 1161, que o clero poderia explorar bordéis por 400 anos, levando a
prostituição a ter custeado a construção de várias igrejas.
[...] ela estava conseguindo uma boa renda através da prostituição.
Como os reis e os nobres, o clero compreendeu plenamente que, se
banisse a prostituição, perderia uma fonte de prazer e de lucro, pois
com o crescimento dos centros urbanos, e o conseqüente
desenvolvimento de uma base de poder centralizada, os governantes
da Igreja e da corte da sociedade medieval tornaram-se os maiores
senhores de terras e donos de propriedades das vilas e cidades. Como
tal, estavam diretamente envolvidos na indústria do sexo, obtendo
rendas cada vez maiores dos bordéis de sua propriedade. (ROBERTS,
1992, p. 113)
Por volta de 1500, as cidades entraram em colapso populacional, devido ao
intenso êxodo entre as cidades vizinhas, que buscavam novas oportunidades para sua
15
família. Muitas das que tinham condições foram obrigadas a pedir esmolas nas ruas,
pois os empregos eram escassos. Esse contexto favoreceu o crescimento da prostituição
nas cidades européias: as mulheres tentavam sobreviver através dos serviços sexuais.
Rossiaud conta que o frade J. Tisserand inaugurou o Refuge des filles penitentes, em
1490. Era um abrigo que comportava as pessoas marginalizadas pela sociedade. Esse foi
mais um episódio que estimulou a prostituição. Para fugir do caos social, mulheres
começaram a fingir que eram prostitutas; os pais, que antes tinham condições
financeiras, aliciavam as suas filhas para entrarem no universo da prostituição, na
tentativa de fugir da miséria alarmante dos centros urbanos. “[...] as prostitutas
formavam agora uma sociedade complexa. [...] Elas tornavam-se, como assinalou E.
Pavan, cortesãs” (ROSSIAUD, 1991, p. 121).
As cortesãs se diferenciavam das prostitutas comumente vistas nas cidades.
Exibiam uma sofisticação notada já por suas roupas e freqüentavam os mais altos
escalões da sociedade.
Na França, até os anos 1470, a cortesã era apenas uma silhueta excepcional
e efêmera. Mas no final do século os moralistas dedicam-se a denunciar
esta criatura que difere em tudo da mulher de bordel. Ricamente vestida,
residente em ruas honradas, não freqüenta os banhos públicos nem atende
em bordel privado, mas recebe galanteadores e visita personagens da alta
hierarquia. [...] e nada no seu comportamento a diferencia de uma mulher
de boa condição. ( ROBERTS, 1992, p. 98)
No século XVI, na Inglaterra, Henrique VIII demoliu casas de prostituição e
morreu pouco depois. Seu herdeiro, Eduardo, assumiu e ouviu o protesto do bispo
Latimer, que questionou a eficácia da ação do Estado contra a prostituição. No entanto,
muitos integrantes do clero continuavam a desfrutar dos serviços sexuais, enquanto
outros agiam para fazer voltar os bordéis. Na França, os prostíbulos públicos e privados
foram proibidos, mas os proprietários que detinham elevado poder aquisitivo
desfrutavam da atividade de forma ilícita.
No fim do século, as vias da capital da Inglaterra estavam abarrotadas de
prostitutas, em decorrência da chegada de várias moças das zonas rurais, em busca de
16
trabalho. Muitas delas se uniram a padres, outras aos nobres e burgueses. Outras foram
parar na criminalidade.
No século XIX, a mulher era peça importante na estrutura familiar burguesa,
sendo a sua fidelidade uma ratificação do modelo patriarcal. Isso era baseado no
cerceamento da liberdade feminina, que renegava a sua sexualidade. Os homens
buscaram, então, as mulheres que se prostituíam para suprir esta falta. Mas, a
perseguição continuou. A prostituição era repercutida como oposição aos valores morais
da burguesia. Aqueles que utilizavam os serviços, porém, não eram abarcados pelos
julgamentos.
2.1.2 A prostituição na Contemporaneidade
Dos tempos matriarcais até o início do século XXI, foram muitas as
transformações, tanto no campo socioeconômico quanto no próprio perfil. O poder que
as prostitutas obtinham, oficialmente, foi suprimido por um regime tradicionalmente
machista, mas, ainda assim não se assumiam como uma camada sem notoriedade. São
tempos modernos, percorridos em meio a perseguições, reivindicações e conquistas.
Foram vários os fatores que levaram a mulher a entrar na indústria do sexo. Do
começo do século XX para cá, esses motivos foram determinados pela afirmação
feminina e condição social. Porém, esta última não é determinante. As mulheres, muitas
vezes, vêem na prostituição a possibilidade de ter uma vida mais confortável, já que elas
podem ganhar em um dia o dinheiro que demoraria, às vezes, um mês de trabalho. Essa
condição favorece a opinião do senso comum que se refere à atividade como uma vida
fácil, e esse também é o motivo que faz a saída da prostituição uma dificuldade na vida
dessas mulheres.
Os Estados Unidos têm uma história forte em relação ao combate à prostituição.
Em 1918, ela se tornou ilegal em quase todos estados do país. A conseqüência é
previsível: o submundo do comércio sexual cresceu. A Lei Seca, decretada em 1919, fez
com que o comércio do álcool se transferisse das grandes cidades para os lugares mais
reclusos, o que permitiu e expandiu a prostituição e a criminalidade. Todo o poder
17
conquistado ao longo da década de 20, por essas mulheres, foi revertido nesse momento.
Elas nunca foram tão humilhadas no seu ambiente de trabalho.
Nesta mesma época, as prostitutas viveram momentos conturbados na União
Soviética. Com o advento do regime socialista, comandado por Stálin, deu-se início a
uma forma violenta de tentativa de reabilitação. As mulheres eram capturadas e
forçadas a realizar trabalhos pesados. “A prostituição - um vício das sociedades
degeneradas que jamais poderiam existir na utopia socialista – foi abolida da noite para
o dia: o grande líder decretou que havia dado fim aos maus e velhos tempos do
capitalismo”. (ROBERTS, 1992, p. 235)
O totalitarismo não estava só na União Soviética. A política sexual nazista era
extremamente patriarcal. Ao comando de Hitler, a vida das prostitutas ficou
aterrorizante. Quando identificadas, tinham cravadas estrelas negras em roupas e
enviadas para o campo de concentração.
As perseguições, típicas do período, continuaram nas décadas seguintes. Elas
ainda incomodavam, mesmo de forma não intencional, alguns setores da sociedade, que
lutavam contra a regulamentação da profissão. As autoridades não estavam mais
preocupadas com essas questões. Os tempos eram de turbulências, a grande depressão
tinha estourado, o nazismo estava em ascensão e o mundo vivia a Segunda Guerra
Mundial.
O trabalho “legal” começou a ser um meio de sobrevivência para as mulheres,
no período pós-guerra, o que levou à diminuição de profissionais no cenário da
prostituição. No entanto, as condições precárias em que realizavam suas funções e a
baixa remuneração não favoreciam uma elevação na sua qualidade de vida e,
conseqüentemente, na sua auto-estima.
Os anos sessenta chegaram. Tempo de turbulência, transformações sociais,
mudanças de contexto. Nascia uma nova maneira de viver, principalmente para as
mulheres, que acarretou a “revolução sexual” e propiciou o começo da “liberdade”
feminina. Surgiram novas necessidades e novos desafios. Essa revolução não se limitou
apenas à coloração dos cabelos brancos e à queima de sutiãs. A mulher começou a lutar
18
por espaço na participação das atividades sociais e políticas. A sociedade se tornou
comercial, inclusive o sexo, que passou a ser exibido como elemento de diversão e bem
de consumo. Esse fato se tornou mais relevante, principalmente com o surgimento da
pílula anticoncepcional, que permitiu que a mulher controlasse o imprevisto da
maternidade.
Poderia parecer lógico que a nossa sociedade, atravessando depois
de séculos o seu período mais radical de relaxamento moral, viesse
a se tornar mais tolerante em relação à prostituta – mas de muitas
maneiras aconteceu o oposto. [...] Assim, ameaçadas pelas novas
liberdades sexuais, e com uma forte oposição moral militante atrás
delas, as autoridades continuaram a desenvolver uma batalha contra
a liberalização da indústria do sexo (ROBERTS, 1992, p.335).
Assim, apesar da liberdade sexual, pregada pelos jovens das décadas de 60 e 70,
o controle sobre a prostituição aumentou. Em alguns países europeus, como Itália e
França, a polícia adquiriu o direito de prender qualquer mulher que estivesse
trabalhando na rua ou em carros particulares, a qualquer momento. Uma vez inscritas
nos registros policiais, aumenta o estigma negativo da profissão. Desse modo, ficava
mais difícil sair da prisão e conquistar uma posição no mercado de trabalho. Na metade
de 1970, as prostitutas da cidade de Lyon, na França, estavam sendo multadas até quatro
vezes por dia. Acenar com a mão, para um carro que passava, já era motivo de punições.
Sem ter como pagar tais multas, o jeito era voltar a se prostituir (ROBERTS, 1992).
Ainda em 70, a sociedade começou a perceber a presença das minorias, que
iniciaram a formação de organizações. Eram homossexuais, movimentos dos direitos
civis dos negros, rebeliões de estudantes. Dentre estes, outra camada esquecida também
tomou notoriedade, as mulheres e o movimento feminista. Inspiradas nesse cenário, as
prostitutas conseguiram formar sindicatos e associações como a Associação das
Prostitutas Inglesas.
O irônico era a relação do movimento feminista com as profissionais do sexo.
Apesar de terem servido de exemplo, e de serem também mulheres, elas repudiavam as
que vendiam os seus corpos como meio de trabalho. Não tendo voz ativa, as prostitutas
19
tiveram que se sobressair de maneira independente. Margot St. James foi a pioneira na
mobilização de sua classe como organização. Esta americana defendeu o Comitê
Internacional pelos Direitos das Prostitutas, em 1985. O resultado dessa iniciativa
rendeu frutos para as profissionais do sexo: o Parlamento Europeu deu indícios
significativos para o processo de descriminalização.
São vários os países da Europa que têm em sua legislação direitos reservados às
prostitutas. A Holanda e a Suécia são países que estão sempre trabalhando na renovação
desses direitos, e hoje, são modelos seguidos por outros países europeus, a exemplo da
Noruega e Finlândia. A renomada lei sueca não criminaliza a prostituição, apenas o
“consumo”. A pessoa prostituída, tida como explorada, pode continuar com suas
atividades e conta com serviços sociais de qualidade, enquanto o cliente pode ser
multado e passar até seis meses na prisão.
A Holanda segue o mesmo exemplo. Esse procedimento, apesar de parecer
favorável à classe das prostitutas, é uma abolição camuflada. A estratégia que eles usam
são as mesmas; o país é liberal, a prostituição e os bordéis são legais. Mas, segundo o
livro As Prostitutas na História, a tolerância e o respeito pelos bordéis servem para
isolar as prostitutas de rua, onde a solicitação é ainda ilegal.
[...] Assim, a prostituição na Holanda é um comércio regulamentado
que se adapta às noções burguesas de decência pública – e o estigma
da prostituta ainda é imposto, tanto pela lei quanto pelo preconceito
público (ROBERTS, 1992, p. 345).
A Alemanha deu um salto histórico no que diz respeito à regulamentação da
profissão. Em janeiro de 2002, a prostituição foi legalizada e estabilizada, neste país,
como um emprego legítimo. Saíram da condição de abandono a que são normalmente
condenadas, e passaram a ter direito a: assistência médica, aposentadoria; firmar
contrato com os clientes (preços, modalidades e tempo) e persegui-los na justiça caso
estes não cumpram sua parte (GABEIRA, 2001, p.1)
O deputado Fernando Gabeira tomou a iniciativa no Brasil na defesa da
regulamentação da prostituição. Em 26 de setembro de 2003, apresentou um projeto de
20
lei que prevê a licitação da profissão. De acordo com este projeto, as prostitutas não
podem ser agenciadas por terceiros, somente elas poderão exigir o pagamento dos
serviços sexuais prestados. O deputado tem na prostituição uma de suas lutas
constantes. Como conseqüência imediata, ele prevê melhorias no padrão de vida dessas
mulheres, tirando-as do submundo criminoso, e, segundo ele, o projeto ajudará,
inclusive, na diminuição do envolvimento de crianças e adolescentes nas atividades da
prostituição.
Em 2005, o governo brasileiro rejeitou uma verba de 48 milhões de dólares a
uma campanha de prevenção da Aids, oferecida pelos EUA, por este impor a condição
de que nenhuma das campanhas tenha referência à prostituição. Essa atitude revela a
postura moralista americana presente até os dias atuais e evidencia a tentativa de resgate
da valorização por parte do governo brasileiro. André Petry, no artigo Prostituta é gente
(2005), criticou esta postura. Para ele, o melhor meio de produzir justiça, não só diante
dos americanos, mas também dos brasileiros, é através da legalização.
O moralismo americano, no fundo, é mais honesto que o nosso:
rejeita as prostitutas porque acha moralmente errado o que elas
fazem. Nós, não. Apelamos para a hipocrisia com um discurso que
diz mais ou menos assim: que bom que existem prostitutas, que bom
que elas saem as ruas para trabalhar todas as noites, que bom que
alguns de nós podem receber seus serviços sexuais – mas que elas
não nos venham cobrar assistência médica, aposentadoria, condições
de trabalho nem dignidade! (PETRY, 2005, p.2)
Mesmo com tantas perseguições em séculos de história, as prostitutas
sobrevivem e persistem. Persistem porque, a mesma sociedade que recrimina, alimenta
este comércio. Mesmo que se negue é um fenômeno que acompanha o homem,
independente das circunstâncias econômicas, históricas, geográficas, sociais ou
culturais. No dia 7 de Novembro de 2007, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
provou que os atuais encarregados em normatizar o país, os políticos, ainda têm a
pretensão de permanecer a prostituição como uma atividade marginalizada. A CCJ, da
Câmera dos Deputados, aprovou o relatório do deputado federal ACM Neto, do Partido
Democrata, que rejeitou a proposta do deputado Fernando Gabeira, do Partido Verde,
que tenta legalizar a prostituição como profissão.
21
2.1.3 Militância Reunida
A prostituição, em diferentes momentos da história, sempre foi um fenômeno
capaz de causar turbulência nas estruturas das sociedades. É uma atividade que
incomoda porque desafia os valores morais de cada cultura, independentemente da
época. As conseqüências são as retaliações dos segmentos mais influentes das
sociedades, principalmente dos políticos e da igreja (quem impõe a ordem e determinam
os valores éticos de cada cultura), desde julgamentos pré-conceituosos até atentados de
violência física, que refletem o que se instalou como o estigma da classe: mulheres-
objetos, de vida promíscuas, sem respeito e valor.
O combate a este cenário começou, no século XIX, com a atuação da ativista das
causas feministas, a inglesa Josephine Butler, que teve a iniciativa, mesmo não sendo
prostituta, de desafiar o controle realizado pelo Estado, ao iniciar a militância a favor
dos direitos humanos das prostitutas. Bluter formou a Federação para Abolição da
Regulamentação Governamental da Prostituição e conseguiu o apoio de pessoas da
classe média européia e de setores sindicalistas para lutar contra os maus - tratos e
cobrar os direitos civis das prostitutas.
A atitude de Josephine Butler pode ter servido de inspiração para a americana
Margot St. James. Ela foi a primeira prostituta a ter coragem de se manifestar, em 1973,
de forma pública, em defesa dos direitos de sua classe. A sua atuação foi fundamental
para que essas mulheres começassem a se reunir. A repercussão surtiu efeito em todo o
mundo. Na França, por exemplo, um grupo de 150 francesas resolveu protestar. Elas
ocuparam uma igreja na cidade de Lyon para reivindicar contra a repressão policial,
violência, discriminação, exploração sexual e negligência em casos de assassinatos de
colegas de trabalho. Também foi instalada, em três cidades francesas, greve de sexo
comercial.
O Dia Internacional das Prostitutas foi decretado nesse contexto, em 2 de junho
de 1975. A criação da Associação de Prostitutas Francesas surgiu devido a mais um
percalço.
22
No dia 11 do mesmo mês a polícia invadiu as capelas e expulsou as mulheres
aos socos e pontapés. Em resistência ao abuso de autoridade e ao preconceito
e discriminação social, no mesmo ano, foi criada a Associação de Prostitutas
Francesas, estimulando a organização do movimento de prostitutas
inaugurado dois anos antes pelo Coyote, em São Francisco, pela primeira
prostituta contemporânea a assumir a sua profissão publicamente: Margot St.
James. A partir daí, a luta pelo respeito às mulheres da vida ganhou força,
ampliando a organização da categoria em diversos países. 2
No Brasil não foi diferente. Quatro anos depois do movimento francês, em
1979, prostitutas e travestis que trabalhavam na área de maior concentração da
prostituição da época, a Boca de Lixo, no centro da cidade de São Paulo, se rebelaram
contra tentativa da polícia de expulsá-las do local, o que acarretou na morte de um
travesti e uma prostituta, que estava grávida. “Quando a polícia começou a prender e
torturar não houve reação [...] As prostitutas e travestis não se sentiam no direito de
denunciar” (MANUAL, 1996, p.12).
A represália só aconteceu quando a situação chegou ao limite, depois de mais
três mortes. Foi realizada, então, uma passeata no centro de São Paulo para denunciar as
atrocidades cometidas pelos policiais.
No dia da passeata a zona parou [...] houve um grande incentivo da
sociedade civil. Com o movimento ganhando corpo, após a passeata, houve
a adesão de artistas famosos e foi realizada uma assembléia no Teatro Ruth
Escobar. Com a repercussão do movimento, o governo do Estado tomou
uma atitude imediata, que foi o afastamento do delegado até então
responsável pela jurisdição” (MANUAL, 1996, p.12).
Uma reunião oficial só aconteceu oito anos depois. Em 1987, foi realizado o
Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas, com a presença de representantes de oito
capitais brasileiras. O encontro teve como discussão a delimitação de estratégias mais
eficientes de combate à repressão policial. Mas a consolidação se deu a partir da idéia
da criação de associações da classe que pudessem representar as prostitutas
oficialmente, para governo e sociedade. No mesmo ano, foi formada a Rede Nacional de
Prostitutas, com sede no Rio de Janeiro, encabeçada pela então prostituta Gabriela Silva
2
Informações retiradas do site da Aprosba, disponível em www.aprosba.org.br/arquivo/noticias.htm.
Acessado em 05 de Outubro de 2007.
23
Leite. A rede hoje é vinculada à organização não-governamental DAVIDA –
Prostituição, Direitos Civis, Saúde3
. Em maio de 1994, a RNPS passa a ser chamada de
Rede Nacional de Profissionais do Sexo.
A Rede Nacional de Profissionais do Sexo é composta por quatorze associações
espalhadas pelo país. A primeira associação dos profissionais do sexo a ser implantada
legalmente foi a de Vila Mimosa4
, em 1988, no Rio de Janeiro. A partir daí, muitas
outras associações foram criadas. Alguns exemplos são a Associação das Prostitutas do
Ceará (1990), o Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central (1990), a Associação
Sergipana de Prostitutas (1991), a Associação das Damas da Vida do Estado do Rio de
Janeiro (1993) e o Núcleo de Estudos da Prostituição no Rio Grande de Sul (1993).
Assim, paulatinamente, as associações de classe vão conquistando espaço e
credibilidade junto à população. E quando se tornam referência municipal
e/ou estadual de trabalho comunitário, o preconceito sucumbe frente aos
benefícios de um trabalho organizado a serviço de uma coletividade. Além
dessa atuação externa, as associações de profissionais do sexo também
possibilitam às filiadas uma perspectiva diferenciada de vida, uma vez que
facilitam as possibilidades de renda alternativa, propiciando cursos
específicos para a inserção das profissionais do sexo no mercado de trabalho
paralelo ao que atuam. Com isto, as oportunidades de sobrevivência deixam
de estar exclusivamente vinculadas ao tempo, relativamente curto, permitido
ao exercício do sexo como profissão. 5
A Bahia também seguiu a tendência nacional de montar uma associação. Nesse
caso, o que fundamentou a importância de uma entidade oficial para representar essas
mulheres foram os atentados de violência, mais uma vez por parte dos policiais, contra
as profissionais do sexo que trabalhavam na Praça da Sé, durante o período da
revitalização do Centro Histórico, na década de 1990. A presidente da Aprosba, Fátima
Medeiro, 40 anos, diz que as prostitutas eram “jogadas” em viaturas policias, levadas
para a delegacia, fichadas e agredidas, numa tentativa de “limpeza” da área. “Muitas
vezes, eram mulheres de 50 anos, que nem dava pra perceber que eram garotas de
3
Fundada no Rio de Janeiro em 1992, a DAVIDA é uma organização da sociedade civil que tem em suas
atividades a divulgação de educação, saúde, comunicação e cultura voltadas para a classe das prostitutas.
