1. 58
5. CONCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS SOBRE
OS TEMAS PESQUISADOS
5.1. O que pensam os profissionais de saúde?
Os profissionais de saúde do Ambulatório Regional de Especialidades,
selecionados como sujeitos deste estudo, além de apontarem as principais
características de seu trabalho em relação à clientela escolar, expressaram
concepções e atribuíram causas aos conceitos de “distúrbios de aprendizagem” e
“fracasso escolar”; avaliaram os resultados de sua atuação em relação aos alunos
encaminhados aos serviços específicos e posicionaram-se sobre as possibilidades
e modalidades de integrar as áreas de saúde e educação.
5.1.1. Caracterização do atendimento prestado pelos profissionais
de saúde
A fim de obter uma caracterização dos setores especializados do ARE
responsáveis pelo atendimento à clientela escolar, sob a perspectiva de cada
profissional (psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e neurologista),
solicitou-se aos sujeitos que discorressem livremente sobre seu cotidiano na
instituição.
A psicóloga entrevistada atende a alunos adolescentes e o objetivo de
seu trabalho em relação a essa clientela é, principalmente, auxiliar na construção
de um auto-conceito positivo, partindo do princípio de que são capazes de
aprender. Sua opinião é que a maioria das dificuldades de aprendizagem que os
alunos apresentam poderiam ser resolvidas na própria escola, não sendo
necessária a intervenção de um profissional de saúde.
A terapeuta ocupacional atende a casos de alunos que apresentam
“distúrbios de aprendizagem”, além de adultos. O objetivo de seu trabalho com a
clientela escolar, é a sua “preparação emocional” para a aprendizagem, através da
2. 59
utilização de atividades, jogos e brincadeiras de modo a mostrar à criança que ela
é capaz de aprender.
A fonoaudióloga afirma ter atuado, durante muito tempo, de acordo
com o “modelo clínico”, o qual define como a realização de anamneses e
avaliações das crianças encaminhadas e, posteriormente, a manutenção de um
esquema de atendimento semanal por um ou dois anos. No entanto, após um
certo tempo, constatou que esse modelo de atendimento não “funcionava”,
passando a privilegiar o trabalho em grupos e priorizar o atendimento de crianças
menores de cinco (05) anos.
A neurologista, enquanto atuava no ARE∗, colocou que sua rotina de
trabalho consistia no atendimento às crianças enviadas pelos postos de saúde do
município – quando havia a suspeita da presença de problemas neurológicos – e
no recebimento dos encaminhamentos feitos por professores e outros
profissionais.
Os profissionais de saúde entrevistados afirmaram, espontaneamente,
não existir qualquer iniciativa da instituição em organizar os serviços de
atendimento a escolares dentro de uma perspectiva de trabalho mais integrada e
com objetivos comuns, o que pode indicar a falta de uma política interna de ação
no atendimento a essa população.
A rotina comum a todos os profissionais que atendem à clientela de
escolares parece ser o recebimento da demanda de usuários que chegam aos
setores, a avaliação de casos novos, o acompanhamento aos casos já em
atendimento e a orientação a pais e responsáveis. A maior demanda pelos
serviços que atendem à população infantil é formada por alunos advindos das
escolas públicas da cidade e enviada a pedido de professores e outros
profissionais, principalmente médicos.
Em relação à questão da procura dos serviços pela população, um fato
interessante, mencionado pela fonoaudióloga, é a necessidade que alguns setores
A neurologista, na época da coleta de dados, não mais fazia parte da equipe de profissionais da
instituição em questão.
3. 60
sentem em criarem uma “lista de espera” como alternativa para a dificuldade de
absorção da grande quantidade de pessoas que procuram a instituição.
