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SEMINÁRIO EVANGÉLICO DA IGREJA DE DEUS
THIAGO DEZEMBRE BUENO

A INSPIRAÇÃO E SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA: UMA ABORDAGEM DE 2
TIMÓTEO 3:16, 17.

GOIÂNIA-GO
2013
THIAGO DEZEMBRE BUENO

A INSPIRAÇÃO E SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA: UMA ABORDAGEM DE 2
TIMÓTEO 3:16, 17.
Trabalho de Conclusão do Curso de Formação
Eclesiástica Plena em Teologia para obtenção
do título de Bacharel em Teologia do
Seminário Evangélico da Igreja de Deus.
Orientador: Paulo Freitas

GOIÂNIA-GO
2013
Dedico este trabalho a todos os meus amigos e
irmãos na fé principalmente aqueles que
sempre estiveram ao meu lado tanto em
momentos difíceis como em momentos alegres.
Dedico

especialmente

à

minha

esposa

(Camila) companheira, amiga, que tanto
confio e amo.
AGRADECIMENTOS
A construção deste trabalho só foi possível com a colaboração do professor e orientador
Paulo Freitas, que, demonstrou ser um profissional responsável e interessado com a
qualidade da formação dos seminaristas que por ele são orientados.
A todos os professores que contribuíram para a minha formação.
À minha querida esposa que sempre esteve presente nas leituras e correções deste trabalho.
RESUMO
A presente pesquisa tem como tema a “Inspiração e Suficiência da Escritura: uma abordagem
de 2 Timóteo 3:16, 17”. A pesquisa ressalta os principais conceitos sobre a “inspiração” da
Escritura, como: inspiração plenária; dinâmica; verbal; mecânica ou ditada; parcial ou
fracionada. Analisa o termo “inspiração” presente na segunda epístola de Paulo a Timóteo,
desde sua origem até o seu emprego na Bíblia e possíveis problemas quanto à tradução literal
do termo a partir do grego theópneustos. Esclarece qual a crença da Igreja a respeito da
“inspiração” desde sua fundação. Faz uma abordagem sobre a principal definição a respeito
de “suficiência da Escritura” principalmente na pregação, ressaltando os principais métodos
de interpretação bíblica que são: gramático-histórico, histórico-crítico e fundamentalista.
Algumas diferentes teologias que influenciam na forma como se interpreta a Bíblia, que são:
teologia da libertação, feminista, negra, liberal e reformada. A pesquisa se encerra mostrando
como o cristão e a igreja podem ser edificados através da utilização da Escritura, conforme
abordado em 2 Timóteo 3:16,17.
Palavras chave: Inspiração. Suficiência. Escritura. Interpretação. Teologia.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 6
2. A INSPIRAÇÃO DA ESCRITURA.................................................................................... 7
2.1 A Natureza da Inspiração .................................................................................................. 8
2.1.1 Inspiração Plenária ............................................................................................................ 8
2.1.2 Inspiração Dinâmica .......................................................................................................... 9
2.1.3 Inspiração Verbal ............................................................................................................. 10
2.1.4 Inspiração Mecânica ou ditada ........................................................................................ 10
2.1.5 Inspiração Parcial ou Fracionada ..................................................................................... 11
2.2 Evidências bíblicas a respeito da inspiração .................................................................. 12
2.3 A doutrina de inspiração da Igreja ................................................................................. 17
3. A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA ................................................................................ 21
3.1 Conceito ............................................................................................................................. 22
3.2 A Suficiência da Escritura na Pregação ......................................................................... 24
3.3 Interpretação das Escrituras ........................................................................................... 26
3.4 Métodos de Interpretação ................................................................................................ 31
2.4.1 Gramático-histórico ......................................................................................................... 31
3.4.2 Histórico-crítico ............................................................................................................... 31
3.4.3 Fundamentalista ............................................................................................................... 33
3.5 Pressupostos teológicos..................................................................................................... 34
3.5.1 Teologia da Libertação .................................................................................................... 35
3.5.2 Teologia feminista ........................................................................................................... 36
3.5.3 Teologia negra ................................................................................................................. 38
3.5.4 Teologia Liberal .............................................................................................................. 39
3.5.5 Teologia reformada.......................................................................................................... 40
4. EDIFICAÇÃO PELA ESCRITURA INSPIRADA: ANÁLISE EM SEGUNDA
TIMÓTEO PARA A ATUALIDADE ................................................................................... 43
4.1 2 Timóteo 3:16-17 ............................................................................................................. 44
4.2 Praticando a Escritura ..................................................................................................... 48
4.2.1 A Bíblia e o Cristão ......................................................................................................... 49
4.2.2 A Bíblia e a Igreja ............................................................................................................ 51
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 54
6

1. INTRODUÇÃO1

A presente pesquisa tem como tema A Inspiração e Suficiência da Escritura: Uma
abordagem de 2 Timóteo 3:16, 17. Para a aproximação do objeto de estudo e buscando
alcançar o objetivo proposto, este trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa
bibliográfica que consiste na leitura e análise da produção teórica já existente acerca do
assunto investigado, permitindo a articulação de conceito e o levantamento de novas questões.
A Igreja de Cristo tem passado por grandes dificuldades, no que se refere a sua
edificação, pois a mensagem cristã tem perdido sua essência. Isso mostra que a Igreja tem
considerado a Escritura insuficiente para sua edificação, tratando-a como um livro comum e
menosprezando sua natureza divina. Esta pesquisa surgiu a partir do momento em que se
percebeu que os meios de edificação da Igreja, utilizados atualmente, tem sido em sua maioria
os meios seculares: a ciência em geral, na tentativa de complementar o ensino bíblico;
utilização do senso comum como meio de repreensão; e o amparo da psicologia em questões
que a Bíblia não demonstra clareza dentro do aspecto comportamental do membro ou de uma
comunidade inteira. Estes meios seculares tornam a Igreja menos bíblica, podendo entrar em
um processo de secularização e consequentemente deixar de cumprir seu propósito essencial
que é a glorificação de Deus.
Este trabalho tem como objetivos conhecer os principais conceitos que envolvem o
tema, realizar a análise do termo “inspiração” presente na segunda epístola de Paulo a
Timóteo, desde sua origem até o seu emprego na Bíblia e possíveis problemas quanto à
tradução literal do termo a partir do grego theópneustos. Objetiva também abordar sobre a
suficiência da Escritura, sua pregação, seus diferentes métodos de interpretação que são:
gramático-histórico, histórico-crítico e fundamentalista. As diferentes teologias que
influenciam na forma como se analisa a Bíblia, são elas: teologia da libertação, feminista,
negra, liberal e reformada. A pesquisa se encerra mostrando como o cristão e a igreja podem
ser edificados através da utilização da Escritura, conforme abordado em 2 Timóteo 3:16,17.

1

Todas as passagens bíblicas utilizadas neste trabalho foram extraídas da BÍBLIA, Sagrada. Nova versão
internacional, São Paulo: Vida, 2007.
7

2. A INSPIRAÇÃO DA ESCRITURA

Chegar a uma definição clara e aceitável a respeito da inspiração bíblica tem se
tornado um desafio um tanto complicado. “Pois tem sido alvo de muita confusão em recentes
discussões.”2 O que contribui para isso certamente é a enorme quantidade de teorias que
envolvem o assunto. Sendo que “aquele que, procurando conhecer a verdade sobre este tema
[...], seria imediatamente conduzido por ele para todas as direções possíveis.”3 Mesmo
havendo divergências em alguns pontos, é importante afirmar que a definição sobre a
inspiração bíblica que tem prevalecido desde o nascimento da Igreja “é a constante e
permanente convicção da Igreja sobre a divindade das Escrituras e confiadas a sua guarda”4.
Também é correto afirmar que se trata de um agir sobrenatural da parte de Deus no
intuito de inspirar homens “feitos de carne e osso e dotados de faculdades emocionais e
intelectuais,”5 a produzir documentos fiéis que expressam o caráter de seu autor (Deus), e que
foi autoridade na época em que foram redigidos, e em dias atuais. Trata-se da voz de Deus
expressa em palavras divinamente escolhidas. O material produzido traz consigo marcas ou
expressões humanas, não dos pensamentos e conceitos próprios dos redatores, mas do
pensamento dos redatores cativo ao Espírito Santo. Essas marcas são; “caráter, temperamento,
dons, cultura, educação, vocabulário, estilo, etc., peculiares a cada um deles.”6 Esse é um
ponto que não coloca em descrédito o fator inspiração. Tanto o fato de Deus usar o homem
para transmitir sua mensagem não descaracteriza a plena inspiração da mensagem, como o
fato de que “a encarnação não tornou a pessoa de Cristo pecaminosa.”7 Mas como elaborar
uma obra divina usando o labor humano? Este questionamento também foi feito por Ryle8,
que declara não poder explicar como e de que maneira isso foi feito. O ponto chave é que o
Espirito Santo inspirou o homem habitando dentro dele, o conduzindo com permissões e
restrições, para elaborar seus oráculos.
Segundo Groningen:
O Espírito Santo habitou em certos homens, inspirou-os, e assim dirigiu-os, que eles,
em plena consciência, expressaram-se na sua singular maneira pessoal. O Espírito
2

WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 84.
Ibid.
4
Ibid., p. 85.
5
MIRANDA, Daniel Leite Guanaes de. Calvino e Sola Scriptura: a aplicação deste princípio na cidade de
Genebra e sua Relevância para o Brasil dos dias atuais. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/Calvino-Sola-Scriptura_Daniel-Leite.pdf>. Acesso em: 01 de set.
2013.
6
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 70.
7
SANTOS, João Alves dos. Bibliologia: revelação, inspiração e cânon, A Natureza da Inspiração, parte II.
Centro Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 3.
8
RYLE, J. C. A Inspiração das Escrituras. São Paulo: Pes, s.d, p. 9.
3
8

capacitou homens a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os de
incluir qualquer coisa que fosse contrária a essa verdade de Deus. Ele também os
impediu de escrever coisas verdadeiras que não eram necessárias. Assim, homens
escreveram como homens, mas, ao mesmo tempo, comunicaram a mensagem de
Deus, não a do homem.9

2.1 A Natureza da Inspiração
Segundo Bavinck, “a visão correta de inspiração depende [...] de colocar o autor
primário e os autores secundários em relação correta, um para com os outros,”10 para saber
como se relacionam e então explicar a ação do Espírito Santo em inspirá-los. No entanto
muitas teorias sobre a Inspiração Bíblica partiram de “diferentes concepções, tendo variados
graus de legitimidade, dependentemente do ângulo de observação da pessoa que as
formula.”11 Dentre as muitas teorias, “algumas delas não se coadunam com o ensino bíblico
sobre o assunto.”12 No entanto, grande parte das definições nasceram embasadas em três
movimentos ao longo da história da Igreja: ortodoxia, modernismo e neo-ortodoxia.13 Dentre
as principais teorias estão: inspiração plenária, inspiração dinâmica, inspiração verbal,
inspiração mecânica ou ditada e inspiração parcial ou fracionada.
2.1.1 Inspiração Plenária
Sobre esse tema entende-se que toda a Bíblia é inspirada e não somente algumas
partes. A Escritura é vista como um “corpo de revelação formado de partes, mas
indivisível,”14 onde cada parte foi divinamente inspirada. “A inspiração pressupõe o controle
do Espírito Santo,”15 esse controle se estende para a totalidade da Escritura, mas “não
significa necessariamente que todas as partes têm a mesma importância e o mesmo peso em
relação a qualquer doutrina em particular.”16 É importante também enfatizar os aspectos que
compõem a Escritura e que também recebeu inspiração como “os diferentes tipos de literatura
9

GRONINGEN, apud COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura
Cristã, 2008, p. 66-67.
10
BAVINCK, apud ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 68.
11
GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida,
2006, p. 19.
12
Ibid., p. 15.
13
“Na maior parte dessa história, prevaleceu a visão ortodoxa, a saber: a Bíblia é a Palavra de Deus. Com o
surgimento do modernismo, muitas pessoas vieram a crer que a Bíblia meramente contém a Palavra de Deus.
Mais recentemente, sob a influência do existencialismo contemporâneo, os teólogos neo-ortodoxos têm ensinado
que a Bíblia torna-se a Palavra de Deus quando a pessoa tem um encontro pessoal com Deus em suas páginas”.
GEISLER, Norman; NIX, William. Introdução a Bíblia: como a bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006,
p. 15. Conferir mais detalhes desses movimentos, p.15-18.
14
SANTOS, João Alves dos. Bibliologia: Revelação, Inspiração e Cânon, A Natureza da Inspiração, parte II.
Centro Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 5.
15
Ibid.
16
Ibid., p. 6
9

que apresenta; história, poesia, cartas, profecias [...], as questões de ciência, biologia, [...] e
geografia [...], e em todas as questões que envolvem a vida do homem.”17 De Gênesis ao
Apocalipse, tudo o que foi registrado, o foi pela vontade de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20,21).18
2.1.2 Inspiração Dinâmica
Essa teoria “destaca a combinação dos elementos divino e humano no processo de
inspiração da escrita da Bíblia.”19 Tal pensamento não reparte a autoridade da Escritura entre
um livro metade humano e metade divino, mas sim em um livro inteiramente divino com
elementos humanos não desprezados, de acordo com a soberana vontade de Deus. O termo,
inspiração dinâmica, também é chamado de inspiração orgânica, este termo;
Serve para acentuar o fato de que Deus não empregou os escritores mecanicamente,
mas atuou neles de maneira orgânica, em harmonia com as leis de seu próprio
íntimo. Usou-os precisamente como eram [...], iluminando-lhes a mente, incitou-os a
escrever; reprimiu a influência do pecado sobre sua atividade literária, e os guiou na
escolha de suas palavras e nas expressões de seus pensamentos.20

Também é visto como “uma interação harmoniosa de forças. Deus preparou os seus
servos desde a eternidade, tornando-os órgãos de inspiração,”21 “o Espírito os capacitou a
conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse
contrária a essa verdade.”22 Uma forte afirmação conclui esse pensamento, onde “Deus se
valeu livre e soberanamente de seus conhecimentos e personalidades.”23 Esse conceito foi
duramente criticado por causa da prevalência do fator humano que reduziria o seu caráter
autoritativo e consequentemente tornaria a Bíblia um livro falível. Segundo Anglada, o termo
inspiração dinâmica nada mais é que um;

17

HANKO, Ronald. A Inspiração Plenária da Escritura. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/a-inspiracao-plenaria-escritura_dag_r-hanko.pdf>. Acesso em:
03 de set. 2013.
18
“Toda a Escritura é Inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a
instrução na justiça”. 2Pe 1:21,22. “Pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram
da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”. BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida,
2007. 2Tm 3:16.
19
ERICKSON, Millard. Introdução a teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 71.
20
BERKHOF, Louis. Manual de Doutrina Cristã. 1992 apud SANTOS, João Alves dos. Bibliologia. Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 3.
21
HOEKSEMA, Homer C. The Doctrine of Scripture. s.n.t. p. 78ss apud COSTA, Hermisten Maia P. A
Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 67.
22
COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 68.
23
Ibid.
10

Conceito racionalista que influenciou o método histórico-crítico24 de interpretação, e
que reduz a inspiração a mera iluminação [...], os autores bíblicos foram apenas
homens iluminados. A excelência dos seus escritos deve ser atribuída à influência
santificadora no caráter, mente e palavras deles, devido à comunhão profunda com
Deus ou pela convivência com Jesus, e não a uma ação ímpar do Espírito Santo. 25

2.1.3 Inspiração Verbal
Tanto a inspiração verbal como a plenária defende a divina inspiração da Escritura em
sua totalidade, porém a inspiração verbal afirma que cada palavra da Escritura é inspirada,
pois “Deus dirigiu até a própria escolha das palavras no Santo Volume, de maneira que pode
ser dito verdadeiramente que a Palavra de Deus é sem mistura de erro humano.”26 É
impossível que existam partes ou expressões inteiras da Escritura que sejam inspiradas sem
que as palavras que as compõem também sejam inspiradas, são elas que vão dar uma
autoridade divina a cada parte ou expressão. “Não é possível expressar ideias sem palavras.
Não é possível nem mesmo pensar sem palavras.”27 Segundo Harris o termo verbal passou a
ser usado;
Para preservar o mesmo sentido e evitar deturpações daqueles que querem usar o
termo plenária significando apenas que todas as partes da Bíblia, de Gênesis a
Apocalipse, foram de algum modo produzidas por Deus, sem que, contudo, sejam
necessariamente de origem divina.”28

Sobre inspiração verbal Geisler afirma que;
Não se tratava simplesmente de uma mensagem de Deus sobre a qual os homens
tinham a liberdade para transmitir nas suas próprias palavras, mas cada uma das
palavras era escolhida por Deus [...], até mesmo os tempos verbais são enfatizados
por Deus.29

2.1.4 Inspiração Mecânica ou ditada
Logo acima foi dito através de pequenas e simples definições, algumas teorias a
respeito da inspiração bíblica, não foram citadas todas elas, mas, as principais, coerentes e
dignas de serem citadas. Foi averiguado o que a Escritura poderia ser, no que diz respeito aos
seus escritos como inspirados, mas também é importante ressaltar o que a Escritura não é de
24

[Foi um método de interpretação] “que surgiu com o Iluminismo, ao adotar os pressupostos racionalistas
quanto às Escrituras, contrários à sua origem divina. Ao tratar a Bíblia como qualquer outro livro de religião,
deixando de levar em conta sua inspiração e divina autoridade. [...], como resultado, a Bíblia passou a ser vista,
não como Palavra de Deus em sua inteireza, mas como registro de fé de comunidades religiosas, primeiro a
judaica e depois a cristã”. LOPES, Augustus Nicodemos. A Bíblia e seus intérpretes: uma breve história da
interpretação, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 26.
25
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 69.
26
HARRIS, Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 17.
27
SANTOS, João Alves dos. Bibliologia: Revelação, Inspiração e Cânon: A Natureza da Inspiração, parte II.
Centro Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 1.
28
HARRIS, R. L. Inspiration and Canonicity of the Bible: An Historical and Exegetical Study. Grand Rapids:
Zondervan, 1957, p. 19-20 apud ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 73
29
GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: Cpad, 2010, p. 219.
11

maneira alguma. O primeiro ponto é a Inspiração mecânica, que afirma que Deus não se valeu
da personalidade, estilo ou cultura, de seus autores secundários, anulando completamente suas
mentes, para que fosse produzida a Escritura de Deus.
Se opondo a essa teoria Champlin afirma que;
A inspiração divina não suprimiu ou abafou a individualidade de qualquer escritor
sagrado; pelo contrário, utilizou-se dela. A Palavra de Deus veio à existência através
de muitos e diferentes canais humanos e a evidência das variações de estilo dá
testemunho da realidade desse fator humano.30

A preparação desses autores teve início desde o nascimento e cada um deles sabia
exatamente o que estava fazendo, pois, talvez pelo fato de serem secundários transmita a ideia
de que eles foram completamente passivos, pelo contrário, existia uma razão lógica para
produzirem esses escritos. E o que foi produzido de Escritura, algumas partes, talvez eles nem
soubessem que estavam sendo inspirados pelo Espirito Santo. Em outras partes “os autores
bíblicos não foram muito mais do que copistas, visto que apenas transcreveram as palavras de
Deus,”31 (como por exemplo, em Genesis 22:15-18; Êxodo 20:1-17)32.
2.1.5 Inspiração Parcial ou Fracionada
Essa ideia defende o fato de que a Bíblia não é em seu todo inspirada e sim algumas
partes. “Os defensores dessa ideia entendem que doutrinariamente a Bíblia contém a Palavra
de Deus.”33 Sendo que a tarefa de encontrar nela o que é inspirado (tentando separar o que é
inseparável) está a cargo do labor humano, correndo um risco nocivo por se colocar superior
30

CHAMPLIN, Russel. N. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. 2.v. s.l, s.d. p. 475.
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 68.
32
“Pela segunda vez o Anjo do Senhor chamou do céu a Abraão e disse: ‘juro por mim mesmo’, declara o
Senhor, ‘que por ter feito o que fez, não me negando seu filho, o seu único filho, esteja certo de que o abençoarei
e farei seus descendentes tão numerosos como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. Sua
descendência conquistará as cidades dos que lhe forem inimigos e, por meio dela, todos os povos da terra serão
abençoados, porque você me obedeceu’. Êx 20: 1-17 “E Deus falou todas estas palavras: ‘Eu sou o Senhor, o teu
Deus, que te tirou do Egito, da terra da escravidão. Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti
nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te
prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os
filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com
bondade até mil gerações aos que me amam e guardam os meus mandamentos. Não tomarás em vão o nome do
Senhor teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão. Lembra-te do dia de
sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado
dedicado ao Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus
servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o
Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor
abençoou o sétimo dia e o santificou. Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o
Senhor teu Deus te dá. Não matarás. Não adulterarás. Não furtarás. Não darás falso testemunho contra o teu
próximo. Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seus servos ou
servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.’”
33
COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 63.
31
12