4
A Vila Mimosa constituía uma zona de prostituição muito antiga e tradicional no Centro do Rio de
Janeiro. A associação foi organizada na tentativa de combater a tentativa de desocupação promovida pela
TV Rio (1987). Conquistada a vitória, as prostitutas conseguiram permanecer no local por mais oito anos.
5
Informação obtida no site Associações de Classe: www.aids.gov.br/c-geral/ong/item08.htm. Acessado
em 11 de Setembro de 2007.
24
programa, mas eles não estavam nem aí, prendiam todo o mundo, eu, que nem
trabalhava naquela área, me metia, era presa também” (MEDEIROS, 2007).
A APROSBA - Associação das Prostitutas da Bahia - teve nesse fato a impulsão
para não adiar mais a sua existência. A composição inicial foi formada por oito
prostitutas, que aproveitaram a celebração do Dia Internacional da Mulher, para mandar
um ofício com suas reivindicações que, no final, foi lido em público.
Chegou um momento que a palestrante falou: ‘olha, tem aqui uma carta muito
interessante de duas mulheres que estavam se assumindo como prostituta,
querendo formar uma associação’. Eu lembro que todo mundo olhou para
trás, e nós também né, se não iam saber que as prostitutas eram a gente. Só
tínhamos nós duas ali para dá a cara à tapa, se fosse um grupo de dez
meninas, que tivessem coragem, a gente se assumia sem problemas.
(MEDEIROS, 2007)
A outra mulher que acompanhava Fátima no evento era Marilene Silva que,
junto com Fátima, dirige até hoje a Aprosba. Quando acabou a palestra, elas contam que
se identificaram para os organizadores do evento, e a partir dali, não esconderam a sua
profissão. A Aprosba surgiu oficialmente em 1997, com o mesmo objetivo das demais,
“Batalhar para a educação das mulheres profissionais do sexo da Bahia, valorizando-as
como cidadãs, conscientes de seus direitos e deveres, e investindo na capacitação e
organização da classe para a inclusão na sociedade”. 6
A Aprosba conquistou, em 2007, umas das suas mais repercutidas vitórias, a
concessão, dado pelo Ministério das Comunicações, de uma emissora de rádio,
denominada Zona FM, o que gerou polêmica.
O que neste evento incomoda, surpreende, é o fato de uma categoria
cercada de estigmas e preconceitos, relegada a lugares bem demarcados, de
“passivos receptores”, emergir da nudez e passar a ter acesso à palavra, a
ser enunciadores em um processo comunicacional. Assim, aqueles que
outrora eram apenas ouvintes, e tidos como minoria, passam a ser
6
Frase referente à missão da Aprosba enquanto associação de classe voltada para as Prostitutas.
Encontrada em www.aprosba.org.br/apresenta. Acessado em 11 de Outubro de 2007.
25
protagonistas. Lembramos que a palavra é instituinte do sujeito social, ela
lhe dá visibilidade pública (MARINHO, 2006, p.4).
A rádio abre um caminho com mais possibilidades de atuação e valorização das
militantes da prostituição. Agora, além de colocar em prática todas as suas atividades
nas ações cotidianas, assuntos podem ser discutidos, pautas sugeridas e os seus
resultados podem ser divulgados por uma das mídias de maior alcance e interação entre
públicos diversos, o rádio.
2.2 DOCUMENTÁRIO
26
Apesar de não existir uma definição exata e consensual do documentário, é
possível reconhecer marcas e elementos particulares desse gênero audiovisual. De
acordo com Da-Rin (2004), o documentário está envolto em uma estrutura de produção
própria e possui um público que reivindica o seu lugar no universo cinematográfico.
No seu interior, cineastas, críticos e públicos compartilham determinadas
referências e objetivos gerais, desenvolvendo um processo de luta por
posições e hegemonias, com a eventual criação de novas plataformas, a
revisão de posições julgadas superadas e o resgate de antecessores [...] O que
mantém este campo agregado sincrônica e diacronicamente, é o fato de que
seus membros remetem-se a uma tradição. (DA RIN,2004, p.6)
Jonh Grierson (1898-1972), nos anos 30, foi um dos primeiros estudiosos que
tentou classificar o gênero. Nessa época, os documentários estavam em ascensão,
especialmente com o movimento documentarista britânico, do qual ele fez parte. A
princípio, as produções possuíam características que influenciaram no estereótipo que
marginalizou o documentário, tido como um filme de tom sério e pesado, com voz em
off, conteúdos de responsabilidade social, que muito se assemelhavam às reportagens
televisivas. Eram produções com financiamentos estatais, o que, de acordo com
Manuela Penafria, limitava a criatividade (PENAFRIA,1999 p.3).
[...] Com Grierson ficou definitivamente clarificado que, para chamarmos
documentário a um determinado filme, não basta que o mesmo nos mostre
apenas o que os irmãos Lumière nos mostraram: que o mundo pode chegar
ate nós pelo olhar a câmera. [...] Para além disso, o documentário deve
pautar-se pela criatividade quanto à forma, quanto as suas imagens, sons,
legendas ou quaisqueres outros elementos, estão organizados
(PENAFRIA,1999, p.3).
Esses elementos tradicionais definidos por Grierson, mesmo superados, ainda
são tidos como parâmetro para a discussão sobre o gênero. Em First Principles of
Documentary, datado de 1932-34, Jonh Grierson estabelece princípios para distinguir o
documentário das outras produções fílmicas. Para ele, o documentário se baseia em três
fundamentos:
27
A obrigatoriedade de se fazer um registro in loco da vida das pessoas e dos
acontecimentos do mundo, deve apresentar as temáticas a partir de um
determinado ponto de vista e, finalmente, cabe ao documentarista tratar com
criatividade o material recolhido in loco, podendo, combiná-lo e recombiná-
lo com outro material (por exemplo, legendas, outro tipo de imagens, etc.)
(PENAFRIA,1999, p.3).
Esses parâmetros contribuíram para a discussão dos aspectos que envolvem o
documentário, embora hoje os autores considerem que estejam vivendo em um
momento pós-grierson. Para Penafria (1999), o documentário deve ser entendido
sempre como um ponto de vista, voltado para estimular a discussão e o aprofundamento
de determinado tema, e não se colocar acima dos temas, assumindo-se como “voz de
deus”.
O ponto de vista, abordado por Grierson, refere-se à interferência do realizador
sobre o referente. Todos os autores pesquisados concordam que o documentário não é
um mero espelho da realidade, mas sim um olhar construído propositalmente pelo
diretor, a fim de criar argumentos que possam causar questionamentos diante de
determinados fatos. Esse gênero é predominantemente autoral, singular. Revela aos seus
espectadores a perspectiva do realizador sobre o assunto. Ao fazer a montagem dos
depoimentos colhidos com as imagens captadas, o autor pode, de modo mais explícito,
promover um efeito de subjetividade.
Portanto, o documentário pode ser entendido como um argumento sobre o
mundo e não um retrato do mundo. A inserção de um enfoque nítido não questiona a
credibilidade de um filme documentário. Diante de uma “realidade”, o autor pode dar
espaço para vários discursos, que podem ou não se contradizer. Os depoimentos e as
imagens constroem um diálogo no documentário, mas isso não significa que o
realizador busque um recorte objetivo do mundo.
[...] ao contrário do que possa aparecer à primeira vista, o caráter autoral do
documentário não depõe contra a sua credibilidade. Afirmar que o
documentário é marcado pela subjetividade do diretor não significa dizer
que ele seja por natureza monofônico, isto é, que de vez e voz a apenas um
lado da história, omitindo outros. [...] No entanto, apesar de apresentar um
28
emaranhado de vozes, que muitas vezes se opõem e se contradizem, uma
voz tende a predominar: aquela que traz em si o ponto de vista do autor.
(MELO, GOMES, MORAIS, 2001, p. 7)
A despeito das inovações tecnológicas que propiciaram uma maior praticidade
para o documentário, a distinção dele entre os demais gêneros fílmicos se dá mais no
plano ético do que na técnica (Da-Rin, 2004). Ao fazer um documentário, o autor tende
a dar maior atenção a determinados assuntos, geralmente causadores de polêmicas e
tensões sociais, ou mesmo um novo olhar sobre um grupo. Esse enfoque no discurso
ético foi tratado, em 1984, numa das primeiras tentativas de se moldar o que é o
documentário, com a associação de realizadores , a World Union of Documentary.
[...] todo método de registro em celulóide de qualquer aspecto da realidade
interpretada tanto por filmagem factual, tanto por reconstituição sincera e
justificável, de modo a apelar seja para razão ou emoção, com o objetivo de
estimular o desejo e a ampliação do conhecimento e das relações humanas,
como também colocar verdadeiramente problemas e suas soluções nas esferas
das relações econômicas, culturais e humanas (Apud Da-Rin,2004,p.1).
Essa colocação não é concebida como verdade absoluta, mas foi estabelecida na
época em que se formou a tradição do que é documentário. Historicamente, houve
muitas escolas e estudiosos que colaboraram para a caracterização do gênero
documentário. E toda essa discussão, segundo Da Rin, ajudou a fortalecer o que se tem
hoje. Para ele, o principal não é buscar uma essência do que seja o documentário, pois
este é um campo dinâmico de prática social. A dialética dessa vivência é transformada
em filmes de crítica, em manifestos e em outras formas de intervenção e expressão.
Nesse sentido, é possível entender o documentário como um gênero
historicamente construído. Como forma cultural, o documentário reúne marcas
discursivas reconhecidas pelos produtores e receptores, ainda que estas sejam sempre
atualizadas de acordo com os contextos históricos e culturais.
2.2.1 Documentário e Jornalismo
29
Ainda que tenha sua origem no campo cinematográfico, o documentário, como
gênero audiovisual, possui aspectos que o aproximam da produção jornalística, uma vez
que, em ambos, a narrativa é construída a partir de seleções de acontecimentos da
“realidade”. Em tese, é um discurso sobre um “real” relativo, construído ao longo do
processo de produção e baseado, normalmente, no registro in loco.
Muitas vezes, quando nos encontramos em uma discussão sobre o que seria
um documentário, acabamos por discutir conceitos como objetividade,
relação com a verdade, possibilidade de isenção, intervenção do autor e da
técnica em processos de filmagem et cetera. Há, portanto, uma evidente
semelhança com o jornalismo (BARRETO, 2004, p.1).
O documentário vai além porque desperta a população da indiferença em relação
às particularidades pouco abordadas de um acontecimento social. Conta histórias de
episódios corriqueiros, relevantes ou não para os meios de comunicação, mas que, para
o autor, merecem se fazer perceber. O jornalismo assume esta mesma perspectiva. A
relevância social, o inusitado, a atualidade são exemplos de critérios que permitem que
um acontecimento se torne notícia.
Juliana Menezes (2006), em seu projeto de pesquisa intitulado O documentário e
o jornalismo: uma relação dialógica na representação da realidade, faz uma análise da
relação entres esses dois gêneros. “Tanto o documentário quanto o jornalismo surgem
do desejo de ampliar uma situação comunicativa, para que esta deixe de ter um público
restrito que a presencie e passe a ter espectadores múltiplos” (MENEZES, 2006,p.43).
A autora considera essa exposição de versões de situações uma “vontade de
comunicar idéias”. E, para isso, é necessário que os realizadores estejam embasados em
um conteúdo teórico a respeito do tema, a fim de garantir a profundidade da exposição e
da reflexão dos fatos. No jornalismo, isso é sinônimo de muita apuração, que deve estar
presente em todas as suas ramificações, não apenas no jornalismo investigativo.
A construção do relato é processual e sua principal ferramenta, nestes dois
gêneros comunicacionais, é a entrevista. A entrevista capacita um nível de apuração de
maneira ampla e na conexão direta do que se pretende retratar. Permite que o realizador
30
adentre no cenário em que ocorre o fato para pesquisar e coletar dados, e através desse
contato, construir as suas impressões, de forma mais proximidade com a “realidade”.
Outro ponto concomitante entre o documentário e o jornalismo se refere às
personagens que irão representar os acontecimentos. As fontes, nestes dois campos, são
consideradas atores sociais.
Eles, de qualquer forma, estão apresentando as suas próprias histórias e as de
todos aqueles que têm histórias parecidas, por isso, eles se tornam atores
sociais. Não inventam nem imitam alguém, são elas mesmas, as pessoas de
uma realidade escolhida e as personagens da representação desse “fragmento
do real” que ajudam a construir (NICHOLS Apud MENEZES, 2005, p.31)
No artigo O documentário jornalístico, gênero essencialmente autoral (MELO
et al, 2001), são apresentadas as conclusões de uma pesquisa realizada pelo Grupo em
Comunicação e Discurso, do Departamento de Comunicação Social da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), intitulada O documentário como gênero jornalístico
televisivo. A pesquisa indica características do produto e o analisa comparativamente
em relação às grandes reportagens das emissoras de televisão. De acordo com a
pesquisa, as características mais específicas do documentário são: o “caráter autoral, o
uso de documentos como registro, a não obrigatoriedade da presença de um narrador, a
ampla utilização de montagens ficcionais e uma veiculação praticamente limitada aos
canais de TV educativos ou por assinatura” (MELO,GOMES,MORAIS, 2001, p.1).
A marca autoral é trabalhada de maneira diferenciada no jornalismo e no
documentário. Para apoiar o sentido da objetividade, esse paradigma é retratado de
forma camuflada, até utópica, no jornalismo. Não há como negar que um produtor de
notícias se apega a aspectos subjetivos, resgata lembranças do seu repertório individual
e as conecta com os detalhes que mais o é perceptível no episódio que vai relatar. Aí
está a subjetividade. Este processo é um dos fatores que faz tombar a idéia da
objetividade, mas remanesce a postura da busca por esta, através da atitude do repórter
em procurar as diversas versões de uma determinada situação.
31
O documentário evidencia claramente a marca do autor, não tem restrições de
tempo, possui maior liberdade de criação, sem a obrigação de buscar o efeito de
objetividade. No documentário, é possível recorrer a um explícito efeito de
subjetividade, comprovado pela maneira particular de contar uma história. Ainda assim,
o argumento sobre o mundo teria, como na reportagem televisiva, a função de criar um
sentido de realidade ao que é narrado.
O estilo de fazer documentário de cada autor é percebido após algumas obras
serem assistidas. O reconhecimento de uma obra tem o peso semelhante ao julgamento
que se faz dela. No caso de positivo, as conseqüências são indicativas de credibilidade e
fidelidade por parte dos telespectadores.
Da mesma forma que estou disposto a ler qualquer livro de, digamos Calvino,
porque é de Calvino, verei qualquer filme do Coutinho, porque é de
Coutinho. Não importa o assunto: o que eu quero de um filme do Coutinho é
saber como ele, Coutinho, percebe a realidade. Um documentário ou é autoral
ou não é nada. Ninguém pode confundir um filme de Flaherty com um filme
de Joris Ivens. A autoria é uma construção singular da realidade. Logo, é uma
visão que me interessa porque nunca será a minha. É exatamente isso que eu
espero de qualquer bom documentário: não apenas fatos, mas o acesso a outra
maneira de ver (SALLES Apud BEZERRA,2004)
O peso do olhar do documentarista, adquirido pelas obras já realizadas, de certa
forma influencia a percepção daquele que assiste, embora estes também possuam livre
arbítrio em suas interpretações. Isso também ocorre no jornalismo, em todos os seus
gêneros. Mesmo no jornalismo tradicional, é possível que o repórter insira um estilo
próprio que o diferencie dos demais. Porém, no caso do jornalismo, a mais notória
“realidade” é a percepção de que as marcas refletem o posicionamento, tanto no
conteúdo e na parte estética, das emissoras, e não do repórter.
32
2.2.2 Documentário no Brasil
O cinema documental não surgiu de forma intencional. Foi uma tradição
construída e encorajada pela curiosidade de inovação cinematográfica, através da
utilização de possibilidades ainda não testadas. Com a Escola Inglesa, em 1920, o
cinema documental se expandiu na sociedade e ganhou notoriedade. Jonh Grierson foi o
nome da época. Aprofundou-se na crítica documental, apesar de ter produzido apenas
um filme, sobre uma colônia de pescadores em Arenque, Drifters (1929). A
característica fundamental do gênero, e que é considerada até hoje, era a capacidade de
dar uma impressão sobre a realidade dos fatos.
Uma forma corrente de explicar a ascensão do documentário inclui a
história do amor do cinema pela superfície das coisas, sua capacidade
incomum de captar a vida como ela é; capacidade que serviu de
marca para o cinema primitivo e seu imenso catálogo de pessoas,
lugares, e coisas recolhidas em todos os lugares do mundo. Como a
fotografia antes dele, o cinema foi uma revelação. As pessoas nunca
tinham visto imagens tão fiéis a seus temas, nem testemunhado
movimento aparente que transmitisse sensação tão convincente de
movimento real. (NICHOLS, 2005, p.116)
O movimento do cinema documental no Brasil se aprimorou a partir do contato
de uma pequena parte da população às novidades dos Estados Unidos e da Europa. O
acesso dos brasileiros, principalmente a estes países, permitiu a importação das novas
tendências do cenário cinematográfico internacional, em particular no que diz respeito
às inovações das câmeras e suas movimentações.
Os primeiros registros imagéticos, porém, começaram, no Brasil, com a
trajetória da Comissão Rondon - Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do
Mato Grosso ao Amazonas - no final do século XIX até o começo do século XX. Esta
comissão tinha como objetivo implantar as linhas no país e promover sua ocupação.
Deu-se início a documentações com a utilização de fotografia e, mais tarde, cinema.
Essas imagens, divulgadas em álbuns e jornais, tinham a intenção de informar a
sociedade e legitimar os seus propósitos.
33
O major e fotógrafo Luis Thomas Reis, que integrou a Comissão até 1938,
começou a produzir montagens, tornando-se referência desse momento. Os filmes de
sua autoria, Rituais e festas Bororó (1917) e Sertões do Mato Grosso (1912), foram
considerados, pela crítica cinematográfica, de grande valor para época. O diretor tinha
um objetivo audaz: divulgar para as populações urbanas a enormidade do Brasil pelas
regiões interioranas, ao mostrar o trabalho da Comissão e seu projeto de integração
nacional. A abordagem mais utilizada era da vida das populações indígenas e a
transformação do índio “selvagem” para o índio “civilizado” (TEIXEIRA, 2004, p.103).
Os registros dessa época exploravam as paisagens naturais, de forma a enaltecer a
imagem do Brasil.
Julia Menezes (2006) conta que foi na década de 20, em São Paulo, o período
que se delineou a construção do modelo documental, principalmente através das
produções chamadas “jornais cinematográficos”.
Até então, a realidade do cinema no Brasil era inspirada de forma copiosa no que
acontecia em outros países. Havia uma necessidade da criação de uma rede de estúdios
no país para a consolidação de uma produção de cinema nacional. A década de 40 foi a
época em que esse projeto foi concretizado, nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo,
com a formação da Companhia Vera Cruz, Maristela e Multifilmes.
Estrangeiros com experiência em cinema vieram compor o corpo técnico das
empresas, buscando um padrão de qualidade semelhante ao internacional.
Todas foram à falência, principalmente por conta do alto custo da
manutenção do estúdio e distribuição de filmes (MENEZES, 2006, p.20).
Durante esse período, novos documentaristas se lançaram no mercado
cinematográfico. Humberto Mendes se destacou ao fazer a série As Brasilianas, em
1955, em que faz uma comparação da evolução econômica e industrial das usinas em
relação aos engenhos de cana de açúcar. A temática é abordada a partir de uma análise
das problemáticas sociais, evidenciando as causas de tais problemas (BRASIL, 2000,
p.4).
34
O cinemanovista é a denominação que é dada a esta nova opção de fazer o
cinema, absorvida de maneira intensa, pelos documentários brasileiros, a partir da
década de 60. Esta vertente marca uma nova opção estilística. As temáticas são tratadas,
neste tipo de abordagem, de forma que priorizem o mundo dos excluídos. O filme
Arraial do Cabo (1959), de Paulo César Saraceni é, segundo Ramos (2004), o pioneiro
neste tipo de enfoque, “é o primeiro documentário no qual sente-se intensidade a atração
pela imagem do povo, por sua fisionomia” (RAMOS, 2004, p.83).
