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PROPONENTE:
Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega. Mestre e Doutora em Direito pela PUC SP,
Pos Doc. Universidade de Coimbra, Professora Titular na Universidade Federal de
Goiás e Professora na Universidade de Ribeirão Preto.
EIXO TEMÁTICO DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO
O SUJEITO PÚBLICO PARA ALÉM DO SUJEITO DO DIREITO PRIVADO
NO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO AMERICANO.
RESUMO
Propõe-se refletir sobre os direitos humanos numa perspectiva de distribuição de
justiça pública-social e coletiva, para além do conceito de direito como atributo do
sujeito e do conceito de sujeito de direito privado originário do pensamento liberal. A
proposta constitucional democrática latinoamericana, que pressupõe o fortalecimento
da América Latina nas suas relações internacionais, em virtude de ter por
fundamentos o multiculturalismo e a pluralidade de povos, nações e direitos, exige,
na sua concreção, muito mais do que oferece o atual modelo de realizar dos direitos
no plano do homem indivíduo, no modelo contemporâneo de distribuição de justiça
do direito privado fundado e servindo ao liberalismo econômico. A humanidade deve
estar para além do plano individual (Benjamin), no plano coletivo, para que no plano
do direito o estranho não seja não presente e, portanto, excluído do acesso à justiça.
O direito não há de ser atributo de sujeito privado, oponível contra todos, na sua
existência contra os demais. Impõe-se a ideia de direito enquanto manifestação do
justo social, público-coletivo, comunitário e político- a que todos -sujeitos e não
sujeitos- tenham acesso, não apenas os lembrados ou reconhecidos pela ordem
vigente.
Palavras chave: Novo constitucionalismo democrático latino-americano, sujeito de
direito, cidadania.
INTRODUÇÃO
Revisitar o conceito o sujeito de direito para instituir um sujeito público que
supere a noção privatística dessa figura jurídica, a partir de uma nova teoria do direito
constitucional, buscando as perspectivas de distribuição de justiça pública-social e
coletiva, demanda a compreensão do processo histórico de construção desse conceito
(de sujeito de direito) e os avanços trazidos pelo Novo constitucionalismo
democrático latino americano, no plano das subjetividades e titularidades jurídicas.
O modelo constitucional latino-americano, que se inaugura na década de
noventa, introduziu novos titulares de direito e criou subjetividades não afirmadas até
então, ao instituir direitos da natureza, direitos coletivos, sociais, étnicos. Colocou em
questão a figura de um sujeito de direito nos moldes do direito moderno, liberal, ao
promover a igualdade material complexa, includente do reconhecimento das
diferenças. A partir daí, torna-se impossível a subsunção dessas novas subjetividades
públicas ao modelo hermético de sujeito de direito privado.
As constituiçõeslatinoamericanas das últimas décadas, em que se
destacam a do Equador e da Bolívia, identificam titularidades jurídicas que surgem
para além do modelo de direito liberal e resgatam os esquecidos pela história e pelo
direito, os marginalizados, enquadrados em universalidades negadoras do
reconhecimento das peculiaridades, como os muitos povos que são englobados na
noção de indígenas. Essas constituições caracterizam-se por se abrir a inclusão
permanente de direitos e a atualização perene de reconhecimentos.
Essa abertura se verifica de maneira diversa em cada texto constitucional.
Tem sido apontada como a mais avançada, segundo os estudiosos do tema, aquela
inserida na Constituição do Equador, com a inclusão da noção de “buenvivir”
(“SumakKawsay”, em língua do povo Quíchua), na qual se integram e podem se
incluir os diferentes perfis da propalada dignidade humana, como o direito à
alimentação, à agua, ao ambiente são, à comunicação e informação, ao respeito à
identidade cultural, à educação, à morada segura, à saúde, ao trabalho, à seguridade
social. Tudo a exigir um revisitar da restrita teoria que nos oferece possibilidades
limitadas do conceito de sujeito de direito.
Pensar possibilidades teóricaspara atender propostas jurídico-constitucionais
que suportem o reconhecimento de direitos às coletividades,e nesse reconhecimento
o alargar das subjetividades, é refletir para além do conceito de sujeito forjado na
perspectiva do liberalismo econômico e às luzes do racionalismo individualista
moderno. É desbravar um mundo de possibilidades que revelam a hipocrisia contida
na afirmação dos direitos humanos.
A noção moderna de sujeito de direito se esgota frente ao instituir-se o
ordenamento plural, confronta e recusa os primados da revolução francesa da
igualdade e da liberdade, reconhecendo-os como primados de um modelo econômico
capitalista..
2. O SURGIMENTO DE UM NOVO CONSTITUCIONALISMO
A América Latina a partir de propostas de reorganização política, muitas
de cunho popular, inaugurou um movimento de revisão dos modelos democráticos até
então praticados, a que se tem denominado, numa leitura teórica posterior, Novo
Constitucionalismo Democrático Latino-americano. Num período de duas ou três
décadas, e em vários países, foram elaboradas constituições com um perfil
diferenciado das anteriores e que apontam para mudanças na forma e no conteúdo do
direito que conhecemos. As constituições surgidas desses movimentos são os
documentos básicos para o estudo desse constitucionalismo associado a ativismos em
favor da implantação das “novas” democracias. Isso se desenvolve em vários países,
como Brasil, Bolívia, Venezuela, Equador, entre outros, e tem fomentado elaboração
teórica e diferentes práticas políticas.
A América Latina é marcada por uma realidade de origem colonialista
dependente dos modelos hegemônicos do hemisfério norte. As estruturas social,
econômica e política, implementadas nesses territórios a partir de um modelo
capitalista, liberal e positivista pré-independência formal, são preservadas até muito
recentemente, garantindo-se conservar a dominação cultural, política e social. Esse
processo de dominação cultural colonial se dá no pensamento jurídico e nas suas
referências jusfilosóficas.
O direito nacional dos países latinoamericanos, e a prestação da tutela
jurisdicional consequente dele, reproduziu os modelos trazidos da Europa, sem
considerar as diferenças dos contextos locais. O mesmo modelo de sujeito de direito
europeu se impõe na América colonizada.
Nos países latino-americanos, oideário constitucional moderno europeu serviu
apenas para consagrar privilégios a elites, não logrando sequer a universalizaçãodos
direitos e o princípio da soberania, suas principais bandeiras. Isso se agrava no limiar
do século XXI, com a sujeição ao neoliberalismo, que fortaleceu as mazelas sociais ao
buscar reduzir o caráter protetivo do estado, revogar direitos sociais e impor medidas
econômicas que não atendiam ao interesse dos povos locais, repetindo o modelo de
absorção cultural colonialista, de incorporar, no âmbito interno, as mudanças
ocorridas na Europa e nos Estados Unidos da América. Isso dizimou culturas e
destruiu a natureza, em muitos locais.
Numa perspectiva teórica, percebe-se uma cisão entre o pensar
constitucional e a prática política, o que dificulta uma percepção da América Latina.
Vários autores, precedidos por Boaventura de Sousa Santos, entendem que isso
ocorre, em primeiro lugar, porque a teoria política foi desenvolvida no norte global,
com a pretensão de modelo teórico universal, aplicável a todas as sociedades. Seus
conceitos muitas vezes são incompatíveis com nossas sociedades latino-americanas.
Em segundo lugar, considera-se que a transformação social proposta pela teoria
política tem uma perspectiva nortenha, distante das grandes práticas transformadoras
dos últimos trinta anos, vindas do Sul e marginalizadas pelos teóricos tradicionais.
Por fim, destaca-se o caráter monocultural da teoria política, de base eurocêntrica, de
difícil adaptação a culturas e religiões não ocidentais, como as culturas indígenas.
Pondera-se, outrossim, a resultante da ignorância do caráter colonialista
pela teoria política e pelas ciências sociais, que tomaram a independência formal dos
países da América Latina, como material, de natureza efetivamente emancipatória. A
antropologia e a sociologia jurídicas relegaram à história as questões referentes ao
colonialismo social ou colonialismo interno (SANTOS, 2007, p. 12-13).
Esse desajustamento, os conflitos nele gerados e a organização de setores
populares em torno de partidos de esquerda fez florescer um novo constitucionalismo,
refundando um direito que se pretende articulado a um projeto político, que parte da
realidade social específica da América Latina, rumo a um direito democrático,
autêntico, que promova a justiça social e pretende apontar soluções para os problemas
sociais e ambientais. Nessa perspectivas, surgem novas subjetividades jurídicas
exigindo das pessoas responsabilidade nos planos político, comunitário e coletivo. E
aí a necessidade de revisitar o conceito de sujeito de direito e a ideia de que os direitos
são atributos de sujeitos.
3. A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE SUJEITO DE DIREITO
... Então, há um primeiro princípio de incerteza, que seria o
seguinte: eu falo, mas, quando falo, quem fala? Sou “Eu” só
quem fala? Será que, por intermédio do meu “eu”, é um
“nós” que fala (a coletividade calorosa, o grupo, a pátria, o
partido a que pertenço)? Será um “pronome indefinido” que
fala (a coletividade fria, a organização social, a organização
cultural que dita meu pensamento, sem que eu saiba, por
meio de seus paradigmas, seus princípios de controle do
discurso que aceito inconscientemente)? Ou é um “isso”,
uma máquina anônima infrapessoal, que fala e me dá a ilusão
de que fala de mim mesmo? Nunca se sabe até que ponto
“Eu” falo, até que ponto “Eu” faço um discurso pessoal e
autônomo, ou até que ponto, sob a aparência que acredito ser
pessoal e autônoma, não faço mais que repetir ideias
impressas em mim ...