(colocar-se superior a Palavra de Deus é um erro) ao objeto estudado como se fizesse uma
pesquisa em qualquer obra literária comum. Não somente como parcial, mas alegam também
que a Bíblia “contém erros de história, cronologia, arqueologia, geografia e etc. [Sendo que a
ideia comum é de que a Escritura] só teria autoridade em matérias morais e espirituais.”34
A Bíblia é fruto do trabalho de homens que foram inspirados por Deus a escrever
decretos eternos completamente relevantes em qualquer época. Pois somente o Espírito Santo
poderia produzir um documento tão fiel capaz de alcançar valores morais, éticos, sociais e
espirituais tanto de um homem como de um país inteiro tornando-os totalmente cativos a ele.
Nada supera seu alcance e nada pode produzir resultados semelhantes ao que a Escritura
produz. Mesmo que seu conteúdo tenha partes que são enigmáticas e até incompreensíveis ao
homem, ela também é composta de pontos claros e coerentes com abordagens atuais. Essa é a
Palavra de Deus, onde cada expressão que a compõe é fruto do labor harmonioso do Criador e
sua criação.
2.2 Evidências bíblicas a respeito da inspiração
Antes de entrar na questão da reivindicação que a Bíblia faz de si mesma como obra
divina, é importante tratar do emprego do termo “inspiração”35, que tem sua origem no “latim
e é a tradução do termo grego ‘theópneustos’36 de 2Tm 3:16.”37 Esta “palavra e suas variantes
parecem ter entrado no inglês médio a partir do francês e tem sido empregada desde então (já
no início do século 14).”38 Essas variantes foram multiplicadas e o emprego do termo ganhou
mais amplitude e variações com;
Um número considerável de significados, físicos e metafóricos, seculares e
religiosos [...]. O substantivo “inspiração” embora já estivesse em uso no século 14,
não parece ocorrer em nenhum outro sentido, a não ser o teológico, até o final do
século 16. O sentido especificamente teológico de todos esses termos é regulado, é
claro, por seu uso na teologia latina e isto se deve, em última instância, ao seu
emprego na Bíblia latina. Na Bíblia latina Vulgata, o verbo inspiro (Gn. 2.7; Sab
15.11; Ec 4.12; 2Tm 3.16; 2 Pe 1.21) e o substantivo inspiratio (2Sm 22.16; Jó 32.8;
Sl 17.16; At 17.25) ocorrem quatro ou cinco vezes em aplicações um pouco
diferentes. No desenvolvimento de uma nomenclatura teológica, porém, eles
adquiriram [...] um sentido técnico como referência aos escritores da Bíblia ou aos
livros bíblicos.39

34

COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 63.
“Lat. Inspiratione, 1. Ato de inspirar (-se) ou de ser inspirado. 2. Qualquer estímulo ao pensamento ou à
atividade criadora. 3. Entusiasmo poético; estro. Pl.: - ções. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini
Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 430.
36
Este termo será abordado com mais detalhes no terceiro capítulo.
37
PACKER, J. I; COMFORT, Philip Wesley (Org.). A Origem da Bíblia. Rio de Janeiro: Cpad, 1998, p. 49.
38
WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 106,
parêntese do autor.
39
WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 106.
35
13

O termo então é basicamente definido como o agir sobrenatural de Deus sobre os
escritores bíblicos, “de modo que o produto de suas atividades transcende os poderes
humanos e se torna divinamente autoritativo.”40 A Escritura é vista como um produto divino
desenvolvido por homens inspirados, e o seu propósito “é assegurar a ‘infalibilidade’41 do
registro daquilo que foi revelado.”42
Quando se questiona a autenticidade e utilidade da Bíblia, a defesa mais contundente
está nela mesma, expressada em muitos versículos sendo que os mais utilizados são os de 2
Timóteo 3:16 “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção e para a instrução na justiça” e 2Pedro 1:21 “Pois jamais a profecia teve
origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito
Santo”. Citar os versículos não configura um erro, até porque eles expressam toda a verdade a
respeito da origem e utilidade da Escritura. “Mas essa citação dá margem à acusação de
‘raciocínio circular’43: Prova-se a Bíblia citando a Bíblia.”44 Essa acusação feita pelos críticos
pode não ser tão relevante quando se analisa o patamar em que a Igreja primitiva colocava as
Escrituras, pois tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento eram tidos como
Palavra de Deus infalível. A Palavra testemunhando da própria Palavra e a única capaz disso,
validando-a e autenticando-a dando a si própria autoridade. Contudo é extremamente
importante conferir o que Jesus diz em Mateus 15:17,1845 se referindo,
Claramente aos sagrados escritos dos judeus como uma unidade, e exatamente uma
unidade sagrada bem definida. Ele diz positivamente que esse livro é perfeito até o
menor detalhe. Não é mera inspiração verbal que ele ensina [...], mas inspiração das
próprias letras! A menor letra era o ‘Yodh’ hebraico, a menor letra do alfabeto
hebraico. Exatamente o que significa o ‘menor traço da pena’ é menos claro. A
maioria considera como se referindo às pequenas partes de letras hebraicas que as
40

WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 106.
“A Escritura é a Palavra de Deus, ela é perfeita também. Encontrar erro na Escritura é encontrar erro em Deus.
Receber a Escritura como algo menos que infalível, é negar a imutabilidade e soberania de Deus.” HANKO,
Ronald. A Infalibilidade da Escritura 2008, p. 1. Disponível em
<http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/a-infalibilidade-escritura_dag_r-hanko.pdf>.
42
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 63, aspas simples nossa.
43
“A Bíblia alega ser a Palavra de Deus. Esse é o nosso ponto de partida. Com certeza, simplesmente porque um
livro diz ser a Palavra de Deus não o torna tal coisa. Mas se um livro é a Palavra de Deus, ele certamente alegará
ser a Palavra de Deus. Se um livro é a Palavra de Deus, então o que ele diz será verdade. Pode parecer estranho
que citemos a Bíblia para provar que a Bíblia é a Palavra de Deus. Isso é o que os filósofos chamam de
“argumento circular”. Quando provamos a autoridade da Bíblia citando a Bíblia, assumimos desde o princípio
que a Bíblia é autoritativa. Isso é apenas um círculo vicioso de raciocínio, que não nos levará a nenhum lugar?
Pode parecer que precisamos provar a verdade da Bíblia por algum outro padrão “neutro” externo. Certamente,
se fizermos isso, teríamos que responder o que torna esse padrão autoritativo. Apenas criaríamos outro círculo
que necessitaria ser defendido” DEMAR, Gary. Raciocínio Circular. Disponível em
<http://www.monergismo.com/textos/apologetica/raciocinio-circular_demar.pdf>.
44
HARRIS, Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 39.
45
“Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir. Digo-lhes a verdade:
Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que
tudo se cumpra.” BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007.
41
14

distinguem uma da outra, como nosso pingo no ‘i’ e o traço que cruza o ‘t’. Outros
acham que pode ser uma referência à letra hebraica ‘Waw’, que muitas vezes servia
só para distinguir uma vogal longa de uma vogal breve. Em todo caso, o ponto
principal está claro. Jesus declarou que as Escrituras eram perfeitas até na letra. 46

A Bíblia está repleta de afirmações do tipo “assim diz o Senhor” ou “está escrito”.
Trata-se de uma evidência interna47 conhecida como “autoridade [bíblica] que se
autoconfirma.”48 Isso só pode ocorrer quando existem ouvintes para essas palavras. Um
exemplo disso foi quando Deus veio ao profeta Ageu dizendo: “assim diz o Senhor dos
Exércitos: ‘Ainda não chegou o tempo de reconstruir a casa do Senhor...” (Ag 1:2). Na época
os ouvintes eram o governador de Judá, Zorobabel, filho de Sealtiel, e o sumo sacerdote
Josué, filho de Joazadaque, essas palavras vinham cheias de autoridade, pois, a expressão
“assim diz o Senhor” qualifica a afirmação como autoridade máxima. Para o ouvinte hoje em
dia, essas afirmações antes desconhecidas depois de captadas passa para o status de
autoridade suprema e guia, palavras que se resumiam em tinta no papel ganha vida em seu
coração com apenas uma atitude, a de ouvir, ouvir palavras que soam “semelhantes a um
rugido de um leão [...]. [E] o modo mais convincente de demonstrar a autoridade de um leão é
soltá-lo,”49 assim será visto do que ele é capaz. A Escritura não pode ser domesticada,
semelhante ao leão não pode ser domada ou controlada, ela exerce a autoridade que lhe foi
atribuída por natureza. Sendo assim, a Escritura toma o único posto que lhe é devido, que é
sujeitar o ouvinte por inteiro a ela.
O testemunho da mensagem bíblica também é rico em seu propósito transformador. E
como pré-requisito para isso o mesmo Espírito que inspirou a escrita convence o ouvinte em
seu espírito de que a própria escrita é palavra inspirada por Deus “iluminando a mente e o
coração em trevas [...], permitindo que [o indivíduo] reconheça a [natureza] divina das
Escrituras.”50 Apóstolo Paulo afirma que essa palavra é “poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê” (Rm 1: 16)51. “Relaciona-se àquilo que o crente vê ou sente em sua

46

HARRIS, Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 40.
“Há duas espécies de evidências que se devem levar em conta no que diz respeito à inspiração da Bíblia: a
evidência que brota da própria Bíblia (chamada de evidência interna), e a que surge de fora da Bíblia (conhecida
como evidência externa).” GEISLER, Norman; NIX, William. Introdução a Bíblia: como a Bíblia chegou até
nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 53-54.
48
GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida,
2006, p. 54.
49
Ibid.
50
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 87, colchete nosso.
51
“Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê:
primeiro do judeu, depois do grego.”
47
15

experiência pessoal com a Bíblia. [Isso acontece apenas] para os que se acham dentro do
cristianismo.”52 Sem dúvida que essas evidências brotam da própria Bíblia.
A Escritura não somente faz reivindicações através de afirmações explicitas, mas
também se evidencia na observância do conteúdo bíblico como um todo, tendo em vista a
harmonia dos livros, a profundidade da mensagem e o seu testemunho de poder. Mesmo
levando

em

consideração

alguns

problemas

que

“estudiosos

tem

chamado

de

distanciamento,”53 que são de ordem temporal, contextual, cultural, linguístico e autoral54
todos esses livros tomam uma só direção, que é Cristo. Da criação até as coisas futuras o
enredo é o mesmo, trata-se de uma progressão ininterrupta em parte alguma. Geisler trata o
conjunto de livros como;
66 livros escritos ao longo de 1500 anos, por cerca de 40 autores, em diversas
línguas, com centenas de tópicos, é muito mais que mero acidente que a Bíblia
apresente espantosa unidade temática – Jesus Cristo. Um problema – o pecado – e
uma solução – o Salvador Jesus – unificam as páginas da Bíblia, do Gênesis ao
Apocalipse.55

Nos ensinos de Jesus as Escrituras eram autoridade. Em momento algum Ele negou o
Antigo Testamento ou fez menção de que apenas algumas partes é que mereciam crédito. Nas
palavras de Jesus existe uma grande evidência que está em Mateus 5:1856, onde ele afirma que
de maneira alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço até que tudo se
cumpra. Em João 10:3557, Jesus diz que a Escritura não pode ser anulada. Em alguns
versículos Jesus utiliza a afirmação “está escrito” (Mt 4:4; Mt 11:10; Lc 10:26; Jo 6:45)58. Em
outros versículos ele atribui a autoria divina para as Escrituras como sendo palavras

52

GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida,
2006, p. 55, colchete nosso.
53
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 23.
54
Encontra-se tal abordagem de forma esclarecedora e útil em LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus
intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 23-27.
55
GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida,
2006, p. 55.
56
“Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou
o menor traço, até que tudo se cumpra.”
57
“Se ele chamou ‘deuses’ àqueles a quem veio a palavra de Deus (e a Escritura não pode ser anulada)”.
58
Mt 4:4 “Jesus respondeu: Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da
boca de Deus’". Mt 11:10 “Este é aquele a respeito de quem está escrito: ‘Enviarei o meu mensageiro à tua
frente; ele preparará o teu caminho diante de ti’. Lc 10:26 “‘O que está escrito na Lei?’, respondeu Jesus. ‘Como
você a lê?’” Jo 6:45 “Está escrito nos Profetas: ‘Todos serão ensinados por Deus’. Todos os que ouvem o Pai e
dele aprendem vêm a mim.”
16

relacionadas a afirmações do próprio Deus (Mt 15:4; Mt 22:44)59. “Para Jesus [a Escritura] é
fundamento da doutrina, a fonte de solução, e o fim do argumento.”60
Já no Antigo Testamento os profetas escolhidos de Deus para intermediar sua
mensagem tinham convicção da origem da mesma (Êx 4:12; Dt 18:18; 2Sm 23:1-2; Os 1:2;
Hc 2:1; Zc 1:9; etc)61. O chamado dos profetas era para que suas anunciações ao povo
tivessem uma fonte exclusiva de autoridade, no entanto, antes de cada afirmação eles diziam
sempre “‘assim diz o Senhor’, ‘ouvi a palavra do Senhor’ ou palavra que ‘veio da parte do
Senhor’. Muitas vezes, o que eles falam é explicitamente atribuído ao próprio Deus”62 (Js
24:2; Is 1:2; Is 8:1; Jr 1:2; Ez 1:3; Ez 2:1; etc).63
Em relação aos Apóstolos as afirmações sobre a inspiração foram bem explícitas,
como por exemplo 2Tm 3:16 e 2Pe 1:21, versículos já citados anteriormente. Existem vários
outros versículos que auxiliam no sentido de comprovar a inspiração divina da Escritura, mas
os que aqui foram citados elucidam bem essa verdade. Jesus, os Apóstolos e os Profetas em
nenhum momento deixaram escapar nenhuma ideia, a menor que seja, a respeito de alguma
falha, ou discordância entre eles ou entre as partes desse Livro, “mas o aceitam totalmente
[...], sem reservas [e] incondicionalmente [...] como verdadeiro e divino em todas as suas
partes.”64

59

Mt 15:4 “Pois Deus disse: ‘Honra teu pai e tua mãe’ e ‘quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe terá que ser
executado.’” Mt 22:44 “O Senhor disse ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus
inimigos debaixo de teus pés.’”
60
BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics. Vol. 1, Prolegomena, ed. John Bolt, trans. John Friend. Grand
Rapids: Baker Academic, 2003, p. 395 aped ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013,
p. 66, colchete nosso.
61
Êx 4:12 “Agora, pois, vá; eu estarei com você, ensinando-lhe o que dizer” 2 Sm 23:1-2 “Estas são as últimas
palavras de Davi: ‘Palavras de Davi, filho de Jessé; palavras do homem que foi exaltado, do ungido pelo Deus de
Jacó, do cantor dos cânticos de Israel: O Espírito do Senhor falou por meu intermédio; sua palavra esteve em
minha língua.’” Dt 18:18 “Levantarei do meio dos seus irmãos um profeta como você; porei minhas palavras na
sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar.” Os 1:2 “Quando o Senhor começou a falar por meio de
Oséias, o Senhor lhe disse: ‘Vá, tome uma mulher adúltera e filhos da infidelidade, porque a nação é culpada do
mais vergonhoso adultério por afastar-se do Senhor.’” Hc 2:1 “Ficarei no meu posto de sentinela e tomarei
posição sobre a muralha; aguardarei para ver o que ele me dirá e que resposta terei à minha queixa.” Zc 1:9
“Então perguntei: Quem são estes, meu senhor? O anjo que estava falando comigo respondeu: ‘Eu lhe mostrarei
quem são.’”
62
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 67.
63
Js 24:2 “Josué disse a todo o povo: ‘Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Há muito tempo, os seus
antepassados, inclusive Terá, pai de Abraão e de Naor, viviam além do Eufrates e prestavam culto a outros
deuses.’” Is 1:2 “Ouçam, ó céus! Escute, ó terra! Pois o Senhor falou: ‘Criei filhos e os fiz crescer, mas eles se
revoltaram contra mim.’” Jr 1:2 “A palavra do Senhor veio a ele no décimo terceiro ano do reinado de Josias,
filho de Amom, rei de Judá,” Ez 1:3 “A palavra do Senhor veio ao sacerdote Ezequiel, filho de Buzi, junto ao rio
Quebar, na terra dos caldeus. Ali a mão do Senhor esteve sobre ele.” Ez 2:1 “Ele me disse: ‘Filho do homem,
fique de pé, que eu vou falar com você.’”
64
BAVINCK apud ANGLADA, op. cit. p., 66.
17

2.3 A doutrina de inspiração da Igreja65
Depois de discorrer acerca de algumas (principais) teorias da inspiração Bíblica, é
importante ressaltar qual é a posição da Igreja, desde seu início, em relação a essa doutrina.
Para a Igreja a convicção na divina inspiração da Escritura prevalecia por meio da fé, talvez
esse assunto não tenha sido uma pauta tão importante na época, à preocupação estava mais em
disseminar a verdade do que averiguar se o que eles pregavam era verdade inspirada e
infalível. Esse testemunho de fé prevaleceu por 18 séculos, denominado “como visão
ortodoxa da inspiração divina. Os pais da Igreja em geral [...], ensinaram firmemente que a
Bíblia é a Palavra de Deus escrita.”66 Essa visão serviu como base, não somente para os pais
da Igreja do primeiro século, mas também aos reformadores a partir do século 16 e ainda é
sustentada em dias atuais. Só com o surgimento do “modernismo ou liberalismo teológico,”67
no século 19, foi que a visão ortodoxa da Escritura começou a ser questionada e
consequentemente surgiram vários conceitos sobre a inspiração bíblica. Trata-se de um
período conturbado, pois foi quando “todas as teorias de inspiração que a energia incansável
dos incrédulos e a especulação dos meio-crentes foram capazes de inventar.”68
No meio de inúmeras teorias, existe uma muito bem estabelecida pela Igreja, que
Warfield esclarece como sendo uma doutrina que;
Difere das teorias que de bom grado a substituíram, no fato de que ela não é
invenção nem propriedade de um indivíduo, mas a fé constante da Igreja universal
de Deus; no fato de que ela não surgiu ontem, mas é a segura persuasão do povo de
Deus desde a primeira plantação da Igreja até o dia de hoje; no fato de que ela não é
uma elaboração multiforme que varia suas afirmações para se encaixar em cada
nova mudança do pensamento inconstante dos homens, mas desde o início, é a
constante e permanente convicção da Igreja sobre a divindade das Escrituras.69

Não é necessário um desenvolvimento minucioso para esclarecer essa doutrina, pois
para a Igreja, desde a sua plantação, a Escritura é “um livro oracular – como a Palavra de
Deus de tal modo que tudo o que ela diz Deus diz.”70 Essa doutrina está embasada na fé, que é
uma herança natural do crente, este pode recorrer a essa palavra sem medo de encontrar nela
algo que não seja a Palavra de Deus, ou talvez, não encontrar auxílio necessário para seus
infortúnios, curvando-se diante “das suas enunciações de direito [e] de suas ameaças, [mas
65

Da Biblioteca Sacra, v. 51, 1894, p. 614-640. Publ. Em Revelation and Inspiration sob o título “The
inspiration of the Bible” apud WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura
Cristã, 2010, p. 84.
66
GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida,
2006, p. 16.
67
Ibid., p. 20.
68
WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 85.
69
Ibid.
70
Ibid.
18

também descansando] em suas promessas.”71 Essa fé é uma grande ponte para a Igreja, se
caso as dúvidas que brotam com a modernidade, sobre a Escritura, ecoarem no meio do povo
de Deus, ela fará com que o cristão;
Facilmente se [recorde] daqueles dias mais felizes [quando] no colo de nossa mãe
cristã, com um cicio nos lábios seguindo palavras que o dedo lento traçava sobre
uma página aberta – palavras que foram o seu apoio em cada prova e, como ela
carinhosamente confiava [tornaram] guia durante toda a vida.72

A Igreja sempre repousou na confiança de que cada palavra da Bíblia é a voz de Deus
e “todo corpo de literatura cristã da testemunho desse fato [...], [traçando uma trajetória] até
sua fonte e em toda parte a cristandade é harmoniosa com uma fé viva na fidelidade divina
das Escrituras.”73
Já foi citado o testemunho de alguns escritores bíblicos, como Apóstolo Paulo e
Apóstolo Pedro, que declaram serem os escritos bíblicos inspirados por Deus. Todavia é
importante ressaltar os testemunhos dos pais da Igreja, que após a era apostólica também
defendiam o caráter divino das Escrituras, ainda que, essas afirmações não possuam o mesmo
peso que possui o testemunho apostólico. Eles não tinham outra definição a não ser a
completa inspiração divina das Escrituras clara e convicta em seus corações e registrada em
seus escritos. Orígenes74, teólogo do primeiro século, “afirma que o Espírito Santo foi
cooperador com os evangelistas na composição do Evangelho [...], portanto, lapsos de
memória, erros ou falsidades eram impossíveis para eles.”75 Irineu de Lyon76, discípulo de
Policarpo77 “reivindica para os cristãos a consciência clara de que as Escrituras são perfeitas,
visto que são faladas pela Palavra de Deus e do seu Espírito.”78 Policarpo por sua vez
71

WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 85, colchete
nosso.
72
Ibid., colchetes nosso.
73
Ibid., p. 86, colchete nosso.
74
“(185-254) Nascido no Egito, esse mártir foi um importante e controvertido teólogo da cristandade primitiva.
Foi um dos principais promotores de uma exegese alegórica das Escrituras, enfatizando três níveis de leitura do
texto bíblico, o literal, o moral e o espiritual. Lecionou na escola de teologia (Didaskaleion) de Alexandria. Seus
ensinos sobre a preexistência da alma e da restauração de todas as coisas (apokatástasis) foram condenados no
Segundo Concílio de Constantinopla (553), por serem contrários às Escrituras. Sua principal obra é uma apologia
ao cristianismo: Contra Celso.” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 263.
75
WARFIELD, op. cit., p. 86.
76
“(130-202) Provavelmente nascido na Turquia, foi bispo na França sendo um dos mais importantes escritores
da cristandade antiga. Por meio de seus escritos, não apenas refutou completamente o gnosticismo, como
também legou à cristandade o primeiro protótipo de uma teologia bíblica. Provavelmente foi martirizado. Sua
mais importante obra foi: Contra as Heresias” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova,
2011, p. 261.
77
“Segundo Tertuliano, um importante teólogo cristão do século 3.°, Policarpo, teria sido ordenado bispo de
Esmirna pelas mãos do próprio apóstolo João. FERREIRA, Franklin. Gigantes da Fé. São Paulo: Vida, 2006, p.
25.
78
WARFIELD, op. cit., p.86.
19

considerou a Escritura como a “voz do altíssimo, e anunciou como primogênito de Satanás
[aquele que corrompe seus escritos].”79 Para os últimos pais da Igreja essa doutrina não se
diferenciava em nada, um exemplo disso são as palavras de Agostinho de Hipona 80 que
“afirma que considera as Escrituras canônicas entre os livros com tal reverência e honra [e
que seus autores foram isentos de erros].”81 Entre os reformadores, também não é encontrada
uma teoria diferente em relação a doutrina da inspiração bíblica. Um exemplo disso é Lutero
que faz uso das mesmas palavras de Agostinho e ainda “declara que o conjunto das Escrituras
deve ser atribuído ao Espírito Santo e, portanto, não pode errar.”82 Para Calvino83 as
Escrituras “eram o verbum Dei – a Palavra de Deus [...], competente, inspirada, inerrante, e
infalível.”84 Poderiam ser citados inúmeros autores que marcaram suas épocas com seus
posicionamentos, mas para encerrar essa pequena lista é importante citar o que diz Richard
Baxter (1615-1691), um importante ministro em sua época que levou para dentro das casas
“em sua paróquia no interior da Inglaterra,”85 o ensino bíblico que ele mesmo considerou
como sagrado e verdadeiro afirmando que “não há falsidade nas Escrituras.”86
Neste capítulo foi abordado o tema “inspiração bíblica” com ênfase em suas principais
teorias. Dentre elas estão: inspiração plenária que evidencia o fator divino na totalidade da
Escritura considerando assim cada parte como inspirada, mas não com o mesmo grau de
importância entre essas partes; Inspiração dinâmica que valoriza o labor harmonioso do
divino e humano, onde Deus se valeu dos conhecimentos e personalidade humana para
produzir a Escritura; Inspiração verbal que semelhante a plenária defende a completa
inspiração bíblica, no entanto, na verbal não somente as partes são inspiradas, mas cada
palavra. Existem outras definições menos aceitas, entre elas estão: a inspiração mecânica ou