A regulamentação do cinema documentário aconteceu no país na época do
Estado Novo, em 1964, a partir da formação do DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda), que reuniu todas as iniciativas do fazer cinema até então. Segundo
Umbelino Brasil (2000), os documentários dessa época tinham um direcionamento
proposital: “[...] assumem as concepções de Estado autoritário e passam a expressá-las.
Tudo é feito para fins propagandísticos, na tentativa da formação de uma imagem
mitológica de Getúlio Vargas” (BRASIL, 2000, p.3).
Muitos filmes, então, passaram a ser financiados pelos órgãos do governo, como
a Fundação Nacional das Artes (Funarte), o Departamento de Assuntos Culturais, e a
Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). Os assuntos dessas montagens eram
moldados pelos interesses do governo, que queria promover a identidade nacional,
através das tradições populares. Mesmo com essas medidas do governo, havia filmes
feitos com mais liberdade, que mostravam os problemas sociais das minorias
abandonadas pelo novo regime.
A situação só começa a mudar nos anos 80, com o Brasil já democrático. A
Idade da Terra (1981), de Glauber Rocha, e O Cabra marcado pra Morrer (1984), de
Eduardo Coutinho, são dois exemplos de filmes considerados marcantes, diante de um
novo cenário político em que os interessem predominavam, e eram refletidos no âmbito
cultural. Realidade que pode ser confirmada pela observação dos títulos de filmes que
tinham apoios e patrocínio de segmentos do governo, como JK – Uma trajetória
política (1980), de Silvio Tendler; Jânio a 24 quadros (1981), de Luiz Alberto Pereira.
Não eram apenas os assuntos abordados que diferenciavam O Cabra Marcado
pra Morrer dos demais. Ele se encaixou em uma tendência pouco usada até então,
35
batizada na França como “cinema verdade”, tendo à frente Jean Rouch e Edgar Morin.
Este estilo resultou de um aprimoramento tecnológico dos equipamentos (câmaras mais
leves e a junção de gravador de som e imagem), que facilitou a prática das gravações
(YAKHIN, 2000). Com esses avanços, uma abordagem mais participativa pôde ser
aplicada por parte do cineasta, que passou a adotar entrevistas, depoimentos, câmera na
mão, permitindo um contato mais aderente à realidade.
Eduardo Coutinho se filiou a esta vertente e se tornou referência dela no Brasil.
Em suas obras, Coutinho enfatiza a entrevista como metodologia básica, e evidencia
aspectos que não são modelos pré-estabelecidos, como os acontecimentos inusitados, as
improvisações. O Cabra Marcado para Morrer é a representação da vida dos
trabalhadores rurais organizados da década de 60. Com a estrutura adotada, o
telespectador passa a ter um contato mais direto com a situação vivida, devido a um
olhar mais subjetivo, e o autor se torna, também, um dos personagens do filme, pela sua
interferência constante. Outros filmes de Eduardo Coutinho deram prosseguimento a
este modo de formatação. Alguns exemplos são: Santa Marta: duas semanas no morro
(1987), Boca de Lixo (1993), Santo Forte (1999) e Edifício Master (2000).
2.2.3 Classificação do Documentário
Francisco Elinaldo Teixeira, no livro Documentário no Brasil (2004), reúne três
referências teóricas para modelos de documentário, a partir de três autores. O primeiro é
Arthur Omar que, em O antidocumentário, provisoriamente (1972), apresenta o modelo
ficcional, um desligamento da estrutura narrativa tradicional. O modelo sociológico, de
Jean-Claude Bernardet, abordado no livro Cineastas e imagens do povo (1985), é
“tributário da crença clássica na possibilidade de atingir um real bruto”, com sua
superação em documentários concebidos como “discursos” construídos no “real”. Por
fim, o modelo ilusionista, de Silvio Dan-Rin, no ensaio Auto-reflexividade no
documentário (1997), em que ele diz que a problematização está no processo de
representação do documentário.
Bill Nichols (2005) traça características do documentário de forma mais
objetiva. Ele define seis classificações, cada qual considerada como uma forma de
36
representação. Os subgêneros - poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo
e performático - surgem por observações de peculiaridades de cineastas e filmes, a partir
de determinados períodos históricos. No entanto, a caracterização de filmes por um ou
outro subgênero independe da cronologia. Não é regra que a classificação mais recente à
época analisada seja predominante. Os documentários podem ser puros ou híbridos,
havendo nesta segunda possibilidade a predominância de um dos modelos e intervalos
de outro ou outros. Na questão estrutural, não existem restrições, apenas o norte e a
liberdade de criação.
A cronologia da construção desses modelos delineia a edificação histórica do
documentário. Cabe, então, explicar os modelos citados. O primeiro é o poético, em que
a personificação de um “protagonista” é preterida, bem como as idéias de tempo e
espaço em suas associações. O modelo traz à tona o lado emocional, em detrimento das
manifestações cognitivas.
[...] o modo poético começou alinhado com o modernismo, como
uma forma de representar a realidade em uma série de fragmentos,
impressões subjetivas, atos incoerentes e associações vagas. [...]
Embora alguns filmes explorem concepções mais clássicas do poético
como fonte de ordem, integridade e unidade, essa ênfase na
fragmentação e na ambigüidade continua sendo um traço importante
em muitos documentários poéticos. (NICHOLS, 2005, p. 140)
Um exemplo é Ninguém assistirá ao formidável enterro da sua última quimera,
somente a ingratidão, aquela pantera, foi a tua companheira inseparável (1977), de
Glauber Rocha. O título do filme, um trecho de poema de Augusto dos Anjos, por si só,
diz o que está por vir. Glauber Rocha estava em sua casa, na manhã de 26 de outubro de
1976, quando soube da morte do pintor e amigo Di Cavalcanti. Rapidamente, arranjou o
aparato necessário para ir ao velório, ao enterro e fazer as filmagens. No curta-
metragem, ele faz a locução sem tratar com objetividade do que as imagens mostram. A
câmera, por vezes, não tem compromisso com o foco e move-se aleatoriamente,
mostrando obras do pintor, além do ator Antônio Pitanga, que faz algo como uma
dança, em cenas curtas.
37
O cineasta ainda recita dramaticamente o poema Baladas do Di Cavalcanti, de
Vinícius de Moraes, do livro Poesia completa e prosa. Toda obra é acompanhada por
trilhas sonoras como Lamento, de Pixinguinha; O teu cabelo não nega, mulata, de
Lamartine Babo e Irmãos Valença; Umbabarauma, de Jorge Ben; O Velório do Heitor e
O Carnaval acabou, de Paulinho da Viola. Vale dizer novamente que o filme mostra o
velório e o enterro de Di Cavalcanti, sob o olhar de quem o conheceu. Glauber Rocha
ainda chegou a comentar: “Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-
surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu”
(ROCHA,1977,p.1). A família do pintor, no entanto, não entendeu o modernismo
surrealista da obra e o filme foi proibido de ser exibido no Brasil em 1979.
O segundo subgênero é o expositivo. A estrutura da informação é baseada na
argumentação e na retórica, deve ser objetiva, bem articulada e bem embasada. Neste, o
documentarista participa do produto, mas não da história. Ou seja, ele fala, ou alguém
fala por ele, mas não aparece. Isto é o que é chamado de “voz de Deus”. A cultura desta
“voz” gerou a padronização das narrativas com vozes treinadas. No entanto, essa regra
pode ser quebrada para se obter o efeito esperado. Exemplo disso é o filme A terra
espanhola (1937), do diretor Joris Ivens, que critica a ditadura fascista do General
Francisco Franco. Foram feitas três versões do documentário. Em nenhuma delas, a voz
profissional esteve presente. Jean Renoir, Orson Welles e Ernest Hemingway são os
autores dos textos. As mudanças ocorreram justamente para que o tom dado ao
comentário se adequasse ao que era esperado por cada documentarista.
É possível, também, utilizar base de caracteres. Entrevistas, quando existentes,
são colocadas de forma que justifique alguma parte da argumentação narrativa. Um
exemplo para este estilo é Muito além do Cidadão Kane (1993), produzido e dirigido
pelo inglês Simon Hartog, para o Channel Four, emissora de televisão da Inglaterra. Na
obra, há a locução em off, sem o documentarista aparecer, e uma coletânea de
depoimentos de pessoas como Luiz Inácio Lula da Silva, Chico Buarque, Leonel
Brizola e Washington Olivetto. É contada a história da Rede Globo, desde a sua
criação, facilitada pela aderência ao regime ditatorial, tendo em vista um acordo ilegal
com a empresa Time Life. A Lei brasileira limitava o capital estrangeiro em empresas
de comunicação nacionais. O filme ainda faz denúncias de fraudes, manipulações -
dentre as quais consta a das eleições presidenciais de 1990.
38
O subgênero seguinte é o observativo. Este consiste nas observações do
documentarista, sem qualquer intervenção aparente. O formato é o mais livre possível,
sem roteirização, em geral trabalhado com temporalidade legítima. Os chamados “atores
sociais”, personagens dos documentários, agem naturalmente, como se a câmera não
estivesse presente.
[...] o respeito a esse espírito de observação, tanto na montagem pós-
produção como durante a filmagem, resultou em filmes sem
comentário com voz-over, sem música ou efeitos sonoros
complementares, sem legendas, sem reconstituições históricas, sem
situações repetidas para a câmera e até sem entrevista (NICHOLS,
2005, p. 147).
Em Gimme Shelter (1970), os irmãos Albert e David Mayles filmam as
apresentações dos Rolling Stones na turnê de 1969, além dos bastidores, até incidentes,
como a morte, a facadas, de um homem, por seguranças do evento. Heloísa Helena
Magalhães Couto fez uma análise do filme.
[...] a câmera está a maior parte do tempo na mão, fazendo plano-
seqüência, para dar idéia do momento em que está ocorrendo a
situação. [...] É claro que nas manifestações públicas, nos grandes
eventos, na multidão é mais fácil que os equipamentos passem
despercebidos ou que rapidamente o público se acostume com eles,
passando para quem assiste a impressão de invisibilidade da câmera
(COUTO, 1998,p.1).
Dando seqüência, chega-se ao modelo participativo. Esta abordagem é muito
usada em estudos da antropologia. Trata-se de ir a campo e conviver com as pessoas
relacionadas à história, de modo a habituar-se a uma nova vida. Em jornalismo, há uma
vertente similar, denominada “jornalismo gonzo”, que consiste no envolvimento pessoal
do jornalista. A narrativa não prima pela objetividade, é mais literária. A diferença do
modelo participativo para esta forma de jornalismo é que o documentarista não se
coloca totalmente como vivente, mantém certo afastamento. O cineasta se torna quase
39
um ator social. Quase porque ele está em um patamar superior aos verdadeiros atores
sociais. Ele tem uma câmera na mão.
Um exemplo recente de documentário participativo é Edifício Master (2002), de
Eduardo Coutinho. O filme mostra o encontro entre os personagens (são 37 os
entrevistados) e a equipe de produção, que se estabelece no local, além do encontro
entre personagem e diretor, que norteia a obra. É interessante salientar que Eduardo
Coutinho quebra o paradigma do distanciamento de moradores dos grandes edifícios (o
Edifício Master possui 23 apartamentos por andar, um total de 276, e cerca de 500
pessoas), ao conversar sobre assuntos íntimos com os entrevistados.
O quinto modelo é o reflexivo. O mesmo autor avalia que esse modelo de
representação se coloca com dupla característica estrutural. Ao mesmo tempo em que é
o mais consciente de si, também é o que mais se questiona.
Se, no modo participativo, o mundo histórico provê o ponto de
encontro para os processos históricos entre cineastas e participante do
filme, no modo reflexivo, são os processos de negociação entre
cineasta e espectador que tornam o foco da atenção. Em vez de seguir
o cineasta em seu relacionamento com outros atores sociais, nós agora
acompanhamos o relacionamento do cineasta conosco, falando não só
do mundo histórico como também dos problemas e questões de
representação. (NICHOLS, 2005, p.162)
No premiado documentário Ilha das Flores (1989), do diretor Jorge Furtado, é
contada a trajetória do tomate, desde a plantação, até seu fim, comido por porcos no lixo
do município gaúcho que cede o nome à obra. Em 12 minutos de filme, é feita uma
reflexão acerca das desigualdades sociais, com explanações das relações de exploração
do capitalismo, tudo explicado de forma didática e sob a ação de um humor ácido.
Por fim, o subgênero performático. Os documentários performáticos
caracterizam-se por uma representação essencialmente subjetiva, trazendo o próprio
documentarista e seus questionamentos mais particulares para o centro do filme.
40
Esses filmes nos envolvem menos com ordens ou imperativos
retóricos do que com uma sensação relacionada com sua nítida
sensibilidade. A sensibilidade do cineasta busca estimular a nossa.
Envolvemo-nos em sua representação do mundo histórico, mas
fazemos isso de maneira indireta, por intermédio da carga afetiva
aplicada ao filme e que o cineasta procura tornar nossa (NICHOLS,
2005, p.171).
Em Tiros em Columbine (2002), Michael Moore é diretor e narrador. Ele coloca
em jogo o fascínio da sociedade dos Estados Unidos pela armas, a chamada cultura
belicista, e apresenta o caso do Colégio Columbine, em Littleton, no estado Colorado,
que desencadeou o filme. Dois adolescentes armados mataram 14 estudantes e um
professor. Moore entrevista e argumenta sempre de forma parcial e pessoal. Todos esses
exemplos de produções documentais demonstram a versatilidade de possibilidades
atribuída ao gênero.
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3.ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
3.1 ESTILO DO PRODUTO
O modelo do Cinema Verdade, que surgiu em 1960, será foco de abordagem na
esquematização da estrutura deste documentário. Os diretores Eduardo Coutinho e João
Salles desenvolveram seus trabalhos com base nessa vertente, que é referência na
produção contemporânea do documentário.
Embora não seja um estilo homogêneo, nossas últimas produções
documentárias têm um débito evidente para com essa tradição. Mais
importante ainda, a questão ética, central para fazer o documentário,
é pensada inteiramente dentro do universo ideológico do cinema
verdade (RAMOS, 2004, p.94).
Esta concepção de cinema verdade traça alguns aspectos que serão fundamentais
para a realização deste projeto, como a intervenção e interação dos produtores com a
“realidade” apresentada. A prioridade, portanto, não é retratar as situações de maneira
expositiva e distanciada. A proposta foi retratar o cotidiano de três mulheres que têm
como profissão a prostituição, dando ênfase em suas subjetividades. Isso pôde ser
atingido pelo destaque na vida de cada prostituta, ressaltando as suas diferenças, mas
também as similaridades. Esse processo foi conquistado através da entrevista
(metodologia principal de captação dos depoimentos) e as montagens.
Através desta linha de pensamento, a temática foi construída de forma que a
realidade não-popularizada das garotas de programa fosse explorada particularmente.
Os estilos podem ser delimitados a partir da análise de Bill Nichols (2005). Dentre todas
as divisões pelas quais conceitua os estilos de documentário, uma delas será parâmetro
chave do vídeo, o modelo participativo.
Esse estilo é caracterizado pela intervenção do documentarista e sua equipe
diante das situações. Optamos pelo modo participativo por esta característica marcante,
a constante intervenção dos realizadores que estiveram presentes no processo de
gravação do documentário. No momento da montagem, preferimos que a nossa imagem
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e a nossa voz não fossem expostas, pelo caráter comportamental do documentário, cuja
intenção é dar ênfase aos aspectos subjetivos de cada uma das três personagens.
Optamos por não deixar explícitas as demonstrações visuais e sonoras da equipe de
produção, as quais, obviamente, podem ser percebidas de forma tácita. Em muitos
momentos é possível perceber, porém de maneira implícita, estas mediações feitas pelos
realizadores do documentário, seja através do olhar dos personagens (que olham para
alguém, não para câmera), ou quando elas estabelecem um claro diálogo com as
diretoras.
Para a realização deste documentário, a equipe propôs acompanhar algumas
situações corriqueiras no cotidiano de cada uma delas. O que se pretende é que as lentes
das câmeras possam captar detalhes que, no dia-a-dia não são realçados, como os
gestos, as marcas do rosto, a forma de andar, etc. Para isso, foi necessário pensar a
câmera como um mecanismo pelo qual pudesse passar impressões particulares de cada
uma delas, a partir do modo de olhar dos realizadores, construído, principalmente, no
processo de montagem.
3.2 CONSTRUÇÃO NARRATIVA
O roteiro foi produzido de modo que o fim fosse a continuação do começo, isto
é, as últimas cenas do documentário dão continuidade ao que o público assistiu no início
do vídeo. O documentário começa com as imagens das três mulheres se encaminhando
para o trabalho: Babalu aparece andando na orla de Piatã, Adilma é mostrada dentro do
Ônibus a caminho da Praça da Sé e Jucilene é apresentada em seu quarto, se maquiando.
Após essas primeiras três cenas, o título do documentário anuncia o início da narrativa.
E nele, não há nada que se refira de modo explícito à prostituição. Nas primeiras cenas,
o telespectador passa a conhecer quem são as personagens da história, e isso se
intensifica no decorrer do documentário.
Cada personagem seguiu uma narrativa específica que se encaixava às outras por
meio dos blocos temáticos. A história de Jucilene foi desenvolvida no ambiente em que
mora e trabalha, um bar, na Ladeira da Conceição. Embora o cenário principal tenha
sido o seu quarto, a narrativa percorreu o lugar. No caso de Adilma, não queríamos que
ela saísse da sua rotina, já que trabalha o dia inteiro na Praça da Sé. Por isso, preferimos
43
captar a rotina dela em seu local de trabalho, acompanhando-a durante o percurso do
ônibus, no lanche da manhã, no almoço e descanso. Já com Babalu a idéia foi explorar,
dentre muitas, uma de suas características, e desenvolver a narrativa nesta
particularidade escolhida. Nas entrevistas soubemos do seu hábito de cozinhar.
Procuramos filmá-la enquanto fazia as compras no supermercado e, depois, no processo
de cozinhar, que ela diz ser hábito quase que diário.
As cenas foram articuladas de modo a acompanhar os blocos temáticos que
foram estabelecidos no pré-roteiro. Elas falam sobre vaidade, personalidade, lazer, vida
amorosa, amizade e relação com o dinheiro. Como a idéia principal do projeto é
documentá-las enquanto mulheres, e não simplesmente como prostitutas, não foram
abordados, nesse momento (maior parte do documentário), aspectos do lado
profissional, como relação com o trabalho, como se sentem, se têm orgulho ou não da
prostituição. Este tema não deixa de ser prioridade, porém, optamos por não explicitar
por um objetivo maior: fazer os telespectadores perceberem que são pessoas que
possuem sonhos e desejos semelhantes aos nossos. E, percebendo estas similaridades
próximas às nossas, vejam que são, também, prostitutas.
O roteiro também é composto de três momentos em que as garotas estão
caricaturadas em forma de animação. Nossa intenção foi ressaltar a subjetividade,
aspectos que não poderiam ser transpostos em forma de imagens, por ser inacessível, o
campo da imaginação. Cada história em animação foi baseada na nossa percepção do
subjetivo de cada uma delas, a partir dos relatos em forma de depoimento.
Foi escolhido fazer um clipe de imagens distorcidas e desfocadas para fazer uma
passagem ao momento em que elas se apresentam como prostitutas. Estas imagens
foram pensadas, dessa forma, na intenção de “brincar” com estética, através da
manipulação das imagens no momento da gravação e edição. A intenção foi retratar o
“real” (fachada de casas noturnas, o trânsito à noite, prostitutas na rua), dando tom
poético num cenário vulgarizado.
A partir daí, volta-se para as cenas iniciais do documentário e as meninas se
revelam prostitutas. No entanto, preferimos abordar, quando o tema foi explicitado, a
prostituição como mobilização e “orgulho”. Pretendíamos com isso, mesmo que pareça
44
utópico, tentar desmitificar o rótulo que envolve essas mulheres. E fazer perceber, para
a sociedade, que elas podem ser mais, e que são, antes de tudo, diferentes umas das
outras.
3.3 ASPECTOS FORMAIS
3.3.1 Estética e Enquadramento
No que se refere à estética, não houve preocupação em criar ambientes que se
destacassem por belezas visuais. O documentário se propõe a acompanhar o dia-a-dia
das três personagens, por isso, os cenários refletem um ambiente comum para estas
mulheres, o seu mundo particular. A escolha das cenas sustenta a tese de humanização
das prostitutas. Quando se fala humanizar, neste documentário, se faz referência à
tentativa de retirá-las do contexto em que estão inseridas, devido ao seu trabalho, e
retratá-las enquanto mulheres semelhantes às encontradas no cotidiano: na fila do
banco, padaria, supermercado, etc. A idéia não foi, portanto, retratar por imagens,
aspectos da sua vida enquanto profissionais do sexo. Ao contrário, pode parecer até
óbvio que essas mulheres também vão ao supermercado, cuidam da casa, gostam de
comprar roupas, porém, num pensamento superficial, isso não se faz notar. As imagens
que propusemos neste documentário servem como suporte para fazer a ressalva de que
as vidas dessas mulheres são parecidas às nossas, pessoas que possuem uma vida
adequada ao que se estabelece como “padrão” da sociedade.