A noção de sujeito
Edgar Morin (1999)
A noção de sujeito-pessoa é construída no decurso da história, mas sua marca
na modernidade é a fundação do indivíduo e nesse momento centraliza as questões
jurídicas. Com a Revolução Francesa e a consagração do princípio da igualdade e a
imposição da liberdade e da fraternidade, o sujeito de direito torna-se o centro da
normatividade- uma preocupação concreta do direito. É portanto, no seio do
liberalismo que é deflagrada a noção de sujeito de direito-pessoa-indivíduo.
Até a idade média, ainda que sem a equânime distribuição de justiça, o status
determina os particularismos da sujeição da pessoa ao direito, o coletivo e a noção de
pertencimentos obstaculizam e tornam o direito insuscetível do questionamento do
seu atribuir-se a subjetividades individualizadas. Também não há uma visão
suficientemente antropocêntrica que permita centralizar o indivíduo pessoa - sujeito
de direito- no campo do conhecimento jurídico e da normatividade .
Não se nega que nesse período se reconheçam direitos às pessoas, mesmo
direitos personalíssimos, mas a pessoa homem sujeito indivíduo não é o núcleo de
preocupação determinante. É a dimensão direito enquanto campo específico da
justiça, que se realiza.
Tratando desse período Mario Reis Marques afirma
...a multiplicidade subjectiva, faz transparecer a ausência de
unificação do sujeito de direito. Assim, ao invés de tratar todos de
forma idêntica, a ordem jurídica distingue, diferenciando as regras do
agir jurídico de acordo com o status dos diversos sujeitos jurídicos.
(2012,p.234).
A modernidade, que se consagra intensamente nos primados da Revolução
Francesa muda esse modelo fragmentário e estamental. Generaliza, uniformiza,
objetiviza.A norma é universal, geral- para sujeitos igualmente gerais e universais. A
universalização de normas para todos os sujeitos reclama a configuraçãodesse sujeito
subsumível ao indivíduo igual a todos. Pela noção de liberdade impõe-se um
protótipo de sujeito capaz da sua autodeterminação. Esse sujeito terá que dispor de
sua esfera de interesses, de deliberar por si, de contratar, de manifestar sua vontade
no campo econômico. O postulado da fraternidade, por sua vez invoca um sujeito
indivíduo a se por frente a frente ao outro, exige-lhe estar na relação com outro, ou
ainda como terceiro. Portanto, exige-se o indivíduo!
A proposta jurídica da modernidade pela de codificação alimenta esse modelo
universalista. O código moderno é a generalização, a universalização, a unificação do
tratamento jurídico dos temas e das pessoas. Antes das codificações, nos modelos de
multiplicidades de ordens normativas, os sistemas jurídicos consagram as diferenças
de tratamento e portanto a desigualdade dos sujeitos perante a lei. A complexidade
dos sistemas jurídicos vários, a multiplicidade e a sobreposição de fontes somada a
variedade subjetiva, instalada numa sociedade por ordens, que funciona por meio de
um sistema de privilégios, impondo isso ao direito, impede que se identifique um
sujeito de direito.
Esse sujeito aparece inicialmente, no plano teórico da racionalidade
jusnaturalista, quando se afirmam os direitos inatos do homem. Surge aí a noção de
direito individual e o sujeito floresce no âmago das especulações do direito. É
também no âmbito dessa corrente filosófica que o sujeito de direito passa a ser
identificado como pessoa. É a semente da ideia de direito enquanto atributo de
sujeitos.
A ponta desse fio condutor está na sociedade estamental, em que o homem
conformado ao seu status, balisado por uma série de condicionantes que o
determinam, é considerado um sujeito. Ainda não como elemento central de um
sistema, mas já sujeito. Sujeito que se configura pelas suas condições de existência. E
nelas tem definida a sua capacidade ( a capacidade de cada sujeito), capacidade
mesma que será, posteriormente, o aspecto central da jurisdição na era dos códigos. (é
a semente).
Com a Revolução Francesa há a unificação do sujeito de direito que, enquanto
indivíduo, ocupa o vértice da questão jurídica. A noção de personalidade avança em
autonomia . A noção de direito jusnaturalista, individualista, fortalece a formação
deste conceito. “É este um período marcado por uma clara acentuação da tendência
para a «subjetivação dos direitos e para o reforço dos direitos individuais face ao
Estado».
O espírito burguês manifesta-se por meio de um individualismo
anticorporativo que postula o cidadão como célula autônoma da humanidade, como
centro de imputação de direitos subjetivos” (MARQUES,2010, p.101).É nesse
contexto que o homem passa a condição de sujeito de direito, que se determina que a
personalidade é igual para todos os cidadãos e que a capacidade jurídica, já afastada
dos estamentos, deve ser a medida da personalidade. O homem-pessoa será o sujeito
de direito dos códigos.
Todos dotados de personalidade, mas com possíveis diferentes capacidades,
mais ou menos reconhecidas, como as mulheres e os menores. Esses menos
capacitados não são o alvo de preocupação do direito. São as excepcionalidades. “O
sujeito jurídico pressuposto é o homem adulto proprietário”.(MARQUES, 2010,p.
104) É o sujeito que vai promover a circulação de riquezas numa perspectiva
liberal.É esse sujeito de direito- o homem dotado de personalidade cuja capacidade
conferir-lhe-á as dimensões- que vai ser o objetivo último da normatividade. O
homem dotado de capacidade econômica plena e de autodeterminação, numa
perspectiva liberal.
E o sujeito de direito então passa a ser anterior à normatividade (e talvez seja
isso que tenhamos que questionar). Se antes a normatividade definia quem era o
sujeito, a que ordem ele pertencia, hoje a normatividade vai em direção ao sujeito
preexistente.
O sujeito na ordem liberal, na era das codificações, já não mais se define a
partir da normatividade, como nas sociedades por ordens, mas é anterior a ela. Isso
fica muito evidente, e uma simples leitura dos nossos códigos revela tal. A ordem
contida no texto normativo posto como “Matar alguém”, “Ofender a integridade física
de alguém” revela que nosso direito se estrutura em enunciados descritivos de ações
em direção a um sujeito preexistente.Eclode aí a relação público privado e a ampla
sujeição do direito ao estado, o que para alguns é o crepúsculo do direito. A perfeita
sujeição do direito a política. Paolo Grossi afirma como ponto essencial que distingue
a modernidade jurídica é a estatalidade do direito.
a juridicidade vinculada à estatalidade, o Estado como único
sujeito histórico capaz de transformar em jurídica uma vaga regra
social; o direito se manifesta unicamente na voz do Estado, ou seja,
na lei, a qual se- se não é formalmente a única fonte- o é
materialmente, porque está no vértice de uma hierarquia
intransponível; o velho pluralismo jurídico é em um golpe eliminado
e o absolutismo jurídico toma sempre mais espaço na civilização do
máximo liberalismo econômico; ciência jurídica e laboriosidade dos
juízes são expulsas do processo criativo do direito, reduzidas a um
papel ancilar do legislador, enquanto a sua interpretação- velho
motor propulsivo da experiência medieval- é contraída e minimizada
ao não papel de exegese, isto é, de repetição banal e servil da vontade
que o legislador encerrou na lei. (2006, p.53)
Superar a modernidade, com as injustiças consagradas pela redutiva igualação
e elitização de direitos erefigurar esse sujeito de direito liberal, buscando consolidar
os valores do novo constitucionalismo democrático latino americano exige pensar as
subjetividades sob novas perspectivas teóricas e permear-se a introdução de outros
elementos para a identificação dos sujeitos.
É tentar encontrar instrumentos de identificação abertos. A busca pelo sujeito
de direito procede-se por ações de identificação em que são acolhidos valores e em
que irrompem capacidades e responsabilidades. Não é uma procura aberta. A procura
da identificação é uma procura por um sujeito capaz.
4. A BUSCA PELO SUJEITO CAPAZ-SUJEITO DE DIREITO PÚBLICO
O que se vê na modernidade é a capacidade dimensionando a personalidade.
Nessa perspectiva, a superação das incoerências e injustiças da modernidade exige,
nessa busca, a inclusão de valores para além da capacidade econômica do liberalismo.
Como diz Ricoeur (2008,21):“Examinando as formas mais fundamentais da pergunta
quem? Somos obrigados a conferir sentido plenos a noção de sujeito capaz”.
Dadas as suas origens, no modelo contemporâneo de direito, a capacidade é,
como atributo fundamental da personalidade, o núcleo de toda jurisdição. O Código
Civil diz em seu artigo 1º “ Toda pessoa é capaz de direito e obrigações na esfera
civil” ( grifo nosso). Mas a ideia de capacidade por si só não constrói o direito. À
ideia de capacidade está agregada o reconhecimento e o respeito ao homem, ainda que
em virtude desta mesma capacidade. Esta operação levada adiante pela tradição
liberal é imprescindível para darmos sentido ao direito moderno.
Mas não é somente o reconhecimento e o respeito ao homem que está
agregado a noção de capacidade. À capacidade designa também atribuição. A
identificação de um agente significa atribuir a alguém uma ação, e aqui se encontra o
possível diferencial da perspectiva liberal. Porque nessa seara se integram valores
alheios à universalização do modelo codificado.
Isso passa pelo reconhecimento do Quando um sujeito age, ele cria uma
polaridade, cria uma relação “eu-tu’. Os atos de fala são os melhores exemplos dessa
ligação. Quando alguém fala, ele fala para alguém. O falar sozinho não carece de
sentido, ou só tem sentido psicológico”.
Explica Martin Buber que a relação com o tu é imediata.