79

WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 86, colchete
nosso.
80
“(354-430) Um dos mais importantes influentes pensadores cristãos. Originário da Argélia, no norte da África,
foi bispo na pequena cidade de Hipona e o mais prolífico escritor da cristandade antiga. Quase todos os grandes
temas cristãos foram tratados nos escritos desse bispo latino, tais como: hermenêutica, Trindade, graça,
predestinação, igreja, casamento, sacramentos e escatologia. Entre suas principais obras, estão: O livre-arbítrio,
A doutrina cristã, A Trindade, Confissões e Cidade de Deus.” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo:
Vida Nova, 2011, p. 257.
81
WARFIELD, op. cit., p. 87, colchete nosso.
82
Ibid.
83
“Um dos mais destacados pensadores da cristandade. Esse francês desenvolveu seu ministério na cidade de
Genebra, na Suíça, onde exerceu influência sobre grande parte da Europa em sua época. [...]. Pregador, exegeta,
polemista, é mais conhecido pelas Institutas da Religião Cristã, uma teologia bíblica que serve de introdução aos
principais temas dogmáticos das Escrituras.” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova,
2011, p. 261.
84
LAWSON, Steven. A arte expositiva de Calvino. São José dos Campo, Sp: Fiel, 2010. p. 34.
85
FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 263.
86
WORKS, 15.65 apud WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã,
2010, p. 87.
20

ditada que defende a anulação completa da mente humana, não se valendo do conhecimento e
nem da personalidade humana e Inspiração parcial ou fracionada que não tem a Bíblia como
inspirada em sua totalidade, mas parcialmente.
Em outro ponto foi enfatizado o emprego, origem e as variações do termo “inspiração”
como sua definição dentro da ideia bíblica que se resume no agir sobrenatural de Deus que
transcende a capacidade humana. Outro ponto são as evidências bíblicas que comprovam sua
inspiração presente nos ensinos de Jesus, nos testemunhos dos apóstolos e nas mensagens
proféticas do Antigo Testamento, também como a transformação que se evidencia na vida
daquele que se dispõe a ouvir essa mensagem. A inspiração é também evidenciada na questão
harmônica dos livros, que estão distantes em autoria, estilo, contexto e que mesmo assim
transmitem uma mesma ideia.
Finalizando o capítulo, foi descrito a ideia bíblica da inspiração que a igreja defende
desde sua plantação, uma crença fundamentada nos escritos, mas principalmente na fé que
sempre foi uma herança natural da igreja, essa crença é transmitida até hoje e conhecida como
visão ortodoxa da Escritura, onde toda ela é obra do Espírito Santo, que inspirou homens para
escrevê-la. Se opondo a essa visão em um período conhecido como modernismo ou
liberalismo teológico, outras definições surgiram, algumas coerentes com a Bíblia e com
maior aceitação pela igreja e outras que, defendida pelos críticos, não se coadunam com o
ensino bíblico.
Alguns podem questionar o fato da convicção da Igreja na inspiração divina da
Escritura ser por meio da fé, e não através de uma declaração formal e bem esclarecida do
assunto, mas “a fé simples do povo cristão é também doutrina confessional das igrejas
cristãs,”87 e “foi por meio dela que os antigos receberam bom testemunho.”88 É pela fé que a
Escritura é recebida como um livro divino escrito por homens inspirados pelo Espírito Santo.
Portanto é necessário rejeitar qualquer teoria de que a Bíblia possua somente algumas partes
inspiradas ou que ela seja mecânica não se valendo de fatores humanos e contextos da época,
ou seja, qualquer ideia que despreze o divino ou o humano no que diz respeito a Escritura,
deve ser rejeitado.
No próximo capítulo será tratado a respeito da suficiência da Escritura tal como seus
principais conceitos, história e aplicações práticas que semelhante a inspiração bíblica sempre
foi a regra de fé da Igreja, mas que passou e ainda passa por manifestações de incredulidade.

87
88

WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 88.
Hebreus 11:2. Cf. também Hebreus 11:1-40.
21

3. A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA

A Igreja de Cristo desde o seu nascimento confiou nas Escrituras, pois ela tinha uma fé
viva e convicta de que esses escritos eram inspirados e consequentemente suficientes para
direcioná-la. Essa realidade mudou, pois “os púlpitos não mais podem ser identificados com
os de outrora” 89, um dos fatores que colaboram para isso é “o evangelicalismo moderno [que]
parece manifestar uma crescente incredulidade nas Escrituras como regra suficiente de fé e
prática.”90 Fato é que, algumas Igrejas tem buscado, fora da Bíblia, complementos para sua
doutrina desviando-se do caminho proposto por Deus.
A Bíblia é extremamente adequada para governar a Igreja, pois “tudo o que aprouve a
Deus revelar [...] em matéria de fé e prática,”91 foi registrado nela, sem faltar ou passar
qualquer tipo de informação, e como um leme preciso direciona um barco a Escritura
direciona a Igreja e até mesmo a sociedade. Um exemplo disso foi quando João Calvino,
teólogo francês, retornou a Genebra depois de dois anos após ser expulso da cidade por causa
de discussões sobre “disciplina cristã, adesão à confissão de fé e práticas litúrgicas.” 92 Esse
retorno, tão aclamado pelos genebrinos, foi para que Calvino pudesse tirar da Bíblia,
Os princípios que deveriam reger a vida dos cidadãos daquela cidade, tanto no que
se referia às questões eclesiásticas, quanto às demais questões que envolviam a
administração e ordem na cidade. Por esta razão, Calvino fez da pregação baseada
93
nas Escrituras seu principal instrumento de trabalho.

Para o homem, a Escritura é o seu guia, sendo a voz de Deus, ela governa cada área de
sua vida. Nela o homem “encontra tudo o que deve saber e tudo o que deve fazer a fim de que
venha a ser salvo [e], viva de modo agradável a Deus, [o servindo e o adorando].”94 No Salmo
19:7-13,95 algumas afirmações elucidam bem o propósito e capacidade da Escritura, nela esta
explicito que “a lei do Senhor é perfeita” os “preceitos do Senhor são justos” e seus
89

ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 2
Ibid., p. 91.
91
Ibid., p. 93.
92
FERREIRA, Franklin, Gigantes da fé. São Paulo: Vida, 2006, p. 162
93
MIRANDA, Daniel Leite Guanaes de. Calvino e Sola Scriptura: A aplicação deste princípio na cidade de
Genebra e sua Relevância para o Brasil dos dias atuais. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/Calvino-Sola-Scriptura_Daniel-Leite.pdf>. p. 8.
94
ANGLADA, op. cit., p. 93
95
“A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma. Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança, e tornam
sábios os inexperientes. Os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao coração. Os mandamentos do Senhor
são límpidos, e trazem luz aos olhos. O temor do Senhor é puro, e dura para sempre. As ordenanças do Senhor
são verdadeiras, são todas elas justas. São mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro; são mais
doces do que o mel, do que as gotas do favo. Por elas o teu servo é advertido; há grande recompensa em
obedecer-lhes. Quem pode discernir os próprios erros? Absolve-me dos que desconheço! Também guarda o teu
servo dos pecados intencionais; que eles não me dominem! Então serei íntegro, inocente de grande transgressão.
BÍBLIA, Sagrada. Nova versão internacional. São Paulo: Vida, 2007.
90
22

“mandamentos são límpidos” e ainda “mais desejáveis do que o ouro” e “mais desejáveis do
que o mel”, e por ela o “servo [do Senhor] é advertido” e essa lei guarda o homem dos
“pecados intencionais” de maneira que eles não o dominam. Uma vez dominado pelo pecado,
a Escritura é o único meio suficiente capaz de iluminá-lo conscientizando-o e libertando-o de
suas práticas reprovadas por Deus em sua Palavra. Assim, a suficiência da Escritura só poderá
ser comprovada à medida que o homem se torna, por completo, cativo a ela.
Alguns podem perguntar, se outros livros poderiam ajudar o homem e a Igreja a
desenvolver seu crescimento, a resposta é não! Segundo Ryle;
Há um abismo entre este [Bíblia] e qualquer outro livro que tenha sido escrito. Ele
ilumina um vasto número de assuntos dos mais importantes de forma melhor do que
todos os outros livros no mundo. Ele ousadamente trata de assuntos que vão além do
alcance humano, quando o homem é deixado por conta própria. Trata de coisas que
são misteriosas e invisíveis: a alma, o mundo vindouro e a eternidade, profundidades
96
essas que nenhum homem pode sondar.

Por mais que seja impossível desconsiderar o avanço da ciência, da arte e da erudição
a Bíblia ainda é um livro exclusivo, incomparável e insubstituível. Não se trata de um livro
com pontos fortes e fracos, assuntos relevantes e irrelevantes. Tudo o que foi escrito, é, e
sempre será relevante em seu todo. E ainda “é o único livro que conserva frescor, perenidade
e novidade.”97
3.1 Conceito
Crer na suficiência bíblica significa crer em sua inspiração. Para Paul Washer essa
ideia pode não ser tão obvia assim, pois quando a Igreja tem a Bíblia como inspirada ganha
“somente metade da batalha [...]. A maior questão que acompanha isso [...], é: a Bíblia é
suficiente?”98 Na definição de Grudem;
As Escrituras são suficientes [que] significa dizer que [ela] contém todas as palavras
divinas que Deus quis dar ao seu povo em cada estágio da história da redenção e que
hoje contém todas as palavras de Deus que precisamos para salvação, para que, de
99
maneira perfeita, nele possamos confiar e a ele obedecer.

É impossível definir a suficiência da Bíblia sem incluir o fator inspiração, pois dizer
que a Bíblia não é inspirada e afirmar sua suficiência, não passa de um conceito de opinião.
Da mesma forma crer na sua inspiração sem obedecer as palavras que contém no livro, não
quer dizer nada, nenhuma mudança ocorre, pois a suficiência da Escritura é comprovada
96

RYLE, J. C. A Inspiração das Escrituras. São Paulo: Pes, s.d. p. 1.
Ibid., p. 5.
98
WASHER, Paul. 10 Acusações contra Igreja Moderna. São José dos Campos, Sp: 2011, p. 16.
99
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 86.
97
23

quando ocorrem mudanças invisíveis que refletem visivelmente, operadas pela Palavra de
Deus.
Um grande apoio bíblico para o conceito de suficiência está em 2Tm 3:15,100 onde
Paulo confirma o grande apreço de Timóteo pela Escritura desde sua infância,101 mostrando o
poder de seus escritos que poderia “torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo
Jesus”, no verso seguinte Paulo descreve porque a Escritura tem esse poder. Um detalhe
importante é, para que ela seja proveitosa ou suficiente é necessário fazer o uso correto da
mesma. Pois que proveito a Escritura teria quando o leitor “se interessa apenas por
especulações curiosas? [...], [ou] se porventura ele perverte o significado natural com as
interpretações estranhas à fé,”102 descaracterizando seu ponto central que é Cristo.
A suficiência bíblica é compreendida no sentido de que tudo o que é relacionado com
a vida do cristão, seu chamado e vocação está presente nas Escrituras. Apóstolo Paulo afirma
a utilidade dos escritos no sentido de tornar o homem “apto e plenamente preparado para toda
boa obra” (2Tm 3:17).103 Assuntos relacionados a: casamento, divórcio, criação de filhos,
relacionamento entre cristãos e governo, bem como doutrinárias relacionadas a: “expiação, ou
a pessoa de Cristo, ou a obra do Espirito Santo na vida do crente hoje,”104 fazem parte da
gama de assuntos que a Escritura aborda, não somente na busca de respostas a cerca de um
determinado assunto, mas na preparação do cristão para servir a Deus dentro do seu próprio
contexto. No entanto Deus não cobra do crente aquilo que Ele não registrou no Livro, ou seja,
“Deus não pode acrescentar mais palavras àquelas que ele já falou ao seu povo.”105 De igual
modo “o homem, não pode por conta própria, acrescentar nenhuma palavra àquelas que Deus
já falou.”106
Alguns podem questionar a suficiência da Escritura na época de Moisés por exemplo,
ou em períodos posteriores, em que o povo hebreu não tinha os 66 livros fechados a sua
disposição. Talvez tal compreensão reflete na ideia de que o povo não tinha a vontade de

100

“Porque desde criança você conhece as sagradas letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação
mediante a fé em Cristo Jesus.” BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007.
101
“Era um sábio cuidado que nos tempos antigos se tomava em assegurar-se de que aqueles que eram
destinados ao ministério da palavra fossem desde a infância instruídos na sólida doutrina da piedade e
houvessem bebido as profundas águas dos escritos sagrados, para que, ao assumirem o desempenho de seu
ofício, não se revelassem aprendizes inexperientes. CALVINO, João. As Pastorais. São José dos Campo, Sp:
Fiel, 2009, p. 262.
102
CALVINO, João. As Pastorais. São José dos Campo, Sp: Fiel, 2009, p. 262.
103
BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007.
104
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 87
105
Ibid., p. 88.
106
Ibid., p. 88.
24

Deus por inteiro, no entanto, não poderiam agradar a Deus fazendo sua vontade, pois lhes
faltavam revelações. Mas Deus se valeu daquilo que já tinha sido revelado, por exemplo;
No tempo da morte de Moisés, os cinco livros do [...] Antigo Testamento eram
suficientes para o povo de Deus da época. Mas Deus ordenou que autores
posteriores acrescentassem novos ensinos, para que as escrituras fossem também
suficientes para os crentes de épocas posteriores. Para os cristãos de hoje, as
palavras de Deus [...], [do] Antigo e [do] Novo Testamento [...] são suficientes
durante a era da Igreja. Depois da morte, ressurreição e ascensão de Cristo, da
fundação da Igreja primitiva [...], não ocorreram na história ações divinas redentoras
importantes (ações que tenham relevância direta para todo o povo de Deus e para
107
todo o tempo subsequente).

No entanto todas as palavras que foram citadas no Antigo Testamento serviram não
somente para sua época, mas são extremamente relevantes para o contexto atual. Isso quer
dizer que tanto a Igreja como o membro podem ser instruídos, exortados e edificados com os
textos do Antigo Testamento que, mesmo sendo antigos e de uma época completamente
diferente de hoje, principalmente em relação a cultura, são textos atuais e competentes, que
podem ser aplicados atualmente, (Dt 4:2; 12:32; Pv 30:5-6).108
3.2 A Suficiência da Escritura na Pregação
O estudo da homilética109 traz várias técnicas com o intuito de aperfeiçoar o orador
para apresentar sua exposição com qualidade, a evolução desses métodos tem crescido muito
ultimamente com o propósito de dar maior compreensão àquilo que esta sendo dito. Na
pregação do evangelho não tem sido diferente, as técnicas invadiram os púlpitos, os oradores
tem conseguido atingir resultados cada vez mais expressivos no quesito compreensão e
contextualização de suas mensagens. A impressão que se dá é que isso nunca foi tão
importante como tem sido nos últimos anos. O aperfeiçoamento das técnicas de expor a
mensagem bíblica tem se tornado mais importante do que a própria mensagem, prioridades
como: extrair da Bíblia princípios norteadores para a vida do homem, princípios estes que
conduz a um viver agradável a Deus tem ficado em segundo plano. Quando se inverte
107

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 89
Dt 4:2 “Nada acrescentem às palavras que eu lhes ordeno e delas nada retirem, mas obedeçam aos
mandamentos do Senhor, o seu Deus, que eu lhes ordeno. Mt 12:32 “Apliquem-se a fazer tudo o que eu lhes
ordeno; não acrescentem nem tirem coisa alguma. Pv 30:5-6 “Cada palavra de Deus é comprovadamente pura;
ele é um escudo pra quem nele se refugia. Nada acrescente às palavras dele, do contrário, ele os repreenderá e
mostrará que você é mentiroso” (BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007).
109
“Essa palavra portuguesa vem do grego, omiletikós, «sociável». O verbo omileein, significa «estar em
companhia de»; e o substantivo omilos significa «assembléia». Visto que a sociabilidade está, intimamente,
associada à linguagem, esse título, homilética, veio a se referir àquele ramo da retórica que trata da composição e
entrega de sermões. Em outras palavras, a homilética é a arte de compor e entregar sermões. Uma homilia, por
sua vez, é um discurso ou sermão. As homilias originais, dos pais da Igreja, eram comentários sobre as
Escrituras, envolvendo também os trechos bíblicos que eram lidos durante os cultos religiosos” CHAMPLIN,
Russel. N. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. 3.v. s.l, s.d. p. 154.
108
25

priorizando a técnica mais do que a mensagem, o risco pode ser enorme e a consequência
disso é a descaracterização do real sentido bíblico, ensinos moralistas, desconstrução da
doutrina bíblica e cultos antropocêntricos. Nesse sentido, a Escritura é insuficiente tanto para
o pregador quando para o ouvinte. Pois o pregador estaria perdendo a oportunidade de falar da
parte de Deus e agradá-lo e os ouvintes estariam perdendo seu tempo com palavras
meramente humanas, cheias de requinte, porém humanas.
O entendimento acerca do que é uma pregação ganha sentido quando analisamos o
seus respectivos empregos no Novo testamento. Será feito o uso de quatro palavras, que no
grego expressam essa ideia, são elas;
Kerusso (“pregar”). Significa ‘declarar, como faz um arauto’. Refere-se à mensagem
de um rei. Quando um soberano tinha uma mensagem para seus súditos, ele
entregava aos arautos. Este transmitia às pessoas sem mudá-la ou corrigi-la [...]. O
Novo Testamento usa este verbo para enfatizar que o pregador não deve anunciar
sua própria mensagem. Ele fala como porta-voz de outrem. A ênfase desta palavra
está na transmissão exata da mensagem. [Outra palavra é] euangelizo [que significa]
‘trazer boas notícias’. Martureo, este verbo significa dar ‘testemunho dos fatos’. [E
por último] didasko, esta palavra significa ‘pronunciar em termos concretos o que a
mensagem significa em referência ao viver’. [...] Quando alguém prega, não importa
o lugar em que esteja ou para quem está falando, está fazendo todas as quatro coisas
110
[mencionadas].

Os profetas do Antigo Testamento tinham a incumbência de transmitir ao povo somente
aquilo que Deus revelasse como em Jr 1:17 “E você, prepare-se! Vá dizer-lhes tudo o que eu
ordenar”. O Deus da mensagem também é o Deus do povo que vai receber a mensagem, e
para esse Deus a sua palavra é o suficiente, pois “o que Deus tem a dizer ao homem é
infinitamente mais importante do que as coisas que o homem tem a dizer a Deus.”111 A
Escritura possui somente uma interpretação que abrange várias áreas da vida dos ouvintes, por
essa razão é que o rigor para sua transmissão é tão importante, e aqui o rigor não tem a ver
com técnica mas sim em dizer somente o que Deus disse, pois o “Espírito Santo age nos
ouvintes por meio de um pregador só até o ponto em que a Palavra é ensinada com exatidão e
clareza.”112
João Calvino se assemelha aos profetas do Antigo Testamento por crer que a pura
transmissão das Palavras de Deus sem mistura humana é que surtirá efeito, para ele “a igreja
de Deus será educada pela pregação autêntica de sua Palavra e não pelas invenções dos
homens [as quais são madeira, feno e palha].”113 E ainda acrescenta: “mesmo em nossa
110

OLYOT, Stuart. A pregação pura e simples. São José do Campo, Sp: Fiel, 2008, p. 14-18.
STEVEN, Lawson. A arte expositiva de João Calvino. São Jose dos Campos, Sp: Fiel, 2010, p. 38
112
Ibid., p. 38.
113
CALVINO, João. Comentário em 1 Coríntios. São Bernardo do Campo, SP: Paracletos, 2003 apud
LAWSON, Steven. A arte expositiva de João Calvino. São José dos Campos, Sp: Fiel, 2010, p. 40.
111
26

própria época há muitos que, a fim de exibir sua habilidade em compendiar a Palavra de
Deus, se permitem jogar com ela como se fosse filosofia profana”. 114 Para Calvino, na
pregação, a Palavra sai da boca de Deus tal como sai da boca de homens, pois Deus não fala
diretamente do céu, mas usa homens para falar por seu intermédio.115 Para Agostinho de
Hipona116 o pregador é quem interpreta e ensina as verdades divinas com base na fé,
interpretando as Escrituras e não dando sentido ao texto, mas resgatando-o do próprio texto,117
enquanto isso acontecer o caminho que o pregador e os ouvintes trilham é o do propósito
divino e o cumprimento das promessas ali encontradas.
3.3 Interpretação das Escrituras
Para dar mais clareza ao assunto da suficiência na pregação que foi abordado no tópico
anterior, faz-se necessário a abertura de um assunto muito importante em relação à Escritura,
que é a sua interpretação, pois, a potencialidade das informações bíblicas depende
exclusivamente disso, assim como os escritos de um jornal, revista e etc. Se não houver uma
interpretação precisa e correta é impossível alcançar o propósito pelo qual tal escrito foi
confeccionado, ocorrendo então uma deturpação de informações. Como afirma Nicodemus;
“Cada vez que abrimos e lemos, buscando entender a mensagem de Deus para nós, engajamonos num processo de interpretação.”118 Lembrando que o processo de interpretação utilizado
para as Escrituras se difere das fontes de informações que temos hoje, por causa da época em
que foi escrita e a língua que foi utilizada, e também pelo fato de que todos os escritores da
Bíblia já morreram, tornando a interpretação mais complicada e importante.
Para Anglada a necessidade de interpretação:
Decorre do fato de que ler não implica necessariamente em entender. [...], as
Escrituras são substancialmente, mas não completamente claras. As verdades
básicas necessárias à salvação, serviço e vida cristã são evidentes em uma ou outra
passagem bíblica, mas nem todas as passagens das Escrituras são igualmente claras.
119
Daí a necessidade de interpretação consciente da Palavra de Deus.

