1. 192
7. As especialistas da Diretoria Regional de Ensino
Dentre as especialistas da Diretoria Regional de Ensino (D.R.E.),
uma das Supervisoras de Ensino, Júlia, e uma das Assistentes Técnico -
Pedagógicas, Luciana, foram convidadas a participar da pesquisa, pelo fato de
serem as principais responsáveis pela implementação e acompanhamento das
Classes de Aceleração e pela realização dos encontros bimestrais de formação
continuada das professoras e coordenadoras pedagógicas envolvidas no
projeto.
A supervisora Júlia iniciou a sua carreira profissional há 30 anos e,
na época da entrevista estava, literalmente, às vésperas da aposentadoria. Em
sua longa carreira, lecionou no antigo Ensino Primário, onde permaneceu por
pouco tempo; posteriormente, atuou como professora no antigo Colegial em
escolas particulares, foi coordenadora pedagógica, assistente de direção,
diretora de escola e, há treze anos, vem atuando como Supervisora de Ensino
da D.R.E. Além disso, é docente em um curso de Pedagogia de uma instituição
privada de ensino superior, ministrando uma disciplina relacionada à avaliação
da aprendizagem.
Luciana, por sua vez, iniciou a sua carreira como professora do
Ensino Fundamental, de primeira à quarta séries, atuando na rede de ensino
estadual até o ano de 1996 (aproximadamente cinco anos). Em 1997, tornou-se
Assistente Técnico Pedagógico na D.R.E. e, no desenvolvimento desta função,
passou a atuar como capacitadora docente, inclusive no projeto de Aceleração;
ao final de 1999, assumiu temporariamente a função de supervisora
pedagógica.
Com relação ao projeto de Aceleração, essas profissionais tinham
como atribuição garantir que o mesmo fosse colocado em prática de maneira
adequada, mediante visitas às escolas, orientações técnicas aos professores e
2. 193
coordenadores pedagógicos, assim como o oferecimento de capacitação aos
professores e coordenadores pedagógicos participantes.
Além disso, participaram das reuniões gerais sobre o projeto, das
capacitações específicas realizadas pelos técnicos do CENPEC, além de terem
elaborado e realizado as capacitações locais com os participantes.
7.1. A implementação das Classes de Aceleração na região
O projeto Reorganização do Fluxo Escolar - Classes de Aceleração
foi implementado na região de São Carlos em 1997, a partir de uma reunião
realizada na Secretaria de Estado da Educação, na cidade de São Paulo.
A supervisora Júlia esteve presente nessa reunião e teve a
incumbência de trazer a idéia da implementação do projeto para as escolas que
fazem parte da Diretoria Regional de Ensino de São Carlos, assumindo, a partir
daí, a responsabilidade pela divulgação dos principais objetivos do projeto aos
diretores das escolas da região.
A reação inicial dos diretores em relação às Classes de Aceleração,
segundo Júlia, foi de desconfiança, especialmente por não acreditarem na
possibilidade do projeto resolver a questão da defasagem idade/série dos
alunos:
“Eu apresentei a proposta para os diretores. A princípio, eles
ficaram meio desconfiados, porque eles achavam o seguinte:
como é que um aluno que estava dois, três anos em uma série,
em um ano iria resolver o problema de duas séries? Porque o
encaminhamento da Aceleração I é para a quarta série e
Aceleração II para quinta série, nada impedindo que da
Aceleração I ele também possa ir para quinta série... Então os
diretores ficaram muito desconfiados... Em 1997, nós tínhamos
poucas classes, porque poucas escolas aderiram ao projeto...”
3. 194
Em 1998, segundo ano de vigência do projeto na região, os
resultados do trabalho nas Classes de Aceleração tiveram maior divulgação
entre as escolas, destacando-se a metodologia de ensino e a qualidade do
material didático, o que acabou por reduzir o sentimento de desconfiança dos
diretores e dos professores com relação ao projeto:
“... enquanto eles foram trabalhando os outros professores
foram acompanhando, com desconfiança, mas foram
acompanhando... e verificando material, achando que as
atividades eram bastante interessantes, que o material era muito
bom e o material acabou inclusive passando para outros
professores que não eram de Aceleração. Tanto que, em 1998,
não havia mais essa desconfiança e muitas outras escolas então
entraram no projeto, porque o trabalho do pessoal envolvido no
projeto foi ficando conhecido e o pessoal começou a se
interessar mais...” (supervisora Júlia)
Para Luciana, os encontros iniciais de capacitação também
contribuíram para diminuir a desconfiança e o receio dos professores quanto ao
trabalho a ser desenvolvido, o que acabou trazendo benefícios aos alunos:
“Não só os alunos, como os professores se sentiam muito
perdidos, com medo e desconfiados, mas a partir das
capacitações o professor foi ganhando confiança no trabalho e
o aluno passou a enxergar que trabalhando diferenciado das
outras salas, eles estavam avançando muito mais do que os
outros alunos.”
Quanto aos pais dos alunos encaminhados para as Classes de
Aceleração, a reação foi de satisfação diante da possibilidade de que seus
filhos avançassem para as séries regulares.
No tocante à seleção dos professores para as Classes de Aceleração,
a Proposta Pedagógica Curricular de Classes de Aceleração (SÃO PAULO -
Estado, 1997a) determinava que a atribuição destas classes, tanto para
4. 195
professores efetivos como para os professores ACT’s (Admitidos em Caráter
Temporário), deveria obedecer aos seguintes critérios: a) o professor deveria
manifestar seu interesse pela docência nestas classes e o seu comprometimento
com o trabalho a ser realizado; b) o professor deveria ter experiência
profissional com alunos do Ciclo Básico, 3as ou 4as séries do Ensino
Fundamental; c) o professor teria que se dedicar exclusivamente ao trabalho
nas Classes de Aceleração, a fim de participar de um programa de capacitação
em serviço.
Entretanto, segundo as especialistas, nem todos os critérios de
seleção recomendados foram acatados. Os diretores das escolas deveriam
destinar as Classes de Aceleração para os professores mais próximos do perfil
descrito anteriormente. No entanto, segundo as entrevistadas, isso não
aconteceu já que, em muitas escolas, professores com formação e experiência
aquém do recomendado assumiram aulas em Classes de Aceleração.