Para isto, procuramos utilizar diversos tipos de enquadramento. Ao pensar na
técnica do fazer documentário, procuramos uma maneira de fugir a padronização à
comum no jornalismo tradicional, que, geralmente, coloca o entrevistado no primeiro
plano e não costuma variar os enquadramentos. Até por considerarmos este um produto
jornalístico, avaliamos ser a oportunidade em que é permitida a utilização de
experimentações. Não que seja algo inusitado, queríamos apenas sair do padrão, por
isso, optamos por utilizar enquadramentos que permitissem ao telespectador maior
ambientação dos lugares costumeiros destas mulheres. Também procuramos variar os
ângulos dos depoimentos. A maioria das imagens de Babalu, por exemplo, não foram
restritas a depoimentos fixos, estes depoimentos foram acompanhados de ações. Com
essa estratégia, acredita-se que o documentário possui maior dinamicidade.
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As imagens de Adilma e Jucilene também seguiram, em muitos momentos, esta
tendência. Delimitamos, porém, para cada uma, um tipo de enquadramento quando se
referiam aos depoimentos fixos. Com Adilma, optamos por fazer um enquadramento de
perfil, com ângulos fechados. Em Jucilene preferimos deixar os ângulos abertos,
compatíveis como o jeito que ela transmitia, descontraído. Escolhemos, então, utilizar
um ângulo que a deixasse mais à vontade, que mostrasse esse lado dela e, com ângulos
fechados, não seria possível perceber isso.
3.3.2 Som
Neste documentário, na maioria das cenas, procuramos trabalhar com as
articulações entre a fala das personagens e suas imagens. Isto é, em muitos momentos,
as vozes aparecem em off e são cobertas com imagens. O objetivo foi retratar, de forma
constante, as ações cotidianas de cada uma delas. Foi preciso, então, construir uma
lógica de depoimentos que casassem com as imagens. Mas o documentário não se
restringiu a esse posicionamento. Em muitos momentos, foi escolhido trabalhar com o
som ambiente dos depoimentos e do local específico, junto com a utilização das
imagens originais. O áudio utilizado foi captado pela câmera principal, através do
microfone direcional.
A trilha sonora será baseada em músicas nacionais que tratem de assuntos
referentes à mulher. Não queríamos restringir as músicas apenas a artistas femininos e
definimos como critério fixo todas serem nacionais. No momento em que aparece o
título, foi inserida a primeira música, Todas elas juntas num só ser, de Lenine. A
próxima inserção aconteceu na primeira animação de Adilma que retratou o seu sonho
de construir um salão de beleza. Para compor tal animação foi utilizada a música Salão
de Beleza, de Zeca Baleiro.
Na animação de Jucilene, que foi sobre o término do relacionamento, no qual a
ex-namorada continua a procurá-la, enquanto ela a trata com desdém, foi usado o
começo da parte instrumental da música Assim Será, composta por Marcelo Camelo, do
Los Hermanos. A quarta música, Baú, de Vanessa da Mata, foi inclusa na apresentação
de um clipe feito com imagens desfocadas que ilustram a noite de prostituição e dá
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passagem para o momento em que as mulheres se revelam como profissionais do sexo.
E enquanto elas se apresentam, ao fundo, está a música Livre Iniciativa, de Mundo
Livre S/A. Ao final do documentário, quando as personagens estão se encaminhando
para o trabalho, foi utilizada a faixa, Eu vou tirar você desse lugar, composta por Odair
José, interpretada por Los Hermanos.
3.3 PERSONAGENS
Personagem 1:
Gildilene Maciel, mais conhecida como Babalu, tem 28 anos, nasceu em Juazeiro,
Bahia. Aos 13 anos, por problemas familiares, resolveu fugir de casa, levando apenas a
roupa do corpo, pegou uma carona com um caminhoneiro que ia para Fortaleza, e por lá
ficou. Por não ter onde dormir, passava as noites numa barraca de praia, local em que
recebeu a primeira proposta, de um gringo, que a ofereceu R$ 100,00 para passar a
semana com ele. A partir daí começou a se prostituir. Não parou mais. Depois de alguns
anos, resolveu passar um carnaval em Salvador, e aqui reside há 12 anos. Já trabalhou
em boate, casa de massagem, mas hoje prefere atuar na orla de Piatã, a qual chama de
“pista”. Durante todo esse tempo a sua principal fonte de renda foi a prostituição. Em
meio a esse processo, apaixonou-se por um cliente, que ra marinheiro, e acabou se
casando. Passou dez anos casada, teve um filho, que hoje está com 3 anos, mas
continuou atuando com prostituta. No momento está separada e seu filho está sob a
guarda do pai. Babalu é uma mulher de personalidade forte, tida como agressiva,
desenvolta e extrovertida, passou por várias dificuldades na vida e encontrou ajuda na
Aprosba – Associação das Prostitutas da Bahia. Hoje, ela é multiplicadora da
associação. Ao conversar com ela, pode-se perceber que é uma pessoa bem resolvida,
que não tem problemas em se assumir perante a sociedade. Pela Aprosba, conseguiu
fazer diferentes cursos, como computação, estética, manipulação de marionete, e
concluiu o segundo grau. Freqüentemente trabalha como revendedora de cosméticos.
Personagem 2:
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Jucilene, tem 21 anos, nasceu em Cruz das almas, e trabalha no Bar da Marinalva, na
Ladeira da montanha, mesmo local onde reside. Foi criada pela bisavó, segundo ela,
teria lhe dado tudo, pago e incentivado seus estudos. Mas Jucilene não gostava e não se
acostumava com essa rotina, dizia que só ia para o colégio para namorar. Parou de
estudar na 6º série e foi tentar a vida em São Paulo. Lá ela casou, teve uma filha,
trabalhou com empregada doméstica e garçonete, mas não se adaptou. Voltou para a
Bahia. A mãe a trouxe para morar em Salvador, onde sua irmã já trabalhava como
prostituta, também no Bar da Marinalva. Até então, não sabia da profissão da irmã, nem
de sua mãe, que mais tarde descobriu que também era prostituta. Jucilene se define
como uma pessoa sonsa, que passa a imagem de tímida, mas que na verdade não é.
Desde quando começou a trabalhar no bar, descobriu sua atração por mulheres. Hoje
namora uma menina, que é empregada doméstica, e que não sabe que ela se prostitui.
Ao fazermos as entrevistas, pôde-se notar que ela, ao mesmo tempo em que quer deixar
de se prostituir, gosta de sua profissão. Ela diz que é uma vida fácil, na qual ganha
muito dinheiro, mas não sabe se controlar, e acaba gastando tudo o que tem. Parece que
ela não se sente à vontade no seu local de trabalho e considera ser um ambiente pesado.
Jucilene divide o quarto com uma menina, a única que diz ser a sua verdadeira amiga.
Neste mesmo quarto, ela e sua amiga atendem os clientes, uma de cada vez.
Personagem 3:
Adilma, 23 anos, mora no bairro de Santo Inácio, Salvador. Ela reside com sua mãe e os
irmãos, e mais doze crianças, sendo que uma é seu filho, Alan Guilherme, que tem seis
anos. Ela viveu alguns anos com o pai do filho, mas uma briga fez com que eles se
separassem e ele nunca mais apareceu. Sua irmã já era prostituta, e ela diz ter a julgado
muito por isso. O seu filho passou por um momento em que ficou muito doente, e ela
estava sem dinheiro para comprar os remédios que ele precisava. Acabou pedindo a sua
irmã que a levasse para trabalhar na prostituição com ela. Foi assim que começou a
trabalhar como prostituta. Ela diz que já recebeu proposta de homens que ofereceu tirar
ela da prostituição, mas garante só sair quando ela tiver dinheiro suficiente para montar
o seu próprio negócio.
48
4. RELATÓRIO DE ATIVIDADES
O que há um ano parecia distante, hoje é vivenciado. Tudo começou no primeiro
semestre de 2007, na disciplina ministrada pela professora Ana Spannenberg, em que
ficamos encarregadas de delimitar o nosso problema de pesquisa para elaborar o nosso
pré-projeto. Nesse momento, já tínhamos a equipe completa, composta por nós: Tatiana
Dourado, Tatiana Porto e Tiago Bittencourt. Por sorte ou azar, todos os componentes
têm a letra T como inicial do nome, por isso ficamos conhecidas como o grupo “TTT”.
Nessa época, estávamos muito empolgadas e fomos lapidando cada vez mais o enfoque
do nosso documentário, que tinha como objetivo inicial contar a história da Rádio Zona
FM, primeira rádio de prostitutas da Bahia. Como a concessão ainda não havia saído,
resolvemos, depois de muito pensar, fazer um documentário que acompanhasse a rotina
de três mulheres que tinham, na prostituição, a sua sobrevivência.
Encerramos a disciplina de Elaboração do Pré-projeto com receio da prática.
Apesar de já termos feitos alguns documentários durante a faculdade, quando se trata de
um projeto experimental que garante a sua formatura, a tensão se multiplica. E , como o
tempo voa, o segundo semestre bateu em nossa porta de repente. Recomeçamos. No dia
9 de Janeiro tivemos o primeiro encontro com Juliana Gutmman, a nossa orientadora.
Essa reunião foi a mais tensa, talvez, de todo o processo. Juliana falou “em alto e bom
som” que ainda não tínhamos um documentário porque não tínhamos personagens.
Saímos desesperadas pelas ruas e becos da cidade: Ladeira da Montanha, Praça da Sé,
Tchê Night Club; telefonamos para as mulheres que publicavam seus serviços em
classificados e em sites do gênero. Foram dias de angústia porque estávamos correndo
contra esse tempo que não pára. Mas, enfim, encontramos, e ainda tivemos a sorte de
poder escolher as nossas três mulheres: Babalu, Jucilene e Adilma.
A primeira encontrada foi Babalu. Conseguimos seu contato através de Fátima
Medeiros, a presidente da Aprosba – Associação das Prostitutas da Bahia. A dificuldade
foi falar com Fátima, demoramos quase um mês para a primeira entrevista. Enfim,
marcamos nosso primeiro encontro com Babalu para apresentar a proposta. A primeira
impressão foi completamente positiva. Ela falou abertamente de sua vida, nos contou
casos, o papo desenrolou de forma espontânea. O maior êxito foi percebermos, por este
encontro, um pouco de sua forte personalidade.
49
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A vida por trás das luzes

  • 1. FACULDADE SOCIAL DA BAHIA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO TATIANA DOURADO TATIANA PORTO TIAGO FERREIRA TEM GENTE NA PISTA UM DOCUMENTÁRIO SOBRE O COTIDIANO DE TRÊS MULHERES SALVADOR 2007.2
  • 2. TATIANA DOURADO TATIANA PORTO TIAGO FERREIRA TEM GENTE NA PISTA UM DOCUMENTÁRIO SOBRE O COTIDIANO DE TRÊS MULHERES Memorial referente ao Projeto Experimental apresentado ao curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Social da Bahia como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Juliana Gutmann SALVADOR 2007.2
  • 3. RESUMO Este projeto experimental teve como objetivo humanizar a figura da prostituta, a partir da produção deste vídeo documentário. Propõe-se uma revisão de valores deste segmento estigmatizado pela sociedade, através da apresentação das garotas de programa por outra perspectiva. “Tem Gente na Pista” acompanha o cotidiano de três garotas de programa de Salvador, Adilma, Babalu e Jucilene, com a intenção de mostrar que, em relação às temáticas comuns na vida de qualquer pessoa (amor, amizade, dinheiro, diversão, etc), nas delas, estas experiências são semelhantes. Palavras-chave: Documentário, prostituição e jornalismo. 2
  • 4. Esse trabalho é dedicado aos nossos familiares, amigos e mestres que, de alguma forma, contribuíram para a elaboração deste Projeto Experimental. 3
  • 5. AGRADECIMENTOS Temos o orgulho de expor a nossa gratidão às pessoas que foram essenciais no desenvolvimento desse Memorial e do vídeo documentário. A Juliana Gutmann, que orientou a execução deste trabalho, e fez dele uma concretização. Por toda dedicação, apoio, amizade. Além das professoras Ana Spannemberg, que nos norteou durante todo o pré projeto que, para nós, foi a base desta realização. E a professora Lílian Reichert, por ser sempre solícita, paciente e amiga. O nosso “obrigado” por tudo. 4
  • 6. A prostituição tem sido um problema e um dos temas constantes em quase todas as sociedades, em todas as épocas, sobre o qual foram escritos inumeráveis trabalhos em quase todos os idiomas, nos mais diversos estilos. Do sermão pro-judaico-cristã, à literatura; aos tratados de ética e moral; aos estudos sistemáticos que tentam explicar a natureza social da prostituição através da análise da personalidade da pessoa prostituída, e os estudos científicos que analisam o indivíduo e a sociedade, na procura de uma explicação satisfatória e verdadeira. É, pois, um tema vasto, complexo, sobre o que se costumou chamar de “a mais antiga das profissões. (ESPINHEIRA, 1984, p.39) 5
  • 7. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................7 2. PRESSUPOSTO TEÓRICO ............................................................................12 2.1 PROSTITUIÇÃO...............................................................................................12 2.1.1 A HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO........................................................12 2.1.2 A PROSTITUIÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE.............................17 2.1.3 MILITÂNCIA REUNIDA.........................................................................22 2.2 DOCUMENTÁRIO............................................................................................27 2.2.1 DOCUMENTÁRIO E JORNALISMO ....................................................30 2.2.2 DOCUMENTÁRIO NO BRASIL.............................................................33 2.2.3 CLASSIFICALÇAO DO DOCUMENTÁRIO........................................36 3. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS............................................................42 3.1 ESTILO DO PRODUTO....................................................................................42 3.2 CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA..................................................................43 3.3 ASPECTOS FORMAIS......................................................................................45 3.3.1 ESTÉTICA E ENQUADARMENTO........................................................45 3.3.2 SOM...........................................................................................................46 3.4 PERSONAGENS................................................................................................47 4. RELATÓRIO DE ATIVIDADES......................................................................49 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................54 6. ANEXOS..............................................................................................................56 6.1 ROTEIRO...........................................................................................................56 6.2 DECUPAGEM....................................................................................................61 6
  • 8. 1. INTRODUÇÃO Tem Gente na Pista é um vídeo documentário que pretende humanizar a figura da prostituta de modo a desconstruir a imagem de mero objeto de consumo estabelecida, principalmente, pelos meios de comunicação e estigmatizada pela sociedade. O objetivo é mostrar a prostituta enquanto sujeito que tem uma rotina, hábitos, gostos, manias, vaidades, medos e frustrações, como todos nós. Por isso, o foco de nossas lentes se volta para o dia-a-dia dessas mulheres, quando não estão em atividade. No documentário, elas não são simplesmente “prostitutas”, são Babalu, Jucilene e Adilma, pessoas com histórias de vida próprias, conscientes das suas necessidades, deveres e direitos, mulheres que resistem ao preconceito e ao olhar indiferente dos outros, profissionais com ideais, que se juntam para conscientizar e mobilizar a sua classe como categoria, a exemplo do que ocorre na Associação das Prostitutas da Bahia. Para refletir sobre este problema, o presente projeto propõe a realização de um vídeo documentário, de 27 minutos, em que a apresentação do caso será feita por quem está inserido no contexto da prostituição. As histórias que irão conduzir o documentário serão baseadas nos relatos de vida de três mulheres, Babalu, Jucilene e Adilma. Como critério de seleção dos atores sociais foram levados em consideração os diferentes universos em que elas atuam. Babalu tem 28 anos, mora e trabalha em Piatã, orla de Salvador; Jucilene, 21 anos, atua em um bar, na Ladeira da Conceição, que é, também, o local onde reside; e Adilma, que trabalha durante o dia na Praça da Sé e é integrante da equipe da Associação das Prostitutas de Camaçari, a Gabriela. Elas falam sobre diversos temas, como profissão, família, lazer e vida amorosa. Temas comuns na trajetória de qualquer pessoa, mas diferenciado através de cada experiência de vida. Os pequenos detalhes do cotidiano dessas mulheres têm ênfase no documentário. Ao fazer um estudo sobre a prostituição, percebemos o seu papel fundamental na construção da história das civilizações antigas e como se explica a formação do estigma atual em torno da imagem da prostituta. Resistência. Esta é a palavra que mais pode definir a vida das prostitutas na história. Resistência aos julgamentos e preconceitos da sociedade. 7
  • 9. Primeiro, em uma sociedade matriarcal, e depois, mesmo com o início das perseguições, desencadeada na ascensão do império romano (século V d.C), as prostitutas podiam assumir o orgulho que tinham do seu trabalho. Eram as únicas mulheres com status, verdadeiramente livres e independentes financeiramente (ROBERTS, 1998). Agora, são marginalizadas, desmoralizadas, desrespeitadas. Ser prostituta, na maioria das vezes, é ser excluída, viver escondida. Assim como as mulheres, a meretriz é sempre condenada, enquanto o homem, que utiliza seus serviços, é destacado pela sua masculinidade. Quando o tema prostituição é pensado dentro da sociedade, o preconceito e a visão negativa são sempre mais fortes. Mas, se elas ainda existem, é porque resistem. Ao mesmo tempo moralmente condenada pela sociedade, a prostituição é permitida. Permissão esta não concedida por compreensão, mas pela impossibilidade de impedir a sua atuação e expansão (ESPINHEIRA,1984). É uma ocupação econômica autêntica, em que as relações sexuais são entendidas como relações de trabalho, com suas regras e formas de satisfação do cliente. Neste comércio, o corpo é a matéria prima e o quarto, a rua ou a boate é o local de trabalho (ESPINHEIRA,1984). De acordo com o Código Penal, é crime facilitar, tirar proveito ou explorar a prática da prostituição, porém, o ato de se prostituir não é crime. Ao mesmo tempo, na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), não existe nenhuma referência à prostituição como profissão. Incluir as prostitutas nos direitos trabalhistas é uma luta constante desta classe. A expectativa dessa conquista é a esperança de tentar retomar a imagem da prostituta como cidadã, como nos tempos remotos do Império Romano. A proposta aqui apresentada é de produzir um documentário sobre o assunto, no intuito de humanizar a imagem da prostituta, que é vista popularmente apenas como objeto de consumo. Hoje, esta imagem é construída, principalmente, pelos meios de comunicação que, quando retratam o tema, enfocam os aspectos negativos, como a exploração sexual infantil, o tráfico de mulheres, as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Temas importantes de serem noticiados, de fato, mas, quando só eles são retratados, resultam em uma imagem negativa para quem assiste, e estes esquecem que existem muitos outros lados e diferentes formas de olhar a mulher prostituta. 8
  • 10. Gilberto Dimenstein, em seu livro, Meninas da Noite: a prostituição das meninas escravas no Brasil (1992), por exemplo, aborda o tema através da história da exploração sexual infanto-juvenil em garimpos de vários estados do norte do país, principalmente Pará e Amazônia. Ele investigou a violência e a prostituição vivenciada por essas meninas nos anos 90. Apesar de se tratar do mesmo tema, a prostituição, a obra de Dimenstein apresenta aspectos negativos do universo da prostituição protagonizada por crianças e adolescentes, como exploração sexual, violência e doenças. O filme Anjos do Sol (2006), de Rudi Langemann, retrata a exploração sexual de crianças, vendidas do interior do Brasil, e distribuídas para pontos de prostituição do norte do país. As meninas eram colocadas em condições sub-humanas, sendo que, além de serem obrigadas a se prostituir, ainda pagavam ao ‘cafetão’, todas as suas necessidades, como o local onde dormiam, comidas e remédios, o que as tornavam também escravas. O filme se diferencia do objetivo do Tem Gente na Pista por mostrar casos ruins da prostituição, como a exploração sexual em seu nível extremo, e por ser um filme, e não um vídeo documentário. Em Tem Gente na Pista as mulheres estão na prostituição por opção e, de alguma maneira, se satisfazem com a relação de trabalho. Esta imagem, única, estática, que fica intrínseca na concepção do senso comum, pode, realmente, ser difícil de mudar para quem não tem a oportunidade de conhecer histórias diferentes ou para quem não convive com elas diariamente. A prostituição, por si só, possui restrição moral, uma questão cultural que pode, talvez, vir a ser mudada com o tempo. Por isso, o que se almeja é tentar desarticular esta imagem propagada da prostituta, a partir da abordagem de como é o seu dia-a-dia. Mostrar que as suas necessidades são iguais às das outras pessoas que possuem uma vida dentro dos padrões moralistas da sociedade ocidental. A idéia é transmitir esta “realidade” por um outro viés, não estereotipado: Mulheres-prostitutas que foram casadas e possuem filhos; que se apaixonaram durante o seu trabalho; ou que até não consideram a prostituição uma profissão ideal, mas que preferem esta opção de trabalho a se submeter a outras práticas convencionais e aceitas na sociedade, como empregada doméstica; mulheres participativas na mobilização de sua classe, que delimitam algumas horas na semana 9