Entre o Eu e o Tunão se interpõenenhumjogo de conceitos,
nenhumesquema, nenhuma fantasia; e a própriamemória se
transforma no momentoemquepassa dos detalhes à totalidade. Entre
Eu e Tunãoháfimalgum, nenhumaavidezouantecipação; e a
própriaaspiração se transforma no momentoemquepassa do sonho à
realidade. Todomeio é
obstáculo.Somentenamedidaemquetodososmeiossãoabolidos,
acontece o encontro.(2009, p.49)
Essa interação “eu-tu” torna-se uma relação capaz de criar sujeitos de direito
quando o eu se vê no tu, quando acontece o que Ricoeur chama de “eu mesmo como
outro”. Nessa relação “eu-tu” deve vir inserida em um contexto de veracidade, de
sinceridade. Eu só posso me ver no outro se acreditar que o outro é sincero.
Mas a relação interpessoal não é suficiente para per si descrever o surgimento
do sujeito de direito. Outros elementos haverão de ser revelados, numa perspectiva
contextual coletiva e comunitária. Nas relações de fala aparece sempre um terceiro,
que é o referente ou a materialização do eu mesmo como o outro. Um exemplo claro
do surgimento do terceiro acontece nos atos de promessa. Na promessa a minha
capacidade de agir de acordo com minha intenção cria um pacto que se estende para o
futuro. Essa distensão para além do eu e tu presentes ultrapassa o face-a-face e gera
expectativa para toda a comunidade.
Essa capacidade de a promessa criar uma relação triádica já fora explorada por
Nietsche no século XIX. Na segunda dissertação da Genealogia da Moral ele diz
(NIETZSCHE,1999.47): “ Criar um animal que pode fazer promessas - não é esta a
tarefa paradoxal que a natureza se impôs, com relação ao homem? Não é este o
verdadeiro problema do homem?”
Esse embrião jurídico que nasce pela promessa mostra a dificuldade de se
desprezar a noção de sujeito de direito, que se revela fundamental para a filosofia
jurídica contemporânea e também para a teoria do direito.A promessa liga eu-tu-
comunidade. Depois dela todo âmbito jurídico está ligado. Após a promessa, o sujeito
de direito está devidamente criado. O sujeito capaz se inseriu na espera pública como
sujeito de direito. Mas ressalte-se, um sujeito capaz inserido na esfera pública. Um
sujeito responsável publicamente.
Isso nos leva a crer que todo problema jurídico é também um problema
político. “ O poder político, através de todos os níveis de poder considerados,
apresenta-se em continuidade como o poder por meio da qual caracterizamos o
homem capaz” (RICOEUR, 2008, p.29).
Como elemento político a noção de sujeito capaz foi fundamental para o
florescimento do liberalismo. Pela negação da responsabilidade política do sujeito
capaz. O liberalismo isolou o sujeito de direito do contexto da esfera pública e
recolocou em um espaço de contrato fundacional e apolítico. É como se no momento
em que pactua, o homem se isola de toda comunidade para decidir o futuro dessa
comunidade. Numa relação paradoxal, um sujeito de direito dado pelo jogo
comunitário se torna sujeito de direito apartado da sociedade. E nesse sentido em
Hobbes o sujeito que pactua em ceder parte de sua liberdade para o estado é um
sujeito que entrou no jogo contratual plenamente capacitado como sujeito de direito.
(RICOEUR, 2008, p.31)
A ideia de surgimento de terceiro pela promessa é aquela de sujeito de direito
que pactua encobriu a relação primordial eu-tu. “Ora quem é o defrontante da justiça?
Não o tu identificado pelo teu rosto, mas cada um na qualidade de terceiro” (2008,
p.30).
Assim, a ideia de justiça surgida no liberalismo é fundamentada no elemento
terceiro e não na relação binária “ eu-tu” Essa justiça universal, a justiça de terceiro
atingiu seu apogeu em Kant. Com uma justiça baseada no imperativo categórico, do
“faça como se tua ação fosse uma máxima de ação universal”
Richard Rorty aponta esse esquecimento da relação pessoal para a construção
da justiça. Em Justiça como lealdade ampliada, Rorty faz uma importante descrição
pragmática da justiça. A partir de um cenário em que temos um familiar nosso
procurado pela justiça, não temos pudor ao escondê-lo da polícia. Aparece aí a
lealdade. Mas se esse ato de lealdade preocupar alguém, podemos nos sentir
balançados entre o contar e o esconder. Quando maior a identificação com o
prejudicado maior será o dilema. Será que nesse momento existe um conflito entre
lealdade ou justiça, ou será esse um conflito entre lealdade com grupos amplos e
lealdade com grupos pequenos.A substituição de justiça por lealdade é a própria ética
pragmática, que abdicar-se de usar conceitos universais.
Rorty relata que a tradição filosófica, notadamente em Platão e Kant,
associam lealdade a sentimentos e justiça a racionalidade. Não existe nada, entretanto,
que diga que essa ligação é validade e que, o certo é sempre estar ao lado da razão.
Não há um tribunal da razão, que atua como última estância de julgamento de nossas
ações.
O filósofo americano diz que a lealdade, ou a relação eu-tu na terminologia de
Ricoeur” é importante para a construção da justiça. Não é somente por imperativos
universais que iremos resolver nos dilemas éticos e morais. O terceiro elemento que
surge da relação interpessoal é inevitável, mas isso não que dizer que devemos
construir uma justiça pautada exclusivamente nesse elemento. A noção de sujeito de
direito é fundamental para a sustentação de nossa justiça. A partir dela, a relação
dever e responsabilidade é posta em espaço público. Usar dessa noção de sujeito de
direito para construir uma justiça excessivamente universalista talvez não seja o
melhor caminho para resolvermos nossos problemas jurídicos. Temos que ter sempre
em mente que o sujeito de direito advém do sujeito capaz. E um sujeito capaz é aquele
que tem deveres e responsabilidades. O esquecimento do sujeito capaz é o
esquecimento de nossas responsabilidades e dos nossos jurídicos. Trazer de novo a
cena, esses dois elementos nos colocará melhor capacitados para resolver questões
jurídicas.
4. O SUJEITO CAPAZ NO ESPAÇO PÚBLICO NA PERSPECTIVA
RICOEURIANA
Devemos considerar que a noção de sujeito capaz, ou seja- o sujeito dotado de
direito de deveres, é insuficiente para a ideia sujeito de direito. Um sujeito de direito é
aquele que está inserido em um contexto público, que está inserido em um contexto
político e comunitário. E responde de acordo com esses contextos.
Paul Ricoeur diz então que um sujeito de direito é aquele que está mediado
continuamente por formas interpessoais de alteridade e formas institucionais de
associação.
Os fundamentos originais dessa ideia comportam uma contradição. Temos que
ponderar que, como elemento político a noção de sujeito capaz foi fundamental para o
florescimento do liberalismo. Mas o liberalismo isolou o sujeito de direito do contexto
da esfera pública e recolocou em um espaço de contrato fundacional e apolítico. É
como se no momento em que pactua, o homem se isolasse de toda comunidade para
decidir o futuro dessa comunidade. É uma relação paradoxal em que um sujeito de
direito dado pelo jogo comunitário se torna sujeito de direito apartado da sociedade. É
isso que se tem que vencer.
A noção de sujeito de direito, construída nos moldes do liberalismo
florescente, precisa ser refigurada para sustentar a ideia de justiça (mais ampla),
porque é fundamental para isso. A partir dessa concepção de sujeito de direito, a
relação dever e responsabilidade deve ser posta em espaço público. Para a própria
superação dela.
Usar da noção de sujeito de direito capaz para construir uma justiça
excessivamente universalista, para promover a hierarquização, a dominação dos
sujeitos, é negar os valores do constitucionalismo latinoamericano. Basta
considerarmos os frutos gerados pela constituição do conceito de sujeito de direito e
pela proposta da universalização do sujeito, na Revolução Francesa.
Uma proposta para contemplar esses novos valores constitucionais é avançar
da noção de sujeito de direito advinda do sujeito capaz liberal, para a noção de
homem capaz( no pensamento de Ricoeur). A noção de l’hommecapable é o fio
condutor da filosofia ricoeuriana. O problema da capacidade humana está além dos
limites impostos nos códigos da idade moderna, referentes à possiblidade de
apropriação de bens e autodeterminação de sua disposição. Mais que isso, estabelece
o link entre o ação e o sofrimento humano . Nossas capacidades se entrelaçam com as
vulnerabilidades e a pessoa capaz é aquela que está apta a realizar e ser responsável.
Somente dessa proposição é que se pode pensar os sujeitos de direitos nas
coletividades numa perspectiva emancipatória. Somente no entrelaçamento com as
vulnerabilidades é que podemos pensar a pacha mama como sujeito de direito.
Um sujeito capaz, na perspectiva de l’hommecapable, é aquele que tem
deveres e responsabilidades, não apenas no plano da propriedade, da acumulação das
riquezas, como no liberalismo econômico. É preciso ampliar-lhe as imputações para
seus atos, para as suas atribuições, nos espaços público, comunitário e político. O
esquecimento do sujeito capaz é o esquecimento de nossas responsabilidades e dos
nossos deveres jurídicos, num plano além do econômico. A assunção dessa noção de
sujeito nos colocará melhor capacitados para resolver questões jurídicas dos direitos
da terra, da natureza, das coletividades.
Numa perspectiva dos direitos fundamentais, há que se pensar que a
construção do conceito de sujeito de direito é uma face da afirmação histórica dos
direitos humanos (que em algum momento estarão declinados como direitos
fundamentais já que o novo constitucionalismo democrático se abre para os
documentos internacionais sobre esse tema). Pode-se estabelecer um marco temporal
para refletir sobre isso a partir dos documentos modernos das revoluções, que tiveram
por pressuposto o primado da igualdade. Tanto na Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América, quanto na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão da Revolução Francesa – firma-se a noção de sujeito- indivíduo, numa
perspectiva de generalização e homogeneização, excludente de diferenças e de
particularidades. Um sujeito indivíduo ahistórico, não comunitário. Sujeito de direito
liberal.