Na avaliação de Júlia e Luciana, esse desvirtuamento da Proposta
Pedagógica Curricular trouxe dificuldades para a adequação do projeto nas
escolas e para o trabalho de supervisão e capacitação de professores.
Segundo a supervisora Júlia, o fato das Classes de Aceleração
entrarem no processo de atribuição geral de classes, sem uma diferenciação
específica, fez com que muitos professores as escolhessem por não terem outra
alternativa de trabalho e não pela identificação com os seus pressupostos
teórico - metodológicos, como seria o ideal.
Acrescenta que, em uma determinada escola, o diretor chegou a
atribuir uma Classe de Aceleração a uma professora não muito competente e, o
que parece pior, “por desaforo”. Essa atitude do diretor sugere que o trabalho
junto aos alunos multirrepentes é um desprestígio entre o corpo docente e pode
ser usado como estratégia de punição.
5. 196
No entanto, o desfecho desse caso, segundo Júlia, foi surpreendente,
pois a professora não muito competente acabou obtendo bons resultados em
seu trabalho na Classe de Aceleração.
Acerca da seleção de professores, perguntou-se às especialistas qual
seria, na sua opinião, o perfil ideal do professor a assumir o trabalho nas
Classes de Aceleração. Segundo Júlia:
“O perfil do professor é ele ser um alfabetizador, um
pesquisador e principalmente, acreditar no trabalho dele... Ele
tem que ter experiência de alfabetização, dedicação exclusiva,
embora ele não ganhe por dedicação exclusiva, tem que ter
disponibilidade nos dois períodos, porque na época da
capacitação ele tinha de que ter dedicação para a
capacitação...”
E a capacitadora Luciana acrescenta: “tem que ser um professor
observador e pesquisador da sua prática.”
As características apontadas pelas entrevistadas estão em
consonância com as intenções da política de capacitação da Secretaria de
Estado da Educação e da Fundação para o Desenvolvimento da Educação
(FDE), descritas por ALVES, (1995: 61), em relação à formação de todos os
professores da rede pública:
O que se tem em vista é fortalecer a autonomia intelectual do
professor, tornando-o capaz de compreender e assumir a
relação didática em sua inteireza, em sua integridade (...);
tornando-o um observador atento e sagaz, que registra em seu
“diário de bordo” cada nova descoberta, cada nova
conquista; tornando-o, nesse sentido, um pesquisador arguto,
que organiza suas experiências docentes bem - sucedidas,
para contribuir com a construção coletiva de novos
paradigmas para a educação...
Na identificação do perfil do professor adequado para assumir a
docência nas Classes de Aceleração, parece não existir a valorização de uma
amplo domínio de técnicas de ensino por parte do professor, mas sim de
6. 197
atributos complexos, como a capacidade para observar e pesquisar, tendo como
ponto de partida a sua própria prática, relacionando-a com as teorias
pedagógicas, assim como a capacidade de acreditar ou de confiar em seu
próprio trabalho.
As características selecionadas pelas entrevistadas para configurar o
perfil ideal do professor para atuar em Classes de Aceleração leva à discussão
do que vêm sendo denominado como modelo de racionalidade técnica e
racionalidade prática na formação e atuação docente, analisados por PÉREZ
GÓMEZ (1995).
Alguns dos atributos do professor ideal para atuar em Classes de
Aceleração parecem estar mais próximos de serem alcançados quando se
considera a racionalidade prática como modelo teórico de formação e atuação.
No entanto, deve-se ressaltar que a construção desse perfil ideal depende de
uma série de fatores e não apenas da exposição do professor ao modelo da
racionalidade prática mesmo porque não parecem existir, no atual sistema de
formação inicial ou continuada de professores, capacitações totalmente
baseadas nesse modelo de formação.
Procurou-se investigar, junto às entrevistadas, as denúncias feitas
pela professor Fernanda, da Escola II, sobre possíveis desvirtuamentos na
composição das Classes de Aceleração.
A supervisora Júlia respondeu que as Classes de Aceleração da
região foram compostas obedecendo-se rigorosamente o critério básico da
defasagem idade/série, não confirmando a denúncia da professora Fernanda:
“São 25 crianças por classe, no máximo... A defasagem de dois
anos idade/série constituía uma Classe de Aceleração I, cujos
alunos eram oriundos de 1a e 2a séries e o encaminhamento
para 4a ou 5a séries e alunos de 3a e 4a, também com defasagem
de dois anos, formando a chamada Aceleração II e com
encaminhamento para a 5a série... O critério básico é a
7. 198
defasagem idade/série, então não importa o comportamento do
aluno, tanto do ponto de vista da disciplina ou do ponto de
vista cognitivo, o que importa é a defasagem idade/série.”
Mas, ainda de acordo com a supervisora, nos primeiros dois anos de
atividade do projeto, houve uma confusão, por parte de algumas escolas, sobre
as diferenças entre Classes de Aceleração e Sala de Recursos , o que ocasionou 21
o encaminhamento de alguns alunos considerados portadores de necessidades
especiais para essas classes.
Ao justificar a criação das Classes de Aceleração, Júlia discorre
sobre algumas das possíveis razões para o fracasso escolar e o
encaminhamento dos alunos para essas classes:
“... talvez não aprenderam porque eram discriminados por
problemas de indisciplina ou até pela própria dificuldade de
aprender... Ele dava trabalho e ficava esquecido no fundo da
classe e como a auto - estima estava lá embaixo e ninguém
fazia questão de resgatar, também não aprendia... Ora, um
aluno desocupado, rotulado, ele vê que o professor não dá a
menor atenção, qual é a reação normal dessa criança? É ser
indisciplinada... Então, o projeto era exatamente para esses
alunos, todos os alunos que precisavam freqüentar Classes de
Aceleração foram encaminhados.”
Assim, para ela, o fracasso escolar parece ocorrer a partir dos
processos de exclusão e abandono de alunos que, por vários motivos, não
conseguem se inserir no processo regular de ensino e aprendizagem.