Outro fato interessante é que no setor de Psicologia a maior parte dos
encaminhamentos é realizada por médicos e, de acordo com a psicóloga, isso
ocorre porque os pais procuram em primeiro lugar a consulta médica,
principalmente no setor de Neurologia; observou que, muitas vezes, os pais
procuram o neurologista orientados pelos próprios professores, levantando as
hipóteses de que esses ainda não conhecem o trabalho do psicólogo e que agem
devido à concepção corrente no meio educacional de que os problemas de
aprendizagem têm origem neurológica e são de responsabilidade do aluno.
As queixas freqüentemente giram em torno dos chamados
“problemas”, “distúrbios” e “dificuldades de aprendizagem”, além dos
“problemas de comportamento”, termos esses que, de acordo com a terapeuta
ocupacional, são insuficientemente definidos pelos professores que praticam os
encaminhamentos.
A conduta ou procedimento de trabalho, no tocante ao atendimento da
clientela de escolares considerados portadores de dificuldades de aprendizagem,
é baseado na realização de anamneses com os pais, avaliações específicas de
acordo com a área de conhecimento do profissional e o acompanhamento dos
casos que permanecem em tratamento. Todos os profissionais enfatizaram a
importância de se criar e se manter um vínculo com os pais dos escolares.
É interessante notar que as atitudes e sentimentos expressos pelas
mães dos alunos interferem no tipo de conduta adotada por alguns profissionais.
É o caso da neuropediatra, que afirma ter elaborado sua rotina de trabalho
levando em consideração a necessidade de se reduzir a ansiedade das mães em
descobrir as causas dos problemas apresentados pelos filhos na escola e da
atitude generalizada em atribuir a culpa do baixo rendimento acadêmico aos
mesmos.
Na tentativa de diminuir a carga de responsabilidade lançada sobre a
criança, a neurologista, em sua rotina de trabalho de forma, procura enfatizar o
4. 61
aspecto orgânico e estrutural da problemática do escolar, através da solicitação de
exames de eletroencefalograma e radiografia simples de crânio. Porém, conforme
sua estimativa: “...90% dos exames [são] absolutamente normais e
desnecessários.”
Os profissionais colocam que a modalidade preferida de atendimento é
a grupal; o fato do profissional atender individualmente ou em grupo parece ter
se tornado um critério, tanto para a população como para os seus pares, para
determinar se o profissional é adepto ou não do chamado “modelo clínico” de
atendimento.
Todavia, como foi dito, o modelo clínico não é caracterizado somente
pela utilização de procedimentos de diagnóstico e terapia individualizados, mas
também pela realização de diagnósticos de tipo estrutural, isto é, o agrupamento
de uma série de fenômenos segundo sua semelhança formal e atribuição de
rótulos somando-se a esses uma etiologia ou causa orgânica (RIBES IÑESTA,
1980).
Pode-se dizer que a conduta dos profissionais em relação ao
atendimento de escolares é orientada de acordo com o que pensam a respeito das
causas dos problemas apresentados pelos mesmos. Como exemplo, tem-se a
prática da psicóloga que, partindo da concepção de que os problemas de
aprendizagem dos escolares são devidos a um ensino deficiente, procura retornar
a resolução desses problemas para a própria escola.
5.1.2. Concepções sobre “distúrbios de aprendizagem”
Os profissionais de saúde manifestaram as concepções que possuem
sobre o conceito de “distúrbios de aprendizagem” e o que consideram como
conseqüências desses distúrbios para os escolares.
O quadro abaixo apresenta de forma sintética a principal causa
apontada pelos profissionais de saúde para a ocorrência de um “distúrbio de
aprendizagem”:
QUADRO 2
5. 62
Atribuição de causalidade do “distúrbio de aprendizagem”
segundo os profissionais de saúde
Psicóloga Terapeuta Fonoaudióloga Neurologista
Ocupacional
aluno sistema educacional multideterminado não atribuiu causa
Como se pode observar, os profissionais posicionaram-se
diferentemente quanto às possíveis causas dos “distúrbios de aprendizagem”
observados nos alunos.