A afirmação histórica dos direitos humanos, sofreu forte influência do ideário
liberal e acompanhou a construção da instituição estatal, pautada nos princípios da
territorialidade, da soberania absoluta do Estado e da liberdade, atrelada, sobretudo,
ao direito de propriedade. Neste processo, há a reafirmação do indivíduo garantido
pelos postulados da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
Essa trajetória a que vimos nos referindo, atravessa fases que imprimem a
matriz da construção da noção do sujeito de direito. A primeira delas busca afirmar
os direitos humanos como preceito ideológico universal. Mostra-se, a partir dos
movimentos revolucionários do final do século XVIII, o recrudescimento do
liberalismo econômico no processo de construção do Estado de Direito, sobretudo na
afirmação de que o direito protege o indivíduo contra o Estado. Verifica-se aqui,
como dantes afirmado, o papel desempenhado pelas revoluções e seus documentos
no processo de queda das monarquias absolutistas e no reconhecimento do indivíduo
como sujeito de direito, de forma egoísta e excludente.
O movimento sequente promove a constitucionalização dos direitos, ou
juridicização das cartas políticas, e a codificação, em âmbito interno, firmando
direitos para o homem-sujeito-pessoa. A Constituição escrita traz a virtude de
incorporar ao ideário jurídico-político nascente a noção de que o ponto de partida para
a construção de uma sociedade liberta das formas tradicionais de dominação é a
afirmação da igualdade formal, se abstendo de enfrentar a questão do reconhecimento
da diversidade. A negligência se repetiu e a constitucionalização dos direitos acabou
por se apresentar como uma ferramenta para a emergência de nacionalismos,
autoritarismos e totalitarismos. Relegou os direitos humanos ao plano interno dos
Estados e com isso, a humanidade conheceu negligencias para com os direitos , o
subjugo da dignidade humana e o estabelecimento de autoritarismos, totalitarismos e
terrorismos de Estado.
Com as mazelas à humanidade originária dos conflitos mundiais surgem as
manifestações do direito internacional dos direitos humanos, já visando a um direito
humanitário e à proteção internacional do trabalho. O sujeito de direito, num plano de
devir internacional, já começa a ser apresentado nos documentos como um sujeito
comunitário e responsável em seu atuar. Esse mesmo direito condena práticas dos
Estados contra coletividades. Também a proteção internacional do trabalho, ao
estabelecer parâmetros referências para a construção de seus aparatos regulatórios das
relações de trabalho, coletiviza sujeitos de direito, ampliando o conceito.
A Segunda Guerra Mundial impõe a noção de coletividades pela exclusão,
pelo extermínio e pela dor, negando cruelmente a igualdade formal. O extermínio
passa a ser política de Estado e a utilização de armas de destruição em massa são
marcas indeléveis deixadas pela Segunda Guerra à humanidade, que nos dizeres de
Hannah Arendt (1999), são um retrato da banalização do mal e da institucionalização
do culto à virtude vazia.
A partir do reconhecimento disso, os direitos humanos ganham novos rumos, e
no âmbito internacional, portando muito mais na esfera política do que jurídica
interna, as comunidades e coletividades são consideradas em suas diferenças e a
noção de sujeito de direito se complexifica. Isso se mostra no processo de codificação
internacional dos direitos do homem, que tem como marco a adoção da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948) e os Pactos dela decorrentes, quais sejam, o
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos adotados pela Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas em 1966.
A proteção dos direitos humanos do pós-guerra, consigne sua importância,
reconheceu diferenças e categorias de sujeitos mas não conseguiu mudar a relação
entre indivíduo e Estado, não interferiu suficientemente nos ordenamentos internos
para transformar o sujeito de direito em sujeito capaz, institucional, política e
comunitariamente; tampouco foi capaz de contemplar a violência institucionalizada e
amplamente difundida pelo colonialismo europeu. (E é isso que o Novo
Constitucionalismo democrático latino-americano pretende mudar.)
Ocorre que, embora se reconheça uma ampliação das noções de sujeito nos
documentos internacionais, percebe-se que o modelo adotado, que reproduz a ordem
político-jurídica fundada pelo constitucionalismo de direitos do século XVIII, impede
os avanços. Isso porque ele consagra a assimetria de poder e a falta de um locus
central manifestação. Seus sistemas de monitoramento pouco vão além dos
postulados da revolução francesa, em prol da igualdade e desprezando a diversidade.
Somente nos último vinte anos parece-nos que o direito esteja mais próximo
de abrigar a necessidade de reconhecimento da diferença como uma construção
histórica da humanidade. No processo de ampliação do rol de sujeitos de direitos por
meio da sua especificação, o sistema fundado pelas Nações Unidas passa a levar em
conta o indivíduo não somente na sua generalidade, mas também na sua
especificidade. E aí, com um apelo efetivo as aspectos comunitários e culturais.
A partir da década de 1990, portanto, o reconhecimento formal desses novos
sujeitos de direitos reforça a ideia de que o momento é o do surgimento de novos
direitos, quando na verdade os direitos foram os mesmos, somente foram estendidos a
grupos, minorias e coletividades, tradicionais ou não, até então negligenciadas pelo
aparato regulatório estatal. Entretanto, não se funda um novo pressuposto, que deveria
ser o do sujeito capaz, mas repete o pressuposto da igualdade em detrimento da
diferença, segmenta a sociedade e, consequentemente, hierarquiza os sujeitos de
direito.
O ponto de partida para a compreensão desse modelo é a própria
hierarquização dos sujeitos de direito. A ideia de direitos humanos, sobretudo quando
se fala de direitos econômicos, sociais e culturais, como “devires”, baseia-se em
estamentos. “devires minoritários” enquanto reconhecimento e afirmação de
categorias de pessoas pertencentes a grupos minoritários que, se tomados juntos,
tornam-se maioria.
Esse modelo, nega o pluralismo, o respeito a diversidade e estamenta a
sociedade em classes sociais e segmenta em minorias étnicas, minorias religiosas,
categorias de trabalhadores, categorias de produtores, categorias de proprietários, e
assim sucessivamente, demonstrando a falibilidade do sistema que institui a igualdade
formal, como resultante de pressupostos éticos e morais universais.
Assim, os direitos das coletividades, fora dos valores do constitucionalismo
democrático latino-americano, nega o sujeito de direito enquanto homem capaz.
Reproduz formas de aprisionamento, hierarquização, segregação e domesticação do
ser humano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar os direitos humanos para a realização da justiça pública, social e
coletiva exige um esforço de fundamentação teórica para além da teoria do direito
tradicional, numa superação dos postulados do pensamento liberal, que introduz a
contraposição público-privado e a orientação apolítica dos atores sócias envolvidos no
processo de distribuição da justiça.
O sujeito de direito há de ser um sujeito público, revelado nas muitas possíveis
subjetividades, que afloram da responsabilidade pública- política, comunitária e
coletiva. Na perspectiva dos direitos humanos, isso quer dizer aferir a distribuição de
justiça pública-social e coletiva, para além do conceito de direito como atributo do
sujeito e do conceito de sujeito de direito privado, originário do pensamento liberal.
O novo constitucionalismo latino americano, ao pressupor o fortalecimento da
América Latina nas suas relações internacionais, por meio do reconhecimento do
multiculturalismo e da pluralidade de povos, de nações e no reconhecimento das
mais variadas fontes de direitos, exige responsabilidades públicas de todos os atores,
de todos os sujeitos, de todas as pessoas, de todos os homens e mulheres que se
incluem nas subjetividades reconhecidas e na dignidade que integram.
Invoca, na sua concreção, muito mais do que oferece o atual modelo de
realizar dos direitos no plano do homem indivíduo, no modelo contemporâneo de
distribuição de justiça do direito privado fundado e servindo ao liberalismo
econômico.
O homem sujeito de direito capaz, insere-se responsavelmente na noção de
humanidade, abrangente do outro e do comunitário. A humanidade deve estar para
além do plano individual (Benjamin), no plano coletivo, para que no plano do direito
o estranho não seja não presente e, portanto, excluído do acesso à justiça. O direito
não há de ser atributo de sujeito privado, oponível contra todos, na sua existência
contra os demais. O direito é a manifestação do justo social, público-coletivo,
comunitário e político- a que todos -sujeitos e não sujeitos- tenham acesso, não
apenas os lembrados ou reconhecidos pela ordem vigente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2009
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03/08/2012
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Editora Vozes 2009.
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______________ O justo ou a essência de Justiça. Lisboa, Instituto Piaget,
1995.
______________Tempo e Narrativa. T.1 e 3. Campinas: Papirus, 1994.
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Contemporânea. Lisboa – Rio de Janeiro, 1992, p.327/352.
_______________Outramente. Trad. Pergentino Stefano Pivatto; Petrópolis: Vozes
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________________Memória, História e esquecimento. Campinas, Ed.Unicamp.