  • 11. para atuar em organizações, como ocorre com a Associação das Prostitutas da Bahia (Aprosba).1 Para garantir a profundidade que se espera do tema, surgiu o interesse pela produção de um registro audiovisual, daí a escolha do vídeo - documentário como produto, porque narra histórias e acontecimentos através de imagens. O objetivo do projeto é mostrar mulheres que não tenham vergonha da sua profissão, a prostituição, e retratá-las através da linguagem visual foi pontual na escolha do vídeo como suporte. Através dele, é possível que o telespectador não tenha contato apenas com a história narrada, mas possa conhecer os personagens com mais proximidade. Esse contato íntimo com as personagens é possível desenvolver, assim como na literatura e em outros gêneros, também com o recurso audiovisual. No caso, há possibilidade de serem mostrados explicitamente seu rosto, seus gestos, sua voz e o ambiente em que tais personagens estão inseridos, não ficando assim, no campo na imaginação de quem consome a obra. Nesse aspecto, a opção do documentário como suporte adveio da compatibilidade de suas características com os aspectos que se pretende transmitir de forma enfática nesta temática: mulheres que se assumam como tal (mostrar a representação do seu rosto através da imagem é uma forma de se assumir como prostituta). A combinação do elemento imagem com o tema é adequado também às particularidades enaltecidas: a resistência, a auto-estima e o orgulho. Existem muitas formas de se fazer jornalismo e o documentário é uma delas. Pelo vídeo, o telespectador fica mais próximo do “real” construído, já que este utiliza elementos do mundo real a que o receptor já está acostumado, como a voz humana, as imagens das pessoas e do ambiente. Por esse suporte, é possível cultivar diferentes possibilidades na técnica e na construção do relato, como a mistura de diferentes estilos e elementos, na produção da narrativa, como foto, gráfico, animação, além de poder deixar claro o ponto de vista do realizador, visto que, no jornalismo informativo, a estrutura é de certa forma, padronizada. Mesmo podendo ousar no estilo de maneira que a característica pessoal possa ser reconhecida em um texto, não se pode fugir muito dos padrões. Existem marcas no jornalismo que servem como “regras”, como a tentativa 1 A Aprosba promove um trabalho de conscientização das profissionais do sexo da Bahia, através de palestras, cursos e seminários que discutem temas polêmicos do cotidiano dessas profissionais, como as doenças sexualmente transmissíveis e a tentativa de resgate da dignidade. 10
  • 12. de busca pela objetividade. Mesmo que a imparcialidade e objetividade sejam improváveis, tem de ser preservadas como marcas discursivas. É preciso dizer que documentários não são meras reproduções da realidade. Documentários são representações do mundo, de uma determinada ótica. Diante disso, é possível que os aspectos deste tema sejam familiares ao telespectador, mas este, talvez, nunca tenha se deparado com aquela forma de olhar o fato (NICHOLS, 2005). Essa foi mais uma característica levada em consideração quando se optou pelo documentário para retratar este tema. Será feito um recorte proposital do universo da prostituição. É um olhar assumido sobre uma realidade. 2. PRESSUPOSTO TEÓRICO 11
  • 13. 2.1 PROSTITUIÇÃO 2.1.1 A história da Prostituição O que é hoje desvalorizado e imposto como imoral, antes era responsável pela organização social e econômica de uma sociedade. A história da prostituição começou há mais de 25.000 anos, muito antes de Cristo, em uma sociedade matriarcal, na qual a mulher era Deusa, e os rituais sexuais eram sagrados. Essa história será brevemente relatada com base no livro “As Prostitutas na História” (1992), de Nickie Roberts. Desde o período Paleolítico, 25.000 a.C., as mulheres tinham um lugar de destaque nas sociedades, evidenciado pelas representações artísticas espalhadas ainda hoje pela Europa. As mulheres eram consideradas personificação de uma divindade, vistas como ligação entre a terra e o campo superior, através do cargo de sacerdotisas xamânicas. Com todo esse poder, elas controlavam também a sexualidade. O sexo era algo sagrado nas sociedades, e as sacerdotisas comandavam ritos sexuais comunitários. Em combate ao poder feminino, foram introduzidos deuses masculinos no imaginário religioso e popular e, através de homens em exercício de governo, leis foram criadas no intuito de reverter o quadro de supremacia. Foram criados, também, sacerdotes, em contraposição à “deusa”, e estes passaram a controlar as sacerdotisas. Desde a Idade da Pedra, a tradição dos ritos sexuais tornou a prostituição sagrada, e era parte da adoração religiosa de várias das primeiras civilizações. As sacerdotisas começaram a história da prostituição no mundo. Logo, as mulheres foram divididas em duas categorias: esposas e prostitutas. Um código, denominado Lipit-Ishtar, foi criado nos anos 2000 a.C., na Suméria. Embasado nele, decretou-se, que se a mulher-esposa não tivesse parido e a prostituta tivesse dado uma criança ao mesmo homem, este filho seria herdeiro legítimo. A meretriz, no entanto, não ganha o direito de residir na mesma morada enquanto a esposa estiver viva. 12
  • 14. As instituições religiosas aumentaram a separação entre esposas e prostitutas, de acordo com o modelo de casamento patriarcal, no sentido do homem ser proprietário da sua mulher. As prostitutas sofriam com leis cada vez mais opressivas. Na Grécia antiga, por volta do século V a.C., os homens de posses tinham acesso facilitado aos serviços sexuais. O acesso era fácil para quem era rico, que podia utilizar as prostitutas sem ter que passar por qualquer crítica social. No entanto, a democracia grega não fazia questão de se relacionar com as mulheres, que não possuíam poder de voto e bem de propriedade, por exemplo. As responsáveis por isso eram as leis feitas por Sólon, governante de Atenas no final do século VII a.C até o começo do século VI a.C. A esposa de Atenas se limitava a ter educação doméstica. Elas eram proibidas de ter atividades variadas, sob pena de serem taxadas de prostitutas. As mulheres eram resguardadas pelos homens, seus pais, maridos e filhos. Com a percepção dos lucros gerados pelo mercado da prostituição, Sólon organizou a abertura de bordéis gerenciados pelo próprio estado. As prostitutas passaram a receber ordenados, que eram pagos aos pronobosceion, homens designados para administrar individualmente os bordéis. Este fato é o como primeiro registro de cafetinagem da história, porém a prostituição não se restringia aos trabalhos internos dos bordéis. Muitas das esposas, desejosas de liberdade, chegaram a escolher o meretrício como forma de se livrar dos maridos, livre arbítrio que, por si só, já era considerado um bandeamento para a prostituição. Na antiga Grécia, as prostitutas que obtiveram mais fama foram chamadas de hetairae, notórias pelo grau de conhecimento, beleza e habilidades sexuais. Eram as únicas que podiam se comparar aos homens. Com o tempo, o Estado abrandou as leis relacionadas às meretrizes, motivado principalmente pelo aumento da procura pelos serviços por elas prestados e pelos próprios homens que as condenavam. Depois que Sólon morreu, as leis foram ainda mais amenizadas. Mas a segregação imposta por ele continuou. As prostitutas continuaram a gerar lucros para o Estado no comércio do sexo. 13
  • 15. Dando um salto na história, o novo cenário é o século V d.C. O Império Romano sofria com guerras, crises da economia, além das invasões germânicas. Os centros urbanos começaram um processo de esvaziamento, com o êxodo para a zona rural, o que foi avassalador para as prostitutas. [...] se as próprias prostitutas não foram eliminadas com o declínio da antiga Roma, sua tradição cultural certamente foi. As artes civilizadas do amor, do prazer e do conhecimento – o erótico e os demais – desapareceram durante a Idade das Trevas. Vestígios das artes perdidas iriam reemergir mais tarde, no culto do amor palaciano, mas a antiga tradição de uma sensualidade feminina, orgulhosa e exaltadora desapareceu para sempre. Ironicamente, a única tradição que sobreviveu intacta durante toda a Idade das Trevas e em todas as sociedades que se seguiram foi aquela do destruidor das artes femininas: a Igreja Cristã. (ROBERTS, 1992, p. 79) São Paulo se baseou em tradições patriarcais, anti-sexuais, nas suas divulgações do cristianismo. Suas idéias foram modelo para as da Igreja. Ele é um dos principais responsáveis pela condenação das mulheres diante da instituição católica. A Igreja, visando se comportar de forma correspondente ao que pregava, exigiu celibato do clero, idéia que foi largamente renegada durante o apogeu na “Idade das Trevas”. O Concílio de Elvira, em 304 d.C., decretou expulsão aos padres que desobedecessem à exigência. Para complicar mais ainda a questão, alguns elementos de dentro da instituição da Igreja tiveram a brilhante idéia de conceder aos padres recalcitrantes um provento especial – o couillage – para eles manterem as moças de lar. As tentativas de proibir as concubinas continuamente colidiam com os interesses financeiros envolvidos, pois a corrupção reinava. Em 1129, o rei inglês Henry I, da Inglaterra, manipulou esta situação para seu proveito próprio. Foi lançado decreto papal proibindo (mais uma vez) as moças de lar, e Henry reuniu-se ostensivamente com os principais clérigos do país para confirmar e fazer cumprir a proibição sagrada. Tendo garantido a sua cooperação, Henry imediatamente enganou as duas partes, permitindo aos padres manter suas concubinas – contanto que o couillage fosse pago diretamente a ele. Esta solução deve ter mantido todas as partes envolvidas razoavelmente felizes: os líderes da Igreja estavam, para todos os efeitos, fazendo o seu dever; o rei estava tendo a sua parte; os padres mantinham suas parceiras sexuais – e as prostitutas continuavam em atividade. (ROBERTS, 1992, p. 87-88) 14
  • 16. Na primeira metade da Idade Média, a prostituta já era reconhecida de uma forma mais “familiar” diante da sociedade, as perseguições comumente sofridas, nessa época, foram amenizadas. Não que a Igreja tenha se modernizado, mas a tolerância européia se alastrou. Propagou-se a manutenção de casas de concubinas, chamadas gynacea. Os príncipes mantinham algumas exclusivas, e a elite utilizava as casas públicas. Segundo Jacques Rossiaud (1991), no livro A Prostituição na Idade Média, a igreja era responsável pela manutenção indireta da prostituição, pois redimia as mulheres dos seus “pecados”, quando estas ofereciam doações para a entidade religiosa. “Ao aceitar a doação da prostituta, a Igreja reconhecia que esta agia por necessidade” (ROSSIAUD, 1991, p. 81). Com esta atitude, a igreja excluía essas mulheres, que eram normalmente inclusas no grupo dos miseráveis - junto com leprosos e judeus - e o das “debilidades humanas”, que se referiam aos jogos, às blasfêmias, às injustiças, às usuras e à prostituição. No Vaticano, por exemplo, muitas meretrizes trabalhavam nas ruas, com apoio do clero. A Igreja tinha razões claras para essa adesão à “indústria sexual”. O rei Henry II decretou, em 1161, que o clero poderia explorar bordéis por 400 anos, levando a prostituição a ter custeado a construção de várias igrejas. [...] ela estava conseguindo uma boa renda através da prostituição. Como os reis e os nobres, o clero compreendeu plenamente que, se banisse a prostituição, perderia uma fonte de prazer e de lucro, pois com o crescimento dos centros urbanos, e o conseqüente desenvolvimento de uma base de poder centralizada, os governantes da Igreja e da corte da sociedade medieval tornaram-se os maiores senhores de terras e donos de propriedades das vilas e cidades. Como tal, estavam diretamente envolvidos na indústria do sexo, obtendo rendas cada vez maiores dos bordéis de sua propriedade. (ROBERTS, 1992, p. 113) Por volta de 1500, as cidades entraram em colapso populacional, devido ao intenso êxodo entre as cidades vizinhas, que buscavam novas oportunidades para sua 15
  • 17. família. Muitas das que tinham condições foram obrigadas a pedir esmolas nas ruas, pois os empregos eram escassos. Esse contexto favoreceu o crescimento da prostituição nas cidades européias: as mulheres tentavam sobreviver através dos serviços sexuais. Rossiaud conta que o frade J. Tisserand inaugurou o Refuge des filles penitentes, em 1490. Era um abrigo que comportava as pessoas marginalizadas pela sociedade. Esse foi mais um episódio que estimulou a prostituição. Para fugir do caos social, mulheres começaram a fingir que eram prostitutas; os pais, que antes tinham condições financeiras, aliciavam as suas filhas para entrarem no universo da prostituição, na tentativa de fugir da miséria alarmante dos centros urbanos. “[...] as prostitutas formavam agora uma sociedade complexa. [...] Elas tornavam-se, como assinalou E. Pavan, cortesãs” (ROSSIAUD, 1991, p. 121). As cortesãs se diferenciavam das prostitutas comumente vistas nas cidades. Exibiam uma sofisticação notada já por suas roupas e freqüentavam os mais altos escalões da sociedade. Na França, até os anos 1470, a cortesã era apenas uma silhueta excepcional e efêmera. Mas no final do século os moralistas dedicam-se a denunciar esta criatura que difere em tudo da mulher de bordel. Ricamente vestida, residente em ruas honradas, não freqüenta os banhos públicos nem atende em bordel privado, mas recebe galanteadores e visita personagens da alta hierarquia. [...] e nada no seu comportamento a diferencia de uma mulher de boa condição. ( ROBERTS, 1992, p. 98) No século XVI, na Inglaterra, Henrique VIII demoliu casas de prostituição e morreu pouco depois. Seu herdeiro, Eduardo, assumiu e ouviu o protesto do bispo Latimer, que questionou a eficácia da ação do Estado contra a prostituição. No entanto, muitos integrantes do clero continuavam a desfrutar dos serviços sexuais, enquanto outros agiam para fazer voltar os bordéis. Na França, os prostíbulos públicos e privados foram proibidos, mas os proprietários que detinham elevado poder aquisitivo desfrutavam da atividade de forma ilícita. No fim do século, as vias da capital da Inglaterra estavam abarrotadas de prostitutas, em decorrência da chegada de várias moças das zonas rurais, em busca de 16
  • 18. trabalho. Muitas delas se uniram a padres, outras aos nobres e burgueses. Outras foram parar na criminalidade. No século XIX, a mulher era peça importante na estrutura familiar burguesa, sendo a sua fidelidade uma ratificação do modelo patriarcal. Isso era baseado no cerceamento da liberdade feminina, que renegava a sua sexualidade. Os homens buscaram, então, as mulheres que se prostituíam para suprir esta falta. Mas, a perseguição continuou. A prostituição era repercutida como oposição aos valores morais da burguesia. Aqueles que utilizavam os serviços, porém, não eram abarcados pelos julgamentos. 2.1.2 A prostituição na Contemporaneidade Dos tempos matriarcais até o início do século XXI, foram muitas as transformações, tanto no campo socioeconômico quanto no próprio perfil. O poder que as prostitutas obtinham, oficialmente, foi suprimido por um regime tradicionalmente machista, mas, ainda assim não se assumiam como uma camada sem notoriedade. São tempos modernos, percorridos em meio a perseguições, reivindicações e conquistas. Foram vários os fatores que levaram a mulher a entrar na indústria do sexo. Do começo do século XX para cá, esses motivos foram determinados pela afirmação feminina e condição social. Porém, esta última não é determinante. As mulheres, muitas vezes, vêem na prostituição a possibilidade de ter uma vida mais confortável, já que elas podem ganhar em um dia o dinheiro que demoraria, às vezes, um mês de trabalho. Essa condição favorece a opinião do senso comum que se refere à atividade como uma vida fácil, e esse também é o motivo que faz a saída da prostituição uma dificuldade na vida dessas mulheres. Os Estados Unidos têm uma história forte em relação ao combate à prostituição. Em 1918, ela se tornou ilegal em quase todos estados do país. A conseqüência é previsível: o submundo do comércio sexual cresceu. A Lei Seca, decretada em 1919, fez com que o comércio do álcool se transferisse das grandes cidades para os lugares mais reclusos, o que permitiu e expandiu a prostituição e a criminalidade. Todo o poder 17
  • 19. conquistado ao longo da década de 20, por essas mulheres, foi revertido nesse momento. Elas nunca foram tão humilhadas no seu ambiente de trabalho. Nesta mesma época, as prostitutas viveram momentos conturbados na União Soviética. Com o advento do regime socialista, comandado por Stálin, deu-se início a uma forma violenta de tentativa de reabilitação. As mulheres eram capturadas e forçadas a realizar trabalhos pesados. “A prostituição - um vício das sociedades degeneradas que jamais poderiam existir na utopia socialista – foi abolida da noite para o dia: o grande líder decretou que havia dado fim aos maus e velhos tempos do capitalismo”. (ROBERTS, 1992, p. 235) O totalitarismo não estava só na União Soviética. A política sexual nazista era extremamente patriarcal. Ao comando de Hitler, a vida das prostitutas ficou aterrorizante. Quando identificadas, tinham cravadas estrelas negras em roupas e enviadas para o campo de concentração. As perseguições, típicas do período, continuaram nas décadas seguintes. Elas ainda incomodavam, mesmo de forma não intencional, alguns setores da sociedade, que lutavam contra a regulamentação da profissão. As autoridades não estavam mais preocupadas com essas questões. Os tempos eram de turbulências, a grande depressão tinha estourado, o nazismo estava em ascensão e o mundo vivia a Segunda Guerra Mundial. O trabalho “legal” começou a ser um meio de sobrevivência para as mulheres, no período pós-guerra, o que levou à diminuição de profissionais no cenário da prostituição. No entanto, as condições precárias em que realizavam suas funções e a baixa remuneração não favoreciam uma elevação na sua qualidade de vida e, conseqüentemente, na sua auto-estima. Os anos sessenta chegaram. Tempo de turbulência, transformações sociais, mudanças de contexto. Nascia uma nova maneira de viver, principalmente para as mulheres, que acarretou a “revolução sexual” e propiciou o começo da “liberdade” feminina. Surgiram novas necessidades e novos desafios. Essa revolução não se limitou apenas à coloração dos cabelos brancos e à queima de sutiãs. A mulher começou a lutar 18
  • 20. por espaço na participação das atividades sociais e políticas. A sociedade se tornou comercial, inclusive o sexo, que passou a ser exibido como elemento de diversão e bem de consumo. Esse fato se tornou mais relevante, principalmente com o surgimento da pílula anticoncepcional, que permitiu que a mulher controlasse o imprevisto da maternidade. Poderia parecer lógico que a nossa sociedade, atravessando depois de séculos o seu período mais radical de relaxamento moral, viesse a se tornar mais tolerante em relação à prostituta – mas de muitas maneiras aconteceu o oposto. [...] Assim, ameaçadas pelas novas liberdades sexuais, e com uma forte oposição moral militante atrás delas, as autoridades continuaram a desenvolver uma batalha contra a liberalização da indústria do sexo (ROBERTS, 1992, p.335). Assim, apesar da liberdade sexual, pregada pelos jovens das décadas de 60 e 70, o controle sobre a prostituição aumentou. Em alguns países europeus, como Itália e França, a polícia adquiriu o direito de prender qualquer mulher que estivesse trabalhando na rua ou em carros particulares, a qualquer momento. Uma vez inscritas nos registros policiais, aumenta o estigma negativo da profissão. Desse modo, ficava mais difícil sair da prisão e conquistar uma posição no mercado de trabalho. Na metade de 1970, as prostitutas da cidade de Lyon, na França, estavam sendo multadas até quatro vezes por dia. Acenar com a mão, para um carro que passava, já era motivo de punições. Sem ter como pagar tais multas, o jeito era voltar a se prostituir (ROBERTS, 1992). Ainda em 70, a sociedade começou a perceber a presença das minorias, que iniciaram a formação de organizações. Eram homossexuais, movimentos dos direitos civis dos negros, rebeliões de estudantes. Dentre estes, outra camada esquecida também tomou notoriedade, as mulheres e o movimento feminista. Inspiradas nesse cenário, as prostitutas conseguiram formar sindicatos e associações como a Associação das Prostitutas Inglesas. O irônico era a relação do movimento feminista com as profissionais do sexo. Apesar de terem servido de exemplo, e de serem também mulheres, elas repudiavam as que vendiam os seus corpos como meio de trabalho. Não tendo voz ativa, as prostitutas 19