7.2. O processo de capacitação na visão das capacitadoras
21 As Salas de Recursos foram criadas dentro da proposta de integração de indivíduos portadores de
deficiências nas escolas regulares e destinadas ao atendimento de alunos com necessidades educativas
especiais.
8. 199
As especialistas da D.R.E. foram submetidas a uma formação
continuada a fim de que pudessem implementar o projeto de Aceleração nas
escolas participantes, orientar os professores e coordenadores das escolas
participantes e, especificamente, atuar como agentes capacitadores dos
mesmos.
A capacitação das especialistas ocorreu nos anos de 1997 e 1998 e
foi realizada diretamente pelas técnicos do CENPEC (Centro de Estudos e
Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).
A supervisora teceu comentários favoráveis a esses dois momentos
de capacitação e ao entusiasmo, confiança e apoio que receberam nesse
processo, os quais procuraram repassar para as professoras de sua região:
“Tivemos uma capacitadora muito competente e ela passava
para a gente muito entusiasmo. Uma característica bastante
interessante dessa capacitação era isso, a própria equipe
passava esse ânimo, essa confiança, esse entusiasmo para
gente. Isso era muito bom porque as professoras de Classes de
Aceleração tinham na gente um apoio, quando alguma coisa
não ia bem eles corriam aqui, a gente ajudava, procurava saber
o que estava acontecendo, interferia junto ao diretor quando
problema era administrativo e foi esse o apoio. Então, não teve
tanta dificuldade...
O espírito de colaboração e o trabalho em equipe permaneceu no
segundo ano do projeto. As professoras que haviam permanecido nas classes,
tornaram-se uma espécie de monitoras para aos professores iniciantes:
“... a partir do segundo ano do projeto aqui, muitos professores
bons que começaram com o projeto continuaram e eles
ajudavam muito os novos colegas que entraram no projeto...
Então, isso era bom para a gente também, nas capacitações”
(supervisora Júlia)
9. 200
O comentário da supervisora sobre a valiosa contribuição das
professoras que continuaram no projeto, vem reforçar a questão da necessidade
de permanência do corpo docente (ou, então, daqueles avaliados como bem -
sucedidos) nas Classes de Aceleração.
Somente no terceiro ano de vigência do projeto (1999), a
capacitação passou a ser realizada sem a participação do CENPEC, ficando sob
a total responsabilidade da equipe da D.R.E.. Foi necessário, por parte da
equipe local, a elaboração de um projeto de capacitação específico (ver Anexo
2), o qual foi submetido à avaliação da Secretaria de Estado da Educação,
sendo posteriormente aprovado e, segundo Luciana, muito elogiado:
“... foi muito elogiado o nosso projeto. Tinha até uma
observação da Secretaria que era divulgar nosso projeto para as
demais Diretorias e digo mais, toda a equipe da Oficina
Pedagógica se envolveu, vestiu a camisa realmente com esse
projeto.”
A qualidade do projeto de capacitação local reflete, na concepção de
Luciana, o entrosamento de toda a equipe de capacitadoras e supervisoras da
D.R.E., ao contrário de outras cidades onde, segundo ela, apenas o capacitador
responsável pelo processo realizava o trabalho, sem o envolvimento dos outros
técnicos.
Além disso, de acordo com Luciana, a interação da equipe local
com o projeto de Aceleração rendeu, em uma determinada ocasião, bons
frutos:
“Todos conheciam a proposta de capacitação e São Carlos se
sobressaiu: todos os ATP’s sabiam de cor e salteado todo o
projeto Classes de Aceleração, enquanto que as outras
Diretorias desconheciam o projeto, porque o ATP trabalhava
sozinho. Aqui nós envolvemos todos, até os outros
supervisores... Então, realmente, nós divulgamos e ampliamos
o nosso trabalho!”
10. 201
As entrevistadas também realizaram uma avaliação da formação
continuada desenvolvida por elas, junto aos professores e coordenadores
pedagógicos da região.
Para elas, as características básicas das capacitações foram o
dinamismo e a articulação constante entre teoria e prática, ou seja, a análise da
prática pedagógica à luz dos referenciais teóricos contidos na proposta.
Segundo o documento “Classes de Aceleração: Orientações para
Capacitação de Professores” (SÃO PAULO - Estado, 1999), os procedimentos
de capacitação devem ser pensados a partir de três âmbitos de interação dos
conteúdos: teoria, prática pedagógica e situações concretas de sala de aula.
No primeiro âmbito, os conteúdos são tratados no plano
estritamente teórico, onde os fundamentos da proposta são apresentados,
discutidos e relacionados às concepções prévias dos participantes sobre os
temas abordados.
Assim, na capacitação local, o estudo da Proposta Pedagógica
Curricular das Classes de Aceleração foi considerado essencial pelas
capacitadoras que, inclusive a apelidaram de “Bíblia”:
“Elas tinham uma chamada “Bíblia”, que é a Proposta
Pedagógica Curricular, o fundamento básico de todo o projeto,
elas não podiam fugir dessa teoria... elas tinham que ler, no
começo elas relutavam muito, não liam, a gente começou a
cobrar nos HTP’s na escola, e às vezes, aqui na própria
capacitação a gente pegava parte por parte, fazia a leitura, fazia
trabalho de grupo, para fazer o estudo da teoria... A partir do
momento em que eles conheciam a teoria, a prática ficava mais
fácil.” (supervisora Júlia)
No segundo âmbito de interação com os conteúdos, os elementos da
prática pedagógica eram analisados por meio da realização de atividades de
11. 202
aprendizagem e de avaliação contidas no próprio material de apoio das Classes
de Aceleração.
A supervisora Júlia situa esse momento no processo de capacitação
local:
“O material é em cima da pedagogia de projetos e na pauta da
capacitação sempre havia a vivência de um projeto... Elas
trabalhavam o projeto na capacitação do módulo como elas iam
trabalhar com os alunos depois, é claro, de estar conhecendo
bem a proposta curricular, de estar sabendo qual a teoria que
está por trás de tudo isso Elas vivenciavam um dos projetos,
um ou mais dos projetos constantes daquele módulo objeto
daquela capacitação...”