114

CALVINO, João. As pastorais. São José dos Campos, Sp: Fiel, 2009, p. 18
FERREIRA, Franklin. Calvino e a pregação. In: Conferência Fiel, 2008. Pregação poderosa. Portugal.
Disponível em: <http://www.ministeriofiel.com.br/conferencias/mensagem/391/Joao_Calvino_e_a_Pregacao>.
Acesso em 24 out. 2013.
116
(354-430) Natural da Argélia, norte da África, foi Bispo em uma pequena cidade chamada Hipona, foi autor
de grandes obras, dentre as principais estão: O livre-arbítrio, A doutrina cristã, A Trindade, Confissões e Cidade
de Deus. FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 257.
117
FERREIRA, Franklin. Agostinho e a pregação. In: Conferência Fiel, 2008. Pregação poderosa. Portugal.
Disponível em: <http://www.ministeriofiel.com.br/conferencias/mensagem/390/Agostinho_e_a_Pregacao>.
Acesso em 24 out. 2013.
118
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus interpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 21.
119
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 150.
115
27

O processo de interpretação da Escritura começa com os autores do Antigo
Testamento e “continua até os dias de hoje, fecundado e amadurecido pela chegada do
Cristianismo e qualificado em diversos aspectos pelos limites da inspiração impostos pela
história da salvação.”120 Mesmo tendo acesso a documentos mais atuais e fiéis, em relação ao
que se tem hoje, os primeiros intérpretes não estiveram isentos de problemas de interpretação
como afirma Virkler:
Os escribas tiveram grande cuidado em copiar as Escrituras crendo que cada letra do
texto era a Palavra de Deus inspirada [...]. Essa reverência tinha vantagens e
desvantagens. Uma grande vantagem estava em que os textos foram cuidadosamente
preservados através dos séculos. Uma grande desvantagem foi que os rabinos logo
121
começaram a interpretar a Escritura por outros métodos que não [são] os meios
122
pelos quais a comunicação é normalmente interpretada.

Apóstolo Pedro reconhece a dificuldade para se interpretar o texto sagrado, quando em
2Pe 3:16, ele afirma que nas cartas de Paulo “contêm algumas coisas difíceis de entender...”.
“Isso significa que a compreensão da Escritura Sagrada nem sempre é automática e
espontânea.”123 É justamente pelo fato dessa compreensão não ser espontânea que o faz
necessário ser interpretado conscientemente, “neste caso, existe um vazio entre o texto a ser
compreendido e o leitor, que ‘necessita da formulação de normas para preencher esse
vazio.’”124
É necessário enfatizar dois aspectos a respeito da interpretação da Escritura: O
primeiro aspecto é a ação iluminadora do Espírito Santo na vida do intérprete, pois “a
cegueira espiritual do homem em decorrência da queda havia afetado inclusive a capacidade
[do homem] de conhecer as coisas de Deus e recebê-las.” Neste sentido, é preciso que o
“coração [não esteja] embotado, como o dos Judeus descrentes; nem seu entendimento
[esteja] obscurecido, como dos gentios incrédulos.”125 Por isso Apóstolo Paulo orava
constantemente para a Igreja em Éfeso;
Não deixo de dar graças por vocês, mencionando-os em minhas orações. Peço que o
Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, lhes dê espírito de sabedoria e de
revelação, no pleno conhecimento dele. Oro também para que os olhos do coração
de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele
os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos e a incomparável

120

LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus interpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 36.
Por causa da autoria divina das Escrituras, era atribuído pelos rabinos muitos significados para um único
texto. cf. em: VIRKLER, Henry, Hermenêutica avançada. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 36-37.
122
VIRKLER, Henry, Hermenêutica avançada. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 36.
123
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 150.
124
Ibid.
125
Ibid., p. 151.
121
28

grandeza do seu poder para conosco, os que cremos, conforme a atuação da sua
poderosa força (Ef 1:16-19).

Em Efésios 4:17-18 existem outras recomendações do Apóstolo em relação a questão
espiritual: “Portanto, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do
Senhor. Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo
Espírito,”. Em Efésio 3:14-19;
Por essa razão, ajoelho-me diante do Pai, do qual recebe o nome toda a família nos
céus e na terra. Oro para que, com as suas gloriosas riquezas, ele os fortaleça no
íntimo do seu ser com poder, por meio do seu Espírito, para que Cristo habite em
seus corações mediante a fé; e oro para que vocês, arraigados e alicerçados em amor,
possam, juntamente com todos os santos, compreender a largura, o comprimento, a
altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento,
para que vocês sejam cheios de toda a plenitude de Deus.

Passagens como estas mencionadas e inúmeras outras revelam o papel do Espírito
Santo em revelar a vontade de Deus. A Interpretação bíblica não esta pautada somente em
habilidades humanas, mas também na oração, pois somente o Espírito Santo pode iluminar a
verdade, como diz a promessa de Jesus em João 16:13: “Mas quando o Espírito da verdade
vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes
anunciará o que está por vir.” O coração do homem é um poço de engano tornando-se incapaz
de encontrar por si mesmo a vontade de Deus como afirma Jeremias “O coração [do homem]
é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável... .” Isso comprova a
incapacidade do homem em interpretar a Bíblia a partir de recursos próprios pois facilmente
daria margem para o espírito do erro como diz em 1 Jo 4:16: “Nós viemos de Deus, e todo
aquele que conhece a Deus nos ouve; mas quem não vem de Deus não nos ouve. Dessa forma
reconhecemos o Espírito da verdade e o espírito do erro.”
O segundo aspecto é a importância do conhecimento para a interpretação das
Escrituras. Anglada126 afirma que;
Por haver sido escrita em idiomas humanos, em contextos históricos, sociais,
políticos e religiosos específicos, o conhecimento da língua e do contexto histórico
também é necessário para uma melhor interpretação e compreensão das Escrituras.
Por essa razão, o ministro da Palavra é, por definição, aquele que se afadiga na
127
Palavra (1Tm 5:17). Portanto com o propósito de se garantir uma interpretação
correta das Escrituras, alguns princípios, normas e práticas foram buscados,

126

ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 152-153.
“Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é a
pregação e o ensino.”
127
29

descobertos e sistematizados pela igreja. A esses princípios e normas chama-se
128
129
hermenêutica; à sua prática, exegese.
Dentro

desses dois aspectos pode-se entender o lema de João Calvino, “‘orar e

labutar’: orar por iluminação do Espírito e labutar estudando as Escrituras, usando todos os
recursos disponíveis.”130 Prosseguir com esse ideal sugerido por Calvino expressa uma grande
confiança na Escritura, quando a exposição correta do sentido bíblico juntamente com o poder
iluminador do Espírito Santo gera fé nos ouvintes.
Ao longo da história da Igreja, foram dadas diferentes ênfases em relação a
interpretação da Bíblia. Três diferentes correntes hermenêuticas foram responsáveis por essas
ênfases, entre elas estão: corrente espiritualista, racionalista e reformada.
A corrente espiritualista com base na insatisfação pelo sentido natural ou literal do
texto enfatiza exageradamente o caráter espiritual e místico da Bíblia,131 esta corrente está
subdividida entre a hermenêutica alegórica, que é de origem da escola alexandrina no Egito,
influenciada pelo platonismo e judaísmo alegórico e defende a atribuição de vários sentidos
ao texto bíblico.132 Seus principais defensores são: Clemente de Alexandria133 e Orígenes.134
Nessa mesma corrente encontra-se a hermenêutica intuitiva onde a interpretação é de acordo
com o pensamento que vêm à mente ao ler o texto bíblico valorizando a iluminação interior,
escolha de textos específicos para ocasiões especificas sem um estudo devido nem
considerações de contexto.135 E a hermenêutica existencialista que valoriza o sentido do texto
para os dias atuais desprezando o sentido que os autores bíblicos atribuíram, essa
interpretação defende que a Escritura não é a Palavra de Deus, mas ela se torna a Palavra de
Deus.136

128

“Origina-se do verbo grego ermvneuein / hermeneuein, cujo significado é igual ao da palavra exegese, ou
seja, interpretar. Hermenêutica significa, pois, interpretação” WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento. São
Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 11.
129
“Comentário ou dissertação para esclarecimento ou minuciosa interpretação de um texto ou de uma palavra.
O termo deriva-se da palavra grega ecvgvsij / exegeses, que tanto pode significar apresentação, descrição ou
narração como explicação e interpretação” WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento. São Leopoldo:
Sinodal, 1998. p. 11.
130
LOPES, Augustus Nicodemus. Princípios de interpretação da bíblia. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/hermA_02.pdf> Acesso em: 04 de nov. 2013.
131
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 153.
132
Ibid.
133
“Clemente identificava cinco sentidos para um dado texto das Escrituras: (1) sentido histórico; (2)
doutrinário; (3) profético; (4) filosófico e (5) místico”, ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA:
Knox, 2013, p. 153.
134
“[Orígenes defende] três níveis de sentido: (1) literal, ao nível do corpo; (2) o moral, ao nível da alma; e (3) o
alegórico, ao nível do espírito” ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 153,
colchete nosso.
135
ANGLADA, op. cit., p. 154.
136
Ibid.
30

A segunda corrente de interpretação é a racionalista, completamente oposta a corrente
espiritualista, pois valoriza mais o caráter humano das Escrituras, tal como seus métodos e
técnicas de interpretação nos aspectos literários e históricos da Escritura.137 Um dos seus
principais precursores são os “saduceus”138 que eram descrentes na ressurreição de Cristo e na
existência de anjos.139 “Ao negarem verdades básicas da Escritura, os saduceus podem ser
considerados como os modernistas ou liberais da época.”140 Entre os defensores dessa
corrente também estão os humanistas renascentistas cujos “interesses [eram] meramente
acadêmico, linguísticos, literário e histórico, estavam interessados na Bíblia mais por sua
antiguidade do que por ser a Palavra de Deus.”141 Outra defensora dessa corrente é a Escola
Crítica que deu origem ao método histórico-crítico142 de interpretação, trata-se de uma
hermenêutica racionalista que valoriza o intelecto como sem margem para erro, e
desconsidera tudo que não se harmoniza com a razão, além de rejeitar a doutrina reformada da
Escritura tal como a inspiração, inerrância, autoridade e preservação da Escritura143.
Já a terceira corrente é conhecida como reformada, ela mantém o equilíbrio em relação
às outras duas, por acreditar no caráter divino-humano da Escritura e por rejeitar tanto o
alegorismo de Alexandria quanto o literalismo judaico e a postura da escola crítica em relação
à Escritura. Seu método utilizado é conhecido como gramático-histórico144 “fundamentado em
pressupostos teológicos confessionais, que emprega princípios gerais definidos decorrentes
desses pressupostos, levando em consideração a natureza divino-humana das Escrituras.”145
Seus principais precursores são: Theodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo que
“estabeleceram estes princípios de interpretação considerando o próprio ensino bíblico e a
prática apostólica.”146 Os principais representantes são: Lutero, Calvino, reformadores
alemães, suíços, franceses e ingleses. Esse método foi adotado no século 18, na Europa e
América do Norte, por Whitefield e Jonathan Edwards, na Inglaterra, por J. C. Ryle e Charles
Spurgeon entre muitos outros pregadores da Palavra e interpretes até os dias de hoje.
137

ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 154.
“Naquele mesmo dia, os saduceus, que dizem que não há ressurreição, aproximaram-se dele com a seguinte
questão...” Mateus 22:23.
139
ANGLADA, op. cit., p. 154.
140
B. J. van der Walt, Anatomy of Reformation (Potchefstroom: Potchefstroom University fo Christian Higher
Education, 1981), 10 e 26 apud ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 155.
141
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 155.
142
Entre os principais defensores estão “Bultman, com o seu programa de desmitologização das Escrituras,
Harnack, com a sua humanização de Jesus, e muitos outros” ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua,
PA: Knox, 2013, p. 155.
143
ANGLADA, op. cit. p. 156.
144
Ibid.
145
Ibid., p. 158.
146
Ibid., p. 157.
138
31

3.4 Métodos de Interpretação
Quando se fala em interpretação bíblica o que vem à mente é como isso pode ser feito
ou que métodos poderiam ser usados para tal fim? A partir de que pressuposto a Bíblia
poderia ser interpretada? Neste sentido serão abordados os três principais métodos de
interpretação bíblica que são: Gramático-histórico, histórico-crítico e fundamentalista.
3.4.1 Gramático-histórico
O método gramático-histórico de interpretação foi adotado pelos reformadores e
“representou um rompimento radical com a hermenêutica alegórica medieval.”147 Sua
principal intenção é “chegar ao sentido óbvio, claro e simples de cada passagem das
Escrituras.”148 Os Reformadores ensinavam que:
Cada texto tem um só sentido, que é o literal – a não ser que o próprio contexto ou
outro texto das Escrituras requeriam claramente uma interpretação figurada ou
metafórica. [...]. [Esse método enfatizava]; a natureza divina das Escrituras [que],
era a principal barreira à sua compreensão por parte de pessoas que não tinham o
Espírito; a necessidade de estudar a Escritura, pois os reformadores reconheciam a
Bíblia como um livro humano.149

Eles acreditavam que “achar o sentido humano [original] era achar o sentido
pretendido por Deus,” 150 pois “como intérpretes bíblicos, eles se preocuparam em determinar
a intenção do autor, que era geralmente o sentido literal de uma passagem, a não ser que o
próprio autor indicasse o contrário.”151 Defendiam também que a Escritura só poderia ser
interpretada pela própria Escritura, pois podem existir passagens “obscuras num lugar, [e que]
são claras em outros.152” De acordo com Lutero:
O sentido das Escrituras não poderia mais ser determinado por tradição, nem por
decisão eclesiástica, nem por argumento filosófico, nem por intuição espiritual, mas
sim, unicamente, por outras partes das mesmas que explicam e esclarecem o seu
sentido.153

3.4.2 Histórico-crítico
Outro método de interpretação da Escritura muito utilizado é o histórico-crítico. É
histórico porque “lida com fontes históricas [Bíblicas], dentro de uma perspectiva de evolução
histórica, procurando determinar os diversos estágios de sua formação e crescimento, até
147

LOPES, Augustus N. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 161-162.
Ibid., p. 161.
149
Ibid., p. 161-162.
150
Ibid., p. 164.
151
Ibid.
152
Ibid., p. 163.
153
Ibid.
148
32

terem adquirido sua forma atual.”154 É crítico porque “necessita emitir uma série de juízos
sobre as fontes que tem por objeto de estudo.”155 Esse método de interpretação foi
desenvolvido a partir do iluminismo156 em oposição ao método alegórico da Idade Média, e
ficou conhecido por ser racional e muito questionador pois:
Na época do Iluminismo, a crítica bíblica dirigiu-se preponderantemente contra os
condicionamentos da interpretação bíblica determinados por postulados dogmáticos
defendidos pelas igrejas. Para o iluminismo, verdadeiro era o que estava de acordo
com a razão e o que podia ser deduzido e explicado racionalmente.157

No final do século 19 esse método ganha corpo como ciência histórica através do
teólogo Ernst Troeltsch, que julgava ser necessário o uso de alguns pressupostos para reger as
análises históricas, os quais são: a crítica, a analogia e a correlação. A crítica sustenta a
existência de juízos prováveis e desconsidera a existência de juízos absolutos no campo
histórico, por isso toda pesquisa resultaria em dúvidas metódicas. E se tratando das tradições
bíblicas o seu conteúdo e suas formas seriam “submetidos a juízos de maior ou menor
probabilidade histórica”; A analogia propõe explicar acontecimentos do passado através de
fatos semelhantes, normais, corriqueiros, atestados e conhecidos, ou seja, é a probabilidade de
explicar o que é desconhecido num lugar pelo que é conhecido em outro lugar; E por último a
correlação que entende que todos os acontecimentos se encontram em relação mútua de
dependência, cada acontecimento esta relacionado ao outro.158
Para Troeltsch a aplicação desses pressupostos representa uma evolução do modo de
pensar em relação à Idade Média. Para a “ciência bíblico-teológica explica-se [outra]
característica atual do método histórico-crítico, ou seja, a sua atitude de dúvida e
questionamento frente às tradições e aos conteúdos [bíblicos] a serem analisados.”159 Sobre a
aplicação desses pressupostos Wegner afirma que:
[Sua] aplicação rígida [...], logrou alguns avanços indiscutíveis 160 no melhor
conhecimento das tradições e dos textos bíblicos, bem como de sua gênese histórica
e condicionamentos culturais. Sem essa crítica aplicada de maneira sistemática à
Bíblia, dificilmente teríamos hoje em dia os inestimáveis avanços em áreas com a da
154

WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 17.
Ibid.
156
“Movimento intelectual dos sécs. XVII e XVIII, em países europeus e em suas colônias, que tem como base a
crença na razão e nas ciências como motores do progresso.” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini
Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 408.
157
WEGNER, op. cit., p. 18.
158
Ibid., p. 19.
159
Ibid.
160
“Apesar desses e outros inestimáveis avanços alcançados pela crítica histórica, os seus pressupostos, quando
usados de forma absolutizada, evidenciam-se com incompatíveis com o caráter da revelação bíblica.”
(WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 19)
155
33

critica textual,161 critica literária162 e crítica redacional.163 A sistemática aplicação do
critério da analogia desvendou, a um só tempo, a proximidade e o distanciamento da
religião e fé cristãs de outras crenças do Oriente e Ocidente na época de Jesus. A
crítica histórica também conseguiu caracterizar o cristianismo primitivo como um
conjunto bem mais pluralista do que se supunha; mostrou, dessa forma, que o
cristianismo, nas origens, era teologicamente mais rico que [se imaginava]. 164

O método histórico-crítico também sofre muita rejeição, isso ocorre por inúmeras
razões, são elas: excesso de academicidade dentro das comunidades causando separação entre
os teólogos e os leigos; parcialidade nas análises bíblicas, muitas vezes sem segurança em
seus resultados; autonomia do intérprete frente ao texto bíblico impedindo o texto de falar por
si somente; falta de prática na aplicação da mensagem bíblica, pois alegam que a
aplicabilidade da mensagem é papel da homilética e esclarecer o sentido original do texto é
papel da exegese crítica e por fim o historicismo exagerado.165
3.4.3 Fundamentalista
Este movimento surgiu nos Estados Unidos depois da Primeira Guerra Mundial, seu
propósito era defender a fé cristã ortodoxa da crítica e do ceticismo do liberalismo teológico,
revitalizando conceitos ou crenças que estavam ameaçadas como a inerrância e a
infalibilidade das Escrituras. Este método “parte do pressuposto de que cada detalhe da Bíblia
é divinamente inspirado, não podendo, em decorrência apresentar erros ou incongruências.
Este método tende a absolutizar o sentido literal da Bíblia.”166 Assim pretende-se defender a
Escritura afirmando que ela é o único meio pelo qual pode-se desenvolver doutrina e ética
cristã.167
Porém seu posicionamento em relação à Escritura pouco valoriza o fator humano
muito menos seus autores, e segundo Wegner esse “método corre o perigo da ‘bibliolatria’, ou
seja, de uma idolatria à letra dos textos.” Além de desprezarem a análise crítica dos textos,
eles possuem uma conduta separatista como afirma Nicodemus:
161

“Passo exegético que examina criticamente os vários textos apresentados sobre um versículo pelos
manuscritos antigos, com o objetivo de determinar qual deles tem, com a maior probabilidade, a leitura original”
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 338.
162
“À crítica literária [deve-se], entre outras coisas, a descoberta de uma multiplicidade de fontes usadas pelos
escritores bíblicos, em especial as fontes relacionadas com o Pentateuco e com os três primeiros evangelhos,
denominados sinóticos” WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 345.
163
“Pela crítica redacional [aprende-se], por exemplo, a captar melhor os evangelistas como teólogos autônomos
e sensibilizados com os problemas das comunidades para as quais escreveram. A crítica redacional possibilita
identificar, em cada um dos evangelistas, um estilo característico, uma teologia singular e um propósito bem
particular.” WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 345.
164
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 19.
165
Ibid., p. 20.
166
Ibid., p. 15.
167
Ibid.
34

Cito negativamente o fundamentalismo como movimento separatista do erro
teológico como único meio de preservar a verdade cristã. Sob esse aspecto, o
fundamentalismo crê que não pode haver associação com igrejas, denominações e
indivíduos que neguem os pontos fundamentais do cristianismo. O separatismo nem
sempre é o caminho para batalharmos pela fé histórica.168