  • 21. tiveram que se sobressair de maneira independente. Margot St. James foi a pioneira na mobilização de sua classe como organização. Esta americana defendeu o Comitê Internacional pelos Direitos das Prostitutas, em 1985. O resultado dessa iniciativa rendeu frutos para as profissionais do sexo: o Parlamento Europeu deu indícios significativos para o processo de descriminalização. São vários os países da Europa que têm em sua legislação direitos reservados às prostitutas. A Holanda e a Suécia são países que estão sempre trabalhando na renovação desses direitos, e hoje, são modelos seguidos por outros países europeus, a exemplo da Noruega e Finlândia. A renomada lei sueca não criminaliza a prostituição, apenas o “consumo”. A pessoa prostituída, tida como explorada, pode continuar com suas atividades e conta com serviços sociais de qualidade, enquanto o cliente pode ser multado e passar até seis meses na prisão. A Holanda segue o mesmo exemplo. Esse procedimento, apesar de parecer favorável à classe das prostitutas, é uma abolição camuflada. A estratégia que eles usam são as mesmas; o país é liberal, a prostituição e os bordéis são legais. Mas, segundo o livro As Prostitutas na História, a tolerância e o respeito pelos bordéis servem para isolar as prostitutas de rua, onde a solicitação é ainda ilegal. [...] Assim, a prostituição na Holanda é um comércio regulamentado que se adapta às noções burguesas de decência pública – e o estigma da prostituta ainda é imposto, tanto pela lei quanto pelo preconceito público (ROBERTS, 1992, p. 345). A Alemanha deu um salto histórico no que diz respeito à regulamentação da profissão. Em janeiro de 2002, a prostituição foi legalizada e estabilizada, neste país, como um emprego legítimo. Saíram da condição de abandono a que são normalmente condenadas, e passaram a ter direito a: assistência médica, aposentadoria; firmar contrato com os clientes (preços, modalidades e tempo) e persegui-los na justiça caso estes não cumpram sua parte (GABEIRA, 2001, p.1) O deputado Fernando Gabeira tomou a iniciativa no Brasil na defesa da regulamentação da prostituição. Em 26 de setembro de 2003, apresentou um projeto de 20
  • 22. lei que prevê a licitação da profissão. De acordo com este projeto, as prostitutas não podem ser agenciadas por terceiros, somente elas poderão exigir o pagamento dos serviços sexuais prestados. O deputado tem na prostituição uma de suas lutas constantes. Como conseqüência imediata, ele prevê melhorias no padrão de vida dessas mulheres, tirando-as do submundo criminoso, e, segundo ele, o projeto ajudará, inclusive, na diminuição do envolvimento de crianças e adolescentes nas atividades da prostituição. Em 2005, o governo brasileiro rejeitou uma verba de 48 milhões de dólares a uma campanha de prevenção da Aids, oferecida pelos EUA, por este impor a condição de que nenhuma das campanhas tenha referência à prostituição. Essa atitude revela a postura moralista americana presente até os dias atuais e evidencia a tentativa de resgate da valorização por parte do governo brasileiro. André Petry, no artigo Prostituta é gente (2005), criticou esta postura. Para ele, o melhor meio de produzir justiça, não só diante dos americanos, mas também dos brasileiros, é através da legalização. O moralismo americano, no fundo, é mais honesto que o nosso: rejeita as prostitutas porque acha moralmente errado o que elas fazem. Nós, não. Apelamos para a hipocrisia com um discurso que diz mais ou menos assim: que bom que existem prostitutas, que bom que elas saem as ruas para trabalhar todas as noites, que bom que alguns de nós podem receber seus serviços sexuais – mas que elas não nos venham cobrar assistência médica, aposentadoria, condições de trabalho nem dignidade! (PETRY, 2005, p.2) Mesmo com tantas perseguições em séculos de história, as prostitutas sobrevivem e persistem. Persistem porque, a mesma sociedade que recrimina, alimenta este comércio. Mesmo que se negue é um fenômeno que acompanha o homem, independente das circunstâncias econômicas, históricas, geográficas, sociais ou culturais. No dia 7 de Novembro de 2007, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) provou que os atuais encarregados em normatizar o país, os políticos, ainda têm a pretensão de permanecer a prostituição como uma atividade marginalizada. A CCJ, da Câmera dos Deputados, aprovou o relatório do deputado federal ACM Neto, do Partido Democrata, que rejeitou a proposta do deputado Fernando Gabeira, do Partido Verde, que tenta legalizar a prostituição como profissão. 21
  • 23. 2.1.3 Militância Reunida A prostituição, em diferentes momentos da história, sempre foi um fenômeno capaz de causar turbulência nas estruturas das sociedades. É uma atividade que incomoda porque desafia os valores morais de cada cultura, independentemente da época. As conseqüências são as retaliações dos segmentos mais influentes das sociedades, principalmente dos políticos e da igreja (quem impõe a ordem e determinam os valores éticos de cada cultura), desde julgamentos pré-conceituosos até atentados de violência física, que refletem o que se instalou como o estigma da classe: mulheres- objetos, de vida promíscuas, sem respeito e valor. O combate a este cenário começou, no século XIX, com a atuação da ativista das causas feministas, a inglesa Josephine Butler, que teve a iniciativa, mesmo não sendo prostituta, de desafiar o controle realizado pelo Estado, ao iniciar a militância a favor dos direitos humanos das prostitutas. Bluter formou a Federação para Abolição da Regulamentação Governamental da Prostituição e conseguiu o apoio de pessoas da classe média européia e de setores sindicalistas para lutar contra os maus - tratos e cobrar os direitos civis das prostitutas. A atitude de Josephine Butler pode ter servido de inspiração para a americana Margot St. James. Ela foi a primeira prostituta a ter coragem de se manifestar, em 1973, de forma pública, em defesa dos direitos de sua classe. A sua atuação foi fundamental para que essas mulheres começassem a se reunir. A repercussão surtiu efeito em todo o mundo. Na França, por exemplo, um grupo de 150 francesas resolveu protestar. Elas ocuparam uma igreja na cidade de Lyon para reivindicar contra a repressão policial, violência, discriminação, exploração sexual e negligência em casos de assassinatos de colegas de trabalho. Também foi instalada, em três cidades francesas, greve de sexo comercial. O Dia Internacional das Prostitutas foi decretado nesse contexto, em 2 de junho de 1975. A criação da Associação de Prostitutas Francesas surgiu devido a mais um percalço. 22
  • 24. No dia 11 do mesmo mês a polícia invadiu as capelas e expulsou as mulheres aos socos e pontapés. Em resistência ao abuso de autoridade e ao preconceito e discriminação social, no mesmo ano, foi criada a Associação de Prostitutas Francesas, estimulando a organização do movimento de prostitutas inaugurado dois anos antes pelo Coyote, em São Francisco, pela primeira prostituta contemporânea a assumir a sua profissão publicamente: Margot St. James. A partir daí, a luta pelo respeito às mulheres da vida ganhou força, ampliando a organização da categoria em diversos países. 2 No Brasil não foi diferente. Quatro anos depois do movimento francês, em 1979, prostitutas e travestis que trabalhavam na área de maior concentração da prostituição da época, a Boca de Lixo, no centro da cidade de São Paulo, se rebelaram contra tentativa da polícia de expulsá-las do local, o que acarretou na morte de um travesti e uma prostituta, que estava grávida. “Quando a polícia começou a prender e torturar não houve reação [...] As prostitutas e travestis não se sentiam no direito de denunciar” (MANUAL, 1996, p.12). A represália só aconteceu quando a situação chegou ao limite, depois de mais três mortes. Foi realizada, então, uma passeata no centro de São Paulo para denunciar as atrocidades cometidas pelos policiais. No dia da passeata a zona parou [...] houve um grande incentivo da sociedade civil. Com o movimento ganhando corpo, após a passeata, houve a adesão de artistas famosos e foi realizada uma assembléia no Teatro Ruth Escobar. Com a repercussão do movimento, o governo do Estado tomou uma atitude imediata, que foi o afastamento do delegado até então responsável pela jurisdição” (MANUAL, 1996, p.12). Uma reunião oficial só aconteceu oito anos depois. Em 1987, foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas, com a presença de representantes de oito capitais brasileiras. O encontro teve como discussão a delimitação de estratégias mais eficientes de combate à repressão policial. Mas a consolidação se deu a partir da idéia da criação de associações da classe que pudessem representar as prostitutas oficialmente, para governo e sociedade. No mesmo ano, foi formada a Rede Nacional de Prostitutas, com sede no Rio de Janeiro, encabeçada pela então prostituta Gabriela Silva 2 Informações retiradas do site da Aprosba, disponível em www.aprosba.org.br/arquivo/noticias.htm. Acessado em 05 de Outubro de 2007. 23
  • 25. Leite. A rede hoje é vinculada à organização não-governamental DAVIDA – Prostituição, Direitos Civis, Saúde3 . Em maio de 1994, a RNPS passa a ser chamada de Rede Nacional de Profissionais do Sexo. A Rede Nacional de Profissionais do Sexo é composta por quatorze associações espalhadas pelo país. A primeira associação dos profissionais do sexo a ser implantada legalmente foi a de Vila Mimosa4 , em 1988, no Rio de Janeiro. A partir daí, muitas outras associações foram criadas. Alguns exemplos são a Associação das Prostitutas do Ceará (1990), o Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central (1990), a Associação Sergipana de Prostitutas (1991), a Associação das Damas da Vida do Estado do Rio de Janeiro (1993) e o Núcleo de Estudos da Prostituição no Rio Grande de Sul (1993). Assim, paulatinamente, as associações de classe vão conquistando espaço e credibilidade junto à população. E quando se tornam referência municipal e/ou estadual de trabalho comunitário, o preconceito sucumbe frente aos benefícios de um trabalho organizado a serviço de uma coletividade. Além dessa atuação externa, as associações de profissionais do sexo também possibilitam às filiadas uma perspectiva diferenciada de vida, uma vez que facilitam as possibilidades de renda alternativa, propiciando cursos específicos para a inserção das profissionais do sexo no mercado de trabalho paralelo ao que atuam. Com isto, as oportunidades de sobrevivência deixam de estar exclusivamente vinculadas ao tempo, relativamente curto, permitido ao exercício do sexo como profissão. 5 A Bahia também seguiu a tendência nacional de montar uma associação. Nesse caso, o que fundamentou a importância de uma entidade oficial para representar essas mulheres foram os atentados de violência, mais uma vez por parte dos policiais, contra as profissionais do sexo que trabalhavam na Praça da Sé, durante o período da revitalização do Centro Histórico, na década de 1990. A presidente da Aprosba, Fátima Medeiro, 40 anos, diz que as prostitutas eram “jogadas” em viaturas policias, levadas para a delegacia, fichadas e agredidas, numa tentativa de “limpeza” da área. “Muitas vezes, eram mulheres de 50 anos, que nem dava pra perceber que eram garotas de 3 Fundada no Rio de Janeiro em 1992, a DAVIDA é uma organização da sociedade civil que tem em suas atividades a divulgação de educação, saúde, comunicação e cultura voltadas para a classe das prostitutas. 4 A Vila Mimosa constituía uma zona de prostituição muito antiga e tradicional no Centro do Rio de Janeiro. A associação foi organizada na tentativa de combater a tentativa de desocupação promovida pela TV Rio (1987). Conquistada a vitória, as prostitutas conseguiram permanecer no local por mais oito anos. 5 Informação obtida no site Associações de Classe: www.aids.gov.br/c-geral/ong/item08.htm. Acessado em 11 de Setembro de 2007. 24
  • 26. programa, mas eles não estavam nem aí, prendiam todo o mundo, eu, que nem trabalhava naquela área, me metia, era presa também” (MEDEIROS, 2007). A APROSBA - Associação das Prostitutas da Bahia - teve nesse fato a impulsão para não adiar mais a sua existência. A composição inicial foi formada por oito prostitutas, que aproveitaram a celebração do Dia Internacional da Mulher, para mandar um ofício com suas reivindicações que, no final, foi lido em público. Chegou um momento que a palestrante falou: ‘olha, tem aqui uma carta muito interessante de duas mulheres que estavam se assumindo como prostituta, querendo formar uma associação’. Eu lembro que todo mundo olhou para trás, e nós também né, se não iam saber que as prostitutas eram a gente. Só tínhamos nós duas ali para dá a cara à tapa, se fosse um grupo de dez meninas, que tivessem coragem, a gente se assumia sem problemas. (MEDEIROS, 2007) A outra mulher que acompanhava Fátima no evento era Marilene Silva que, junto com Fátima, dirige até hoje a Aprosba. Quando acabou a palestra, elas contam que se identificaram para os organizadores do evento, e a partir dali, não esconderam a sua profissão. A Aprosba surgiu oficialmente em 1997, com o mesmo objetivo das demais, “Batalhar para a educação das mulheres profissionais do sexo da Bahia, valorizando-as como cidadãs, conscientes de seus direitos e deveres, e investindo na capacitação e organização da classe para a inclusão na sociedade”. 6 A Aprosba conquistou, em 2007, umas das suas mais repercutidas vitórias, a concessão, dado pelo Ministério das Comunicações, de uma emissora de rádio, denominada Zona FM, o que gerou polêmica. O que neste evento incomoda, surpreende, é o fato de uma categoria cercada de estigmas e preconceitos, relegada a lugares bem demarcados, de “passivos receptores”, emergir da nudez e passar a ter acesso à palavra, a ser enunciadores em um processo comunicacional. Assim, aqueles que outrora eram apenas ouvintes, e tidos como minoria, passam a ser 6 Frase referente à missão da Aprosba enquanto associação de classe voltada para as Prostitutas. Encontrada em www.aprosba.org.br/apresenta. Acessado em 11 de Outubro de 2007. 25
  • 27. protagonistas. Lembramos que a palavra é instituinte do sujeito social, ela lhe dá visibilidade pública (MARINHO, 2006, p.4). A rádio abre um caminho com mais possibilidades de atuação e valorização das militantes da prostituição. Agora, além de colocar em prática todas as suas atividades nas ações cotidianas, assuntos podem ser discutidos, pautas sugeridas e os seus resultados podem ser divulgados por uma das mídias de maior alcance e interação entre públicos diversos, o rádio. 2.2 DOCUMENTÁRIO 26
  • 28. Apesar de não existir uma definição exata e consensual do documentário, é possível reconhecer marcas e elementos particulares desse gênero audiovisual. De acordo com Da-Rin (2004), o documentário está envolto em uma estrutura de produção própria e possui um público que reivindica o seu lugar no universo cinematográfico. No seu interior, cineastas, críticos e públicos compartilham determinadas referências e objetivos gerais, desenvolvendo um processo de luta por posições e hegemonias, com a eventual criação de novas plataformas, a revisão de posições julgadas superadas e o resgate de antecessores [...] O que mantém este campo agregado sincrônica e diacronicamente, é o fato de que seus membros remetem-se a uma tradição. (DA RIN,2004, p.6) Jonh Grierson (1898-1972), nos anos 30, foi um dos primeiros estudiosos que tentou classificar o gênero. Nessa época, os documentários estavam em ascensão, especialmente com o movimento documentarista britânico, do qual ele fez parte. A princípio, as produções possuíam características que influenciaram no estereótipo que marginalizou o documentário, tido como um filme de tom sério e pesado, com voz em off, conteúdos de responsabilidade social, que muito se assemelhavam às reportagens televisivas. Eram produções com financiamentos estatais, o que, de acordo com Manuela Penafria, limitava a criatividade (PENAFRIA,1999 p.3). [...] Com Grierson ficou definitivamente clarificado que, para chamarmos documentário a um determinado filme, não basta que o mesmo nos mostre apenas o que os irmãos Lumière nos mostraram: que o mundo pode chegar ate nós pelo olhar a câmera. [...] Para além disso, o documentário deve pautar-se pela criatividade quanto à forma, quanto as suas imagens, sons, legendas ou quaisqueres outros elementos, estão organizados (PENAFRIA,1999, p.3). Esses elementos tradicionais definidos por Grierson, mesmo superados, ainda são tidos como parâmetro para a discussão sobre o gênero. Em First Principles of Documentary, datado de 1932-34, Jonh Grierson estabelece princípios para distinguir o documentário das outras produções fílmicas. Para ele, o documentário se baseia em três fundamentos: 27
  • 29. A obrigatoriedade de se fazer um registro in loco da vida das pessoas e dos acontecimentos do mundo, deve apresentar as temáticas a partir de um determinado ponto de vista e, finalmente, cabe ao documentarista tratar com criatividade o material recolhido in loco, podendo, combiná-lo e recombiná- lo com outro material (por exemplo, legendas, outro tipo de imagens, etc.) (PENAFRIA,1999, p.3). Esses parâmetros contribuíram para a discussão dos aspectos que envolvem o documentário, embora hoje os autores considerem que estejam vivendo em um momento pós-grierson. Para Penafria (1999), o documentário deve ser entendido sempre como um ponto de vista, voltado para estimular a discussão e o aprofundamento de determinado tema, e não se colocar acima dos temas, assumindo-se como “voz de deus”. O ponto de vista, abordado por Grierson, refere-se à interferência do realizador sobre o referente. Todos os autores pesquisados concordam que o documentário não é um mero espelho da realidade, mas sim um olhar construído propositalmente pelo diretor, a fim de criar argumentos que possam causar questionamentos diante de determinados fatos. Esse gênero é predominantemente autoral, singular. Revela aos seus espectadores a perspectiva do realizador sobre o assunto. Ao fazer a montagem dos depoimentos colhidos com as imagens captadas, o autor pode, de modo mais explícito, promover um efeito de subjetividade. Portanto, o documentário pode ser entendido como um argumento sobre o mundo e não um retrato do mundo. A inserção de um enfoque nítido não questiona a credibilidade de um filme documentário. Diante de uma “realidade”, o autor pode dar espaço para vários discursos, que podem ou não se contradizer. Os depoimentos e as imagens constroem um diálogo no documentário, mas isso não significa que o realizador busque um recorte objetivo do mundo. [...] ao contrário do que possa aparecer à primeira vista, o caráter autoral do documentário não depõe contra a sua credibilidade. Afirmar que o documentário é marcado pela subjetividade do diretor não significa dizer que ele seja por natureza monofônico, isto é, que de vez e voz a apenas um lado da história, omitindo outros. [...] No entanto, apesar de apresentar um 28
  • 30. emaranhado de vozes, que muitas vezes se opõem e se contradizem, uma voz tende a predominar: aquela que traz em si o ponto de vista do autor. (MELO, GOMES, MORAIS, 2001, p. 7) A despeito das inovações tecnológicas que propiciaram uma maior praticidade para o documentário, a distinção dele entre os demais gêneros fílmicos se dá mais no plano ético do que na técnica (Da-Rin, 2004). Ao fazer um documentário, o autor tende a dar maior atenção a determinados assuntos, geralmente causadores de polêmicas e tensões sociais, ou mesmo um novo olhar sobre um grupo. Esse enfoque no discurso ético foi tratado, em 1984, numa das primeiras tentativas de se moldar o que é o documentário, com a associação de realizadores , a World Union of Documentary. [...] todo método de registro em celulóide de qualquer aspecto da realidade interpretada tanto por filmagem factual, tanto por reconstituição sincera e justificável, de modo a apelar seja para razão ou emoção, com o objetivo de estimular o desejo e a ampliação do conhecimento e das relações humanas, como também colocar verdadeiramente problemas e suas soluções nas esferas das relações econômicas, culturais e humanas (Apud Da-Rin,2004,p.1). Essa colocação não é concebida como verdade absoluta, mas foi estabelecida na época em que se formou a tradição do que é documentário. Historicamente, houve muitas escolas e estudiosos que colaboraram para a caracterização do gênero documentário. E toda essa discussão, segundo Da Rin, ajudou a fortalecer o que se tem hoje. Para ele, o principal não é buscar uma essência do que seja o documentário, pois este é um campo dinâmico de prática social. A dialética dessa vivência é transformada em filmes de crítica, em manifestos e em outras formas de intervenção e expressão. Nesse sentido, é possível entender o documentário como um gênero historicamente construído. Como forma cultural, o documentário reúne marcas discursivas reconhecidas pelos produtores e receptores, ainda que estas sejam sempre atualizadas de acordo com os contextos históricos e culturais. 2.2.1 Documentário e Jornalismo 29