Para a psicóloga, “distúrbio de aprendizagem” é um transtorno
profundo causado por falhas no funcionamento perceptivo de um indivíduo; pode
se manifestar como “dislalia” (distúrbio de linguagem) ou “dislexia” (distúrbio de
leitura):
“... um distúrbio de aprendizagem é algo além das dificuldades de
aprendizagem. Quando você tem um distúrbio, você tem mais do que
dificuldades, você tem algumas dificuldades acentuadas, tem dislalia, tem a
dislexia, tem todos aqueles conceitos teóricos. Porque, na teoria o que a gente
aprende é que distúrbio de aprendizagem está geralmente associado a algum
distúrbio de percepção, alguma dificuldade na interpretação do estímulo, então
distúrbio de aprendizagem não é dificuldade de aprendizagem.”
Tece críticas a respeito da idéia de que a desnutrição seria uma das
causas dos distúrbios de aprendizagem, e chega a considerar absurda a relação
comumente feita entre desnutrição e distúrbio de aprendizagem; justifica seu
desacordo com o argumento de que o nível de desnutrição capaz de acarretar
alguma alteração no potencial de aprendizagem de uma criança precisaria ser
muito profundo, ao ponto de causar a morte no primeiro ano de vida:
“Essa questão da desnutrição eu acho um absurdo. Quem é
desnutrido realmente, que não consegue aprender, não sobrevive. Não sobrevive
nem no primeiro ano de vida. Então eles, realmente, eles têm necessidade de se
alimentar, mas não que isso seja a causa, cause distúrbios de aprendizagem.”
6. 63
A afirmação da psicóloga é sustentada pelo comentário de MOYSÉS
(1986) a respeito dos estudos que tentam provar a relação entre desnutrição e
desempenho escolar:
“... todos esses estudos foram feitos em crianças que
sofreram desnutrição grave no início da vida. O que
observamos é que essa criança raramente chega à escola.
Nesta, encontraremos um grande contingente de crianças
com desnutrição leve, uma situação na qual nunca se
comprovou uma interferência com o aprendizado”. (p.46)
A fala seguinte da psicóloga trata sobre o efeito das dificuldades de
aprendizagem sobre os sentimentos de auto-estima dos escolares:
“ ... a auto-estima é baixíssima, eles se acham burros, até colocam
isso, eles se acham não, eles falam ‘olha eu sou burro, eu não sei’. Isso reflete
em tudo, nessa auto-estima muito baixa, ‘eu sou feio, eu não consigo nada, eu
não vou me dar bem em nada’. E conforme você vai fazendo a avaliação você
percebe que ele vai super bem num esporte, que ele se dar super bem na parte
acadêmica em alguma área. Ele é burro porque ele não sabe matemática, só que
ele vai bem em português, em história, conhece bastante coisa, então, a auto-
estima geralmente é bastante baixa e isso reflete em tudo e ele acaba perdendo a
auto-confiança, aí eles acabam internalizando isso e realmente eles não
conseguem.”
A definição de “distúrbio de aprendizagem” apresentada pela
terapeuta ocupacional não descarta a possibilidade de que existam alguns casos
onde os fatores causadores do problema sejam de ordem física. Porém, sua
crença maior é que os “distúrbios de aprendizagem” sejam causados pelas
características do sistema de ensino oferecido aos escolares
“Distúrbio de aprendizagem é um processo. Existem duas coisas:
existe sim uma dificuldade neurológica? Existe. Agora, existe também, que eu
acho que a maioria dos casos que eu, pelo menos, tenho recebido, tenha lidado é
uma dificuldade de aprendizagem criada pelo sistema da escola, criada pelo
7. 64
ensino, o problema não é da criança, é da escola. É da criança a partir do
momento em que ela está numa escola que não consegue lidar com ela, mas
indiretamente, assim , é da escola.”