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Disponível em <<http://portal.filosofia.pro.br/arquivo-rorty.html>> Acesso em:
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Academia Brasileira de Direito Constitucional, 2010. p. 143-155

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O sujeito público para além do sujeito privado

  • 1. PROPONENTE: Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega. Mestre e Doutora em Direito pela PUC SP, Pos Doc. Universidade de Coimbra, Professora Titular na Universidade Federal de Goiás e Professora na Universidade de Ribeirão Preto. EIXO TEMÁTICO DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO O SUJEITO PÚBLICO PARA ALÉM DO SUJEITO DO DIREITO PRIVADO NO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO AMERICANO. RESUMO Propõe-se refletir sobre os direitos humanos numa perspectiva de distribuição de justiça pública-social e coletiva, para além do conceito de direito como atributo do sujeito e do conceito de sujeito de direito privado originário do pensamento liberal. A proposta constitucional democrática latinoamericana, que pressupõe o fortalecimento da América Latina nas suas relações internacionais, em virtude de ter por fundamentos o multiculturalismo e a pluralidade de povos, nações e direitos, exige, na sua concreção, muito mais do que oferece o atual modelo de realizar dos direitos no plano do homem indivíduo, no modelo contemporâneo de distribuição de justiça do direito privado fundado e servindo ao liberalismo econômico. A humanidade deve estar para além do plano individual (Benjamin), no plano coletivo, para que no plano do direito o estranho não seja não presente e, portanto, excluído do acesso à justiça. O direito não há de ser atributo de sujeito privado, oponível contra todos, na sua existência contra os demais. Impõe-se a ideia de direito enquanto manifestação do justo social, público-coletivo, comunitário e político- a que todos -sujeitos e não sujeitos- tenham acesso, não apenas os lembrados ou reconhecidos pela ordem vigente. Palavras chave: Novo constitucionalismo democrático latino-americano, sujeito de direito, cidadania.
  • 2. INTRODUÇÃO Revisitar o conceito o sujeito de direito para instituir um sujeito público que supere a noção privatística dessa figura jurídica, a partir de uma nova teoria do direito constitucional, buscando as perspectivas de distribuição de justiça pública-social e coletiva, demanda a compreensão do processo histórico de construção desse conceito (de sujeito de direito) e os avanços trazidos pelo Novo constitucionalismo democrático latino americano, no plano das subjetividades e titularidades jurídicas. O modelo constitucional latino-americano, que se inaugura na década de noventa, introduziu novos titulares de direito e criou subjetividades não afirmadas até então, ao instituir direitos da natureza, direitos coletivos, sociais, étnicos. Colocou em questão a figura de um sujeito de direito nos moldes do direito moderno, liberal, ao promover a igualdade material complexa, includente do reconhecimento das diferenças. A partir daí, torna-se impossível a subsunção dessas novas subjetividades públicas ao modelo hermético de sujeito de direito privado. As constituiçõeslatinoamericanas das últimas décadas, em que se destacam a do Equador e da Bolívia, identificam titularidades jurídicas que surgem para além do modelo de direito liberal e resgatam os esquecidos pela história e pelo direito, os marginalizados, enquadrados em universalidades negadoras do reconhecimento das peculiaridades, como os muitos povos que são englobados na noção de indígenas. Essas constituições caracterizam-se por se abrir a inclusão permanente de direitos e a atualização perene de reconhecimentos. Essa abertura se verifica de maneira diversa em cada texto constitucional. Tem sido apontada como a mais avançada, segundo os estudiosos do tema, aquela inserida na Constituição do Equador, com a inclusão da noção de “buenvivir” (“SumakKawsay”, em língua do povo Quíchua), na qual se integram e podem se incluir os diferentes perfis da propalada dignidade humana, como o direito à alimentação, à agua, ao ambiente são, à comunicação e informação, ao respeito à identidade cultural, à educação, à morada segura, à saúde, ao trabalho, à seguridade social. Tudo a exigir um revisitar da restrita teoria que nos oferece possibilidades limitadas do conceito de sujeito de direito. Pensar possibilidades teóricaspara atender propostas jurídico-constitucionais que suportem o reconhecimento de direitos às coletividades,e nesse reconhecimento o alargar das subjetividades, é refletir para além do conceito de sujeito forjado na perspectiva do liberalismo econômico e às luzes do racionalismo individualista
  • 3. moderno. É desbravar um mundo de possibilidades que revelam a hipocrisia contida na afirmação dos direitos humanos. A noção moderna de sujeito de direito se esgota frente ao instituir-se o ordenamento plural, confronta e recusa os primados da revolução francesa da igualdade e da liberdade, reconhecendo-os como primados de um modelo econômico capitalista.. 2. O SURGIMENTO DE UM NOVO CONSTITUCIONALISMO A América Latina a partir de propostas de reorganização política, muitas de cunho popular, inaugurou um movimento de revisão dos modelos democráticos até então praticados, a que se tem denominado, numa leitura teórica posterior, Novo Constitucionalismo Democrático Latino-americano. Num período de duas ou três décadas, e em vários países, foram elaboradas constituições com um perfil diferenciado das anteriores e que apontam para mudanças na forma e no conteúdo do direito que conhecemos. As constituições surgidas desses movimentos são os documentos básicos para o estudo desse constitucionalismo associado a ativismos em favor da implantação das “novas” democracias. Isso se desenvolve em vários países, como Brasil, Bolívia, Venezuela, Equador, entre outros, e tem fomentado elaboração teórica e diferentes práticas políticas. A América Latina é marcada por uma realidade de origem colonialista dependente dos modelos hegemônicos do hemisfério norte. As estruturas social, econômica e política, implementadas nesses territórios a partir de um modelo capitalista, liberal e positivista pré-independência formal, são preservadas até muito recentemente, garantindo-se conservar a dominação cultural, política e social. Esse processo de dominação cultural colonial se dá no pensamento jurídico e nas suas referências jusfilosóficas. O direito nacional dos países latinoamericanos, e a prestação da tutela jurisdicional consequente dele, reproduziu os modelos trazidos da Europa, sem considerar as diferenças dos contextos locais. O mesmo modelo de sujeito de direito europeu se impõe na América colonizada. Nos países latino-americanos, oideário constitucional moderno europeu serviu apenas para consagrar privilégios a elites, não logrando sequer a universalizaçãodos direitos e o princípio da soberania, suas principais bandeiras. Isso se agrava no limiar
  • 4. do século XXI, com a sujeição ao neoliberalismo, que fortaleceu as mazelas sociais ao buscar reduzir o caráter protetivo do estado, revogar direitos sociais e impor medidas econômicas que não atendiam ao interesse dos povos locais, repetindo o modelo de absorção cultural colonialista, de incorporar, no âmbito interno, as mudanças ocorridas na Europa e nos Estados Unidos da América. Isso dizimou culturas e destruiu a natureza, em muitos locais. Numa perspectiva teórica, percebe-se uma cisão entre o pensar constitucional e a prática política, o que dificulta uma percepção da América Latina. Vários autores, precedidos por Boaventura de Sousa Santos, entendem que isso ocorre, em primeiro lugar, porque a teoria política foi desenvolvida no norte global, com a pretensão de modelo teórico universal, aplicável a todas as sociedades. Seus conceitos muitas vezes são incompatíveis com nossas sociedades latino-americanas. Em segundo lugar, considera-se que a transformação social proposta pela teoria política tem uma perspectiva nortenha, distante das grandes práticas transformadoras dos últimos trinta anos, vindas do Sul e marginalizadas pelos teóricos tradicionais. Por fim, destaca-se o caráter monocultural da teoria política, de base eurocêntrica, de difícil adaptação a culturas e religiões não ocidentais, como as culturas indígenas. Pondera-se, outrossim, a resultante da ignorância do caráter colonialista pela teoria política e pelas ciências sociais, que tomaram a independência formal dos países da América Latina, como material, de natureza efetivamente emancipatória. A antropologia e a sociologia jurídicas relegaram à história as questões referentes ao colonialismo social ou colonialismo interno (SANTOS, 2007, p. 12-13). Esse desajustamento, os conflitos nele gerados e a organização de setores populares em torno de partidos de esquerda fez florescer um novo constitucionalismo, refundando um direito que se pretende articulado a um projeto político, que parte da realidade social específica da América Latina, rumo a um direito democrático, autêntico, que promova a justiça social e pretende apontar soluções para os problemas sociais e ambientais. Nessa perspectivas, surgem novas subjetividades jurídicas exigindo das pessoas responsabilidade nos planos político, comunitário e coletivo. E aí a necessidade de revisitar o conceito de sujeito de direito e a ideia de que os direitos são atributos de sujeitos.