  • 31. Ainda que tenha sua origem no campo cinematográfico, o documentário, como gênero audiovisual, possui aspectos que o aproximam da produção jornalística, uma vez que, em ambos, a narrativa é construída a partir de seleções de acontecimentos da “realidade”. Em tese, é um discurso sobre um “real” relativo, construído ao longo do processo de produção e baseado, normalmente, no registro in loco. Muitas vezes, quando nos encontramos em uma discussão sobre o que seria um documentário, acabamos por discutir conceitos como objetividade, relação com a verdade, possibilidade de isenção, intervenção do autor e da técnica em processos de filmagem et cetera. Há, portanto, uma evidente semelhança com o jornalismo (BARRETO, 2004, p.1). O documentário vai além porque desperta a população da indiferença em relação às particularidades pouco abordadas de um acontecimento social. Conta histórias de episódios corriqueiros, relevantes ou não para os meios de comunicação, mas que, para o autor, merecem se fazer perceber. O jornalismo assume esta mesma perspectiva. A relevância social, o inusitado, a atualidade são exemplos de critérios que permitem que um acontecimento se torne notícia. Juliana Menezes (2006), em seu projeto de pesquisa intitulado O documentário e o jornalismo: uma relação dialógica na representação da realidade, faz uma análise da relação entres esses dois gêneros. “Tanto o documentário quanto o jornalismo surgem do desejo de ampliar uma situação comunicativa, para que esta deixe de ter um público restrito que a presencie e passe a ter espectadores múltiplos” (MENEZES, 2006,p.43). A autora considera essa exposição de versões de situações uma “vontade de comunicar idéias”. E, para isso, é necessário que os realizadores estejam embasados em um conteúdo teórico a respeito do tema, a fim de garantir a profundidade da exposição e da reflexão dos fatos. No jornalismo, isso é sinônimo de muita apuração, que deve estar presente em todas as suas ramificações, não apenas no jornalismo investigativo. A construção do relato é processual e sua principal ferramenta, nestes dois gêneros comunicacionais, é a entrevista. A entrevista capacita um nível de apuração de maneira ampla e na conexão direta do que se pretende retratar. Permite que o realizador 30
  • 32. adentre no cenário em que ocorre o fato para pesquisar e coletar dados, e através desse contato, construir as suas impressões, de forma mais proximidade com a “realidade”. Outro ponto concomitante entre o documentário e o jornalismo se refere às personagens que irão representar os acontecimentos. As fontes, nestes dois campos, são consideradas atores sociais. Eles, de qualquer forma, estão apresentando as suas próprias histórias e as de todos aqueles que têm histórias parecidas, por isso, eles se tornam atores sociais. Não inventam nem imitam alguém, são elas mesmas, as pessoas de uma realidade escolhida e as personagens da representação desse “fragmento do real” que ajudam a construir (NICHOLS Apud MENEZES, 2005, p.31) No artigo O documentário jornalístico, gênero essencialmente autoral (MELO et al, 2001), são apresentadas as conclusões de uma pesquisa realizada pelo Grupo em Comunicação e Discurso, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), intitulada O documentário como gênero jornalístico televisivo. A pesquisa indica características do produto e o analisa comparativamente em relação às grandes reportagens das emissoras de televisão. De acordo com a pesquisa, as características mais específicas do documentário são: o “caráter autoral, o uso de documentos como registro, a não obrigatoriedade da presença de um narrador, a ampla utilização de montagens ficcionais e uma veiculação praticamente limitada aos canais de TV educativos ou por assinatura” (MELO,GOMES,MORAIS, 2001, p.1). A marca autoral é trabalhada de maneira diferenciada no jornalismo e no documentário. Para apoiar o sentido da objetividade, esse paradigma é retratado de forma camuflada, até utópica, no jornalismo. Não há como negar que um produtor de notícias se apega a aspectos subjetivos, resgata lembranças do seu repertório individual e as conecta com os detalhes que mais o é perceptível no episódio que vai relatar. Aí está a subjetividade. Este processo é um dos fatores que faz tombar a idéia da objetividade, mas remanesce a postura da busca por esta, através da atitude do repórter em procurar as diversas versões de uma determinada situação. 31
  • 33. O documentário evidencia claramente a marca do autor, não tem restrições de tempo, possui maior liberdade de criação, sem a obrigação de buscar o efeito de objetividade. No documentário, é possível recorrer a um explícito efeito de subjetividade, comprovado pela maneira particular de contar uma história. Ainda assim, o argumento sobre o mundo teria, como na reportagem televisiva, a função de criar um sentido de realidade ao que é narrado. O estilo de fazer documentário de cada autor é percebido após algumas obras serem assistidas. O reconhecimento de uma obra tem o peso semelhante ao julgamento que se faz dela. No caso de positivo, as conseqüências são indicativas de credibilidade e fidelidade por parte dos telespectadores. Da mesma forma que estou disposto a ler qualquer livro de, digamos Calvino, porque é de Calvino, verei qualquer filme do Coutinho, porque é de Coutinho. Não importa o assunto: o que eu quero de um filme do Coutinho é saber como ele, Coutinho, percebe a realidade. Um documentário ou é autoral ou não é nada. Ninguém pode confundir um filme de Flaherty com um filme de Joris Ivens. A autoria é uma construção singular da realidade. Logo, é uma visão que me interessa porque nunca será a minha. É exatamente isso que eu espero de qualquer bom documentário: não apenas fatos, mas o acesso a outra maneira de ver (SALLES Apud BEZERRA,2004) O peso do olhar do documentarista, adquirido pelas obras já realizadas, de certa forma influencia a percepção daquele que assiste, embora estes também possuam livre arbítrio em suas interpretações. Isso também ocorre no jornalismo, em todos os seus gêneros. Mesmo no jornalismo tradicional, é possível que o repórter insira um estilo próprio que o diferencie dos demais. Porém, no caso do jornalismo, a mais notória “realidade” é a percepção de que as marcas refletem o posicionamento, tanto no conteúdo e na parte estética, das emissoras, e não do repórter. 32
  • 34. 2.2.2 Documentário no Brasil O cinema documental não surgiu de forma intencional. Foi uma tradição construída e encorajada pela curiosidade de inovação cinematográfica, através da utilização de possibilidades ainda não testadas. Com a Escola Inglesa, em 1920, o cinema documental se expandiu na sociedade e ganhou notoriedade. Jonh Grierson foi o nome da época. Aprofundou-se na crítica documental, apesar de ter produzido apenas um filme, sobre uma colônia de pescadores em Arenque, Drifters (1929). A característica fundamental do gênero, e que é considerada até hoje, era a capacidade de dar uma impressão sobre a realidade dos fatos. Uma forma corrente de explicar a ascensão do documentário inclui a história do amor do cinema pela superfície das coisas, sua capacidade incomum de captar a vida como ela é; capacidade que serviu de marca para o cinema primitivo e seu imenso catálogo de pessoas, lugares, e coisas recolhidas em todos os lugares do mundo. Como a fotografia antes dele, o cinema foi uma revelação. As pessoas nunca tinham visto imagens tão fiéis a seus temas, nem testemunhado movimento aparente que transmitisse sensação tão convincente de movimento real. (NICHOLS, 2005, p.116) O movimento do cinema documental no Brasil se aprimorou a partir do contato de uma pequena parte da população às novidades dos Estados Unidos e da Europa. O acesso dos brasileiros, principalmente a estes países, permitiu a importação das novas tendências do cenário cinematográfico internacional, em particular no que diz respeito às inovações das câmeras e suas movimentações. Os primeiros registros imagéticos, porém, começaram, no Brasil, com a trajetória da Comissão Rondon - Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas - no final do século XIX até o começo do século XX. Esta comissão tinha como objetivo implantar as linhas no país e promover sua ocupação. Deu-se início a documentações com a utilização de fotografia e, mais tarde, cinema. Essas imagens, divulgadas em álbuns e jornais, tinham a intenção de informar a sociedade e legitimar os seus propósitos. 33
  • 35. O major e fotógrafo Luis Thomas Reis, que integrou a Comissão até 1938, começou a produzir montagens, tornando-se referência desse momento. Os filmes de sua autoria, Rituais e festas Bororó (1917) e Sertões do Mato Grosso (1912), foram considerados, pela crítica cinematográfica, de grande valor para época. O diretor tinha um objetivo audaz: divulgar para as populações urbanas a enormidade do Brasil pelas regiões interioranas, ao mostrar o trabalho da Comissão e seu projeto de integração nacional. A abordagem mais utilizada era da vida das populações indígenas e a transformação do índio “selvagem” para o índio “civilizado” (TEIXEIRA, 2004, p.103). Os registros dessa época exploravam as paisagens naturais, de forma a enaltecer a imagem do Brasil. Julia Menezes (2006) conta que foi na década de 20, em São Paulo, o período que se delineou a construção do modelo documental, principalmente através das produções chamadas “jornais cinematográficos”. Até então, a realidade do cinema no Brasil era inspirada de forma copiosa no que acontecia em outros países. Havia uma necessidade da criação de uma rede de estúdios no país para a consolidação de uma produção de cinema nacional. A década de 40 foi a época em que esse projeto foi concretizado, nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, com a formação da Companhia Vera Cruz, Maristela e Multifilmes. Estrangeiros com experiência em cinema vieram compor o corpo técnico das empresas, buscando um padrão de qualidade semelhante ao internacional. Todas foram à falência, principalmente por conta do alto custo da manutenção do estúdio e distribuição de filmes (MENEZES, 2006, p.20). Durante esse período, novos documentaristas se lançaram no mercado cinematográfico. Humberto Mendes se destacou ao fazer a série As Brasilianas, em 1955, em que faz uma comparação da evolução econômica e industrial das usinas em relação aos engenhos de cana de açúcar. A temática é abordada a partir de uma análise das problemáticas sociais, evidenciando as causas de tais problemas (BRASIL, 2000, p.4). 34
  • 36. O cinemanovista é a denominação que é dada a esta nova opção de fazer o cinema, absorvida de maneira intensa, pelos documentários brasileiros, a partir da década de 60. Esta vertente marca uma nova opção estilística. As temáticas são tratadas, neste tipo de abordagem, de forma que priorizem o mundo dos excluídos. O filme Arraial do Cabo (1959), de Paulo César Saraceni é, segundo Ramos (2004), o pioneiro neste tipo de enfoque, “é o primeiro documentário no qual sente-se intensidade a atração pela imagem do povo, por sua fisionomia” (RAMOS, 2004, p.83). A regulamentação do cinema documentário aconteceu no país na época do Estado Novo, em 1964, a partir da formação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que reuniu todas as iniciativas do fazer cinema até então. Segundo Umbelino Brasil (2000), os documentários dessa época tinham um direcionamento proposital: “[...] assumem as concepções de Estado autoritário e passam a expressá-las. Tudo é feito para fins propagandísticos, na tentativa da formação de uma imagem mitológica de Getúlio Vargas” (BRASIL, 2000, p.3). Muitos filmes, então, passaram a ser financiados pelos órgãos do governo, como a Fundação Nacional das Artes (Funarte), o Departamento de Assuntos Culturais, e a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). Os assuntos dessas montagens eram moldados pelos interesses do governo, que queria promover a identidade nacional, através das tradições populares. Mesmo com essas medidas do governo, havia filmes feitos com mais liberdade, que mostravam os problemas sociais das minorias abandonadas pelo novo regime. A situação só começa a mudar nos anos 80, com o Brasil já democrático. A Idade da Terra (1981), de Glauber Rocha, e O Cabra marcado pra Morrer (1984), de Eduardo Coutinho, são dois exemplos de filmes considerados marcantes, diante de um novo cenário político em que os interessem predominavam, e eram refletidos no âmbito cultural. Realidade que pode ser confirmada pela observação dos títulos de filmes que tinham apoios e patrocínio de segmentos do governo, como JK – Uma trajetória política (1980), de Silvio Tendler; Jânio a 24 quadros (1981), de Luiz Alberto Pereira. Não eram apenas os assuntos abordados que diferenciavam O Cabra Marcado pra Morrer dos demais. Ele se encaixou em uma tendência pouco usada até então, 35
  • 37. batizada na França como “cinema verdade”, tendo à frente Jean Rouch e Edgar Morin. Este estilo resultou de um aprimoramento tecnológico dos equipamentos (câmaras mais leves e a junção de gravador de som e imagem), que facilitou a prática das gravações (YAKHIN, 2000). Com esses avanços, uma abordagem mais participativa pôde ser aplicada por parte do cineasta, que passou a adotar entrevistas, depoimentos, câmera na mão, permitindo um contato mais aderente à realidade. Eduardo Coutinho se filiou a esta vertente e se tornou referência dela no Brasil. Em suas obras, Coutinho enfatiza a entrevista como metodologia básica, e evidencia aspectos que não são modelos pré-estabelecidos, como os acontecimentos inusitados, as improvisações. O Cabra Marcado para Morrer é a representação da vida dos trabalhadores rurais organizados da década de 60. Com a estrutura adotada, o telespectador passa a ter um contato mais direto com a situação vivida, devido a um olhar mais subjetivo, e o autor se torna, também, um dos personagens do filme, pela sua interferência constante. Outros filmes de Eduardo Coutinho deram prosseguimento a este modo de formatação. Alguns exemplos são: Santa Marta: duas semanas no morro (1987), Boca de Lixo (1993), Santo Forte (1999) e Edifício Master (2000). 2.2.3 Classificação do Documentário Francisco Elinaldo Teixeira, no livro Documentário no Brasil (2004), reúne três referências teóricas para modelos de documentário, a partir de três autores. O primeiro é Arthur Omar que, em O antidocumentário, provisoriamente (1972), apresenta o modelo ficcional, um desligamento da estrutura narrativa tradicional. O modelo sociológico, de Jean-Claude Bernardet, abordado no livro Cineastas e imagens do povo (1985), é “tributário da crença clássica na possibilidade de atingir um real bruto”, com sua superação em documentários concebidos como “discursos” construídos no “real”. Por fim, o modelo ilusionista, de Silvio Dan-Rin, no ensaio Auto-reflexividade no documentário (1997), em que ele diz que a problematização está no processo de representação do documentário. Bill Nichols (2005) traça características do documentário de forma mais objetiva. Ele define seis classificações, cada qual considerada como uma forma de 36
  • 38. representação. Os subgêneros - poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo e performático - surgem por observações de peculiaridades de cineastas e filmes, a partir de determinados períodos históricos. No entanto, a caracterização de filmes por um ou outro subgênero independe da cronologia. Não é regra que a classificação mais recente à época analisada seja predominante. Os documentários podem ser puros ou híbridos, havendo nesta segunda possibilidade a predominância de um dos modelos e intervalos de outro ou outros. Na questão estrutural, não existem restrições, apenas o norte e a liberdade de criação. A cronologia da construção desses modelos delineia a edificação histórica do documentário. Cabe, então, explicar os modelos citados. O primeiro é o poético, em que a personificação de um “protagonista” é preterida, bem como as idéias de tempo e espaço em suas associações. O modelo traz à tona o lado emocional, em detrimento das manifestações cognitivas. [...] o modo poético começou alinhado com o modernismo, como uma forma de representar a realidade em uma série de fragmentos, impressões subjetivas, atos incoerentes e associações vagas. [...] Embora alguns filmes explorem concepções mais clássicas do poético como fonte de ordem, integridade e unidade, essa ênfase na fragmentação e na ambigüidade continua sendo um traço importante em muitos documentários poéticos. (NICHOLS, 2005, p. 140) Um exemplo é Ninguém assistirá ao formidável enterro da sua última quimera, somente a ingratidão, aquela pantera, foi a tua companheira inseparável (1977), de Glauber Rocha. O título do filme, um trecho de poema de Augusto dos Anjos, por si só, diz o que está por vir. Glauber Rocha estava em sua casa, na manhã de 26 de outubro de 1976, quando soube da morte do pintor e amigo Di Cavalcanti. Rapidamente, arranjou o aparato necessário para ir ao velório, ao enterro e fazer as filmagens. No curta- metragem, ele faz a locução sem tratar com objetividade do que as imagens mostram. A câmera, por vezes, não tem compromisso com o foco e move-se aleatoriamente, mostrando obras do pintor, além do ator Antônio Pitanga, que faz algo como uma dança, em cenas curtas. 37
  • 39. O cineasta ainda recita dramaticamente o poema Baladas do Di Cavalcanti, de Vinícius de Moraes, do livro Poesia completa e prosa. Toda obra é acompanhada por trilhas sonoras como Lamento, de Pixinguinha; O teu cabelo não nega, mulata, de Lamartine Babo e Irmãos Valença; Umbabarauma, de Jorge Ben; O Velório do Heitor e O Carnaval acabou, de Paulinho da Viola. Vale dizer novamente que o filme mostra o velório e o enterro de Di Cavalcanti, sob o olhar de quem o conheceu. Glauber Rocha ainda chegou a comentar: “Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista- surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu” (ROCHA,1977,p.1). A família do pintor, no entanto, não entendeu o modernismo surrealista da obra e o filme foi proibido de ser exibido no Brasil em 1979. O segundo subgênero é o expositivo. A estrutura da informação é baseada na argumentação e na retórica, deve ser objetiva, bem articulada e bem embasada. Neste, o documentarista participa do produto, mas não da história. Ou seja, ele fala, ou alguém fala por ele, mas não aparece. Isto é o que é chamado de “voz de Deus”. A cultura desta “voz” gerou a padronização das narrativas com vozes treinadas. No entanto, essa regra pode ser quebrada para se obter o efeito esperado. Exemplo disso é o filme A terra espanhola (1937), do diretor Joris Ivens, que critica a ditadura fascista do General Francisco Franco. Foram feitas três versões do documentário. Em nenhuma delas, a voz profissional esteve presente. Jean Renoir, Orson Welles e Ernest Hemingway são os autores dos textos. As mudanças ocorreram justamente para que o tom dado ao comentário se adequasse ao que era esperado por cada documentarista. É possível, também, utilizar base de caracteres. Entrevistas, quando existentes, são colocadas de forma que justifique alguma parte da argumentação narrativa. Um exemplo para este estilo é Muito além do Cidadão Kane (1993), produzido e dirigido pelo inglês Simon Hartog, para o Channel Four, emissora de televisão da Inglaterra. Na obra, há a locução em off, sem o documentarista aparecer, e uma coletânea de depoimentos de pessoas como Luiz Inácio Lula da Silva, Chico Buarque, Leonel Brizola e Washington Olivetto. É contada a história da Rede Globo, desde a sua criação, facilitada pela aderência ao regime ditatorial, tendo em vista um acordo ilegal com a empresa Time Life. A Lei brasileira limitava o capital estrangeiro em empresas de comunicação nacionais. O filme ainda faz denúncias de fraudes, manipulações - dentre as quais consta a das eleições presidenciais de 1990. 38
  • 40. O subgênero seguinte é o observativo. Este consiste nas observações do documentarista, sem qualquer intervenção aparente. O formato é o mais livre possível, sem roteirização, em geral trabalhado com temporalidade legítima. Os chamados “atores sociais”, personagens dos documentários, agem naturalmente, como se a câmera não estivesse presente. [...] o respeito a esse espírito de observação, tanto na montagem pós- produção como durante a filmagem, resultou em filmes sem comentário com voz-over, sem música ou efeitos sonoros complementares, sem legendas, sem reconstituições históricas, sem situações repetidas para a câmera e até sem entrevista (NICHOLS, 2005, p. 147). Em Gimme Shelter (1970), os irmãos Albert e David Mayles filmam as apresentações dos Rolling Stones na turnê de 1969, além dos bastidores, até incidentes, como a morte, a facadas, de um homem, por seguranças do evento. Heloísa Helena Magalhães Couto fez uma análise do filme. [...] a câmera está a maior parte do tempo na mão, fazendo plano- seqüência, para dar idéia do momento em que está ocorrendo a situação. [...] É claro que nas manifestações públicas, nos grandes eventos, na multidão é mais fácil que os equipamentos passem despercebidos ou que rapidamente o público se acostume com eles, passando para quem assiste a impressão de invisibilidade da câmera (COUTO, 1998,p.1). Dando seqüência, chega-se ao modelo participativo. Esta abordagem é muito usada em estudos da antropologia. Trata-se de ir a campo e conviver com as pessoas relacionadas à história, de modo a habituar-se a uma nova vida. Em jornalismo, há uma vertente similar, denominada “jornalismo gonzo”, que consiste no envolvimento pessoal do jornalista. A narrativa não prima pela objetividade, é mais literária. A diferença do modelo participativo para esta forma de jornalismo é que o documentarista não se coloca totalmente como vivente, mantém certo afastamento. O cineasta se torna quase 39