Explica que considera a metodologia de ensino adotada pelo sistema
educacional muito “tradicional” e “rígida” em relação ao padrão de
desenvolvimento infantil nos dias de hoje. Afirma que os alunos encaminhados
ao setor sentem-se diferentes dos outros por terem que freqüentar um serviço de
saúde:
“Quer queira quer não, num primeiro momento, eles já são
estigmatizados, porque eles têm que vir e a maioria deles pergunta para mim
‘por que eu tenho que vir aqui, que ninguém vem’, eles falam ‘por que eu? por
que eu tenho que ser diferente?’. Então, eu acho que isso é uma coisa que marca
no desenvolvimento dele.”
A fonoaudióloga associa o “distúrbio de aprendizagem” a qualquer
impossibilidade do indivíduo em aprender. Imputa primeiramente ao indivíduo a
responsabilidade pela determinação do “distúrbio de aprendizagem”. Segundo
essa profissional, a existência de múltiplos fatores determinantes desse distúrbios
dificultaria a definição precisa do termo:
“Distúrbio de aprendizagem eu considero qualquer impossibilidade
de você estar aprendendo alguma coisa. A gente teria primeiro que separar
todas as deficiências que acarretam. Eu vejo que seriam coisas mais sutis, mais
leves que estariam interferindo no processo de aprendizagem de uma criança:
essa criança não aprende porque a sua maturação neurológica está aquém,
muito lenta? É um problema de discriminação, de percepção, é um problema de
ordem emocional. Eu acho que existem tantas coisas interferindo que eu não sei
como que a gente poderia colocar, dentro de um único bolo, o que é distúrbio de
aprendizagem. Seria uma problemática mais de ordem social, se seria uma
problemática de ordem emocional, um problema de ensino?”
Mesmo enumerando uma variedade de fatores que considera como
determinantes no surgimento de um distúrbio de aprendizagem, todos parecem se
8. 65
relacionar diretamente à criança (maturação neurológica, problemas perceptivos e
emocionais).
De acordo com essa profissional, a insegurança advinda da presença
de dificuldades de aprendizagem pode ser intensa o suficiente para influenciar a
vida do aluno como um todo:
“Eu percebo uma insegurança muito grande de atuar na vida. Um
medo de se expor. São muito criticados, são muito corrigidos, então, ficam
pessoas, de um modo geral, bem inseguras, com a auto-estima muito
rebaixada.”
A neurologista define “distúrbio de aprendizagem” como uma
dificuldade que o indivíduo, isento de quaisquer outros tipos de déficits,
apresenta para aprender o conteúdo escolar:
“... seria uma criança que não tem nenhum déficit motor, sensitivo,
boa audição, boa visão e não tem desempenho acadêmico, quer dizer, o
aprendizado acadêmico, ela aprende tudo, aprende música, aprende jogos,
soltar pipa, jogar bola, mas chegou na escola, não vai. É a incapacidade de
aquisição de leitura e escrita, incapacidade ou uma diminuição da capacidade.”
Como se pode ver, essa profissional conceitua “distúrbio de
aprendizagem” como uma incapacidade ou diminuição da capacidade que um
indivíduo saudável apresenta na aprendizagem acadêmica mesmo que em outras
áreas (lúdica, recreativa, social, etc) não demonstre problemas para aprender.
Quando inquirida sobre a existência de distúrbios neurológicos,
propriamente ditos, que poderiam trazer conseqüências reais à capacidade de
aprender, cita a chamada “Síndrome de Déficit de Atenção”, comumente
chamada de “hiperatividade”. No entanto, coloca que ainda existe um grande
desconhecimento científico sobre essa síndrome que, segundo o seu ponto de
vista, acomete uma parcela razoável da população escolar: “... ela é tão famosa,
mas sabe-se muito pouco a respeito dela, em termos científicos mesmo. A
incidência é em torno de uns 20% da população escolar.”
9. 66
Analisando-se as concepções, nem sempre operacionalizadas,
expressas pelos profissionais, pode-se dizer que, em relação à conceituação de
“distúrbio de aprendizagem”, a tendência é o levantamento do maior número de
fatores localizados no indivíduo, direta ou indiretamente: o “distúrbio de
aprendizagem” seria devido à presença de problemas orgânicos, perceptivos ou
emocionais, que impediriam ou dificultariam a aprendizagem no contexto escolar
e em outros âmbitos de atuação.