No terceiro âmbito, eram discutidas as situações concretas de sala
de aula, as quais envolvem a articulação da análise do processo ensino -
aprendizagem à prática docente, sustentada pelos pressupostos teórico -
metodológicos da proposta.
A capacitadora Luciana descreve essa situação no processo de
capacitação local:
“... elas chegavam descabeladas, com medo, mas quando elas
colocavam a mão na massa, começavam a trabalhar e a trocar
com os outros experiências, e a desenvolver também as
atividades na própria capacitação, elas já se sentiam mais
confiantes e quando voltavam para a segunda capacitação, que
tinha também toda uma discussão da parte teórica, uma
discussão da parte prática elas percebiam que o medo, a
dificuldade que uma sentia era também a dificuldade da outra.
E também na capacitação havia essa troca de experiências, uma
tinha uma solução, a outra tinha outra e se encontravam
caminhos...”
De acordo com o CENPEC (RIBEIRO et al., 2000), para atuar
dentro dos pressupostos da Proposta Pedagógica Curricular das Classes de
12. 203
Aceleração, os professores apresentavam, além das dificuldades comumente
enfrentadas pelos professores das séries regulares (condições desfavoráveis das
escolas, falta de incentivos, deficiências da formação inicial e continuada),
dificuldades específicas, como:
- o preconceito quanto aos alunos, manifesto pela descrença em
sua capacidade de aprender;
- a desconfiança quanto a um suposto “aligeiramento” dos
conteúdos;
- o receio quanto ao desprestígio profissional frente aos colegas da
escola e à comunidade, por lecionarem para alunos “atrasados”;
- a preocupação com a desconfiança que os alunos também têm
em relação à sua própria competência, introjetada e reforçada por fracassos
anteriores.
Partindo do pressuposto de que os encontros de capacitação e o
material produzido dariam uma sustentação à prática docente, mas que
deveriam ser complementados pelo trabalho desenvolvido coletivamente na
escola (RIBEIRO et al., 2000), as capacitações locais não se limitavam apenas
aos encontros formais.
A discussão sobre as dificuldades individuais e/ou coletivas, a troca
de experiências entre as participantes, as oportunidades de debate e de estudo
nos HTP’s ou nas reuniões organizadas pelas professoras nas suas escolas,
também foram consideradas como aspectos fundamentais do processo de
formação continuada pois o compartilhar de experiências, além de estimular a
comunicação entre as pessoas, favorece o trânsito das idéias e a realização de
pesquisas (HUTMACHER, 1995).
Um recurso importantíssimo utilizado no processo de capacitação,
foram as dinâmicas de grupo, comentadas anteriormente no Capítulo 6.
13. 204
As dinâmicas tinham como objetivo geral possibilitar a discussão e
a vivência de situações relacionadas ao preconceito quanto aos alunos
multirrepetentes, à heterogeneidade das turmas e à avaliação, dentre outros
assuntos.
Na opinião de Luciana, a “dinâmica dos rótulos” possibilitou a troca
de papéis entre professores e alunos e o experienciar do processo de
discriminação:
“Nós fizemos com que os professores vivenciassem algumas
técnicas onde eles se viram rotulados, se sentiram burros, se
sentiam lerdos, se sentiram mentirosos, então eles sentiram
nada, desrespeitados. A partir do momento em que eles se
sentiram desse jeito, a partir da dinâmica a gente chama
Dinâmica dos Rótulos , eles começaram a enxergar o aluno
também de maneira diferente... Por que o meu aluno é
quietinho sentadinho ali no fundo, não abre a boca? Porque
quando ele vai falar outro corta, e vai indo vai indo vai indo,
ele pára de falar. Ou por que outros se sobressaem? Porque
toda vez que ele começa a falar é líder... então através de
dinâmicas a gente mostrava isso para os professores... ”
Em outra dinâmica, onde cada participante tinha que desenhar uma
cadeira a partir de seu ângulo de visão, as capacitações procuraram trabalhar a
heterogeneidade das turmas e a maneira de se atuar diante dos diferentes níveis
e ritmos de aprendizagem dos alunos:
“Nós trabalhamos com eles para que percebessem as diferenças
entre os alunos, porque são vinte e cinco alunos, mas alunos
com problemas diferentes... Então, o que a gente tinha que
deixar claro para o professor? Que cada um tinha um ritmo,
embora todos estivessem ali para o mesmo projeto, mas cada
um tinha um ritmo... Num grupo de cinco alunos, com uma
única atividade o professor atinge o objetivo dele, mas outros
dois, três alunos precisavam de outra atividade, porque ainda
não conseguiam, e um outro grupo precisava de uma terceira,
14. 205
até de uma quarta atividade. Então o professor ficava muito
atento, porque quando eles vivenciavam as atividades nas
capacitações eles percebiam. Às vezes, nós dávamos as
mesmas atividades para os diferentes grupos e um chegava
num resultado e outro chegava em outro... então através desse
dinamismo dessas capacitações eles se sentiam os verdadeiros
alunos, e iam para sala com um olhar diferente em termos de
alunos....” (capacitadora Luciana)
É importante destacar o final do comentário da capacitadora
Luciana, onde ela coloca que as capacitações possibilitaram que as professoras
se sentissem como “verdadeiras alunas”. A experiência de se colocar no lugar
do outro pode ter facilitado o que Luciana considera o desenvolvimento de um
“novo olhar” das professoras sobre os alunos propriamente ditos e,
aparentemente, uma melhor compreensão das dificuldades e da
heterogeneidade dos mesmos na sua relação com o conhecimento.