Os métodos de interpretação que foram citados podem ser considerados como os
principais dentro de uma gama de métodos existentes menos expressivos. Dentro do método
gramático-histórico destaca-se a firmeza no sentido literal do texto, tanto na sua época como
hoje o sucesso desse método está no “equilíbrio hermenêutico alcançado pelos reformadores
[...], em manter junta a resposta a duas perguntas importantes: o que a Bíblia significou no
passado (exegese) e o que ela significa para [a Igreja] hoje (aplicação).”169 Lembrando que
esse método nunca esteve totalmente isento de desvios de interpretação. Mas trata-se daquilo
que pode ser mais coerente no que se refere a interpretação bíblica.
O método histórico-crítico traz contribuições históricas precisas a respeito da tradição
bíblica demonstrando seu apreço pela análise sistemática da Escritura, até demonstra fazer um
uso de juízo saudável em buscar as raízes do texto sagrado, mas o exagero de se colocar
acima de seu objeto de estudo não permitindo que a literatura faça com o leitor o mesmo que
o leitor faz com a literatura, por ser uma literatura divina, não traz para a comunidade os
valores espirituais que ela realmente precisa. Em resumo, esse método traz informações
bíblicas de um valor inestimável, mas peca no que se refere ao ensino que estimula a fé e a
prática.
O fundamentalismo aparece muito mais como um movimento do que como um
método de interpretação. Seu objetivo é plausível, que é a defesa de rudimentos antigos da fé
cristã, porém utiliza-se de meios separatistas quando divergem em algum assunto, e o apego a
itens menos importantes como se fossem o cerne do evangelho.
3.5 Pressupostos teológicos
Não existe crença sem um pressuposto, o conhecimento não pode ser neutro, pois
sempre parte de algum lugar ou de alguma ideia. Da mesma forma é a interpretação bíblica
que sempre tem como base uma teologia. Toda interpretação bíblica parte de um pressuposto
teológico que define os rumos para sua compreensão. Uma teologia puramente bíblica vai
resultar em uma interpretação saudável da Escritura, o fato de crer ou não na Bíblia inspirada,
168