Quanto às representações dos profissionais sobre as conseqüências dos
“distúrbios de aprendizagem” para a clientela de escolares atendida nos setores
amostrados, compartilham a percepção de que os alunos são alvos de
discriminação. Todos os profissionais afirmam que os alunos considerados
portadores de distúrbios de aprendizagem apresentam auto-estima e auto-conceito
rebaixado, sentimentos intensos o suficiente para interferir no curso de suas vidas
e no desempenho de outras atividades além das acadêmicas.
5.1.3. Concepções sobre “fracasso escolar”
A maioria dos profissionais de saúde entrevistados apresentou
concepções de “fracasso escolar” em que, apesar de não descartarem a existência
de dificuldades localizadas nos alunos, indicam as características da escola, do
ensino ou do tipo de modelo educacional adotado, como o principal fator
determinante desse fenômeno.
O quadro abaixo sintetiza a posição dos profissionais de saúde em
relação aos determinantes do fracasso escolar:
QUADRO 3
Concepções sobre determinantes do fracasso escolar
segundo os profissionais de saúde
Psicóloga Terapeuta Fonoaudióloga Neurologista
Ocupacional
-criança -criança -criança -criança
10. 67
-escola : -escola: metodologia -escola: currículo -escola e família:
metodologia e e formação docente -família falta de
formação docente -social entrosamento
O discurso da psicóloga ilustra o tipo de concepção comumente
apresentada pelos profissionais sobre o fracasso escolar, ou seja, inicialmente
coloca que o fenômeno é causado por uma “mistura de coisas”, posteriomente
apontando as dificuldades de algumas crianças em si, até chegar à escola, em sua
“falta de preocupação com o aluno”, como a principal causadora do fracasso
escolar:
“O fracasso escolar é uma mistura de coisa. Têm algumas crianças
que têm dificuldades, mas a maior parte do fracasso escolar eu acho que é,
assim, a escola não se preocupa com o aluno.”
Não desconsidera a presença de dificuldades próprias dos indivíduos
como determinantes do insucesso escolar, mas defende a posição de que a escola
é o maior responsável pelo fracasso escolar. Segundo o seu ponto de vista, as
causas do fracasso escolar, centradas no sistema educacional, podem ser
subdivididas em:
a) inflexibilidade e inadequação da metodologia de ensino em relação
à clientela escolar:
“... as professoras têm os métodos delas e elas, as crianças têm que
se adequar àqueles métodos, não elas procurarem se adequar à realidade da
criança, à vivência da criança, aos potenciais que ela tem. A criança tem que se
moldar ao método de trabalho delas com isso elas acabam se saindo mal.”
b) formação docente:
“... você vê que está uma formação muito debilitada, das próprias
professoras. Se você sugere para elas fazerem uma leitura, de um texto pequeno,
elas não fazem, elas não procuram melhorar, elas não procuram se atualizar.”
A terapeuta ocupacional apresenta uma concepção de fracasso escolar
onde localiza os determinantes do insucesso, em primeiro plano, no aluno, que
11. 68
não saberia como “lidar” com as características inerentes ao sistema de ensino a
que está submetido: “O que é fracasso escolar? É essa dificuldade da criança
em lidar com esse sistema de ensino.”
É bastante objetiva quanto a sua opinião sobre os determinantes do
fracasso escolar: “A causa está na escola.”
Discrimina um pouco melhor, citando a inadequação da metodologia
de ensino, assim como a formação e as condições do trabalho docente:
“Essa pedagogia tradicional, eles não estão conseguindo perceber
que o desenvolvimento da criança mudou, porque a tecnologia entrou, entrou
um monte de coisa. Na maioria dos casos é um desestímulo à criança. A
formação do professor, precária, péssima, a quantidade de aluno dentro da sala,
a professora não consegue lidar com 50 alunos, porque a gente, infelizmente,
lida com essa característica da escola, da educação.”