  • 41. um ator social. Quase porque ele está em um patamar superior aos verdadeiros atores sociais. Ele tem uma câmera na mão. Um exemplo recente de documentário participativo é Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho. O filme mostra o encontro entre os personagens (são 37 os entrevistados) e a equipe de produção, que se estabelece no local, além do encontro entre personagem e diretor, que norteia a obra. É interessante salientar que Eduardo Coutinho quebra o paradigma do distanciamento de moradores dos grandes edifícios (o Edifício Master possui 23 apartamentos por andar, um total de 276, e cerca de 500 pessoas), ao conversar sobre assuntos íntimos com os entrevistados. O quinto modelo é o reflexivo. O mesmo autor avalia que esse modelo de representação se coloca com dupla característica estrutural. Ao mesmo tempo em que é o mais consciente de si, também é o que mais se questiona. Se, no modo participativo, o mundo histórico provê o ponto de encontro para os processos históricos entre cineastas e participante do filme, no modo reflexivo, são os processos de negociação entre cineasta e espectador que tornam o foco da atenção. Em vez de seguir o cineasta em seu relacionamento com outros atores sociais, nós agora acompanhamos o relacionamento do cineasta conosco, falando não só do mundo histórico como também dos problemas e questões de representação. (NICHOLS, 2005, p.162) No premiado documentário Ilha das Flores (1989), do diretor Jorge Furtado, é contada a trajetória do tomate, desde a plantação, até seu fim, comido por porcos no lixo do município gaúcho que cede o nome à obra. Em 12 minutos de filme, é feita uma reflexão acerca das desigualdades sociais, com explanações das relações de exploração do capitalismo, tudo explicado de forma didática e sob a ação de um humor ácido. Por fim, o subgênero performático. Os documentários performáticos caracterizam-se por uma representação essencialmente subjetiva, trazendo o próprio documentarista e seus questionamentos mais particulares para o centro do filme. 40
  • 42. Esses filmes nos envolvem menos com ordens ou imperativos retóricos do que com uma sensação relacionada com sua nítida sensibilidade. A sensibilidade do cineasta busca estimular a nossa. Envolvemo-nos em sua representação do mundo histórico, mas fazemos isso de maneira indireta, por intermédio da carga afetiva aplicada ao filme e que o cineasta procura tornar nossa (NICHOLS, 2005, p.171). Em Tiros em Columbine (2002), Michael Moore é diretor e narrador. Ele coloca em jogo o fascínio da sociedade dos Estados Unidos pela armas, a chamada cultura belicista, e apresenta o caso do Colégio Columbine, em Littleton, no estado Colorado, que desencadeou o filme. Dois adolescentes armados mataram 14 estudantes e um professor. Moore entrevista e argumenta sempre de forma parcial e pessoal. Todos esses exemplos de produções documentais demonstram a versatilidade de possibilidades atribuída ao gênero. 41
  • 43. 3.ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS 3.1 ESTILO DO PRODUTO O modelo do Cinema Verdade, que surgiu em 1960, será foco de abordagem na esquematização da estrutura deste documentário. Os diretores Eduardo Coutinho e João Salles desenvolveram seus trabalhos com base nessa vertente, que é referência na produção contemporânea do documentário. Embora não seja um estilo homogêneo, nossas últimas produções documentárias têm um débito evidente para com essa tradição. Mais importante ainda, a questão ética, central para fazer o documentário, é pensada inteiramente dentro do universo ideológico do cinema verdade (RAMOS, 2004, p.94). Esta concepção de cinema verdade traça alguns aspectos que serão fundamentais para a realização deste projeto, como a intervenção e interação dos produtores com a “realidade” apresentada. A prioridade, portanto, não é retratar as situações de maneira expositiva e distanciada. A proposta foi retratar o cotidiano de três mulheres que têm como profissão a prostituição, dando ênfase em suas subjetividades. Isso pôde ser atingido pelo destaque na vida de cada prostituta, ressaltando as suas diferenças, mas também as similaridades. Esse processo foi conquistado através da entrevista (metodologia principal de captação dos depoimentos) e as montagens. Através desta linha de pensamento, a temática foi construída de forma que a realidade não-popularizada das garotas de programa fosse explorada particularmente. Os estilos podem ser delimitados a partir da análise de Bill Nichols (2005). Dentre todas as divisões pelas quais conceitua os estilos de documentário, uma delas será parâmetro chave do vídeo, o modelo participativo. Esse estilo é caracterizado pela intervenção do documentarista e sua equipe diante das situações. Optamos pelo modo participativo por esta característica marcante, a constante intervenção dos realizadores que estiveram presentes no processo de gravação do documentário. No momento da montagem, preferimos que a nossa imagem 42
  • 44. e a nossa voz não fossem expostas, pelo caráter comportamental do documentário, cuja intenção é dar ênfase aos aspectos subjetivos de cada uma das três personagens. Optamos por não deixar explícitas as demonstrações visuais e sonoras da equipe de produção, as quais, obviamente, podem ser percebidas de forma tácita. Em muitos momentos é possível perceber, porém de maneira implícita, estas mediações feitas pelos realizadores do documentário, seja através do olhar dos personagens (que olham para alguém, não para câmera), ou quando elas estabelecem um claro diálogo com as diretoras. Para a realização deste documentário, a equipe propôs acompanhar algumas situações corriqueiras no cotidiano de cada uma delas. O que se pretende é que as lentes das câmeras possam captar detalhes que, no dia-a-dia não são realçados, como os gestos, as marcas do rosto, a forma de andar, etc. Para isso, foi necessário pensar a câmera como um mecanismo pelo qual pudesse passar impressões particulares de cada uma delas, a partir do modo de olhar dos realizadores, construído, principalmente, no processo de montagem. 3.2 CONSTRUÇÃO NARRATIVA O roteiro foi produzido de modo que o fim fosse a continuação do começo, isto é, as últimas cenas do documentário dão continuidade ao que o público assistiu no início do vídeo. O documentário começa com as imagens das três mulheres se encaminhando para o trabalho: Babalu aparece andando na orla de Piatã, Adilma é mostrada dentro do Ônibus a caminho da Praça da Sé e Jucilene é apresentada em seu quarto, se maquiando. Após essas primeiras três cenas, o título do documentário anuncia o início da narrativa. E nele, não há nada que se refira de modo explícito à prostituição. Nas primeiras cenas, o telespectador passa a conhecer quem são as personagens da história, e isso se intensifica no decorrer do documentário. Cada personagem seguiu uma narrativa específica que se encaixava às outras por meio dos blocos temáticos. A história de Jucilene foi desenvolvida no ambiente em que mora e trabalha, um bar, na Ladeira da Conceição. Embora o cenário principal tenha sido o seu quarto, a narrativa percorreu o lugar. No caso de Adilma, não queríamos que ela saísse da sua rotina, já que trabalha o dia inteiro na Praça da Sé. Por isso, preferimos 43
  • 45. captar a rotina dela em seu local de trabalho, acompanhando-a durante o percurso do ônibus, no lanche da manhã, no almoço e descanso. Já com Babalu a idéia foi explorar, dentre muitas, uma de suas características, e desenvolver a narrativa nesta particularidade escolhida. Nas entrevistas soubemos do seu hábito de cozinhar. Procuramos filmá-la enquanto fazia as compras no supermercado e, depois, no processo de cozinhar, que ela diz ser hábito quase que diário. As cenas foram articuladas de modo a acompanhar os blocos temáticos que foram estabelecidos no pré-roteiro. Elas falam sobre vaidade, personalidade, lazer, vida amorosa, amizade e relação com o dinheiro. Como a idéia principal do projeto é documentá-las enquanto mulheres, e não simplesmente como prostitutas, não foram abordados, nesse momento (maior parte do documentário), aspectos do lado profissional, como relação com o trabalho, como se sentem, se têm orgulho ou não da prostituição. Este tema não deixa de ser prioridade, porém, optamos por não explicitar por um objetivo maior: fazer os telespectadores perceberem que são pessoas que possuem sonhos e desejos semelhantes aos nossos. E, percebendo estas similaridades próximas às nossas, vejam que são, também, prostitutas. O roteiro também é composto de três momentos em que as garotas estão caricaturadas em forma de animação. Nossa intenção foi ressaltar a subjetividade, aspectos que não poderiam ser transpostos em forma de imagens, por ser inacessível, o campo da imaginação. Cada história em animação foi baseada na nossa percepção do subjetivo de cada uma delas, a partir dos relatos em forma de depoimento. Foi escolhido fazer um clipe de imagens distorcidas e desfocadas para fazer uma passagem ao momento em que elas se apresentam como prostitutas. Estas imagens foram pensadas, dessa forma, na intenção de “brincar” com estética, através da manipulação das imagens no momento da gravação e edição. A intenção foi retratar o “real” (fachada de casas noturnas, o trânsito à noite, prostitutas na rua), dando tom poético num cenário vulgarizado. A partir daí, volta-se para as cenas iniciais do documentário e as meninas se revelam prostitutas. No entanto, preferimos abordar, quando o tema foi explicitado, a prostituição como mobilização e “orgulho”. Pretendíamos com isso, mesmo que pareça 44
  • 46. utópico, tentar desmitificar o rótulo que envolve essas mulheres. E fazer perceber, para a sociedade, que elas podem ser mais, e que são, antes de tudo, diferentes umas das outras. 3.3 ASPECTOS FORMAIS 3.3.1 Estética e Enquadramento No que se refere à estética, não houve preocupação em criar ambientes que se destacassem por belezas visuais. O documentário se propõe a acompanhar o dia-a-dia das três personagens, por isso, os cenários refletem um ambiente comum para estas mulheres, o seu mundo particular. A escolha das cenas sustenta a tese de humanização das prostitutas. Quando se fala humanizar, neste documentário, se faz referência à tentativa de retirá-las do contexto em que estão inseridas, devido ao seu trabalho, e retratá-las enquanto mulheres semelhantes às encontradas no cotidiano: na fila do banco, padaria, supermercado, etc. A idéia não foi, portanto, retratar por imagens, aspectos da sua vida enquanto profissionais do sexo. Ao contrário, pode parecer até óbvio que essas mulheres também vão ao supermercado, cuidam da casa, gostam de comprar roupas, porém, num pensamento superficial, isso não se faz notar. As imagens que propusemos neste documentário servem como suporte para fazer a ressalva de que as vidas dessas mulheres são parecidas às nossas, pessoas que possuem uma vida adequada ao que se estabelece como “padrão” da sociedade. Para isto, procuramos utilizar diversos tipos de enquadramento. Ao pensar na técnica do fazer documentário, procuramos uma maneira de fugir a padronização à comum no jornalismo tradicional, que, geralmente, coloca o entrevistado no primeiro plano e não costuma variar os enquadramentos. Até por considerarmos este um produto jornalístico, avaliamos ser a oportunidade em que é permitida a utilização de experimentações. Não que seja algo inusitado, queríamos apenas sair do padrão, por isso, optamos por utilizar enquadramentos que permitissem ao telespectador maior ambientação dos lugares costumeiros destas mulheres. Também procuramos variar os ângulos dos depoimentos. A maioria das imagens de Babalu, por exemplo, não foram restritas a depoimentos fixos, estes depoimentos foram acompanhados de ações. Com essa estratégia, acredita-se que o documentário possui maior dinamicidade. 45
  • 47. As imagens de Adilma e Jucilene também seguiram, em muitos momentos, esta tendência. Delimitamos, porém, para cada uma, um tipo de enquadramento quando se referiam aos depoimentos fixos. Com Adilma, optamos por fazer um enquadramento de perfil, com ângulos fechados. Em Jucilene preferimos deixar os ângulos abertos, compatíveis como o jeito que ela transmitia, descontraído. Escolhemos, então, utilizar um ângulo que a deixasse mais à vontade, que mostrasse esse lado dela e, com ângulos fechados, não seria possível perceber isso. 3.3.2 Som Neste documentário, na maioria das cenas, procuramos trabalhar com as articulações entre a fala das personagens e suas imagens. Isto é, em muitos momentos, as vozes aparecem em off e são cobertas com imagens. O objetivo foi retratar, de forma constante, as ações cotidianas de cada uma delas. Foi preciso, então, construir uma lógica de depoimentos que casassem com as imagens. Mas o documentário não se restringiu a esse posicionamento. Em muitos momentos, foi escolhido trabalhar com o som ambiente dos depoimentos e do local específico, junto com a utilização das imagens originais. O áudio utilizado foi captado pela câmera principal, através do microfone direcional. A trilha sonora será baseada em músicas nacionais que tratem de assuntos referentes à mulher. Não queríamos restringir as músicas apenas a artistas femininos e definimos como critério fixo todas serem nacionais. No momento em que aparece o título, foi inserida a primeira música, Todas elas juntas num só ser, de Lenine. A próxima inserção aconteceu na primeira animação de Adilma que retratou o seu sonho de construir um salão de beleza. Para compor tal animação foi utilizada a música Salão de Beleza, de Zeca Baleiro. Na animação de Jucilene, que foi sobre o término do relacionamento, no qual a ex-namorada continua a procurá-la, enquanto ela a trata com desdém, foi usado o começo da parte instrumental da música Assim Será, composta por Marcelo Camelo, do Los Hermanos. A quarta música, Baú, de Vanessa da Mata, foi inclusa na apresentação de um clipe feito com imagens desfocadas que ilustram a noite de prostituição e dá 46
  • 48. passagem para o momento em que as mulheres se revelam como profissionais do sexo. E enquanto elas se apresentam, ao fundo, está a música Livre Iniciativa, de Mundo Livre S/A. Ao final do documentário, quando as personagens estão se encaminhando para o trabalho, foi utilizada a faixa, Eu vou tirar você desse lugar, composta por Odair José, interpretada por Los Hermanos. 3.3 PERSONAGENS Personagem 1: Gildilene Maciel, mais conhecida como Babalu, tem 28 anos, nasceu em Juazeiro, Bahia. Aos 13 anos, por problemas familiares, resolveu fugir de casa, levando apenas a roupa do corpo, pegou uma carona com um caminhoneiro que ia para Fortaleza, e por lá ficou. Por não ter onde dormir, passava as noites numa barraca de praia, local em que recebeu a primeira proposta, de um gringo, que a ofereceu R$ 100,00 para passar a semana com ele. A partir daí começou a se prostituir. Não parou mais. Depois de alguns anos, resolveu passar um carnaval em Salvador, e aqui reside há 12 anos. Já trabalhou em boate, casa de massagem, mas hoje prefere atuar na orla de Piatã, a qual chama de “pista”. Durante todo esse tempo a sua principal fonte de renda foi a prostituição. Em meio a esse processo, apaixonou-se por um cliente, que ra marinheiro, e acabou se casando. Passou dez anos casada, teve um filho, que hoje está com 3 anos, mas continuou atuando com prostituta. No momento está separada e seu filho está sob a guarda do pai. Babalu é uma mulher de personalidade forte, tida como agressiva, desenvolta e extrovertida, passou por várias dificuldades na vida e encontrou ajuda na Aprosba – Associação das Prostitutas da Bahia. Hoje, ela é multiplicadora da associação. Ao conversar com ela, pode-se perceber que é uma pessoa bem resolvida, que não tem problemas em se assumir perante a sociedade. Pela Aprosba, conseguiu fazer diferentes cursos, como computação, estética, manipulação de marionete, e concluiu o segundo grau. Freqüentemente trabalha como revendedora de cosméticos. Personagem 2: 47
  • 49. Jucilene, tem 21 anos, nasceu em Cruz das almas, e trabalha no Bar da Marinalva, na Ladeira da montanha, mesmo local onde reside. Foi criada pela bisavó, segundo ela, teria lhe dado tudo, pago e incentivado seus estudos. Mas Jucilene não gostava e não se acostumava com essa rotina, dizia que só ia para o colégio para namorar. Parou de estudar na 6º série e foi tentar a vida em São Paulo. Lá ela casou, teve uma filha, trabalhou com empregada doméstica e garçonete, mas não se adaptou. Voltou para a Bahia. A mãe a trouxe para morar em Salvador, onde sua irmã já trabalhava como prostituta, também no Bar da Marinalva. Até então, não sabia da profissão da irmã, nem de sua mãe, que mais tarde descobriu que também era prostituta. Jucilene se define como uma pessoa sonsa, que passa a imagem de tímida, mas que na verdade não é. Desde quando começou a trabalhar no bar, descobriu sua atração por mulheres. Hoje namora uma menina, que é empregada doméstica, e que não sabe que ela se prostitui. Ao fazermos as entrevistas, pôde-se notar que ela, ao mesmo tempo em que quer deixar de se prostituir, gosta de sua profissão. Ela diz que é uma vida fácil, na qual ganha muito dinheiro, mas não sabe se controlar, e acaba gastando tudo o que tem. Parece que ela não se sente à vontade no seu local de trabalho e considera ser um ambiente pesado. Jucilene divide o quarto com uma menina, a única que diz ser a sua verdadeira amiga. Neste mesmo quarto, ela e sua amiga atendem os clientes, uma de cada vez. Personagem 3: Adilma, 23 anos, mora no bairro de Santo Inácio, Salvador. Ela reside com sua mãe e os irmãos, e mais doze crianças, sendo que uma é seu filho, Alan Guilherme, que tem seis anos. Ela viveu alguns anos com o pai do filho, mas uma briga fez com que eles se separassem e ele nunca mais apareceu. Sua irmã já era prostituta, e ela diz ter a julgado muito por isso. O seu filho passou por um momento em que ficou muito doente, e ela estava sem dinheiro para comprar os remédios que ele precisava. Acabou pedindo a sua irmã que a levasse para trabalhar na prostituição com ela. Foi assim que começou a trabalhar como prostituta. Ela diz que já recebeu proposta de homens que ofereceu tirar ela da prostituição, mas garante só sair quando ela tiver dinheiro suficiente para montar o seu próprio negócio. 48
  • 50. 4. RELATÓRIO DE ATIVIDADES O que há um ano parecia distante, hoje é vivenciado. Tudo começou no primeiro semestre de 2007, na disciplina ministrada pela professora Ana Spannenberg, em que ficamos encarregadas de delimitar o nosso problema de pesquisa para elaborar o nosso pré-projeto. Nesse momento, já tínhamos a equipe completa, composta por nós: Tatiana Dourado, Tatiana Porto e Tiago Bittencourt. Por sorte ou azar, todos os componentes têm a letra T como inicial do nome, por isso ficamos conhecidas como o grupo “TTT”. Nessa época, estávamos muito empolgadas e fomos lapidando cada vez mais o enfoque do nosso documentário, que tinha como objetivo inicial contar a história da Rádio Zona FM, primeira rádio de prostitutas da Bahia. Como a concessão ainda não havia saído, resolvemos, depois de muito pensar, fazer um documentário que acompanhasse a rotina de três mulheres que tinham, na prostituição, a sua sobrevivência. Encerramos a disciplina de Elaboração do Pré-projeto com receio da prática. Apesar de já termos feitos alguns documentários durante a faculdade, quando se trata de um projeto experimental que garante a sua formatura, a tensão se multiplica. E , como o tempo voa, o segundo semestre bateu em nossa porta de repente. Recomeçamos. No dia 9 de Janeiro tivemos o primeiro encontro com Juliana Gutmman, a nossa orientadora. Essa reunião foi a mais tensa, talvez, de todo o processo. Juliana falou “em alto e bom som” que ainda não tínhamos um documentário porque não tínhamos personagens. Saímos desesperadas pelas ruas e becos da cidade: Ladeira da Montanha, Praça da Sé, Tchê Night Club; telefonamos para as mulheres que publicavam seus serviços em classificados e em sites do gênero. Foram dias de angústia porque estávamos correndo contra esse tempo que não pára. Mas, enfim, encontramos, e ainda tivemos a sorte de poder escolher as nossas três mulheres: Babalu, Jucilene e Adilma. A primeira encontrada foi Babalu. Conseguimos seu contato através de Fátima Medeiros, a presidente da Aprosba – Associação das Prostitutas da Bahia. A dificuldade foi falar com Fátima, demoramos quase um mês para a primeira entrevista. Enfim, marcamos nosso primeiro encontro com Babalu para apresentar a proposta. A primeira impressão foi completamente positiva. Ela falou abertamente de sua vida, nos contou casos, o papo desenrolou de forma espontânea. O maior êxito foi percebermos, por este encontro, um pouco de sua forte personalidade. 49