Uma das dificuldades encontradas pelas capacitadoras no processo
de capacitação foi a falta de envolvimento de alguns professores que, segundo
a supervisora Júlia, não possuíam o perfil ideal do professor de Classes de
Aceleração e que estavam ali por falta de outras opções:
“A falta de envolvimento maior de alguns professores que não
tinham esse perfil porque por mais que o grupo se
entusiasmasse e tinha gente que era apaixonada pelo
projeto, pelos alunos, pela sua sala e passavam essa confiança,
esse entusiasmo , tinha aqueles que não tinham o perfil
Trata-se exatamente daqueles professores que pegaram essas
classes porque não tinha outra.” (supervisora Júlia)
Nas visitas efetuadas às escolas, a supervisora e a capacitadora
observavam o trabalho realizado nas Classes de Aceleração, procuravam
detectar o grau de envolvimento do professor com o trabalho e a adequação de
15. 206
sua prática em comparação aos pressupostos teórico - metodológicos da
proposta.
Diante do caso de certas professoras que, segundo elas, não estavam
envolvidas as Classes de Aceleração, a providência tomada era chamar as
docentes, em particular, e orientá-las, aconselhá-las e se fosse necessário, até
adverti-las, de modo a adequar a sua prática pedagógica aos pressupostos do
projeto
“Nós visitávamos as salas regularmente e quando a gente
entrava na sala de aula a gente já percebia o professor que era
envolvido e o professor que não era envolvido... Houve
professoras chamadas em particular, a gente as orientava
particularmente. Quando não se envolvia com o projeto a gente
lutava com ele, falava com ele, conversava, aconselhava
durante o ano todo.” (supervisora Júlia)
Nessa direção, a capacitadora Luciana citou o caso de uma
professora que, apesar de apresentar sérias dificuldades iniciais para atuar de
acordo com os pressupostos do projeto de Aceleração, obteve excelentes
resultados ao final do ano letivo:
“... uma das professoras de 1998, deu muito trabalho... Quando
nós íamos para a sala dela ficávamos apavoradas... Só que
depois, no segundo semestre, ela começou a se envolver mais
e, no final do ano, ela teve um resultado bem satisfatório... Foi
uma surpresa muito agradável, quando a gente participou do
conselho final, a gente não acreditava que ela, que estava na
Aceleração I, que era para ser encaminhados alunos para quarta
série, teve uns cinco ou seis alunos que foram encaminhados
para quinta e que, inclusive, participaram de concursos de
redação e foram premiados...”
16. 207
As entrevistadas também foram inquiridas acerca de um suposto
atraso do material didático das Classes de Aceleração na região. Foi colocado
que realmente essa situação ocorreu, mas apenas no início de 1997.
Solicitou-se às entrevistadas que avaliassem o comprometimento e a
atuação dos diretores e coordenadores pedagógicos das escolas da região, no
desenvolvimento do trabalho nas Classes de Aceleração.
Segundo a supervisora Júlia, os coordenadores pedagógico foram
aqueles que efetivamente se envolveram com o projeto, “garantindo o
desenvolvimento da proposta curricular nessas classes.” Quanto aos diretores,
mesmo estando mais ausentes do desenvolvimento do trabalho a partir do
momento em que aceitaram as Classes de Aceleração em suas escolas, criaram
as condições necessárias para a sua instalação.
Foi solicitado que Júlia e Luciana que discorressem sobre as reações
dos outros professores das escolas em relação ao projeto de Aceleração.
De acordo com Júlia, alguns professores das séries regulares
criticaram abertamente o projeto por o considerarem paternalista, em relação
ao tratamento dado aos professores e seus respectivos alunos. Todavia,
segundo a supervisora, esse tipo de crítica somente revelava a atitude
discriminatória de um grupo de professores que não acreditava no sucesso do
projeto e na capacidade de aprendizagem de alunos multirrepetentes:
“Os professores consideravam esse projeto bastante
paternalista, tanto do ponto de vista do professor como do
aluno... É que aqueles alunos que eles deixavam para trás e que
no vocabulário do professor é aquele aluno que “não vai”, ele
“não vai” para frente... e eles percebiam que estavam indo para
frente... Não sei, talvez por não ter aquela consciência que todo
aluno é capaz de aprender assim como todo professor é capaz
de ensinar, e por que ele não conseguiu?”
17. 208
Júlia referiu-se, ainda, aos ciúmes causados pelo rico material
didático, pelas capacitações e pelo suporte próximo e constante oferecido aos
professores de Classes de Aceleração:
“Era mais em relação ao material... mas, por que o outro pode
ser tratado como ele era nas capacitações, por que a gente
quando ia na escola, ia visitar só a classe dele? Talvez esse tipo
de atendimento mais próximo... Porque eles tinham todo o
material possível, o professor e o aluno, e também o
atendimento da equipe, o suporte...”
Com relação ao material, Luciana completa:
“Por que o professor de Aceleração recebia jornal, revistas ou
ele tinha a Veja, a Superinteressante, esse professor tinha todo
esse material na sala de aula, então realmente, quando os outros
professores perceberam que esses professores recebiam um
conjunto de fitas de vídeo infantil pra passar pra esses alunos e
até infanto - juvenil, conjuntos de livros e volumes enormes de
quantidades de livros para estar trabalhando na sala de aula,
virou realmente uma ciumeira.”
Como foi colocado no capítulo anterior, é possível afirmar que as
queixas dos professores das séries regulares quanto aos privilégios dos
professores e alunos das Classes de Aceleração são reações absolutamente
naturais diante das condições de trabalho a que estão submetidos.
É natural que o professor das séries regulares, diante das
dificuldades vividas no dia - a - dia, sinta-se injustiçado por não ter uma classe
com apenas 25 alunos, uma formação continuada de alta qualidade e um rico
material didático para auxiliá-lo.
No entender de todos os que conhecem a realidade do sistema
educacional, as condições de trabalho proporcionadas pelo projeto de
Aceleração, deveriam ser a regra e não a exceção!
18. 209
Quanto ao caráter paternalista do projeto de Aceleração, foi possível
testemunhar o evidente e, por que não dizer, invejável , entusiasmo e
orgulho manifestado pelas professoras de Classes de Aceleração,
principalmente as da Escola II, ao mencionarem os bons resultados obtidos em
sua prática e a sua preocupação com o desenvolvimento acadêmico, afetivo e
social de seus alunos.
Entretanto, acredita-se que um “bocado” de paternalismo, do
mesmo tipo daquele encontrado em algumas Classes de Aceleração, causaria
menos mal do que a hostilidade, o desprezo e a discriminação que se pode
encontrar no cotidiano de várias salas de aula do ensino regular.