A fonoaudióloga relaciona o fracasso escolar ao tipo de modelo
educacional adotado pelo sistema de ensino, mas não isenta o indivíduo de um
parte de responsabilidade no processo. Considera a necessidade de se definir o
tipo de modelo educacional adotado pelo sistema de ensino, para se poder
entender o que é considerado como “fracasso escolar”.
“... uns dos problemas de você considerar que a criança está
fracassando seria porque você tem um modelo a ser seguido, proposto.
Apresenta uma forma de um currículo mínimo que tem que ser, as outras falhas
seriam o próprio distúrbio do aprendiz, do educando, porque aí seriam causas
dele.”
A entrevistada, entretanto, acredita serem necessárias maiores
distinções no momento de apontar as possíveis causas de fracasso escolar, o que
resulta num aumento do leque de fatores que considera como determinantes desse
fenômeno:
“... a gente tem que fazer aquela leitura. Eu, por exemplo, fico atenta
prá vê o que é só da criança, entre aspas, só da criança, o que é desse contexto
12. 69
familiar, dela, família, família, o que é de influência da escola, do social, nesse
desempenho?”
A concepção de fracasso escolar da neurologista enfatiza a questão da
motivação para aprender: “Eu acho que falta muita motivação pro aprendizado,
porque a gente só consegue aprender, aquela pessoa que está motivada, então
precisa ser uma coisa que cativa.”
A concepção da neurologista parece associar o conceito de “fracasso
escolar” tanto a fatores extra-escolares como intra-escolares; em relação aos
primeiros, aponta a importância da motivação individual para a aprendizagem e,
em relação aos fatores intra-escolares, a necessidade do ensino em cativar o
aluno para que esse possa aprender.
Parte da concepção de que é necessária a existência de motivação para
que ocorra a aprendizagem e atribui à escola e à família a responsabilidade sobre
a falta de motivação manifesta pelos alunos. Quanto ao papel da família, a
profissional faz uma crítica à falta de interesse dos pais em relação ao dia a dia
da criança na escola:
“... como que os pais vêem, como que é o interesse, a motivação,
como que é, a criança chega ‘como que foi na aula? que você aprendeu hoje?’.
Ninguém pergunta nada sabe? Quer dizer, vai como vai, foi como foi, não sabe
o que está se passando com ele.”
Além de sua preocupação com a falta de entrosamento entre a escola e
a família dos alunos, acredita que isso acarreta, dentre outras conseqüências, a
construção de uma imagem negativa do professor e a destruição do mesmo como
figura de autoridade:
“... eu acho que falta, mesmo, entrosamento entre família e escola, eu
acho que até, eu vejo pais criticarem na frente da criança a professora, assim,
na minha frente, na frente da criança. Em vez de falar ‘ela é a autoridade, ela é
a professora, ela sabe das coisas, até prove o contrário, ela é que está certa’,
você tem que reforçar a autoridade, eu não vejo isso.”
13. 70
Além de criticar a postura dos pais em relação às decisões dos filhos,
as considerações feitas acima também sugerem que a profissional acredita ser a
família a principal responsável pelo abandono da escola por parte dos escolares.
Em relação às concepções apresentadas pelos profissionais de saúde
sobre o fenômeno do fracasso escolar, percebe-se que a tônica de seus discursos
recai, preferencialmente, na atribuição de causalidade à escola ou ao sistema de
ensino, suas particularidades e deficiências metodológicas e estruturais.
Entretanto, consideram a existência de alguns casos onde a determinação do
insucesso recai no aluno, mas parecem mais inclinados a considerar, como
CARRAHER et alii (1993), o fracasso escolar como o fracasso do sistema
educacional em produzir ensino e aprendizagem a contento.
5.1.4. Avaliação dos serviços
Pediu-se aos profissionais de saúde que avaliassem os resultados de
seu trabalho quando dirigido à clientela de escolares.