  • 5. 3. A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE SUJEITO DE DIREITO ... Então, há um primeiro princípio de incerteza, que seria o seguinte: eu falo, mas, quando falo, quem fala? Sou “Eu” só quem fala? Será que, por intermédio do meu “eu”, é um “nós” que fala (a coletividade calorosa, o grupo, a pátria, o partido a que pertenço)? Será um “pronome indefinido” que fala (a coletividade fria, a organização social, a organização cultural que dita meu pensamento, sem que eu saiba, por meio de seus paradigmas, seus princípios de controle do discurso que aceito inconscientemente)? Ou é um “isso”, uma máquina anônima infrapessoal, que fala e me dá a ilusão de que fala de mim mesmo? Nunca se sabe até que ponto “Eu” falo, até que ponto “Eu” faço um discurso pessoal e autônomo, ou até que ponto, sob a aparência que acredito ser pessoal e autônoma, não faço mais que repetir ideias impressas em mim ... A noção de sujeito Edgar Morin (1999) A noção de sujeito-pessoa é construída no decurso da história, mas sua marca na modernidade é a fundação do indivíduo e nesse momento centraliza as questões jurídicas. Com a Revolução Francesa e a consagração do princípio da igualdade e a imposição da liberdade e da fraternidade, o sujeito de direito torna-se o centro da normatividade- uma preocupação concreta do direito. É portanto, no seio do liberalismo que é deflagrada a noção de sujeito de direito-pessoa-indivíduo. Até a idade média, ainda que sem a equânime distribuição de justiça, o status determina os particularismos da sujeição da pessoa ao direito, o coletivo e a noção de pertencimentos obstaculizam e tornam o direito insuscetível do questionamento do seu atribuir-se a subjetividades individualizadas. Também não há uma visão suficientemente antropocêntrica que permita centralizar o indivíduo pessoa - sujeito de direito- no campo do conhecimento jurídico e da normatividade . Não se nega que nesse período se reconheçam direitos às pessoas, mesmo direitos personalíssimos, mas a pessoa homem sujeito indivíduo não é o núcleo de preocupação determinante. É a dimensão direito enquanto campo específico da justiça, que se realiza. Tratando desse período Mario Reis Marques afirma ...a multiplicidade subjectiva, faz transparecer a ausência de unificação do sujeito de direito. Assim, ao invés de tratar todos de forma idêntica, a ordem jurídica distingue, diferenciando as regras do
  • 6. agir jurídico de acordo com o status dos diversos sujeitos jurídicos. (2012,p.234). A modernidade, que se consagra intensamente nos primados da Revolução Francesa muda esse modelo fragmentário e estamental. Generaliza, uniformiza, objetiviza.A norma é universal, geral- para sujeitos igualmente gerais e universais. A universalização de normas para todos os sujeitos reclama a configuraçãodesse sujeito subsumível ao indivíduo igual a todos. Pela noção de liberdade impõe-se um protótipo de sujeito capaz da sua autodeterminação. Esse sujeito terá que dispor de sua esfera de interesses, de deliberar por si, de contratar, de manifestar sua vontade no campo econômico. O postulado da fraternidade, por sua vez invoca um sujeito indivíduo a se por frente a frente ao outro, exige-lhe estar na relação com outro, ou ainda como terceiro. Portanto, exige-se o indivíduo! A proposta jurídica da modernidade pela de codificação alimenta esse modelo universalista. O código moderno é a generalização, a universalização, a unificação do tratamento jurídico dos temas e das pessoas. Antes das codificações, nos modelos de multiplicidades de ordens normativas, os sistemas jurídicos consagram as diferenças de tratamento e portanto a desigualdade dos sujeitos perante a lei. A complexidade dos sistemas jurídicos vários, a multiplicidade e a sobreposição de fontes somada a variedade subjetiva, instalada numa sociedade por ordens, que funciona por meio de um sistema de privilégios, impondo isso ao direito, impede que se identifique um sujeito de direito. Esse sujeito aparece inicialmente, no plano teórico da racionalidade jusnaturalista, quando se afirmam os direitos inatos do homem. Surge aí a noção de direito individual e o sujeito floresce no âmago das especulações do direito. É também no âmbito dessa corrente filosófica que o sujeito de direito passa a ser identificado como pessoa. É a semente da ideia de direito enquanto atributo de sujeitos. A ponta desse fio condutor está na sociedade estamental, em que o homem conformado ao seu status, balisado por uma série de condicionantes que o determinam, é considerado um sujeito. Ainda não como elemento central de um sistema, mas já sujeito. Sujeito que se configura pelas suas condições de existência. E nelas tem definida a sua capacidade ( a capacidade de cada sujeito), capacidade
  • 7. mesma que será, posteriormente, o aspecto central da jurisdição na era dos códigos. (é a semente). Com a Revolução Francesa há a unificação do sujeito de direito que, enquanto indivíduo, ocupa o vértice da questão jurídica. A noção de personalidade avança em autonomia . A noção de direito jusnaturalista, individualista, fortalece a formação deste conceito. “É este um período marcado por uma clara acentuação da tendência para a «subjetivação dos direitos e para o reforço dos direitos individuais face ao Estado». O espírito burguês manifesta-se por meio de um individualismo anticorporativo que postula o cidadão como célula autônoma da humanidade, como centro de imputação de direitos subjetivos” (MARQUES,2010, p.101).É nesse contexto que o homem passa a condição de sujeito de direito, que se determina que a personalidade é igual para todos os cidadãos e que a capacidade jurídica, já afastada dos estamentos, deve ser a medida da personalidade. O homem-pessoa será o sujeito de direito dos códigos. Todos dotados de personalidade, mas com possíveis diferentes capacidades, mais ou menos reconhecidas, como as mulheres e os menores. Esses menos capacitados não são o alvo de preocupação do direito. São as excepcionalidades. “O sujeito jurídico pressuposto é o homem adulto proprietário”.(MARQUES, 2010,p. 104) É o sujeito que vai promover a circulação de riquezas numa perspectiva liberal.É esse sujeito de direito- o homem dotado de personalidade cuja capacidade conferir-lhe-á as dimensões- que vai ser o objetivo último da normatividade. O homem dotado de capacidade econômica plena e de autodeterminação, numa perspectiva liberal. E o sujeito de direito então passa a ser anterior à normatividade (e talvez seja isso que tenhamos que questionar). Se antes a normatividade definia quem era o sujeito, a que ordem ele pertencia, hoje a normatividade vai em direção ao sujeito preexistente. O sujeito na ordem liberal, na era das codificações, já não mais se define a partir da normatividade, como nas sociedades por ordens, mas é anterior a ela. Isso fica muito evidente, e uma simples leitura dos nossos códigos revela tal. A ordem contida no texto normativo posto como “Matar alguém”, “Ofender a integridade física de alguém” revela que nosso direito se estrutura em enunciados descritivos de ações em direção a um sujeito preexistente.Eclode aí a relação público privado e a ampla
  • 8. sujeição do direito ao estado, o que para alguns é o crepúsculo do direito. A perfeita sujeição do direito a política. Paolo Grossi afirma como ponto essencial que distingue a modernidade jurídica é a estatalidade do direito. a juridicidade vinculada à estatalidade, o Estado como único sujeito histórico capaz de transformar em jurídica uma vaga regra social; o direito se manifesta unicamente na voz do Estado, ou seja, na lei, a qual se- se não é formalmente a única fonte- o é materialmente, porque está no vértice de uma hierarquia intransponível; o velho pluralismo jurídico é em um golpe eliminado e o absolutismo jurídico toma sempre mais espaço na civilização do máximo liberalismo econômico; ciência jurídica e laboriosidade dos juízes são expulsas do processo criativo do direito, reduzidas a um papel ancilar do legislador, enquanto a sua interpretação- velho motor propulsivo da experiência medieval- é contraída e minimizada ao não papel de exegese, isto é, de repetição banal e servil da vontade que o legislador encerrou na lei. (2006, p.53) Superar a modernidade, com as injustiças consagradas pela redutiva igualação e elitização de direitos erefigurar esse sujeito de direito liberal, buscando consolidar os valores do novo constitucionalismo democrático latino americano exige pensar as subjetividades sob novas perspectivas teóricas e permear-se a introdução de outros elementos para a identificação dos sujeitos. É tentar encontrar instrumentos de identificação abertos. A busca pelo sujeito de direito procede-se por ações de identificação em que são acolhidos valores e em que irrompem capacidades e responsabilidades. Não é uma procura aberta. A procura da identificação é uma procura por um sujeito capaz. 4. A BUSCA PELO SUJEITO CAPAZ-SUJEITO DE DIREITO PÚBLICO O que se vê na modernidade é a capacidade dimensionando a personalidade. Nessa perspectiva, a superação das incoerências e injustiças da modernidade exige, nessa busca, a inclusão de valores para além da capacidade econômica do liberalismo. Como diz Ricoeur (2008,21):“Examinando as formas mais fundamentais da pergunta quem? Somos obrigados a conferir sentido plenos a noção de sujeito capaz”. Dadas as suas origens, no modelo contemporâneo de direito, a capacidade é, como atributo fundamental da personalidade, o núcleo de toda jurisdição. O Código Civil diz em seu artigo 1º “ Toda pessoa é capaz de direito e obrigações na esfera civil” ( grifo nosso). Mas a ideia de capacidade por si só não constrói o direito. À ideia de capacidade está agregada o reconhecimento e o respeito ao homem, ainda que