7.3. O sistema de avaliação nas Classes de Aceleração
Um dos pontos mais importantes do projeto de Aceleração, de
acordo com a supervisora Júlia, seria a concepção de avaliação presente na
Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração.
Para a supervisora Júlia, a avaliação preconizada para as Classes de
Aceleração está dentro de uma conceituação bastante atual: a avaliação
processual, dialética e reflexiva.
Essa concepção de avaliação, no entanto, não é de uso exclusivo das
Classes de Aceleração, mas reflete a proposta da Secretaria de Estado da
Educação para avaliação no sistema de ensino do Estado de São Paulo,
presente no regime de Progressão Continuada.
Para Júlia, essa “nova” concepção de avaliação é recente apenas em
termos de aplicação efetiva, pois existe há décadas, em termos de intenções
político - pedagógicas:
“... essa nova visão de avaliação, que não é nova, vem vindo já
há décadas, mas que agora está sendo mais divulgada, pela
própria necessidade de se mudar a questão da avaliação. Para o
sistema em geral ela começou a ser mais divulgada depois do
19. 210
projeto de Aceleração... A gente diz que é nova porque é uma
forma que está sendo cobrada agora, porque até então não era
tão cobrada, e o projeto já vem com esse tipo de proposta de
avaliação, desde que foi implantado...”
A Proposta Pedagógica Curricular de Classes de Aceleração (SÃO
PAULO - Estado, 1997a: 17) indica as principais diretrizes dessa (nova) visão
de avaliação. Todo o processo está fundamentado na avaliação diagnóstica
inicial:
A avaliação diagnóstica inicial será o grande parâmetro da
programação, pois deverá possibilitar ao professor
informações sobre as aquisições atingidas ou não, sobre as
facilidades e dificuldades dos alunos, a fim de tornar possível
um plano de trabalho que relacione os alvos pretendidos e as
necessidades reais
Apesar da existência de instrumentos especiais de avaliação como
textos ou exercícios específicos, todas as situações de conversas com a classe,
de brincadeiras e jogos devem ser aproveitadas pelo professor para conhecer
e localizar os alunos (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 18).
O processo de avaliação diagnóstica e processual deve ser sempre
favorável ao aluno, no sentido de fornecer-lhe informações sobre o
desenvolvimento de sua aprendizagem naquele momento específico, sobre as
suas maiores dificuldades e potencialidades, e não pode ser concebida e/ou
utilizada como um instrumento de punição, poder ou coerção por parte do
professor.
Partindo-se da concepção de que a aprendizagem se constrói ao
longo do tempo, a avaliação não pode se limitar a resultados ocasionais, mas
deve acompanhar todo o processo de aprendizagem, por meio da observação
dos passos percorridos pelo aluno, suas dúvidas e seus progressos, além dos
20. 211
resultados obtidos. Os erros do aluno são considerados parte do processo de
aprendizagem e passíveis de transformação (SÃO PAULO - Estado, 1997a).
7.4. A retomada do fluxo regular pelos alunos
Observou-se que, no caso das professoras da Escola II, uma das
maiores preocupações em relação ao projeto de Aceleração foi a questão da
continuidade dos alunos nas séries regulares subseqüentes.
A esse respeito, a Proposta Pedagógica Curricular das Classes de
Aceleração (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 11) alerta quanto à
(...) necessidade de que se garantam possibilidades de
seqüência, o que pressupõe o planejamento de aprendizagens
facilitadoras do trabalho subseqüente e mais específico, por
disciplinas (...) envolvimento de toda a equipe escolar, para a
elaboração de uma proposta integradora ao projeto da escola
e direcionada à busca das aprendizagens fundamentais,
partindo de fato do ponto em que os alunos estão, para daí
prosseguir, dando impulso e continuidade ao processo de
ensino - aprendizagem.
A esse respeito, a supervisora Júlia colocou que a avaliação dos
resultados do projeto de Aceleração na região não havia sido suficiente para se
ter uma dimensão real de sua repercussão e que seria essencial que os alunos
egressos das Classes de Aceleração fossem acompanhados no decorrer de sua
trajetória.
Esse acompanhamento, contudo, não estava sendo realizado, devido
à presença de dificultadores como a dispersão dos alunos pelas várias escolas
da região, a evasão de outros que partiam para o mercado de trabalho ou
devido à transferência para cursos supletivos. Entretanto, o maior obstáculo
para que o acompanhamento, a médio e longo prazo, dos resultados do projetos
educacionais como as Classes de Aceleração seria a ausência do que a
supervisora denomina de uma “cultura de avaliação de resultados”:
21. 212
“...eu acho que não adianta você avaliar o resultado do projeto
onde ele parou. Tem que haver uma cultura de avaliação de
resultados... quer dizer, o resultado foi esse, ele foi para a 5 a
série, ótimo e agora? Como é que ele está se saindo lá? Essa
cultura de estar continuando a avaliação é o que tem que
acontecer...”
Nessa perspectiva, o “Estudo Avaliativo das Classes de Aceleração
na Rede Estadual Paulista” (PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA, 1999), descrito
em linhas gerais no terceiro capítulo, indicou que os testes de desempenho
utilizados apontaram a ausência de diferenças entre alunos egressos e não
egressos de Classes de Aceleração, diferenças que podem confirmar a denúncia
dos professores das séries subseqüentes de que muitos alunos egressos
chegariam às classes regulares em condições de semi - alfabetização,
apresentando grandes dificuldades de leitura e entendimento de texto.
Por outro lado, a análise das entrevistas com os professores das
séries subseqüentes mostrou que, da totalidade de entrevistados,
aproximadamente a metade afirmou não conhecer o projeto. Para as
pesquisadoras, o desconhecimento do projeto dificultaria a compreensão sobre
o aluno egresso e a continuidade do trabalho com esse aluno, constituindo-se,
ao lado do excessivo número de alunos por classe, em um dos maiores
obstáculos a um bom desenvolvimento do trabalho pedagógico.