A psicóloga avalia que o acompanhamento psicológico tem
possibilitado às crianças e adolescentes maior auto-confiança e assertividade na
busca de soluções para as dificuldades que apresentam na escola:
“... como aqui fica num aspecto um pouco mais clínico, então eu
percebo assim, que eles acabam tendo alguns resultados, de melhorar a auto-
confiança e aí acaba refletindo na escola, eles acabam solicitando mais ajuda,
discutindo com os professores, dizendo ‘olha, estou precisando de mais ajuda
nisso, naquilo’, procurando colegas para ajudar nas questões da escola.”
Chama a atenção para o alto índice de abandono do atendimento
psicológico por parte dos escolares, seja no momento em que a psicóloga
direciona o tratamento para as questões mais emergentes ou quando o aluno
percebe que houve uma melhora em seu desempenho acadêmico, geralmente
através das notas obtidas nas avaliações.
Os resultados do trabalho em terapia ocupacional, de acordo com a
profissional, não aparecem no acompanhamento terapêutico em si, mas no fato da
14. 71
criança estar freqüentando um serviço de saúde especializado, o que acaba
mobilizando uma mudança de atitude da professora em relação ao aluno, pelo
receio de ser criticada pela terapeuta:
“ Tem dado resultado? Tem. Eu percebo que não diretamente pelo
meu trabalho, mas porque a professora vai dar mais atenção porque ele está
vindo aqui. Aí ela muda ele de lugar, porque ela tem que dar atenção porque
senão eu vou cobrar dela.”
De acordo com a fonoaudióloga, os resultados de sua intervenção em
relação à clientela de escolares é bastante positivo pois apresentam melhora em
relação aos problemas de fala e no desempenho escolar, desde que sigam
corretamente as orientações específicas e não faltem às sessões de atendimento.
A avaliação dos resultados de seu trabalho se dá no contato com os pais dos
escolares ou no questionamento à criança sobre os seus progressos na escola.
Para a neurologista, os critérios de avaliação de seu trabalho com a
clientela de escolares são “vagos”. Se, porventura, constata indícios da presença
de um distúrbio de aprendizagem, julga necessário o encaminhamento do aluno a
um psicólogo, assim como acha relevante o envolvimento da família na
superação dos problemas da criança. Em suma, acredita que o tratamento
neurológico isolado não traz benefícios à criança.
Percebe-se que os profissionais de saúde – como todo profissional –
apontam limites e possibilidades em sua atuação, tanto em relação ao trabalho
direcionado ao atendimento de escolares quanto no atendimento a outras
clientelas, desmitificando, portanto, a visão fantasiosa que a maioria da
população possui, de que são dotados de poderes “mágicos” e, portanto, capazes
de resolver rapidamente todos os problemas a eles encaminhados.
Esses profissionais sinalizam que, em muitos momentos, sentem-se
inseguros quanto à conceituação dos fenômenos em que devem estar interferindo,
que necessitam da avaliação e da troca de informações com seus pares e,
principalmente, não se sentem tão onipotentes quanto supõe a população.
15. 72
5.1.5. Concepções sobre “integração entre saúde e educação”
De acordo com os profissionais de saúde, o contato com a área de
educação e, conseqüentemente, com os professores é dificultado pela obrigação
de atenderem a um determinado número de pessoas por dia, ou seja, a
necessidade de alcançar um determinado índice de produtividade∗.
Para ilustrar essa situação, recorre-se à fala da psicóloga:
“É muito difícil isso. Porque aqui a gente não tem respaldo de, tipo
‘olha , essa tarde eu vou passar nas escolas dos adolescentes que eu atendo
para ter contato com professor e tudo mais’. Eu tenho que estar aqui atendendo
por que tem que ter uma produção. E isso seria muito produtivo mas, em termos
burocráticos...”