  • 9. em virtude desta mesma capacidade. Esta operação levada adiante pela tradição liberal é imprescindível para darmos sentido ao direito moderno. Mas não é somente o reconhecimento e o respeito ao homem que está agregado a noção de capacidade. À capacidade designa também atribuição. A identificação de um agente significa atribuir a alguém uma ação, e aqui se encontra o possível diferencial da perspectiva liberal. Porque nessa seara se integram valores alheios à universalização do modelo codificado. Isso passa pelo reconhecimento do Quando um sujeito age, ele cria uma polaridade, cria uma relação “eu-tu’. Os atos de fala são os melhores exemplos dessa ligação. Quando alguém fala, ele fala para alguém. O falar sozinho não carece de sentido, ou só tem sentido psicológico”. Explica Martin Buber que a relação com o tu é imediata. Entre o Eu e o Tunão se interpõenenhumjogo de conceitos, nenhumesquema, nenhuma fantasia; e a própriamemória se transforma no momentoemquepassa dos detalhes à totalidade. Entre Eu e Tunãoháfimalgum, nenhumaavidezouantecipação; e a própriaaspiração se transforma no momentoemquepassa do sonho à realidade. Todomeio é obstáculo.Somentenamedidaemquetodososmeiossãoabolidos, acontece o encontro.(2009, p.49) Essa interação “eu-tu” torna-se uma relação capaz de criar sujeitos de direito quando o eu se vê no tu, quando acontece o que Ricoeur chama de “eu mesmo como outro”. Nessa relação “eu-tu” deve vir inserida em um contexto de veracidade, de sinceridade. Eu só posso me ver no outro se acreditar que o outro é sincero. Mas a relação interpessoal não é suficiente para per si descrever o surgimento do sujeito de direito. Outros elementos haverão de ser revelados, numa perspectiva contextual coletiva e comunitária. Nas relações de fala aparece sempre um terceiro, que é o referente ou a materialização do eu mesmo como o outro. Um exemplo claro do surgimento do terceiro acontece nos atos de promessa. Na promessa a minha capacidade de agir de acordo com minha intenção cria um pacto que se estende para o futuro. Essa distensão para além do eu e tu presentes ultrapassa o face-a-face e gera expectativa para toda a comunidade. Essa capacidade de a promessa criar uma relação triádica já fora explorada por Nietsche no século XIX. Na segunda dissertação da Genealogia da Moral ele diz (NIETZSCHE,1999.47): “ Criar um animal que pode fazer promessas - não é esta a
  • 10. tarefa paradoxal que a natureza se impôs, com relação ao homem? Não é este o verdadeiro problema do homem?” Esse embrião jurídico que nasce pela promessa mostra a dificuldade de se desprezar a noção de sujeito de direito, que se revela fundamental para a filosofia jurídica contemporânea e também para a teoria do direito.A promessa liga eu-tu- comunidade. Depois dela todo âmbito jurídico está ligado. Após a promessa, o sujeito de direito está devidamente criado. O sujeito capaz se inseriu na espera pública como sujeito de direito. Mas ressalte-se, um sujeito capaz inserido na esfera pública. Um sujeito responsável publicamente. Isso nos leva a crer que todo problema jurídico é também um problema político. “ O poder político, através de todos os níveis de poder considerados, apresenta-se em continuidade como o poder por meio da qual caracterizamos o homem capaz” (RICOEUR, 2008, p.29). Como elemento político a noção de sujeito capaz foi fundamental para o florescimento do liberalismo. Pela negação da responsabilidade política do sujeito capaz. O liberalismo isolou o sujeito de direito do contexto da esfera pública e recolocou em um espaço de contrato fundacional e apolítico. É como se no momento em que pactua, o homem se isola de toda comunidade para decidir o futuro dessa comunidade. Numa relação paradoxal, um sujeito de direito dado pelo jogo comunitário se torna sujeito de direito apartado da sociedade. E nesse sentido em Hobbes o sujeito que pactua em ceder parte de sua liberdade para o estado é um sujeito que entrou no jogo contratual plenamente capacitado como sujeito de direito. (RICOEUR, 2008, p.31) A ideia de surgimento de terceiro pela promessa é aquela de sujeito de direito que pactua encobriu a relação primordial eu-tu. “Ora quem é o defrontante da justiça? Não o tu identificado pelo teu rosto, mas cada um na qualidade de terceiro” (2008, p.30). Assim, a ideia de justiça surgida no liberalismo é fundamentada no elemento terceiro e não na relação binária “ eu-tu” Essa justiça universal, a justiça de terceiro atingiu seu apogeu em Kant. Com uma justiça baseada no imperativo categórico, do “faça como se tua ação fosse uma máxima de ação universal” Richard Rorty aponta esse esquecimento da relação pessoal para a construção da justiça. Em Justiça como lealdade ampliada, Rorty faz uma importante descrição pragmática da justiça. A partir de um cenário em que temos um familiar nosso
  • 11. procurado pela justiça, não temos pudor ao escondê-lo da polícia. Aparece aí a lealdade. Mas se esse ato de lealdade preocupar alguém, podemos nos sentir balançados entre o contar e o esconder. Quando maior a identificação com o prejudicado maior será o dilema. Será que nesse momento existe um conflito entre lealdade ou justiça, ou será esse um conflito entre lealdade com grupos amplos e lealdade com grupos pequenos.A substituição de justiça por lealdade é a própria ética pragmática, que abdicar-se de usar conceitos universais. Rorty relata que a tradição filosófica, notadamente em Platão e Kant, associam lealdade a sentimentos e justiça a racionalidade. Não existe nada, entretanto, que diga que essa ligação é validade e que, o certo é sempre estar ao lado da razão. Não há um tribunal da razão, que atua como última estância de julgamento de nossas ações. O filósofo americano diz que a lealdade, ou a relação eu-tu na terminologia de Ricoeur” é importante para a construção da justiça. Não é somente por imperativos universais que iremos resolver nos dilemas éticos e morais. O terceiro elemento que surge da relação interpessoal é inevitável, mas isso não que dizer que devemos construir uma justiça pautada exclusivamente nesse elemento. A noção de sujeito de direito é fundamental para a sustentação de nossa justiça. A partir dela, a relação dever e responsabilidade é posta em espaço público. Usar dessa noção de sujeito de direito para construir uma justiça excessivamente universalista talvez não seja o melhor caminho para resolvermos nossos problemas jurídicos. Temos que ter sempre em mente que o sujeito de direito advém do sujeito capaz. E um sujeito capaz é aquele que tem deveres e responsabilidades. O esquecimento do sujeito capaz é o esquecimento de nossas responsabilidades e dos nossos jurídicos. Trazer de novo a cena, esses dois elementos nos colocará melhor capacitados para resolver questões jurídicas. 4. O SUJEITO CAPAZ NO ESPAÇO PÚBLICO NA PERSPECTIVA RICOEURIANA Devemos considerar que a noção de sujeito capaz, ou seja- o sujeito dotado de direito de deveres, é insuficiente para a ideia sujeito de direito. Um sujeito de direito é
  • 12. aquele que está inserido em um contexto público, que está inserido em um contexto político e comunitário. E responde de acordo com esses contextos. Paul Ricoeur diz então que um sujeito de direito é aquele que está mediado continuamente por formas interpessoais de alteridade e formas institucionais de associação. Os fundamentos originais dessa ideia comportam uma contradição. Temos que ponderar que, como elemento político a noção de sujeito capaz foi fundamental para o florescimento do liberalismo. Mas o liberalismo isolou o sujeito de direito do contexto da esfera pública e recolocou em um espaço de contrato fundacional e apolítico. É como se no momento em que pactua, o homem se isolasse de toda comunidade para decidir o futuro dessa comunidade. É uma relação paradoxal em que um sujeito de direito dado pelo jogo comunitário se torna sujeito de direito apartado da sociedade. É isso que se tem que vencer. A noção de sujeito de direito, construída nos moldes do liberalismo florescente, precisa ser refigurada para sustentar a ideia de justiça (mais ampla), porque é fundamental para isso. A partir dessa concepção de sujeito de direito, a relação dever e responsabilidade deve ser posta em espaço público. Para a própria superação dela. Usar da noção de sujeito de direito capaz para construir uma justiça excessivamente universalista, para promover a hierarquização, a dominação dos sujeitos, é negar os valores do constitucionalismo latinoamericano. Basta considerarmos os frutos gerados pela constituição do conceito de sujeito de direito e pela proposta da universalização do sujeito, na Revolução Francesa. Uma proposta para contemplar esses novos valores constitucionais é avançar da noção de sujeito de direito advinda do sujeito capaz liberal, para a noção de homem capaz( no pensamento de Ricoeur). A noção de l’hommecapable é o fio condutor da filosofia ricoeuriana. O problema da capacidade humana está além dos limites impostos nos códigos da idade moderna, referentes à possiblidade de apropriação de bens e autodeterminação de sua disposição. Mais que isso, estabelece o link entre o ação e o sofrimento humano . Nossas capacidades se entrelaçam com as vulnerabilidades e a pessoa capaz é aquela que está apta a realizar e ser responsável. Somente dessa proposição é que se pode pensar os sujeitos de direitos nas coletividades numa perspectiva emancipatória. Somente no entrelaçamento com as vulnerabilidades é que podemos pensar a pacha mama como sujeito de direito.
  • 13. Um sujeito capaz, na perspectiva de l’hommecapable, é aquele que tem deveres e responsabilidades, não apenas no plano da propriedade, da acumulação das riquezas, como no liberalismo econômico. É preciso ampliar-lhe as imputações para seus atos, para as suas atribuições, nos espaços público, comunitário e político. O esquecimento do sujeito capaz é o esquecimento de nossas responsabilidades e dos nossos deveres jurídicos, num plano além do econômico. A assunção dessa noção de sujeito nos colocará melhor capacitados para resolver questões jurídicas dos direitos da terra, da natureza, das coletividades. Numa perspectiva dos direitos fundamentais, há que se pensar que a construção do conceito de sujeito de direito é uma face da afirmação histórica dos direitos humanos (que em algum momento estarão declinados como direitos fundamentais já que o novo constitucionalismo democrático se abre para os documentos internacionais sobre esse tema). Pode-se estabelecer um marco temporal para refletir sobre isso a partir dos documentos modernos das revoluções, que tiveram por pressuposto o primado da igualdade. Tanto na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, quanto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa – firma-se a noção de sujeito- indivíduo, numa perspectiva de generalização e homogeneização, excludente de diferenças e de particularidades. Um sujeito indivíduo ahistórico, não comunitário. Sujeito de direito liberal. A afirmação histórica dos direitos humanos, sofreu forte influência do ideário liberal e acompanhou a construção da instituição estatal, pautada nos princípios da territorialidade, da soberania absoluta do Estado e da liberdade, atrelada, sobretudo, ao direito de propriedade. Neste processo, há a reafirmação do indivíduo garantido pelos postulados da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Essa trajetória a que vimos nos referindo, atravessa fases que imprimem a matriz da construção da noção do sujeito de direito. A primeira delas busca afirmar os direitos humanos como preceito ideológico universal. Mostra-se, a partir dos movimentos revolucionários do final do século XVIII, o recrudescimento do liberalismo econômico no processo de construção do Estado de Direito, sobretudo na afirmação de que o direito protege o indivíduo contra o Estado. Verifica-se aqui, como dantes afirmado, o papel desempenhado pelas revoluções e seus documentos no processo de queda das monarquias absolutistas e no reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito, de forma egoísta e excludente.