Uma evidência importante trazida pelo estudo, diz respeito à
ausência de informações sobre os alunos egressos de Classes de Aceleração, já
que muitos professores somente conseguiram identificá-los devido ao fato
desses alunos serem mais velhos do que os regulares; por estarem
desenturmados; porque as mães haviam comentado com o professor que os
filhos vinham de Classes de Aceleração; porque demonstravam maior interesse
22. 213
pelas atividades ou, ao contrário, por apresentarem deficiências ou dificuldades
de aprendizagem.
O estudo ainda revelou que muitos professores apresentaram
atitudes discriminatórias em relação aos alunos egressos de Classes de
Aceleração, como fica claro nesse trecho do relatório de PLACCO, ANDRÉ &
ALMEIDA (1999: 72):
É interessante notar que, numa das escolas, um professor que
afirma não conhecer quem são os egressos, opina sobre os
mesmos: "não participam das atividades, não têm notas nas
papeletas, têm comportamento ruim", indicando claramente
seu preconceito.
Uma situação semelhante à descrita anteriormente, envolvendo a
atitudes de discriminação e preconceito em relação a alunos egressos de
Classes de Aceleração, ocorreu em uma escola da região de São Carlos e foi
testemunhada pela capacitadora Luciana:
“Nós enfrentamos um aspecto negativo que é a discriminação
desses alunos por parte dos professores... E nós tivemos a
constatação em uma escola, que não foi nem de professor, foi
de um coordenador ao se referir a uma 5 a série que estava
dando muito trabalho em indisciplina. Ele disse: “também lá
está cheio de aluno de Classe de Aceleração”, e ainda deu o
número: “tem uns 20 alunos, é por isso que está dando
problema.”
Com relação ao domínio dos conteúdos curriculares, o estudo de
PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA (1999: 72) constatou que, em determinados
casos específicos, como na resolução de problemas de Geometria, os alunos
egressos se saíram bem:
Um professor de Matemática comenta o trabalho com egressos
em Geometria: nesta área, saem-se muito bem, sendo que
numa atividade que envolvia criatividade na resolução de um
problema, um aluno egresso foi o que apresentou a solução
mais criativa (e correta), tendo sido seu trabalho escolhido
para a exposição que a escola realizaria para a comunidade.
23. 214
Um comentário similar foi feito pela capacitadora Luciana sobre o
desempenho de um grupo de alunos egressos de Classes de Aceleração, que
receberam elogios do professor de Matemática da 5 a série, por terem sido os
mais capazes na resolução de problemas, especialmente naqueles que
envolviam a análise de gráficos.
Segundo Luciana, o agrupamento dos alunos egressos de Classes de
Aceleração nas escolas da região também pode ser considerado um ponto
crítico na retomada do fluxo escolar por parte desses alunos. Em uma das
escolas, todos os alunos egressos haviam sido agrupados numa mesma sala, o
que fez necessária a intervenção da especialista para modificar a situação e,
partindo da idéia que esse tipo de agrupamento causaria discriminação dos
alunos, recomendou que eles fossem alocados em várias classes.
No estudo de PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA (1999) também foi
possível encontrar uma situação quase idêntica, a qual dividiu as opiniões dos
envolvidos pois, enquanto alguns consideraram que a reunião dos egressos
numa mesma sala poderia facilitar o trabalho do professor e resolver o
problema da diferença de idade, outros argumentaram que os egressos deviam
ficar espalhados pelas classes, por não se diferenciarem muito dos não
egressos, em termos de aprendizagem.
Um dos achados mais interessantes da pesquisa citada é o que se
relaciona ao fato dos professores das séries regulares possuírem dificuldades
em atuar de forma diferenciada com os egressos; a causa dessas dificuldades,
na opinião dos professores, seria a falta de informações sobre os alunos e sobre
o projeto de Aceleração em si.
No entanto, quanto ao acesso às informações dos professores sobre
os alunos de Classes de Aceleração, a capacitadora Luciana informou que todo
aluno egresso traz consigo uma espécie de dossier, denominado “Registro para
Avaliação e Parâmetros para o Encaminhamento de Alunos de Classes de
24. 215
Aceleração”, o qual contém um histórico detalhado que o professor da Classe
de Aceleração faz sobre o processo de aprendizagem do aluno, suas
dificuldades e potencialidades acadêmicas, devendo permanecer com o
coordenador pedagógico e disponibilizado aos professores das séries
subseqüentes.
A respeito das informações contidas nesse dossier, a capacitadora
Luciana relata o desfecho do caso da escola onde houve a discriminação dos
alunos egressos pelo próprio coordenador pedagógico:
“... quando o coordenador falou que a classe era indisciplinada,
porque tinha uns vinte alunos de Classes de Aceleração, eu fui
rapidinho na secretaria e falei para moça “por favor, me
empresta a pasta da classe tal”, e procurei uma por uma, folha
por folha... Aí eu subi e falei para os professores e
coordenador: “gente, quem é fulano de tal?”, eles responderam
“ele é um aluno muito bom”. “Tem problema de disciplina?”,
“Conversa, mas faz, é um aluno bom”, “e vocês leram esse
documento aqui, que é dele, dizendo como ele veio da
Aceleração?”, “não, nós desconhecemos”... Isso era setembro,
então eu falei: “estão aqui todas as pastas dessa turma que
vocês estão falando e só tem esse aluno de Classe de
Aceleração, os outros não são oriundos de Aceleração.”
O relato de Luciana revela como o preconceito, aliado ao
desinteresse sobre os reais limites e possibilidades pedagógicas do aluno, é
capaz de contribuir para a perpetuação da discriminação e exclusão de alunos
com histórico de fracasso escolar, como é o caso dos alunos egressos de
Classes de Aceleração. Também revela a existência de uma dinâmica
altamente burocratizada nas relações dos professores e funcionários da escola
com os dados dos alunos que compõem as classes, no sentido de que esses
dados não parecem ser valorizados pelos professores e funcionários.