LOPES, Agustus N. Liberalismo e fundamentalismo teológico. [maio de 2007]. Entrevistador: Elvis
Brassaroto Aleixo. Entrevista concedida ao Instituto Cristão de Pesquisa. Disponível em:
< http://www.icp.com.br/86entrevista.asp>. Acesso em: 13 de nov. 2013.
169
id. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 167.
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  • 1. SEMINÁRIO EVANGÉLICO DA IGREJA DE DEUS THIAGO DEZEMBRE BUENO A INSPIRAÇÃO E SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA: UMA ABORDAGEM DE 2 TIMÓTEO 3:16, 17. GOIÂNIA-GO 2013
  • 2. THIAGO DEZEMBRE BUENO A INSPIRAÇÃO E SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA: UMA ABORDAGEM DE 2 TIMÓTEO 3:16, 17. Trabalho de Conclusão do Curso de Formação Eclesiástica Plena em Teologia para obtenção do título de Bacharel em Teologia do Seminário Evangélico da Igreja de Deus. Orientador: Paulo Freitas GOIÂNIA-GO 2013
  • 3. Dedico este trabalho a todos os meus amigos e irmãos na fé principalmente aqueles que sempre estiveram ao meu lado tanto em momentos difíceis como em momentos alegres. Dedico especialmente à minha esposa (Camila) companheira, amiga, que tanto confio e amo.
  • 4. AGRADECIMENTOS A construção deste trabalho só foi possível com a colaboração do professor e orientador Paulo Freitas, que, demonstrou ser um profissional responsável e interessado com a qualidade da formação dos seminaristas que por ele são orientados. A todos os professores que contribuíram para a minha formação. À minha querida esposa que sempre esteve presente nas leituras e correções deste trabalho.
  • 5. RESUMO A presente pesquisa tem como tema a “Inspiração e Suficiência da Escritura: uma abordagem de 2 Timóteo 3:16, 17”. A pesquisa ressalta os principais conceitos sobre a “inspiração” da Escritura, como: inspiração plenária; dinâmica; verbal; mecânica ou ditada; parcial ou fracionada. Analisa o termo “inspiração” presente na segunda epístola de Paulo a Timóteo, desde sua origem até o seu emprego na Bíblia e possíveis problemas quanto à tradução literal do termo a partir do grego theópneustos. Esclarece qual a crença da Igreja a respeito da “inspiração” desde sua fundação. Faz uma abordagem sobre a principal definição a respeito de “suficiência da Escritura” principalmente na pregação, ressaltando os principais métodos de interpretação bíblica que são: gramático-histórico, histórico-crítico e fundamentalista. Algumas diferentes teologias que influenciam na forma como se interpreta a Bíblia, que são: teologia da libertação, feminista, negra, liberal e reformada. A pesquisa se encerra mostrando como o cristão e a igreja podem ser edificados através da utilização da Escritura, conforme abordado em 2 Timóteo 3:16,17. Palavras chave: Inspiração. Suficiência. Escritura. Interpretação. Teologia.
  • 6. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 6 2. A INSPIRAÇÃO DA ESCRITURA.................................................................................... 7 2.1 A Natureza da Inspiração .................................................................................................. 8 2.1.1 Inspiração Plenária ............................................................................................................ 8 2.1.2 Inspiração Dinâmica .......................................................................................................... 9 2.1.3 Inspiração Verbal ............................................................................................................. 10 2.1.4 Inspiração Mecânica ou ditada ........................................................................................ 10 2.1.5 Inspiração Parcial ou Fracionada ..................................................................................... 11 2.2 Evidências bíblicas a respeito da inspiração .................................................................. 12 2.3 A doutrina de inspiração da Igreja ................................................................................. 17 3. A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA ................................................................................ 21 3.1 Conceito ............................................................................................................................. 22 3.2 A Suficiência da Escritura na Pregação ......................................................................... 24 3.3 Interpretação das Escrituras ........................................................................................... 26 3.4 Métodos de Interpretação ................................................................................................ 31 2.4.1 Gramático-histórico ......................................................................................................... 31 3.4.2 Histórico-crítico ............................................................................................................... 31 3.4.3 Fundamentalista ............................................................................................................... 33 3.5 Pressupostos teológicos..................................................................................................... 34 3.5.1 Teologia da Libertação .................................................................................................... 35 3.5.2 Teologia feminista ........................................................................................................... 36 3.5.3 Teologia negra ................................................................................................................. 38 3.5.4 Teologia Liberal .............................................................................................................. 39 3.5.5 Teologia reformada.......................................................................................................... 40 4. EDIFICAÇÃO PELA ESCRITURA INSPIRADA: ANÁLISE EM SEGUNDA TIMÓTEO PARA A ATUALIDADE ................................................................................... 43 4.1 2 Timóteo 3:16-17 ............................................................................................................. 44 4.2 Praticando a Escritura ..................................................................................................... 48 4.2.1 A Bíblia e o Cristão ......................................................................................................... 49 4.2.2 A Bíblia e a Igreja ............................................................................................................ 51 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 54
  • 7. 6 1. INTRODUÇÃO1 A presente pesquisa tem como tema A Inspiração e Suficiência da Escritura: Uma abordagem de 2 Timóteo 3:16, 17. Para a aproximação do objeto de estudo e buscando alcançar o objetivo proposto, este trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica que consiste na leitura e análise da produção teórica já existente acerca do assunto investigado, permitindo a articulação de conceito e o levantamento de novas questões. A Igreja de Cristo tem passado por grandes dificuldades, no que se refere a sua edificação, pois a mensagem cristã tem perdido sua essência. Isso mostra que a Igreja tem considerado a Escritura insuficiente para sua edificação, tratando-a como um livro comum e menosprezando sua natureza divina. Esta pesquisa surgiu a partir do momento em que se percebeu que os meios de edificação da Igreja, utilizados atualmente, tem sido em sua maioria os meios seculares: a ciência em geral, na tentativa de complementar o ensino bíblico; utilização do senso comum como meio de repreensão; e o amparo da psicologia em questões que a Bíblia não demonstra clareza dentro do aspecto comportamental do membro ou de uma comunidade inteira. Estes meios seculares tornam a Igreja menos bíblica, podendo entrar em um processo de secularização e consequentemente deixar de cumprir seu propósito essencial que é a glorificação de Deus. Este trabalho tem como objetivos conhecer os principais conceitos que envolvem o tema, realizar a análise do termo “inspiração” presente na segunda epístola de Paulo a Timóteo, desde sua origem até o seu emprego na Bíblia e possíveis problemas quanto à tradução literal do termo a partir do grego theópneustos. Objetiva também abordar sobre a suficiência da Escritura, sua pregação, seus diferentes métodos de interpretação que são: gramático-histórico, histórico-crítico e fundamentalista. As diferentes teologias que influenciam na forma como se analisa a Bíblia, são elas: teologia da libertação, feminista, negra, liberal e reformada. A pesquisa se encerra mostrando como o cristão e a igreja podem ser edificados através da utilização da Escritura, conforme abordado em 2 Timóteo 3:16,17. 1 Todas as passagens bíblicas utilizadas neste trabalho foram extraídas da BÍBLIA, Sagrada. Nova versão internacional, São Paulo: Vida, 2007.
  • 8. 7 2. A INSPIRAÇÃO DA ESCRITURA Chegar a uma definição clara e aceitável a respeito da inspiração bíblica tem se tornado um desafio um tanto complicado. “Pois tem sido alvo de muita confusão em recentes discussões.”2 O que contribui para isso certamente é a enorme quantidade de teorias que envolvem o assunto. Sendo que “aquele que, procurando conhecer a verdade sobre este tema [...], seria imediatamente conduzido por ele para todas as direções possíveis.”3 Mesmo havendo divergências em alguns pontos, é importante afirmar que a definição sobre a inspiração bíblica que tem prevalecido desde o nascimento da Igreja “é a constante e permanente convicção da Igreja sobre a divindade das Escrituras e confiadas a sua guarda”4. Também é correto afirmar que se trata de um agir sobrenatural da parte de Deus no intuito de inspirar homens “feitos de carne e osso e dotados de faculdades emocionais e intelectuais,”5 a produzir documentos fiéis que expressam o caráter de seu autor (Deus), e que foi autoridade na época em que foram redigidos, e em dias atuais. Trata-se da voz de Deus expressa em palavras divinamente escolhidas. O material produzido traz consigo marcas ou expressões humanas, não dos pensamentos e conceitos próprios dos redatores, mas do pensamento dos redatores cativo ao Espírito Santo. Essas marcas são; “caráter, temperamento, dons, cultura, educação, vocabulário, estilo, etc., peculiares a cada um deles.”6 Esse é um ponto que não coloca em descrédito o fator inspiração. Tanto o fato de Deus usar o homem para transmitir sua mensagem não descaracteriza a plena inspiração da mensagem, como o fato de que “a encarnação não tornou a pessoa de Cristo pecaminosa.”7 Mas como elaborar uma obra divina usando o labor humano? Este questionamento também foi feito por Ryle8, que declara não poder explicar como e de que maneira isso foi feito. O ponto chave é que o Espirito Santo inspirou o homem habitando dentro dele, o conduzindo com permissões e restrições, para elaborar seus oráculos. Segundo Groningen: O Espírito Santo habitou em certos homens, inspirou-os, e assim dirigiu-os, que eles, em plena consciência, expressaram-se na sua singular maneira pessoal. O Espírito 2 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 84. Ibid. 4 Ibid., p. 85. 5 MIRANDA, Daniel Leite Guanaes de. Calvino e Sola Scriptura: a aplicação deste princípio na cidade de Genebra e sua Relevância para o Brasil dos dias atuais. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/Calvino-Sola-Scriptura_Daniel-Leite.pdf>. Acesso em: 01 de set. 2013. 6 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 70. 7 SANTOS, João Alves dos. Bibliologia: revelação, inspiração e cânon, A Natureza da Inspiração, parte II. Centro Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 3. 8 RYLE, J. C. A Inspiração das Escrituras. São Paulo: Pes, s.d, p. 9. 3
  • 9. 8 capacitou homens a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse contrária a essa verdade de Deus. Ele também os impediu de escrever coisas verdadeiras que não eram necessárias. Assim, homens escreveram como homens, mas, ao mesmo tempo, comunicaram a mensagem de Deus, não a do homem.9 2.1 A Natureza da Inspiração Segundo Bavinck, “a visão correta de inspiração depende [...] de colocar o autor primário e os autores secundários em relação correta, um para com os outros,”10 para saber como se relacionam e então explicar a ação do Espírito Santo em inspirá-los. No entanto muitas teorias sobre a Inspiração Bíblica partiram de “diferentes concepções, tendo variados graus de legitimidade, dependentemente do ângulo de observação da pessoa que as formula.”11 Dentre as muitas teorias, “algumas delas não se coadunam com o ensino bíblico sobre o assunto.”12 No entanto, grande parte das definições nasceram embasadas em três movimentos ao longo da história da Igreja: ortodoxia, modernismo e neo-ortodoxia.13 Dentre as principais teorias estão: inspiração plenária, inspiração dinâmica, inspiração verbal, inspiração mecânica ou ditada e inspiração parcial ou fracionada. 2.1.1 Inspiração Plenária Sobre esse tema entende-se que toda a Bíblia é inspirada e não somente algumas partes. A Escritura é vista como um “corpo de revelação formado de partes, mas indivisível,”14 onde cada parte foi divinamente inspirada. “A inspiração pressupõe o controle do Espírito Santo,”15 esse controle se estende para a totalidade da Escritura, mas “não significa necessariamente que todas as partes têm a mesma importância e o mesmo peso em relação a qualquer doutrina em particular.”16 É importante também enfatizar os aspectos que compõem a Escritura e que também recebeu inspiração como “os diferentes tipos de literatura 9 GRONINGEN, apud COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 66-67. 10 BAVINCK, apud ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 68. 11 GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 19. 12 Ibid., p. 15. 13 “Na maior parte dessa história, prevaleceu a visão ortodoxa, a saber: a Bíblia é a Palavra de Deus. Com o surgimento do modernismo, muitas pessoas vieram a crer que a Bíblia meramente contém a Palavra de Deus. Mais recentemente, sob a influência do existencialismo contemporâneo, os teólogos neo-ortodoxos têm ensinado que a Bíblia torna-se a Palavra de Deus quando a pessoa tem um encontro pessoal com Deus em suas páginas”. GEISLER, Norman; NIX, William. Introdução a Bíblia: como a bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 15. Conferir mais detalhes desses movimentos, p.15-18. 14 SANTOS, João Alves dos. Bibliologia: Revelação, Inspiração e Cânon, A Natureza da Inspiração, parte II. Centro Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 5. 15 Ibid. 16 Ibid., p. 6
  • 10. 9 que apresenta; história, poesia, cartas, profecias [...], as questões de ciência, biologia, [...] e geografia [...], e em todas as questões que envolvem a vida do homem.”17 De Gênesis ao Apocalipse, tudo o que foi registrado, o foi pela vontade de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20,21).18 2.1.2 Inspiração Dinâmica Essa teoria “destaca a combinação dos elementos divino e humano no processo de inspiração da escrita da Bíblia.”19 Tal pensamento não reparte a autoridade da Escritura entre um livro metade humano e metade divino, mas sim em um livro inteiramente divino com elementos humanos não desprezados, de acordo com a soberana vontade de Deus. O termo, inspiração dinâmica, também é chamado de inspiração orgânica, este termo; Serve para acentuar o fato de que Deus não empregou os escritores mecanicamente, mas atuou neles de maneira orgânica, em harmonia com as leis de seu próprio íntimo. Usou-os precisamente como eram [...], iluminando-lhes a mente, incitou-os a escrever; reprimiu a influência do pecado sobre sua atividade literária, e os guiou na escolha de suas palavras e nas expressões de seus pensamentos.20 Também é visto como “uma interação harmoniosa de forças. Deus preparou os seus servos desde a eternidade, tornando-os órgãos de inspiração,”21 “o Espírito os capacitou a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse contrária a essa verdade.”22 Uma forte afirmação conclui esse pensamento, onde “Deus se valeu livre e soberanamente de seus conhecimentos e personalidades.”23 Esse conceito foi duramente criticado por causa da prevalência do fator humano que reduziria o seu caráter autoritativo e consequentemente tornaria a Bíblia um livro falível. Segundo Anglada, o termo inspiração dinâmica nada mais é que um; 17 HANKO, Ronald. A Inspiração Plenária da Escritura. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/a-inspiracao-plenaria-escritura_dag_r-hanko.pdf>. Acesso em: 03 de set. 2013. 18 “Toda a Escritura é Inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça”. 2Pe 1:21,22. “Pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”. BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007. 2Tm 3:16. 19 ERICKSON, Millard. Introdução a teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 71. 20 BERKHOF, Louis. Manual de Doutrina Cristã. 1992 apud SANTOS, João Alves dos. Bibliologia. Centro Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 3. 21 HOEKSEMA, Homer C. The Doctrine of Scripture. s.n.t. p. 78ss apud COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 67. 22 COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 68. 23 Ibid.
  • 11. 10 Conceito racionalista que influenciou o método histórico-crítico24 de interpretação, e que reduz a inspiração a mera iluminação [...], os autores bíblicos foram apenas homens iluminados. A excelência dos seus escritos deve ser atribuída à influência santificadora no caráter, mente e palavras deles, devido à comunhão profunda com Deus ou pela convivência com Jesus, e não a uma ação ímpar do Espírito Santo. 25 2.1.3 Inspiração Verbal Tanto a inspiração verbal como a plenária defende a divina inspiração da Escritura em sua totalidade, porém a inspiração verbal afirma que cada palavra da Escritura é inspirada, pois “Deus dirigiu até a própria escolha das palavras no Santo Volume, de maneira que pode ser dito verdadeiramente que a Palavra de Deus é sem mistura de erro humano.”26 É impossível que existam partes ou expressões inteiras da Escritura que sejam inspiradas sem que as palavras que as compõem também sejam inspiradas, são elas que vão dar uma autoridade divina a cada parte ou expressão. “Não é possível expressar ideias sem palavras. Não é possível nem mesmo pensar sem palavras.”27 Segundo Harris o termo verbal passou a ser usado; Para preservar o mesmo sentido e evitar deturpações daqueles que querem usar o termo plenária significando apenas que todas as partes da Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, foram de algum modo produzidas por Deus, sem que, contudo, sejam necessariamente de origem divina.”28 Sobre inspiração verbal Geisler afirma que; Não se tratava simplesmente de uma mensagem de Deus sobre a qual os homens tinham a liberdade para transmitir nas suas próprias palavras, mas cada uma das palavras era escolhida por Deus [...], até mesmo os tempos verbais são enfatizados por Deus.29 2.1.4 Inspiração Mecânica ou ditada Logo acima foi dito através de pequenas e simples definições, algumas teorias a respeito da inspiração bíblica, não foram citadas todas elas, mas, as principais, coerentes e dignas de serem citadas. Foi averiguado o que a Escritura poderia ser, no que diz respeito aos seus escritos como inspirados, mas também é importante ressaltar o que a Escritura não é de 24 [Foi um método de interpretação] “que surgiu com o Iluminismo, ao adotar os pressupostos racionalistas quanto às Escrituras, contrários à sua origem divina. Ao tratar a Bíblia como qualquer outro livro de religião, deixando de levar em conta sua inspiração e divina autoridade. [...], como resultado, a Bíblia passou a ser vista, não como Palavra de Deus em sua inteireza, mas como registro de fé de comunidades religiosas, primeiro a judaica e depois a cristã”. LOPES, Augustus Nicodemos. A Bíblia e seus intérpretes: uma breve história da interpretação, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 26. 25 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 69. 26 HARRIS, Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 17. 27 SANTOS, João Alves dos. Bibliologia: Revelação, Inspiração e Cânon: A Natureza da Inspiração, parte II. Centro Presbiteriano de Pós-Graduação, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2009, p. 1. 28 HARRIS, R. L. Inspiration and Canonicity of the Bible: An Historical and Exegetical Study. Grand Rapids: Zondervan, 1957, p. 19-20 apud ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 73 29 GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: Cpad, 2010, p. 219.
  • 12. 11 maneira alguma. O primeiro ponto é a Inspiração mecânica, que afirma que Deus não se valeu da personalidade, estilo ou cultura, de seus autores secundários, anulando completamente suas mentes, para que fosse produzida a Escritura de Deus. Se opondo a essa teoria Champlin afirma que; A inspiração divina não suprimiu ou abafou a individualidade de qualquer escritor sagrado; pelo contrário, utilizou-se dela. A Palavra de Deus veio à existência através de muitos e diferentes canais humanos e a evidência das variações de estilo dá testemunho da realidade desse fator humano.30 A preparação desses autores teve início desde o nascimento e cada um deles sabia exatamente o que estava fazendo, pois, talvez pelo fato de serem secundários transmita a ideia de que eles foram completamente passivos, pelo contrário, existia uma razão lógica para produzirem esses escritos. E o que foi produzido de Escritura, algumas partes, talvez eles nem soubessem que estavam sendo inspirados pelo Espirito Santo. Em outras partes “os autores bíblicos não foram muito mais do que copistas, visto que apenas transcreveram as palavras de Deus,”31 (como por exemplo, em Genesis 22:15-18; Êxodo 20:1-17)32. 2.1.5 Inspiração Parcial ou Fracionada Essa ideia defende o fato de que a Bíblia não é em seu todo inspirada e sim algumas partes. “Os defensores dessa ideia entendem que doutrinariamente a Bíblia contém a Palavra de Deus.”33 Sendo que a tarefa de encontrar nela o que é inspirado (tentando separar o que é inseparável) está a cargo do labor humano, correndo um risco nocivo por se colocar superior 30 CHAMPLIN, Russel. N. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. 2.v. s.l, s.d. p. 475. ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 68. 32 “Pela segunda vez o Anjo do Senhor chamou do céu a Abraão e disse: ‘juro por mim mesmo’, declara o Senhor, ‘que por ter feito o que fez, não me negando seu filho, o seu único filho, esteja certo de que o abençoarei e farei seus descendentes tão numerosos como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. Sua descendência conquistará as cidades dos que lhe forem inimigos e, por meio dela, todos os povos da terra serão abençoados, porque você me obedeceu’. Êx 20: 1-17 “E Deus falou todas estas palavras: ‘Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te tirou do Egito, da terra da escravidão. Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e guardam os meus mandamentos. Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão. Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou. Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor teu Deus te dá. Não matarás. Não adulterarás. Não furtarás. Não darás falso testemunho contra o teu próximo. Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.’” 33 COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 63. 31
  • 13. 12 (colocar-se superior a Palavra de Deus é um erro) ao objeto estudado como se fizesse uma pesquisa em qualquer obra literária comum. Não somente como parcial, mas alegam também que a Bíblia “contém erros de história, cronologia, arqueologia, geografia e etc. [Sendo que a ideia comum é de que a Escritura] só teria autoridade em matérias morais e espirituais.”34 A Bíblia é fruto do trabalho de homens que foram inspirados por Deus a escrever decretos eternos completamente relevantes em qualquer época. Pois somente o Espírito Santo poderia produzir um documento tão fiel capaz de alcançar valores morais, éticos, sociais e espirituais tanto de um homem como de um país inteiro tornando-os totalmente cativos a ele. Nada supera seu alcance e nada pode produzir resultados semelhantes ao que a Escritura produz. Mesmo que seu conteúdo tenha partes que são enigmáticas e até incompreensíveis ao homem, ela também é composta de pontos claros e coerentes com abordagens atuais. Essa é a Palavra de Deus, onde cada expressão que a compõe é fruto do labor harmonioso do Criador e sua criação. 2.2 Evidências bíblicas a respeito da inspiração Antes de entrar na questão da reivindicação que a Bíblia faz de si mesma como obra divina, é importante tratar do emprego do termo “inspiração”35, que tem sua origem no “latim e é a tradução do termo grego ‘theópneustos’36 de 2Tm 3:16.”37 Esta “palavra e suas variantes parecem ter entrado no inglês médio a partir do francês e tem sido empregada desde então (já no início do século 14).”38 Essas variantes foram multiplicadas e o emprego do termo ganhou mais amplitude e variações com; Um número considerável de significados, físicos e metafóricos, seculares e religiosos [...]. O substantivo “inspiração” embora já estivesse em uso no século 14, não parece ocorrer em nenhum outro sentido, a não ser o teológico, até o final do século 16. O sentido especificamente teológico de todos esses termos é regulado, é claro, por seu uso na teologia latina e isto se deve, em última instância, ao seu emprego na Bíblia latina. Na Bíblia latina Vulgata, o verbo inspiro (Gn. 2.7; Sab 15.11; Ec 4.12; 2Tm 3.16; 2 Pe 1.21) e o substantivo inspiratio (2Sm 22.16; Jó 32.8; Sl 17.16; At 17.25) ocorrem quatro ou cinco vezes em aplicações um pouco diferentes. No desenvolvimento de uma nomenclatura teológica, porém, eles adquiriram [...] um sentido técnico como referência aos escritores da Bíblia ou aos livros bíblicos.39 34 COSTA, Hermisten Maia P. A Inspiração e Inerrãncia das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 63. “Lat. Inspiratione, 1. Ato de inspirar (-se) ou de ser inspirado. 2. Qualquer estímulo ao pensamento ou à atividade criadora. 3. Entusiasmo poético; estro. Pl.: - ções. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 430. 36 Este termo será abordado com mais detalhes no terceiro capítulo. 37 PACKER, J. I; COMFORT, Philip Wesley (Org.). A Origem da Bíblia. Rio de Janeiro: Cpad, 1998, p. 49. 38 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 106, parêntese do autor. 39 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 106. 35
  • 14. 13 O termo então é basicamente definido como o agir sobrenatural de Deus sobre os escritores bíblicos, “de modo que o produto de suas atividades transcende os poderes humanos e se torna divinamente autoritativo.”40 A Escritura é vista como um produto divino desenvolvido por homens inspirados, e o seu propósito “é assegurar a ‘infalibilidade’41 do registro daquilo que foi revelado.”42 Quando se questiona a autenticidade e utilidade da Bíblia, a defesa mais contundente está nela mesma, expressada em muitos versículos sendo que os mais utilizados são os de 2 Timóteo 3:16 “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça” e 2Pedro 1:21 “Pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”. Citar os versículos não configura um erro, até porque eles expressam toda a verdade a respeito da origem e utilidade da Escritura. “Mas essa citação dá margem à acusação de ‘raciocínio circular’43: Prova-se a Bíblia citando a Bíblia.”44 Essa acusação feita pelos críticos pode não ser tão relevante quando se analisa o patamar em que a Igreja primitiva colocava as Escrituras, pois tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento eram tidos como Palavra de Deus infalível. A Palavra testemunhando da própria Palavra e a única capaz disso, validando-a e autenticando-a dando a si própria autoridade. Contudo é extremamente importante conferir o que Jesus diz em Mateus 15:17,1845 se referindo, Claramente aos sagrados escritos dos judeus como uma unidade, e exatamente uma unidade sagrada bem definida. Ele diz positivamente que esse livro é perfeito até o menor detalhe. Não é mera inspiração verbal que ele ensina [...], mas inspiração das próprias letras! A menor letra era o ‘Yodh’ hebraico, a menor letra do alfabeto hebraico. Exatamente o que significa o ‘menor traço da pena’ é menos claro. A maioria considera como se referindo às pequenas partes de letras hebraicas que as 40 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 106. “A Escritura é a Palavra de Deus, ela é perfeita também. Encontrar erro na Escritura é encontrar erro em Deus. Receber a Escritura como algo menos que infalível, é negar a imutabilidade e soberania de Deus.” HANKO, Ronald. A Infalibilidade da Escritura 2008, p. 1. Disponível em <http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/a-infalibilidade-escritura_dag_r-hanko.pdf>. 42 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 63, aspas simples nossa. 43 “A Bíblia alega ser a Palavra de Deus. Esse é o nosso ponto de partida. Com certeza, simplesmente porque um livro diz ser a Palavra de Deus não o torna tal coisa. Mas se um livro é a Palavra de Deus, ele certamente alegará ser a Palavra de Deus. Se um livro é a Palavra de Deus, então o que ele diz será verdade. Pode parecer estranho que citemos a Bíblia para provar que a Bíblia é a Palavra de Deus. Isso é o que os filósofos chamam de “argumento circular”. Quando provamos a autoridade da Bíblia citando a Bíblia, assumimos desde o princípio que a Bíblia é autoritativa. Isso é apenas um círculo vicioso de raciocínio, que não nos levará a nenhum lugar? Pode parecer que precisamos provar a verdade da Bíblia por algum outro padrão “neutro” externo. Certamente, se fizermos isso, teríamos que responder o que torna esse padrão autoritativo. Apenas criaríamos outro círculo que necessitaria ser defendido” DEMAR, Gary. Raciocínio Circular. Disponível em <http://www.monergismo.com/textos/apologetica/raciocinio-circular_demar.pdf>. 44 HARRIS, Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 39. 45 “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir. Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra.” BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007. 41