  • 14. O movimento sequente promove a constitucionalização dos direitos, ou juridicização das cartas políticas, e a codificação, em âmbito interno, firmando direitos para o homem-sujeito-pessoa. A Constituição escrita traz a virtude de incorporar ao ideário jurídico-político nascente a noção de que o ponto de partida para a construção de uma sociedade liberta das formas tradicionais de dominação é a afirmação da igualdade formal, se abstendo de enfrentar a questão do reconhecimento da diversidade. A negligência se repetiu e a constitucionalização dos direitos acabou por se apresentar como uma ferramenta para a emergência de nacionalismos, autoritarismos e totalitarismos. Relegou os direitos humanos ao plano interno dos Estados e com isso, a humanidade conheceu negligencias para com os direitos , o subjugo da dignidade humana e o estabelecimento de autoritarismos, totalitarismos e terrorismos de Estado. Com as mazelas à humanidade originária dos conflitos mundiais surgem as manifestações do direito internacional dos direitos humanos, já visando a um direito humanitário e à proteção internacional do trabalho. O sujeito de direito, num plano de devir internacional, já começa a ser apresentado nos documentos como um sujeito comunitário e responsável em seu atuar. Esse mesmo direito condena práticas dos Estados contra coletividades. Também a proteção internacional do trabalho, ao estabelecer parâmetros referências para a construção de seus aparatos regulatórios das relações de trabalho, coletiviza sujeitos de direito, ampliando o conceito. A Segunda Guerra Mundial impõe a noção de coletividades pela exclusão, pelo extermínio e pela dor, negando cruelmente a igualdade formal. O extermínio passa a ser política de Estado e a utilização de armas de destruição em massa são marcas indeléveis deixadas pela Segunda Guerra à humanidade, que nos dizeres de Hannah Arendt (1999), são um retrato da banalização do mal e da institucionalização do culto à virtude vazia. A partir do reconhecimento disso, os direitos humanos ganham novos rumos, e no âmbito internacional, portando muito mais na esfera política do que jurídica interna, as comunidades e coletividades são consideradas em suas diferenças e a noção de sujeito de direito se complexifica. Isso se mostra no processo de codificação internacional dos direitos do homem, que tem como marco a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e os Pactos dela decorrentes, quais sejam, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre
  • 15. Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos adotados pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1966. A proteção dos direitos humanos do pós-guerra, consigne sua importância, reconheceu diferenças e categorias de sujeitos mas não conseguiu mudar a relação entre indivíduo e Estado, não interferiu suficientemente nos ordenamentos internos para transformar o sujeito de direito em sujeito capaz, institucional, política e comunitariamente; tampouco foi capaz de contemplar a violência institucionalizada e amplamente difundida pelo colonialismo europeu. (E é isso que o Novo Constitucionalismo democrático latino-americano pretende mudar.) Ocorre que, embora se reconheça uma ampliação das noções de sujeito nos documentos internacionais, percebe-se que o modelo adotado, que reproduz a ordem político-jurídica fundada pelo constitucionalismo de direitos do século XVIII, impede os avanços. Isso porque ele consagra a assimetria de poder e a falta de um locus central manifestação. Seus sistemas de monitoramento pouco vão além dos postulados da revolução francesa, em prol da igualdade e desprezando a diversidade. Somente nos último vinte anos parece-nos que o direito esteja mais próximo de abrigar a necessidade de reconhecimento da diferença como uma construção histórica da humanidade. No processo de ampliação do rol de sujeitos de direitos por meio da sua especificação, o sistema fundado pelas Nações Unidas passa a levar em conta o indivíduo não somente na sua generalidade, mas também na sua especificidade. E aí, com um apelo efetivo as aspectos comunitários e culturais. A partir da década de 1990, portanto, o reconhecimento formal desses novos sujeitos de direitos reforça a ideia de que o momento é o do surgimento de novos direitos, quando na verdade os direitos foram os mesmos, somente foram estendidos a grupos, minorias e coletividades, tradicionais ou não, até então negligenciadas pelo aparato regulatório estatal. Entretanto, não se funda um novo pressuposto, que deveria ser o do sujeito capaz, mas repete o pressuposto da igualdade em detrimento da diferença, segmenta a sociedade e, consequentemente, hierarquiza os sujeitos de direito. O ponto de partida para a compreensão desse modelo é a própria hierarquização dos sujeitos de direito. A ideia de direitos humanos, sobretudo quando se fala de direitos econômicos, sociais e culturais, como “devires”, baseia-se em estamentos. “devires minoritários” enquanto reconhecimento e afirmação de
  • 16. categorias de pessoas pertencentes a grupos minoritários que, se tomados juntos, tornam-se maioria. Esse modelo, nega o pluralismo, o respeito a diversidade e estamenta a sociedade em classes sociais e segmenta em minorias étnicas, minorias religiosas, categorias de trabalhadores, categorias de produtores, categorias de proprietários, e assim sucessivamente, demonstrando a falibilidade do sistema que institui a igualdade formal, como resultante de pressupostos éticos e morais universais. Assim, os direitos das coletividades, fora dos valores do constitucionalismo democrático latino-americano, nega o sujeito de direito enquanto homem capaz. Reproduz formas de aprisionamento, hierarquização, segregação e domesticação do ser humano. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar os direitos humanos para a realização da justiça pública, social e coletiva exige um esforço de fundamentação teórica para além da teoria do direito tradicional, numa superação dos postulados do pensamento liberal, que introduz a contraposição público-privado e a orientação apolítica dos atores sócias envolvidos no processo de distribuição da justiça. O sujeito de direito há de ser um sujeito público, revelado nas muitas possíveis subjetividades, que afloram da responsabilidade pública- política, comunitária e coletiva. Na perspectiva dos direitos humanos, isso quer dizer aferir a distribuição de justiça pública-social e coletiva, para além do conceito de direito como atributo do sujeito e do conceito de sujeito de direito privado, originário do pensamento liberal. O novo constitucionalismo latino americano, ao pressupor o fortalecimento da América Latina nas suas relações internacionais, por meio do reconhecimento do multiculturalismo e da pluralidade de povos, de nações e no reconhecimento das mais variadas fontes de direitos, exige responsabilidades públicas de todos os atores, de todos os sujeitos, de todas as pessoas, de todos os homens e mulheres que se incluem nas subjetividades reconhecidas e na dignidade que integram. Invoca, na sua concreção, muito mais do que oferece o atual modelo de realizar dos direitos no plano do homem indivíduo, no modelo contemporâneo de distribuição de justiça do direito privado fundado e servindo ao liberalismo econômico.
  • 17. O homem sujeito de direito capaz, insere-se responsavelmente na noção de humanidade, abrangente do outro e do comunitário. A humanidade deve estar para além do plano individual (Benjamin), no plano coletivo, para que no plano do direito o estranho não seja não presente e, portanto, excluído do acesso à justiça. O direito não há de ser atributo de sujeito privado, oponível contra todos, na sua existência contra os demais. O direito é a manifestação do justo social, público-coletivo, comunitário e político- a que todos -sujeitos e não sujeitos- tenham acesso, não apenas os lembrados ou reconhecidos pela ordem vigente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUBER, Martin. Eu e tu. Tradução Newton Aquiles von Zuben, São Paulo: Centauro. 2009 CUCCI, Giovani. O perdão segundo Paul Ricoeur. In. La CilvittáCattolica. Tradução Maria Alves Muller. 2009. p.145-153. GARCIA, José Luís. Rumos a criação desenhada dos seres humanos. IN Revista estudos de sociologia. Recife. Editora da UFPE, 2006. Disponível em: <<http://www.scientiaestudia.org.br/pt2007/rumo%20a%20criacao.pdf acessado em 03/08/2012 GROSSI, Paolo. Primeira lição sobre direito. Tradução Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2006. HUSSERL, E. Meditações cartesianas: introdução à fenomenologia. Tradução Maria Gorete Lopes e Souza. Porto: Rés, 2001 KAPLAN, D. M. Reading Ricoeur. Albany, New York Press, 2008. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo, Martins Fontes, 2000. MARQUES, M. R. Um olhar sobre a construção do “sujeito de direito”Stvdiaiuridica, 96 . Boletim da Faculdade de Direito. Universidade de Coimbra. Coimbra. _______________O direito como uma gestão de urgência ou uma normatividade com um tempo próprio.Stvdiaiuridica, 90 . Boletim da Faculdade de Direito. Universidade de Coimbra. Coimbra. MORIN, E. A noção de sujeito. 1999.
  • 18. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros, volume 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo, Cia das letras p.47. OST, François, O tempo do direito, Bauru – SP: Edusc, 2005. PELLAUER, David. Compreender Ricoeur. Tradução Marcus Penchel. Petrópolis. Editora Vozes 2009. RICOEUR,P: O Justo. Tradução IvonetiBeneditti. Ed. Martins Fontes São Paulo 2008. p. 21-3 _____________ A metáfora viva. São Paulo: Edições Loyola, 2000. ______________ O justo ou a essência de Justiça. Lisboa, Instituto Piaget, 1995. ______________Tempo e Narrativa. T.1 e 3. Campinas: Papirus, 1994. ______________Existência e hermenêutica. In BLEICHER, Hermenêutica Contemporânea. Lisboa – Rio de Janeiro, 1992, p.327/352. _______________Outramente. Trad. Pergentino Stefano Pivatto; Petrópolis: Vozes 1999. ________________Memória, História e esquecimento. Campinas, Ed.Unicamp. 1997. RORTY, R: Justiça como lealdade ampliada. Tradução: Paulo Ghiraldelli Jr. Disponível em <<http://portal.filosofia.pro.br/arquivo-rorty.html>> Acesso em: 28/08/2010. STEIN, Ernildo. Diferença e metafísica: ensaios sobre a desconstrução. Porto Alegre: Edipurcs, 2000. WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo e crítica do constitucionalismo na América Latina. In: Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Curitiba: Academia Brasileira de Direito Constitucional, 2010. p. 143-155