25. 216
Já para a supervisora Júlia, o processo de discriminação dos alunos
egressos e a descontinuidade do trabalho pedagógico nas séries subseqüentes,
geram uma situação que coloca em risco todos os esforços realizados para a
superação do fracasso dos alunos:
“Todo aquele trabalho, que não foi pouco, acaba caindo por
terra, porque ele é discriminado, não tem aquele professor que
valoriza o que ele faz, não tem a continuidade... Então essa
idéia de fracasso ela retornaria depois...”
A solução apontada pela supervisora Júlia para os problemas
detectados na retomada do fluxo regular seria uma maior a compreensão sobre
a trajetória e o perfil dos alunos egressos das Classes de Aceleração, por parte
dos professores das séries subseqüentes, acreditando que tal conscientização
seria um fator essencial no combate ao fracasso escolar:
“Se não houver uma conscientização do pessoal envolvido no
processo ensino - aprendizagem, professores, coordenadores,
que entendam o caminhar dessas crianças que tem defasagens,
que tem problemas ou mesmo desses alunos que passaram pela
Aceleração... Eu acho que resolver esse problema, capacitar,
conscientizar esses envolvidos no processo ensino -
aprendizagem posterior a isso já é um combate ao fracasso
escolar.”
Júlia revelou à pesquisadora que havia a intenção, por parte do
governo estadual, de se estender o projeto de Aceleração para as 5 as e 6as séries
do Ensino Fundamental, iniciativa que era muito bem vista por ela.
A preocupação sobre o não acompanhamento, a longo prazo, dos
resultados de projetos educacionais não se restringe apenas às Classes de
Aceleração, mas pode ser considerada uma reclamação constante sobre o
desenvolvimento de políticas educacionais públicas.
26. 217
Nessa perspectiva, pediu-se para as especialistas da D. R. E. que, da
mesma forma que as professoras Elaine e Fernanda e a coordenadora
pedagógica da Escola II, identificassem os elementos essenciais para que uma
política de combate ao fracasso escolar apresentasse bons resultados.
A supervisora Júlia colocou que, para se garantir o sucesso de
políticas de superação do fracasso escolar seria necessário que as mesmas
partissem dos órgãos oficiais, como por exemplo, da Secretaria de Educação,
pois ela não acredita que seja possível esperar que o professor modifique a sua
prática pedagógica, por meio de capacitações e programas de educação
continuada, os quais, em sua avaliação, não têm trazido maiores contribuições
para a melhoria da qualidade do ensino.
Em outras palavras, o que a supervisora está dizendo é que algumas
mudanças na prática pedagógica dos professores, com o objetivo de superação
do fracasso escolar devem ser exigidas pelas políticas, mesmo que não se tenha
a garantia de que essas exigências serão efetivamente cumpridas no cotidiano
da escola.
Ao mesmo tempo, pode-se perceber uma contradição na fala da
supervisora Júlia pois, ao mesmo tempo em que afirma, em vários momentos,
que a formação continuada facilitou a implementação do projeto e qualificou a
prática das professoras das Classes de Aceleração, afirma que essas mesmas
capacitações não têm contribuído para a melhoria da qualidade do ensino.
Segundo Júlia, o projeto de Aceleração foi a melhor iniciativa
presenciada por ela em seus 30 anos de carreira no sistema educacional e, em
sua opinião, o sucesso desse projeto se relaciona aos seguintes fatores: a) a
implementação gradativa e sustentada (por meio da formação continuada e do
acompanhamento técnico); b) o oferecimento de condições para o
desenvolvimento do trabalho dos professores; c) os pressupostos teóricos que
consideraram as reais condições de aprendizagem de alunos com histórico de
27. 218
fracasso escolar; d) a utilização de uma metodologia desafiadora que mostra ao
aluno que ele é capaz de aprender.
Questionada sobre os critérios a serem observados para que outros
projetos ou políticas que objetivassem o combate ao fracasso escolar fossem
bem - sucedidos, a supervisora Júlia colocou que seriam os mesmos fatores
citados por ela sobre o sucesso do projeto de Aceleração, especialmente o que
diz respeito ao cuidado na implementação das políticas, ou seja,
implementação gradativa e sustentada.
7.5. Análise da tradução do projeto Classes de Aceleração na
visão das especialistas educacionais
Pode-se perceber que um dos principais fatores relacionados ao
processo de tradução do projeto de Aceleração, na visão das especialistas
educacionais, diz respeito ao processo de capacitação dos envolvidos na
implementação e desenvolvimento das Classes de Aceleração.
O processo de capacitação desenvolvido pela equipe da D.R.E. da
região de São Carlos, sob o comando de Júlia e Luciana, pareceu estar
realmente comprometido com os pressupostos fundamentais da Proposta
Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração e pode ser considerado como
um dos fatores fundamentais para uma tradução adequada do projeto para a
prática docente.
O fato das especialistas educacionais terem vivenciado situações de
formação bastante semelhantes àquelas que as professoras das Classes de
Aceleração iriam vivenciar em seu cotidiano parece ter sido fundamental para
que as especialistas, enquanto capacitadoras, pudessem compreender melhor
determinados aspectos da prática pedagógica das professoras, o que certamente
contribuiu para a elaboração de um programa de formação continuada menos
28. 219
distanciado da realidade de atuação e, conseqüentemente, mais significativo
para todos os envolvidos.
A articulação constante entre teoria e prática, o aprendizado a partir
da simulação de situações do cotidiano pedagógico e o uso de dinâmicas que,
de acordo com os depoimentos dos envolvidos, possibilitaram a vivência e o
debate sobre temas como discriminação, exclusão e diversidade, são elementos
positivos que se pode apontar no processo de capacitação.
As professoras participantes deste estudo, com exceção das
professoras Ana e Bianca, da Escola I, fizeram comentários elogiosos acerca
da qualidade dos encontros de capacitação e de como, mediante esse processo,
encontraram sustentação para a realização de seus trabalhos a partir das
atividades e dos estudos desenvolvidos nesses encontros.
A partir dos elementos disponíveis para a análise, pode-se dizer que
as capacitações propiciaram, a uma parcela dos participantes, oportunidades
para o desenvolvimento de atitudes que poderiam favorecer não só o processo
de reflexão, nos moldes propostos por SCHÖN (1995).