  • 15. 14 distinguem uma da outra, como nosso pingo no ‘i’ e o traço que cruza o ‘t’. Outros acham que pode ser uma referência à letra hebraica ‘Waw’, que muitas vezes servia só para distinguir uma vogal longa de uma vogal breve. Em todo caso, o ponto principal está claro. Jesus declarou que as Escrituras eram perfeitas até na letra. 46 A Bíblia está repleta de afirmações do tipo “assim diz o Senhor” ou “está escrito”. Trata-se de uma evidência interna47 conhecida como “autoridade [bíblica] que se autoconfirma.”48 Isso só pode ocorrer quando existem ouvintes para essas palavras. Um exemplo disso foi quando Deus veio ao profeta Ageu dizendo: “assim diz o Senhor dos Exércitos: ‘Ainda não chegou o tempo de reconstruir a casa do Senhor...” (Ag 1:2). Na época os ouvintes eram o governador de Judá, Zorobabel, filho de Sealtiel, e o sumo sacerdote Josué, filho de Joazadaque, essas palavras vinham cheias de autoridade, pois, a expressão “assim diz o Senhor” qualifica a afirmação como autoridade máxima. Para o ouvinte hoje em dia, essas afirmações antes desconhecidas depois de captadas passa para o status de autoridade suprema e guia, palavras que se resumiam em tinta no papel ganha vida em seu coração com apenas uma atitude, a de ouvir, ouvir palavras que soam “semelhantes a um rugido de um leão [...]. [E] o modo mais convincente de demonstrar a autoridade de um leão é soltá-lo,”49 assim será visto do que ele é capaz. A Escritura não pode ser domesticada, semelhante ao leão não pode ser domada ou controlada, ela exerce a autoridade que lhe foi atribuída por natureza. Sendo assim, a Escritura toma o único posto que lhe é devido, que é sujeitar o ouvinte por inteiro a ela. O testemunho da mensagem bíblica também é rico em seu propósito transformador. E como pré-requisito para isso o mesmo Espírito que inspirou a escrita convence o ouvinte em seu espírito de que a própria escrita é palavra inspirada por Deus “iluminando a mente e o coração em trevas [...], permitindo que [o indivíduo] reconheça a [natureza] divina das Escrituras.”50 Apóstolo Paulo afirma que essa palavra é “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1: 16)51. “Relaciona-se àquilo que o crente vê ou sente em sua 46 HARRIS, Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 40. “Há duas espécies de evidências que se devem levar em conta no que diz respeito à inspiração da Bíblia: a evidência que brota da própria Bíblia (chamada de evidência interna), e a que surge de fora da Bíblia (conhecida como evidência externa).” GEISLER, Norman; NIX, William. Introdução a Bíblia: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 53-54. 48 GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 54. 49 Ibid. 50 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 87, colchete nosso. 51 “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego.” 47
  • 16. 15 experiência pessoal com a Bíblia. [Isso acontece apenas] para os que se acham dentro do cristianismo.”52 Sem dúvida que essas evidências brotam da própria Bíblia. A Escritura não somente faz reivindicações através de afirmações explicitas, mas também se evidencia na observância do conteúdo bíblico como um todo, tendo em vista a harmonia dos livros, a profundidade da mensagem e o seu testemunho de poder. Mesmo levando em consideração alguns problemas que “estudiosos tem chamado de distanciamento,”53 que são de ordem temporal, contextual, cultural, linguístico e autoral54 todos esses livros tomam uma só direção, que é Cristo. Da criação até as coisas futuras o enredo é o mesmo, trata-se de uma progressão ininterrupta em parte alguma. Geisler trata o conjunto de livros como; 66 livros escritos ao longo de 1500 anos, por cerca de 40 autores, em diversas línguas, com centenas de tópicos, é muito mais que mero acidente que a Bíblia apresente espantosa unidade temática – Jesus Cristo. Um problema – o pecado – e uma solução – o Salvador Jesus – unificam as páginas da Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse.55 Nos ensinos de Jesus as Escrituras eram autoridade. Em momento algum Ele negou o Antigo Testamento ou fez menção de que apenas algumas partes é que mereciam crédito. Nas palavras de Jesus existe uma grande evidência que está em Mateus 5:1856, onde ele afirma que de maneira alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço até que tudo se cumpra. Em João 10:3557, Jesus diz que a Escritura não pode ser anulada. Em alguns versículos Jesus utiliza a afirmação “está escrito” (Mt 4:4; Mt 11:10; Lc 10:26; Jo 6:45)58. Em outros versículos ele atribui a autoria divina para as Escrituras como sendo palavras 52 GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 55, colchete nosso. 53 LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 23. 54 Encontra-se tal abordagem de forma esclarecedora e útil em LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 23-27. 55 GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 55. 56 “Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra.” 57 “Se ele chamou ‘deuses’ àqueles a quem veio a palavra de Deus (e a Escritura não pode ser anulada)”. 58 Mt 4:4 “Jesus respondeu: Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus’". Mt 11:10 “Este é aquele a respeito de quem está escrito: ‘Enviarei o meu mensageiro à tua frente; ele preparará o teu caminho diante de ti’. Lc 10:26 “‘O que está escrito na Lei?’, respondeu Jesus. ‘Como você a lê?’” Jo 6:45 “Está escrito nos Profetas: ‘Todos serão ensinados por Deus’. Todos os que ouvem o Pai e dele aprendem vêm a mim.”
  • 17. 16 relacionadas a afirmações do próprio Deus (Mt 15:4; Mt 22:44)59. “Para Jesus [a Escritura] é fundamento da doutrina, a fonte de solução, e o fim do argumento.”60 Já no Antigo Testamento os profetas escolhidos de Deus para intermediar sua mensagem tinham convicção da origem da mesma (Êx 4:12; Dt 18:18; 2Sm 23:1-2; Os 1:2; Hc 2:1; Zc 1:9; etc)61. O chamado dos profetas era para que suas anunciações ao povo tivessem uma fonte exclusiva de autoridade, no entanto, antes de cada afirmação eles diziam sempre “‘assim diz o Senhor’, ‘ouvi a palavra do Senhor’ ou palavra que ‘veio da parte do Senhor’. Muitas vezes, o que eles falam é explicitamente atribuído ao próprio Deus”62 (Js 24:2; Is 1:2; Is 8:1; Jr 1:2; Ez 1:3; Ez 2:1; etc).63 Em relação aos Apóstolos as afirmações sobre a inspiração foram bem explícitas, como por exemplo 2Tm 3:16 e 2Pe 1:21, versículos já citados anteriormente. Existem vários outros versículos que auxiliam no sentido de comprovar a inspiração divina da Escritura, mas os que aqui foram citados elucidam bem essa verdade. Jesus, os Apóstolos e os Profetas em nenhum momento deixaram escapar nenhuma ideia, a menor que seja, a respeito de alguma falha, ou discordância entre eles ou entre as partes desse Livro, “mas o aceitam totalmente [...], sem reservas [e] incondicionalmente [...] como verdadeiro e divino em todas as suas partes.”64 59 Mt 15:4 “Pois Deus disse: ‘Honra teu pai e tua mãe’ e ‘quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe terá que ser executado.’” Mt 22:44 “O Senhor disse ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés.’” 60 BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics. Vol. 1, Prolegomena, ed. John Bolt, trans. John Friend. Grand Rapids: Baker Academic, 2003, p. 395 aped ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 66, colchete nosso. 61 Êx 4:12 “Agora, pois, vá; eu estarei com você, ensinando-lhe o que dizer” 2 Sm 23:1-2 “Estas são as últimas palavras de Davi: ‘Palavras de Davi, filho de Jessé; palavras do homem que foi exaltado, do ungido pelo Deus de Jacó, do cantor dos cânticos de Israel: O Espírito do Senhor falou por meu intermédio; sua palavra esteve em minha língua.’” Dt 18:18 “Levantarei do meio dos seus irmãos um profeta como você; porei minhas palavras na sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar.” Os 1:2 “Quando o Senhor começou a falar por meio de Oséias, o Senhor lhe disse: ‘Vá, tome uma mulher adúltera e filhos da infidelidade, porque a nação é culpada do mais vergonhoso adultério por afastar-se do Senhor.’” Hc 2:1 “Ficarei no meu posto de sentinela e tomarei posição sobre a muralha; aguardarei para ver o que ele me dirá e que resposta terei à minha queixa.” Zc 1:9 “Então perguntei: Quem são estes, meu senhor? O anjo que estava falando comigo respondeu: ‘Eu lhe mostrarei quem são.’” 62 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 67. 63 Js 24:2 “Josué disse a todo o povo: ‘Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Há muito tempo, os seus antepassados, inclusive Terá, pai de Abraão e de Naor, viviam além do Eufrates e prestavam culto a outros deuses.’” Is 1:2 “Ouçam, ó céus! Escute, ó terra! Pois o Senhor falou: ‘Criei filhos e os fiz crescer, mas eles se revoltaram contra mim.’” Jr 1:2 “A palavra do Senhor veio a ele no décimo terceiro ano do reinado de Josias, filho de Amom, rei de Judá,” Ez 1:3 “A palavra do Senhor veio ao sacerdote Ezequiel, filho de Buzi, junto ao rio Quebar, na terra dos caldeus. Ali a mão do Senhor esteve sobre ele.” Ez 2:1 “Ele me disse: ‘Filho do homem, fique de pé, que eu vou falar com você.’” 64 BAVINCK apud ANGLADA, op. cit. p., 66.
  • 18. 17 2.3 A doutrina de inspiração da Igreja65 Depois de discorrer acerca de algumas (principais) teorias da inspiração Bíblica, é importante ressaltar qual é a posição da Igreja, desde seu início, em relação a essa doutrina. Para a Igreja a convicção na divina inspiração da Escritura prevalecia por meio da fé, talvez esse assunto não tenha sido uma pauta tão importante na época, à preocupação estava mais em disseminar a verdade do que averiguar se o que eles pregavam era verdade inspirada e infalível. Esse testemunho de fé prevaleceu por 18 séculos, denominado “como visão ortodoxa da inspiração divina. Os pais da Igreja em geral [...], ensinaram firmemente que a Bíblia é a Palavra de Deus escrita.”66 Essa visão serviu como base, não somente para os pais da Igreja do primeiro século, mas também aos reformadores a partir do século 16 e ainda é sustentada em dias atuais. Só com o surgimento do “modernismo ou liberalismo teológico,”67 no século 19, foi que a visão ortodoxa da Escritura começou a ser questionada e consequentemente surgiram vários conceitos sobre a inspiração bíblica. Trata-se de um período conturbado, pois foi quando “todas as teorias de inspiração que a energia incansável dos incrédulos e a especulação dos meio-crentes foram capazes de inventar.”68 No meio de inúmeras teorias, existe uma muito bem estabelecida pela Igreja, que Warfield esclarece como sendo uma doutrina que; Difere das teorias que de bom grado a substituíram, no fato de que ela não é invenção nem propriedade de um indivíduo, mas a fé constante da Igreja universal de Deus; no fato de que ela não surgiu ontem, mas é a segura persuasão do povo de Deus desde a primeira plantação da Igreja até o dia de hoje; no fato de que ela não é uma elaboração multiforme que varia suas afirmações para se encaixar em cada nova mudança do pensamento inconstante dos homens, mas desde o início, é a constante e permanente convicção da Igreja sobre a divindade das Escrituras.69 Não é necessário um desenvolvimento minucioso para esclarecer essa doutrina, pois para a Igreja, desde a sua plantação, a Escritura é “um livro oracular – como a Palavra de Deus de tal modo que tudo o que ela diz Deus diz.”70 Essa doutrina está embasada na fé, que é uma herança natural do crente, este pode recorrer a essa palavra sem medo de encontrar nela algo que não seja a Palavra de Deus, ou talvez, não encontrar auxílio necessário para seus infortúnios, curvando-se diante “das suas enunciações de direito [e] de suas ameaças, [mas 65 Da Biblioteca Sacra, v. 51, 1894, p. 614-640. Publ. Em Revelation and Inspiration sob o título “The inspiration of the Bible” apud WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 84. 66 GEISLER, Norman; WILLIAM, Nix. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida, 2006, p. 16. 67 Ibid., p. 20. 68 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 85. 69 Ibid. 70 Ibid.
  • 19. 18 também descansando] em suas promessas.”71 Essa fé é uma grande ponte para a Igreja, se caso as dúvidas que brotam com a modernidade, sobre a Escritura, ecoarem no meio do povo de Deus, ela fará com que o cristão; Facilmente se [recorde] daqueles dias mais felizes [quando] no colo de nossa mãe cristã, com um cicio nos lábios seguindo palavras que o dedo lento traçava sobre uma página aberta – palavras que foram o seu apoio em cada prova e, como ela carinhosamente confiava [tornaram] guia durante toda a vida.72 A Igreja sempre repousou na confiança de que cada palavra da Bíblia é a voz de Deus e “todo corpo de literatura cristã da testemunho desse fato [...], [traçando uma trajetória] até sua fonte e em toda parte a cristandade é harmoniosa com uma fé viva na fidelidade divina das Escrituras.”73 Já foi citado o testemunho de alguns escritores bíblicos, como Apóstolo Paulo e Apóstolo Pedro, que declaram serem os escritos bíblicos inspirados por Deus. Todavia é importante ressaltar os testemunhos dos pais da Igreja, que após a era apostólica também defendiam o caráter divino das Escrituras, ainda que, essas afirmações não possuam o mesmo peso que possui o testemunho apostólico. Eles não tinham outra definição a não ser a completa inspiração divina das Escrituras clara e convicta em seus corações e registrada em seus escritos. Orígenes74, teólogo do primeiro século, “afirma que o Espírito Santo foi cooperador com os evangelistas na composição do Evangelho [...], portanto, lapsos de memória, erros ou falsidades eram impossíveis para eles.”75 Irineu de Lyon76, discípulo de Policarpo77 “reivindica para os cristãos a consciência clara de que as Escrituras são perfeitas, visto que são faladas pela Palavra de Deus e do seu Espírito.”78 Policarpo por sua vez 71 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 85, colchete nosso. 72 Ibid., colchetes nosso. 73 Ibid., p. 86, colchete nosso. 74 “(185-254) Nascido no Egito, esse mártir foi um importante e controvertido teólogo da cristandade primitiva. Foi um dos principais promotores de uma exegese alegórica das Escrituras, enfatizando três níveis de leitura do texto bíblico, o literal, o moral e o espiritual. Lecionou na escola de teologia (Didaskaleion) de Alexandria. Seus ensinos sobre a preexistência da alma e da restauração de todas as coisas (apokatástasis) foram condenados no Segundo Concílio de Constantinopla (553), por serem contrários às Escrituras. Sua principal obra é uma apologia ao cristianismo: Contra Celso.” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 263. 75 WARFIELD, op. cit., p. 86. 76 “(130-202) Provavelmente nascido na Turquia, foi bispo na França sendo um dos mais importantes escritores da cristandade antiga. Por meio de seus escritos, não apenas refutou completamente o gnosticismo, como também legou à cristandade o primeiro protótipo de uma teologia bíblica. Provavelmente foi martirizado. Sua mais importante obra foi: Contra as Heresias” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 261. 77 “Segundo Tertuliano, um importante teólogo cristão do século 3.°, Policarpo, teria sido ordenado bispo de Esmirna pelas mãos do próprio apóstolo João. FERREIRA, Franklin. Gigantes da Fé. São Paulo: Vida, 2006, p. 25. 78 WARFIELD, op. cit., p.86.
  • 20. 19 considerou a Escritura como a “voz do altíssimo, e anunciou como primogênito de Satanás [aquele que corrompe seus escritos].”79 Para os últimos pais da Igreja essa doutrina não se diferenciava em nada, um exemplo disso são as palavras de Agostinho de Hipona 80 que “afirma que considera as Escrituras canônicas entre os livros com tal reverência e honra [e que seus autores foram isentos de erros].”81 Entre os reformadores, também não é encontrada uma teoria diferente em relação a doutrina da inspiração bíblica. Um exemplo disso é Lutero que faz uso das mesmas palavras de Agostinho e ainda “declara que o conjunto das Escrituras deve ser atribuído ao Espírito Santo e, portanto, não pode errar.”82 Para Calvino83 as Escrituras “eram o verbum Dei – a Palavra de Deus [...], competente, inspirada, inerrante, e infalível.”84 Poderiam ser citados inúmeros autores que marcaram suas épocas com seus posicionamentos, mas para encerrar essa pequena lista é importante citar o que diz Richard Baxter (1615-1691), um importante ministro em sua época que levou para dentro das casas “em sua paróquia no interior da Inglaterra,”85 o ensino bíblico que ele mesmo considerou como sagrado e verdadeiro afirmando que “não há falsidade nas Escrituras.”86 Neste capítulo foi abordado o tema “inspiração bíblica” com ênfase em suas principais teorias. Dentre elas estão: inspiração plenária que evidencia o fator divino na totalidade da Escritura considerando assim cada parte como inspirada, mas não com o mesmo grau de importância entre essas partes; Inspiração dinâmica que valoriza o labor harmonioso do divino e humano, onde Deus se valeu dos conhecimentos e personalidade humana para produzir a Escritura; Inspiração verbal que semelhante a plenária defende a completa inspiração bíblica, no entanto, na verbal não somente as partes são inspiradas, mas cada palavra. Existem outras definições menos aceitas, entre elas estão: a inspiração mecânica ou 79 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 86, colchete nosso. 80 “(354-430) Um dos mais importantes influentes pensadores cristãos. Originário da Argélia, no norte da África, foi bispo na pequena cidade de Hipona e o mais prolífico escritor da cristandade antiga. Quase todos os grandes temas cristãos foram tratados nos escritos desse bispo latino, tais como: hermenêutica, Trindade, graça, predestinação, igreja, casamento, sacramentos e escatologia. Entre suas principais obras, estão: O livre-arbítrio, A doutrina cristã, A Trindade, Confissões e Cidade de Deus.” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 257. 81 WARFIELD, op. cit., p. 87, colchete nosso. 82 Ibid. 83 “Um dos mais destacados pensadores da cristandade. Esse francês desenvolveu seu ministério na cidade de Genebra, na Suíça, onde exerceu influência sobre grande parte da Europa em sua época. [...]. Pregador, exegeta, polemista, é mais conhecido pelas Institutas da Religião Cristã, uma teologia bíblica que serve de introdução aos principais temas dogmáticos das Escrituras.” FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 261. 84 LAWSON, Steven. A arte expositiva de Calvino. São José dos Campo, Sp: Fiel, 2010. p. 34. 85 FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 263. 86 WORKS, 15.65 apud WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 87.
  • 21. 20 ditada que defende a anulação completa da mente humana, não se valendo do conhecimento e nem da personalidade humana e Inspiração parcial ou fracionada que não tem a Bíblia como inspirada em sua totalidade, mas parcialmente. Em outro ponto foi enfatizado o emprego, origem e as variações do termo “inspiração” como sua definição dentro da ideia bíblica que se resume no agir sobrenatural de Deus que transcende a capacidade humana. Outro ponto são as evidências bíblicas que comprovam sua inspiração presente nos ensinos de Jesus, nos testemunhos dos apóstolos e nas mensagens proféticas do Antigo Testamento, também como a transformação que se evidencia na vida daquele que se dispõe a ouvir essa mensagem. A inspiração é também evidenciada na questão harmônica dos livros, que estão distantes em autoria, estilo, contexto e que mesmo assim transmitem uma mesma ideia. Finalizando o capítulo, foi descrito a ideia bíblica da inspiração que a igreja defende desde sua plantação, uma crença fundamentada nos escritos, mas principalmente na fé que sempre foi uma herança natural da igreja, essa crença é transmitida até hoje e conhecida como visão ortodoxa da Escritura, onde toda ela é obra do Espírito Santo, que inspirou homens para escrevê-la. Se opondo a essa visão em um período conhecido como modernismo ou liberalismo teológico, outras definições surgiram, algumas coerentes com a Bíblia e com maior aceitação pela igreja e outras que, defendida pelos críticos, não se coadunam com o ensino bíblico. Alguns podem questionar o fato da convicção da Igreja na inspiração divina da Escritura ser por meio da fé, e não através de uma declaração formal e bem esclarecida do assunto, mas “a fé simples do povo cristão é também doutrina confessional das igrejas cristãs,”87 e “foi por meio dela que os antigos receberam bom testemunho.”88 É pela fé que a Escritura é recebida como um livro divino escrito por homens inspirados pelo Espírito Santo. Portanto é necessário rejeitar qualquer teoria de que a Bíblia possua somente algumas partes inspiradas ou que ela seja mecânica não se valendo de fatores humanos e contextos da época, ou seja, qualquer ideia que despreze o divino ou o humano no que diz respeito a Escritura, deve ser rejeitado. No próximo capítulo será tratado a respeito da suficiência da Escritura tal como seus principais conceitos, história e aplicações práticas que semelhante a inspiração bíblica sempre foi a regra de fé da Igreja, mas que passou e ainda passa por manifestações de incredulidade. 87 88 WARFIELD, Benjamin. A inspiração e autoridade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 88. Hebreus 11:2. Cf. também Hebreus 11:1-40.
  • 22. 21 3. A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA A Igreja de Cristo desde o seu nascimento confiou nas Escrituras, pois ela tinha uma fé viva e convicta de que esses escritos eram inspirados e consequentemente suficientes para direcioná-la. Essa realidade mudou, pois “os púlpitos não mais podem ser identificados com os de outrora” 89, um dos fatores que colaboram para isso é “o evangelicalismo moderno [que] parece manifestar uma crescente incredulidade nas Escrituras como regra suficiente de fé e prática.”90 Fato é que, algumas Igrejas tem buscado, fora da Bíblia, complementos para sua doutrina desviando-se do caminho proposto por Deus. A Bíblia é extremamente adequada para governar a Igreja, pois “tudo o que aprouve a Deus revelar [...] em matéria de fé e prática,”91 foi registrado nela, sem faltar ou passar qualquer tipo de informação, e como um leme preciso direciona um barco a Escritura direciona a Igreja e até mesmo a sociedade. Um exemplo disso foi quando João Calvino, teólogo francês, retornou a Genebra depois de dois anos após ser expulso da cidade por causa de discussões sobre “disciplina cristã, adesão à confissão de fé e práticas litúrgicas.” 92 Esse retorno, tão aclamado pelos genebrinos, foi para que Calvino pudesse tirar da Bíblia, Os princípios que deveriam reger a vida dos cidadãos daquela cidade, tanto no que se referia às questões eclesiásticas, quanto às demais questões que envolviam a administração e ordem na cidade. Por esta razão, Calvino fez da pregação baseada 93 nas Escrituras seu principal instrumento de trabalho. Para o homem, a Escritura é o seu guia, sendo a voz de Deus, ela governa cada área de sua vida. Nela o homem “encontra tudo o que deve saber e tudo o que deve fazer a fim de que venha a ser salvo [e], viva de modo agradável a Deus, [o servindo e o adorando].”94 No Salmo 19:7-13,95 algumas afirmações elucidam bem o propósito e capacidade da Escritura, nela esta explicito que “a lei do Senhor é perfeita” os “preceitos do Senhor são justos” e seus 89 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 2 Ibid., p. 91. 91 Ibid., p. 93. 92 FERREIRA, Franklin, Gigantes da fé. São Paulo: Vida, 2006, p. 162 93 MIRANDA, Daniel Leite Guanaes de. Calvino e Sola Scriptura: A aplicação deste princípio na cidade de Genebra e sua Relevância para o Brasil dos dias atuais. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/Calvino-Sola-Scriptura_Daniel-Leite.pdf>. p. 8. 94 ANGLADA, op. cit., p. 93 95 “A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma. Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança, e tornam sábios os inexperientes. Os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao coração. Os mandamentos do Senhor são límpidos, e trazem luz aos olhos. O temor do Senhor é puro, e dura para sempre. As ordenanças do Senhor são verdadeiras, são todas elas justas. São mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro; são mais doces do que o mel, do que as gotas do favo. Por elas o teu servo é advertido; há grande recompensa em obedecer-lhes. Quem pode discernir os próprios erros? Absolve-me dos que desconheço! Também guarda o teu servo dos pecados intencionais; que eles não me dominem! Então serei íntegro, inocente de grande transgressão. BÍBLIA, Sagrada. Nova versão internacional. São Paulo: Vida, 2007. 90
  • 23. 22 “mandamentos são límpidos” e ainda “mais desejáveis do que o ouro” e “mais desejáveis do que o mel”, e por ela o “servo [do Senhor] é advertido” e essa lei guarda o homem dos “pecados intencionais” de maneira que eles não o dominam. Uma vez dominado pelo pecado, a Escritura é o único meio suficiente capaz de iluminá-lo conscientizando-o e libertando-o de suas práticas reprovadas por Deus em sua Palavra. Assim, a suficiência da Escritura só poderá ser comprovada à medida que o homem se torna, por completo, cativo a ela. Alguns podem perguntar, se outros livros poderiam ajudar o homem e a Igreja a desenvolver seu crescimento, a resposta é não! Segundo Ryle; Há um abismo entre este [Bíblia] e qualquer outro livro que tenha sido escrito. Ele ilumina um vasto número de assuntos dos mais importantes de forma melhor do que todos os outros livros no mundo. Ele ousadamente trata de assuntos que vão além do alcance humano, quando o homem é deixado por conta própria. Trata de coisas que são misteriosas e invisíveis: a alma, o mundo vindouro e a eternidade, profundidades 96 essas que nenhum homem pode sondar. Por mais que seja impossível desconsiderar o avanço da ciência, da arte e da erudição a Bíblia ainda é um livro exclusivo, incomparável e insubstituível. Não se trata de um livro com pontos fortes e fracos, assuntos relevantes e irrelevantes. Tudo o que foi escrito, é, e sempre será relevante em seu todo. E ainda “é o único livro que conserva frescor, perenidade e novidade.”97 3.1 Conceito Crer na suficiência bíblica significa crer em sua inspiração. Para Paul Washer essa ideia pode não ser tão obvia assim, pois quando a Igreja tem a Bíblia como inspirada ganha “somente metade da batalha [...]. A maior questão que acompanha isso [...], é: a Bíblia é suficiente?”98 Na definição de Grudem; As Escrituras são suficientes [que] significa dizer que [ela] contém todas as palavras divinas que Deus quis dar ao seu povo em cada estágio da história da redenção e que hoje contém todas as palavras de Deus que precisamos para salvação, para que, de 99 maneira perfeita, nele possamos confiar e a ele obedecer. É impossível definir a suficiência da Bíblia sem incluir o fator inspiração, pois dizer que a Bíblia não é inspirada e afirmar sua suficiência, não passa de um conceito de opinião. Da mesma forma crer na sua inspiração sem obedecer as palavras que contém no livro, não quer dizer nada, nenhuma mudança ocorre, pois a suficiência da Escritura é comprovada 96 RYLE, J. C. A Inspiração das Escrituras. São Paulo: Pes, s.d. p. 1. Ibid., p. 5. 98 WASHER, Paul. 10 Acusações contra Igreja Moderna. São José dos Campos, Sp: 2011, p. 16. 99 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 86. 97
  • 24. 23 quando ocorrem mudanças invisíveis que refletem visivelmente, operadas pela Palavra de Deus. Um grande apoio bíblico para o conceito de suficiência está em 2Tm 3:15,100 onde Paulo confirma o grande apreço de Timóteo pela Escritura desde sua infância,101 mostrando o poder de seus escritos que poderia “torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus”, no verso seguinte Paulo descreve porque a Escritura tem esse poder. Um detalhe importante é, para que ela seja proveitosa ou suficiente é necessário fazer o uso correto da mesma. Pois que proveito a Escritura teria quando o leitor “se interessa apenas por especulações curiosas? [...], [ou] se porventura ele perverte o significado natural com as interpretações estranhas à fé,”102 descaracterizando seu ponto central que é Cristo. A suficiência bíblica é compreendida no sentido de que tudo o que é relacionado com a vida do cristão, seu chamado e vocação está presente nas Escrituras. Apóstolo Paulo afirma a utilidade dos escritos no sentido de tornar o homem “apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3:17).103 Assuntos relacionados a: casamento, divórcio, criação de filhos, relacionamento entre cristãos e governo, bem como doutrinárias relacionadas a: “expiação, ou a pessoa de Cristo, ou a obra do Espirito Santo na vida do crente hoje,”104 fazem parte da gama de assuntos que a Escritura aborda, não somente na busca de respostas a cerca de um determinado assunto, mas na preparação do cristão para servir a Deus dentro do seu próprio contexto. No entanto Deus não cobra do crente aquilo que Ele não registrou no Livro, ou seja, “Deus não pode acrescentar mais palavras àquelas que ele já falou ao seu povo.”105 De igual modo “o homem, não pode por conta própria, acrescentar nenhuma palavra àquelas que Deus já falou.”106 Alguns podem questionar a suficiência da Escritura na época de Moisés por exemplo, ou em períodos posteriores, em que o povo hebreu não tinha os 66 livros fechados a sua disposição. Talvez tal compreensão reflete na ideia de que o povo não tinha a vontade de 100 “Porque desde criança você conhece as sagradas letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus.” BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007. 101 “Era um sábio cuidado que nos tempos antigos se tomava em assegurar-se de que aqueles que eram destinados ao ministério da palavra fossem desde a infância instruídos na sólida doutrina da piedade e houvessem bebido as profundas águas dos escritos sagrados, para que, ao assumirem o desempenho de seu ofício, não se revelassem aprendizes inexperientes. CALVINO, João. As Pastorais. São José dos Campo, Sp: Fiel, 2009, p. 262. 102 CALVINO, João. As Pastorais. São José dos Campo, Sp: Fiel, 2009, p. 262. 103 BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007. 104 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 87 105 Ibid., p. 88. 106 Ibid., p. 88.
  • 25. 24 Deus por inteiro, no entanto, não poderiam agradar a Deus fazendo sua vontade, pois lhes faltavam revelações. Mas Deus se valeu daquilo que já tinha sido revelado, por exemplo; No tempo da morte de Moisés, os cinco livros do [...] Antigo Testamento eram suficientes para o povo de Deus da época. Mas Deus ordenou que autores posteriores acrescentassem novos ensinos, para que as escrituras fossem também suficientes para os crentes de épocas posteriores. Para os cristãos de hoje, as palavras de Deus [...], [do] Antigo e [do] Novo Testamento [...] são suficientes durante a era da Igreja. Depois da morte, ressurreição e ascensão de Cristo, da fundação da Igreja primitiva [...], não ocorreram na história ações divinas redentoras importantes (ações que tenham relevância direta para todo o povo de Deus e para 107 todo o tempo subsequente). No entanto todas as palavras que foram citadas no Antigo Testamento serviram não somente para sua época, mas são extremamente relevantes para o contexto atual. Isso quer dizer que tanto a Igreja como o membro podem ser instruídos, exortados e edificados com os textos do Antigo Testamento que, mesmo sendo antigos e de uma época completamente diferente de hoje, principalmente em relação a cultura, são textos atuais e competentes, que podem ser aplicados atualmente, (Dt 4:2; 12:32; Pv 30:5-6).108 3.2 A Suficiência da Escritura na Pregação O estudo da homilética109 traz várias técnicas com o intuito de aperfeiçoar o orador para apresentar sua exposição com qualidade, a evolução desses métodos tem crescido muito ultimamente com o propósito de dar maior compreensão àquilo que esta sendo dito. Na pregação do evangelho não tem sido diferente, as técnicas invadiram os púlpitos, os oradores tem conseguido atingir resultados cada vez mais expressivos no quesito compreensão e contextualização de suas mensagens. A impressão que se dá é que isso nunca foi tão importante como tem sido nos últimos anos. O aperfeiçoamento das técnicas de expor a mensagem bíblica tem se tornado mais importante do que a própria mensagem, prioridades como: extrair da Bíblia princípios norteadores para a vida do homem, princípios estes que conduz a um viver agradável a Deus tem ficado em segundo plano. Quando se inverte 107 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 89 Dt 4:2 “Nada acrescentem às palavras que eu lhes ordeno e delas nada retirem, mas obedeçam aos mandamentos do Senhor, o seu Deus, que eu lhes ordeno. Mt 12:32 “Apliquem-se a fazer tudo o que eu lhes ordeno; não acrescentem nem tirem coisa alguma. Pv 30:5-6 “Cada palavra de Deus é comprovadamente pura; ele é um escudo pra quem nele se refugia. Nada acrescente às palavras dele, do contrário, ele os repreenderá e mostrará que você é mentiroso” (BÍBLIA Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2007). 109 “Essa palavra portuguesa vem do grego, omiletikós, «sociável». O verbo omileein, significa «estar em companhia de»; e o substantivo omilos significa «assembléia». Visto que a sociabilidade está, intimamente, associada à linguagem, esse título, homilética, veio a se referir àquele ramo da retórica que trata da composição e entrega de sermões. Em outras palavras, a homilética é a arte de compor e entregar sermões. Uma homilia, por sua vez, é um discurso ou sermão. As homilias originais, dos pais da Igreja, eram comentários sobre as Escrituras, envolvendo também os trechos bíblicos que eram lidos durante os cultos religiosos” CHAMPLIN, Russel. N. Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia. 3.v. s.l, s.d. p. 154. 108
  • 26. 25 priorizando a técnica mais do que a mensagem, o risco pode ser enorme e a consequência disso é a descaracterização do real sentido bíblico, ensinos moralistas, desconstrução da doutrina bíblica e cultos antropocêntricos. Nesse sentido, a Escritura é insuficiente tanto para o pregador quando para o ouvinte. Pois o pregador estaria perdendo a oportunidade de falar da parte de Deus e agradá-lo e os ouvintes estariam perdendo seu tempo com palavras meramente humanas, cheias de requinte, porém humanas. O entendimento acerca do que é uma pregação ganha sentido quando analisamos o seus respectivos empregos no Novo testamento. Será feito o uso de quatro palavras, que no grego expressam essa ideia, são elas; Kerusso (“pregar”). Significa ‘declarar, como faz um arauto’. Refere-se à mensagem de um rei. Quando um soberano tinha uma mensagem para seus súditos, ele entregava aos arautos. Este transmitia às pessoas sem mudá-la ou corrigi-la [...]. O Novo Testamento usa este verbo para enfatizar que o pregador não deve anunciar sua própria mensagem. Ele fala como porta-voz de outrem. A ênfase desta palavra está na transmissão exata da mensagem. [Outra palavra é] euangelizo [que significa] ‘trazer boas notícias’. Martureo, este verbo significa dar ‘testemunho dos fatos’. [E por último] didasko, esta palavra significa ‘pronunciar em termos concretos o que a mensagem significa em referência ao viver’. [...] Quando alguém prega, não importa o lugar em que esteja ou para quem está falando, está fazendo todas as quatro coisas 110 [mencionadas]. Os profetas do Antigo Testamento tinham a incumbência de transmitir ao povo somente aquilo que Deus revelasse como em Jr 1:17 “E você, prepare-se! Vá dizer-lhes tudo o que eu ordenar”. O Deus da mensagem também é o Deus do povo que vai receber a mensagem, e para esse Deus a sua palavra é o suficiente, pois “o que Deus tem a dizer ao homem é infinitamente mais importante do que as coisas que o homem tem a dizer a Deus.”111 A Escritura possui somente uma interpretação que abrange várias áreas da vida dos ouvintes, por essa razão é que o rigor para sua transmissão é tão importante, e aqui o rigor não tem a ver com técnica mas sim em dizer somente o que Deus disse, pois o “Espírito Santo age nos ouvintes por meio de um pregador só até o ponto em que a Palavra é ensinada com exatidão e clareza.”112 João Calvino se assemelha aos profetas do Antigo Testamento por crer que a pura transmissão das Palavras de Deus sem mistura humana é que surtirá efeito, para ele “a igreja de Deus será educada pela pregação autêntica de sua Palavra e não pelas invenções dos homens [as quais são madeira, feno e palha].”113 E ainda acrescenta: “mesmo em nossa 110 OLYOT, Stuart. A pregação pura e simples. São José do Campo, Sp: Fiel, 2008, p. 14-18. STEVEN, Lawson. A arte expositiva de João Calvino. São Jose dos Campos, Sp: Fiel, 2010, p. 38 112 Ibid., p. 38. 113 CALVINO, João. Comentário em 1 Coríntios. São Bernardo do Campo, SP: Paracletos, 2003 apud LAWSON, Steven. A arte expositiva de João Calvino. São José dos Campos, Sp: Fiel, 2010, p. 40. 111
  • 27. 26 própria época há muitos que, a fim de exibir sua habilidade em compendiar a Palavra de Deus, se permitem jogar com ela como se fosse filosofia profana”. 114 Para Calvino, na pregação, a Palavra sai da boca de Deus tal como sai da boca de homens, pois Deus não fala diretamente do céu, mas usa homens para falar por seu intermédio.115 Para Agostinho de Hipona116 o pregador é quem interpreta e ensina as verdades divinas com base na fé, interpretando as Escrituras e não dando sentido ao texto, mas resgatando-o do próprio texto,117 enquanto isso acontecer o caminho que o pregador e os ouvintes trilham é o do propósito divino e o cumprimento das promessas ali encontradas. 3.3 Interpretação das Escrituras Para dar mais clareza ao assunto da suficiência na pregação que foi abordado no tópico anterior, faz-se necessário a abertura de um assunto muito importante em relação à Escritura, que é a sua interpretação, pois, a potencialidade das informações bíblicas depende exclusivamente disso, assim como os escritos de um jornal, revista e etc. Se não houver uma interpretação precisa e correta é impossível alcançar o propósito pelo qual tal escrito foi confeccionado, ocorrendo então uma deturpação de informações. Como afirma Nicodemus; “Cada vez que abrimos e lemos, buscando entender a mensagem de Deus para nós, engajamonos num processo de interpretação.”118 Lembrando que o processo de interpretação utilizado para as Escrituras se difere das fontes de informações que temos hoje, por causa da época em que foi escrita e a língua que foi utilizada, e também pelo fato de que todos os escritores da Bíblia já morreram, tornando a interpretação mais complicada e importante. Para Anglada a necessidade de interpretação: Decorre do fato de que ler não implica necessariamente em entender. [...], as Escrituras são substancialmente, mas não completamente claras. As verdades básicas necessárias à salvação, serviço e vida cristã são evidentes em uma ou outra passagem bíblica, mas nem todas as passagens das Escrituras são igualmente claras. 119 Daí a necessidade de interpretação consciente da Palavra de Deus. 114 CALVINO, João. As pastorais. São José dos Campos, Sp: Fiel, 2009, p. 18 FERREIRA, Franklin. Calvino e a pregação. In: Conferência Fiel, 2008. Pregação poderosa. Portugal. Disponível em: <http://www.ministeriofiel.com.br/conferencias/mensagem/391/Joao_Calvino_e_a_Pregacao>. Acesso em 24 out. 2013. 116 (354-430) Natural da Argélia, norte da África, foi Bispo em uma pequena cidade chamada Hipona, foi autor de grandes obras, dentre as principais estão: O livre-arbítrio, A doutrina cristã, A Trindade, Confissões e Cidade de Deus. FERREIRA, Franklin. Teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 257. 117 FERREIRA, Franklin. Agostinho e a pregação. In: Conferência Fiel, 2008. Pregação poderosa. Portugal. Disponível em: <http://www.ministeriofiel.com.br/conferencias/mensagem/390/Agostinho_e_a_Pregacao>. Acesso em 24 out. 2013. 118 LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus interpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 21. 119 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 150. 115
  • 28. 27 O processo de interpretação da Escritura começa com os autores do Antigo Testamento e “continua até os dias de hoje, fecundado e amadurecido pela chegada do Cristianismo e qualificado em diversos aspectos pelos limites da inspiração impostos pela história da salvação.”120 Mesmo tendo acesso a documentos mais atuais e fiéis, em relação ao que se tem hoje, os primeiros intérpretes não estiveram isentos de problemas de interpretação como afirma Virkler: Os escribas tiveram grande cuidado em copiar as Escrituras crendo que cada letra do texto era a Palavra de Deus inspirada [...]. Essa reverência tinha vantagens e desvantagens. Uma grande vantagem estava em que os textos foram cuidadosamente preservados através dos séculos. Uma grande desvantagem foi que os rabinos logo 121 começaram a interpretar a Escritura por outros métodos que não [são] os meios 122 pelos quais a comunicação é normalmente interpretada. Apóstolo Pedro reconhece a dificuldade para se interpretar o texto sagrado, quando em 2Pe 3:16, ele afirma que nas cartas de Paulo “contêm algumas coisas difíceis de entender...”. “Isso significa que a compreensão da Escritura Sagrada nem sempre é automática e espontânea.”123 É justamente pelo fato dessa compreensão não ser espontânea que o faz necessário ser interpretado conscientemente, “neste caso, existe um vazio entre o texto a ser compreendido e o leitor, que ‘necessita da formulação de normas para preencher esse vazio.’”124 É necessário enfatizar dois aspectos a respeito da interpretação da Escritura: O primeiro aspecto é a ação iluminadora do Espírito Santo na vida do intérprete, pois “a cegueira espiritual do homem em decorrência da queda havia afetado inclusive a capacidade [do homem] de conhecer as coisas de Deus e recebê-las.” Neste sentido, é preciso que o “coração [não esteja] embotado, como o dos Judeus descrentes; nem seu entendimento [esteja] obscurecido, como dos gentios incrédulos.”125 Por isso Apóstolo Paulo orava constantemente para a Igreja em Éfeso; Não deixo de dar graças por vocês, mencionando-os em minhas orações. Peço que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, lhes dê espírito de sabedoria e de revelação, no pleno conhecimento dele. Oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos e a incomparável 120 LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus interpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 36. Por causa da autoria divina das Escrituras, era atribuído pelos rabinos muitos significados para um único texto. cf. em: VIRKLER, Henry, Hermenêutica avançada. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 36-37. 122 VIRKLER, Henry, Hermenêutica avançada. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 36. 123 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 150. 124 Ibid. 125 Ibid., p. 151. 121
  • 29. 28 grandeza do seu poder para conosco, os que cremos, conforme a atuação da sua poderosa força (Ef 1:16-19). Em Efésios 4:17-18 existem outras recomendações do Apóstolo em relação a questão espiritual: “Portanto, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor. Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito,”. Em Efésio 3:14-19; Por essa razão, ajoelho-me diante do Pai, do qual recebe o nome toda a família nos céus e na terra. Oro para que, com as suas gloriosas riquezas, ele os fortaleça no íntimo do seu ser com poder, por meio do seu Espírito, para que Cristo habite em seus corações mediante a fé; e oro para que vocês, arraigados e alicerçados em amor, possam, juntamente com todos os santos, compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento, para que vocês sejam cheios de toda a plenitude de Deus. Passagens como estas mencionadas e inúmeras outras revelam o papel do Espírito Santo em revelar a vontade de Deus. A Interpretação bíblica não esta pautada somente em habilidades humanas, mas também na oração, pois somente o Espírito Santo pode iluminar a verdade, como diz a promessa de Jesus em João 16:13: “Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir.” O coração do homem é um poço de engano tornando-se incapaz de encontrar por si mesmo a vontade de Deus como afirma Jeremias “O coração [do homem] é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável... .” Isso comprova a incapacidade do homem em interpretar a Bíblia a partir de recursos próprios pois facilmente daria margem para o espírito do erro como diz em 1 Jo 4:16: “Nós viemos de Deus, e todo aquele que conhece a Deus nos ouve; mas quem não vem de Deus não nos ouve. Dessa forma reconhecemos o Espírito da verdade e o espírito do erro.” O segundo aspecto é a importância do conhecimento para a interpretação das Escrituras. Anglada126 afirma que; Por haver sido escrita em idiomas humanos, em contextos históricos, sociais, políticos e religiosos específicos, o conhecimento da língua e do contexto histórico também é necessário para uma melhor interpretação e compreensão das Escrituras. Por essa razão, o ministro da Palavra é, por definição, aquele que se afadiga na 127 Palavra (1Tm 5:17). Portanto com o propósito de se garantir uma interpretação correta das Escrituras, alguns princípios, normas e práticas foram buscados, 126 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 152-153. “Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino.” 127
  • 30. 29 descobertos e sistematizados pela igreja. A esses princípios e normas chama-se 128 129 hermenêutica; à sua prática, exegese. Dentro desses dois aspectos pode-se entender o lema de João Calvino, “‘orar e labutar’: orar por iluminação do Espírito e labutar estudando as Escrituras, usando todos os recursos disponíveis.”130 Prosseguir com esse ideal sugerido por Calvino expressa uma grande confiança na Escritura, quando a exposição correta do sentido bíblico juntamente com o poder iluminador do Espírito Santo gera fé nos ouvintes. Ao longo da história da Igreja, foram dadas diferentes ênfases em relação a interpretação da Bíblia. Três diferentes correntes hermenêuticas foram responsáveis por essas ênfases, entre elas estão: corrente espiritualista, racionalista e reformada. A corrente espiritualista com base na insatisfação pelo sentido natural ou literal do texto enfatiza exageradamente o caráter espiritual e místico da Bíblia,131 esta corrente está subdividida entre a hermenêutica alegórica, que é de origem da escola alexandrina no Egito, influenciada pelo platonismo e judaísmo alegórico e defende a atribuição de vários sentidos ao texto bíblico.132 Seus principais defensores são: Clemente de Alexandria133 e Orígenes.134 Nessa mesma corrente encontra-se a hermenêutica intuitiva onde a interpretação é de acordo com o pensamento que vêm à mente ao ler o texto bíblico valorizando a iluminação interior, escolha de textos específicos para ocasiões especificas sem um estudo devido nem considerações de contexto.135 E a hermenêutica existencialista que valoriza o sentido do texto para os dias atuais desprezando o sentido que os autores bíblicos atribuíram, essa interpretação defende que a Escritura não é a Palavra de Deus, mas ela se torna a Palavra de Deus.136 128 “Origina-se do verbo grego ermvneuein / hermeneuein, cujo significado é igual ao da palavra exegese, ou seja, interpretar. Hermenêutica significa, pois, interpretação” WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 11. 129 “Comentário ou dissertação para esclarecimento ou minuciosa interpretação de um texto ou de uma palavra. O termo deriva-se da palavra grega ecvgvsij / exegeses, que tanto pode significar apresentação, descrição ou narração como explicação e interpretação” WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 11. 130 LOPES, Augustus Nicodemus. Princípios de interpretação da bíblia. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/hermA_02.pdf> Acesso em: 04 de nov. 2013. 131 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 153. 132 Ibid. 133 “Clemente identificava cinco sentidos para um dado texto das Escrituras: (1) sentido histórico; (2) doutrinário; (3) profético; (4) filosófico e (5) místico”, ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 153. 134 “[Orígenes defende] três níveis de sentido: (1) literal, ao nível do corpo; (2) o moral, ao nível da alma; e (3) o alegórico, ao nível do espírito” ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 153, colchete nosso. 135 ANGLADA, op. cit., p. 154. 136 Ibid.
  • 31. 30 A segunda corrente de interpretação é a racionalista, completamente oposta a corrente espiritualista, pois valoriza mais o caráter humano das Escrituras, tal como seus métodos e técnicas de interpretação nos aspectos literários e históricos da Escritura.137 Um dos seus principais precursores são os “saduceus”138 que eram descrentes na ressurreição de Cristo e na existência de anjos.139 “Ao negarem verdades básicas da Escritura, os saduceus podem ser considerados como os modernistas ou liberais da época.”140 Entre os defensores dessa corrente também estão os humanistas renascentistas cujos “interesses [eram] meramente acadêmico, linguísticos, literário e histórico, estavam interessados na Bíblia mais por sua antiguidade do que por ser a Palavra de Deus.”141 Outra defensora dessa corrente é a Escola Crítica que deu origem ao método histórico-crítico142 de interpretação, trata-se de uma hermenêutica racionalista que valoriza o intelecto como sem margem para erro, e desconsidera tudo que não se harmoniza com a razão, além de rejeitar a doutrina reformada da Escritura tal como a inspiração, inerrância, autoridade e preservação da Escritura143. Já a terceira corrente é conhecida como reformada, ela mantém o equilíbrio em relação às outras duas, por acreditar no caráter divino-humano da Escritura e por rejeitar tanto o alegorismo de Alexandria quanto o literalismo judaico e a postura da escola crítica em relação à Escritura. Seu método utilizado é conhecido como gramático-histórico144 “fundamentado em pressupostos teológicos confessionais, que emprega princípios gerais definidos decorrentes desses pressupostos, levando em consideração a natureza divino-humana das Escrituras.”145 Seus principais precursores são: Theodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo que “estabeleceram estes princípios de interpretação considerando o próprio ensino bíblico e a prática apostólica.”146 Os principais representantes são: Lutero, Calvino, reformadores alemães, suíços, franceses e ingleses. Esse método foi adotado no século 18, na Europa e América do Norte, por Whitefield e Jonathan Edwards, na Inglaterra, por J. C. Ryle e Charles Spurgeon entre muitos outros pregadores da Palavra e interpretes até os dias de hoje. 137 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 154. “Naquele mesmo dia, os saduceus, que dizem que não há ressurreição, aproximaram-se dele com a seguinte questão...” Mateus 22:23. 139 ANGLADA, op. cit., p. 154. 140 B. J. van der Walt, Anatomy of Reformation (Potchefstroom: Potchefstroom University fo Christian Higher Education, 1981), 10 e 26 apud ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 155. 141 ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 155. 142 Entre os principais defensores estão “Bultman, com o seu programa de desmitologização das Escrituras, Harnack, com a sua humanização de Jesus, e muitos outros” ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, PA: Knox, 2013, p. 155. 143 ANGLADA, op. cit. p. 156. 144 Ibid. 145 Ibid., p. 158. 146 Ibid., p. 157. 138
  • 32. 31 3.4 Métodos de Interpretação Quando se fala em interpretação bíblica o que vem à mente é como isso pode ser feito ou que métodos poderiam ser usados para tal fim? A partir de que pressuposto a Bíblia poderia ser interpretada? Neste sentido serão abordados os três principais métodos de interpretação bíblica que são: Gramático-histórico, histórico-crítico e fundamentalista. 3.4.1 Gramático-histórico O método gramático-histórico de interpretação foi adotado pelos reformadores e “representou um rompimento radical com a hermenêutica alegórica medieval.”147 Sua principal intenção é “chegar ao sentido óbvio, claro e simples de cada passagem das Escrituras.”148 Os Reformadores ensinavam que: Cada texto tem um só sentido, que é o literal – a não ser que o próprio contexto ou outro texto das Escrituras requeriam claramente uma interpretação figurada ou metafórica. [...]. [Esse método enfatizava]; a natureza divina das Escrituras [que], era a principal barreira à sua compreensão por parte de pessoas que não tinham o Espírito; a necessidade de estudar a Escritura, pois os reformadores reconheciam a Bíblia como um livro humano.149 Eles acreditavam que “achar o sentido humano [original] era achar o sentido pretendido por Deus,” 150 pois “como intérpretes bíblicos, eles se preocuparam em determinar a intenção do autor, que era geralmente o sentido literal de uma passagem, a não ser que o próprio autor indicasse o contrário.”151 Defendiam também que a Escritura só poderia ser interpretada pela própria Escritura, pois podem existir passagens “obscuras num lugar, [e que] são claras em outros.152” De acordo com Lutero: O sentido das Escrituras não poderia mais ser determinado por tradição, nem por decisão eclesiástica, nem por argumento filosófico, nem por intuição espiritual, mas sim, unicamente, por outras partes das mesmas que explicam e esclarecem o seu sentido.153 3.4.2 Histórico-crítico Outro método de interpretação da Escritura muito utilizado é o histórico-crítico. É histórico porque “lida com fontes históricas [Bíblicas], dentro de uma perspectiva de evolução histórica, procurando determinar os diversos estágios de sua formação e crescimento, até 147 LOPES, Augustus N. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 161-162. Ibid., p. 161. 149 Ibid., p. 161-162. 150 Ibid., p. 164. 151 Ibid. 152 Ibid., p. 163. 153 Ibid. 148
  • 33. 32 terem adquirido sua forma atual.”154 É crítico porque “necessita emitir uma série de juízos sobre as fontes que tem por objeto de estudo.”155 Esse método de interpretação foi desenvolvido a partir do iluminismo156 em oposição ao método alegórico da Idade Média, e ficou conhecido por ser racional e muito questionador pois: Na época do Iluminismo, a crítica bíblica dirigiu-se preponderantemente contra os condicionamentos da interpretação bíblica determinados por postulados dogmáticos defendidos pelas igrejas. Para o iluminismo, verdadeiro era o que estava de acordo com a razão e o que podia ser deduzido e explicado racionalmente.157 No final do século 19 esse método ganha corpo como ciência histórica através do teólogo Ernst Troeltsch, que julgava ser necessário o uso de alguns pressupostos para reger as análises históricas, os quais são: a crítica, a analogia e a correlação. A crítica sustenta a existência de juízos prováveis e desconsidera a existência de juízos absolutos no campo histórico, por isso toda pesquisa resultaria em dúvidas metódicas. E se tratando das tradições bíblicas o seu conteúdo e suas formas seriam “submetidos a juízos de maior ou menor probabilidade histórica”; A analogia propõe explicar acontecimentos do passado através de fatos semelhantes, normais, corriqueiros, atestados e conhecidos, ou seja, é a probabilidade de explicar o que é desconhecido num lugar pelo que é conhecido em outro lugar; E por último a correlação que entende que todos os acontecimentos se encontram em relação mútua de dependência, cada acontecimento esta relacionado ao outro.158 Para Troeltsch a aplicação desses pressupostos representa uma evolução do modo de pensar em relação à Idade Média. Para a “ciência bíblico-teológica explica-se [outra] característica atual do método histórico-crítico, ou seja, a sua atitude de dúvida e questionamento frente às tradições e aos conteúdos [bíblicos] a serem analisados.”159 Sobre a aplicação desses pressupostos Wegner afirma que: [Sua] aplicação rígida [...], logrou alguns avanços indiscutíveis 160 no melhor conhecimento das tradições e dos textos bíblicos, bem como de sua gênese histórica e condicionamentos culturais. Sem essa crítica aplicada de maneira sistemática à Bíblia, dificilmente teríamos hoje em dia os inestimáveis avanços em áreas com a da 154 WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 17. Ibid. 156 “Movimento intelectual dos sécs. XVII e XVIII, em países europeus e em suas colônias, que tem como base a crença na razão e nas ciências como motores do progresso.” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 408. 157 WEGNER, op. cit., p. 18. 158 Ibid., p. 19. 159 Ibid. 160 “Apesar desses e outros inestimáveis avanços alcançados pela crítica histórica, os seus pressupostos, quando usados de forma absolutizada, evidenciam-se com incompatíveis com o caráter da revelação bíblica.” (WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 19) 155
  • 34. 33 critica textual,161 critica literária162 e crítica redacional.163 A sistemática aplicação do critério da analogia desvendou, a um só tempo, a proximidade e o distanciamento da religião e fé cristãs de outras crenças do Oriente e Ocidente na época de Jesus. A crítica histórica também conseguiu caracterizar o cristianismo primitivo como um conjunto bem mais pluralista do que se supunha; mostrou, dessa forma, que o cristianismo, nas origens, era teologicamente mais rico que [se imaginava]. 164 O método histórico-crítico também sofre muita rejeição, isso ocorre por inúmeras razões, são elas: excesso de academicidade dentro das comunidades causando separação entre os teólogos e os leigos; parcialidade nas análises bíblicas, muitas vezes sem segurança em seus resultados; autonomia do intérprete frente ao texto bíblico impedindo o texto de falar por si somente; falta de prática na aplicação da mensagem bíblica, pois alegam que a aplicabilidade da mensagem é papel da homilética e esclarecer o sentido original do texto é papel da exegese crítica e por fim o historicismo exagerado.165 3.4.3 Fundamentalista Este movimento surgiu nos Estados Unidos depois da Primeira Guerra Mundial, seu propósito era defender a fé cristã ortodoxa da crítica e do ceticismo do liberalismo teológico, revitalizando conceitos ou crenças que estavam ameaçadas como a inerrância e a infalibilidade das Escrituras. Este método “parte do pressuposto de que cada detalhe da Bíblia é divinamente inspirado, não podendo, em decorrência apresentar erros ou incongruências. Este método tende a absolutizar o sentido literal da Bíblia.”166 Assim pretende-se defender a Escritura afirmando que ela é o único meio pelo qual pode-se desenvolver doutrina e ética cristã.167 Porém seu posicionamento em relação à Escritura pouco valoriza o fator humano muito menos seus autores, e segundo Wegner esse “método corre o perigo da ‘bibliolatria’, ou seja, de uma idolatria à letra dos textos.” Além de desprezarem a análise crítica dos textos, eles possuem uma conduta separatista como afirma Nicodemus: 161 “Passo exegético que examina criticamente os vários textos apresentados sobre um versículo pelos manuscritos antigos, com o objetivo de determinar qual deles tem, com a maior probabilidade, a leitura original” WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 338. 162 “À crítica literária [deve-se], entre outras coisas, a descoberta de uma multiplicidade de fontes usadas pelos escritores bíblicos, em especial as fontes relacionadas com o Pentateuco e com os três primeiros evangelhos, denominados sinóticos” WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 345. 163 “Pela crítica redacional [aprende-se], por exemplo, a captar melhor os evangelistas como teólogos autônomos e sensibilizados com os problemas das comunidades para as quais escreveram. A crítica redacional possibilita identificar, em cada um dos evangelistas, um estilo característico, uma teologia singular e um propósito bem particular.” WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 345. 164 WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 19. 165 Ibid., p. 20. 166 Ibid., p. 15. 167 Ibid.
  • 35. 34 Cito negativamente o fundamentalismo como movimento separatista do erro teológico como único meio de preservar a verdade cristã. Sob esse aspecto, o fundamentalismo crê que não pode haver associação com igrejas, denominações e indivíduos que neguem os pontos fundamentais do cristianismo. O separatismo nem sempre é o caminho para batalharmos pela fé histórica.168 Os métodos de interpretação que foram citados podem ser considerados como os principais dentro de uma gama de métodos existentes menos expressivos. Dentro do método gramático-histórico destaca-se a firmeza no sentido literal do texto, tanto na sua época como hoje o sucesso desse método está no “equilíbrio hermenêutico alcançado pelos reformadores [...], em manter junta a resposta a duas perguntas importantes: o que a Bíblia significou no passado (exegese) e o que ela significa para [a Igreja] hoje (aplicação).”169 Lembrando que esse método nunca esteve totalmente isento de desvios de interpretação. Mas trata-se daquilo que pode ser mais coerente no que se refere a interpretação bíblica. O método histórico-crítico traz contribuições históricas precisas a respeito da tradição bíblica demonstrando seu apreço pela análise sistemática da Escritura, até demonstra fazer um uso de juízo saudável em buscar as raízes do texto sagrado, mas o exagero de se colocar acima de seu objeto de estudo não permitindo que a literatura faça com o leitor o mesmo que o leitor faz com a literatura, por ser uma literatura divina, não traz para a comunidade os valores espirituais que ela realmente precisa. Em resumo, esse método traz informações bíblicas de um valor inestimável, mas peca no que se refere ao ensino que estimula a fé e a prática. O fundamentalismo aparece muito mais como um movimento do que como um método de interpretação. Seu objetivo é plausível, que é a defesa de rudimentos antigos da fé cristã, porém utiliza-se de meios separatistas quando divergem em algum assunto, e o apego a itens menos importantes como se fossem o cerne do evangelho. 3.5 Pressupostos teológicos Não existe crença sem um pressuposto, o conhecimento não pode ser neutro, pois sempre parte de algum lugar ou de alguma ideia. Da mesma forma é a interpretação bíblica que sempre tem como base uma teologia. Toda interpretação bíblica parte de um pressuposto teológico que define os rumos para sua compreensão. Uma teologia puramente bíblica vai resultar em uma interpretação saudável da Escritura, o fato de crer ou não na Bíblia inspirada, 168 LOPES, Agustus N. Liberalismo e fundamentalismo teológico. [maio de 2007]. Entrevistador: Elvis Brassaroto Aleixo. Entrevista concedida ao Instituto Cristão de Pesquisa. Disponível em: < http://www.icp.com.br/86entrevista.asp>. Acesso em: 13 de nov. 2013. 169 id. A Bíblia e seus intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 167.