Sendo assim, o contato dos profissionais de saúde com a escola,
geralmente, ocorre via carta e telefone. Raramente, alguma professora os procura
na instituição de saúde e se isso ocorre, na opinião da terapeuta ocupacional, é
devido ao fato do problema do aluno ter sido considerado muito sério e estar
causando preocupação à escola, não devido a algum tipo de interesse pessoal do
docente em relação ao aluno e seu problema.
Quanto à participação dos profissionais de saúde em programas ou
projetos que permitissem maior integração entre as áreas de saúde e educação, os
mesmos apenas afirmaram conhecer alguns projetos elaborados pelas secretarias
de Saúde e Educação. O mais citado é o PROFIC, onde a psicóloga inclusive
chegou a trabalhar, antes de ingressar no ARE.
A fonoaudióloga, durante os anos em que é funcionária do ARE,
afirma não participado ou tomado conhecimento de programas ou projetos
elaborados pelas Secretarias de Saúde e Educação com o intuito de integrar as
duas áreas. Entretanto, a convite da coordenadora de Ciclo Básico de uma escola
da rede pública estadual de ensino, desenvolveu um projeto de orientação com o
grupo de professores, que teve como objetivo a proposição de modelos de
O índice de produtividade exigido pela Secretaria de Saúde é de, aproximadamente, nove
pessoas/dia para os profissionais não médicos e 16 pessoas/dia para os médicos.
16. 73
interação entre docentes e alunos. Segundo ela, o resultado deste trabalho foi
extremamente gratificante e, principalmente, uma oportunidade para que pudesse
vivenciar as dificuldades que as professoras encontram para ensinar como, por
exemplo, o excessivo nível de ruído que invade as salas de aula.
As opiniões e idéias coletadas sobre a integração saúde - educação
revelam que a maioria dos sujeitos é favorável a que professores e profissionais
de saúde atuem de forma conjunta na busca de soluções para o fracasso escolar.
A psicóloga, por exemplo, considera importante a integração
principalmente na tentativa de minimizar a tendência de super-especialização do
trabalho da área de saúde, onde o ser humano acaba sendo visto tão somente
como um “órgão doente”:
“Super importante, porque fica uma coisa muito dividida. Você tem
uma dor no pé, vai lá no ortopedista. Só que quem tem a dor no pé é uma pessoa
inteira. Aí passa no médico, ‘ah, mas essa dor no pé pode ser psicológica, vai
procurar o psicólogo’. Então fica muito dividido.”
Cita sua experiência enquanto psicóloga no PROFIC:
“... na escola eu estava tendo muitos problemas, principalmente em
questão de saúde mental, esses preconceitos, toda essa dificuldade em lidar com
as necessidades das crianças, de trabalhar com as potencialidades da criança
realmente e ter esse tipo de integração é muito importante, muito importante
mesmo, para a gente saber o que está acontecendo lá também.”
A terapeuta ocupacional acredita que a integração entre as duas áreas é
fundamental para que as ações de saúde se tornem mais resolutivas: “Eu acho
que tem que existir, é fundamental. A maioria das ações de saúde seriam
resolvidas.”
No entanto, acredita que a idéia de integração entre as áreas de saúde
e educação ainda está presa à teoria e ao idealismo de alguns profissionais.
Faz uma crítica ao ARE quanto à impossibilidade de integração:
“... em todos os momentos existe uma barreira, tanto que aqui dentro
a gente não tem a chance de sair para a escola, eles estão acostumados muito
17. 74
em lidar com a doença e não com a saúde. Essa interligação seria ação de
saúde, ação educativa, seria prevenção. A gente lida com a doença, com o
problema, a instituição que eu faço parte prioriza a doença, não a saúde, tanto
que prende a gente aqui para fazer ações de saúde.”
A fonoaudióloga é bastante otimista quanto às possibilidades de
sucesso da integração entre profissionais das áreas de saúde e educação: “Acho
importante e eu acho que tem tudo para dar certo!”
No tocante ao tema da integração, a neurologista manifesta sua
opinião quanto à inserção do médico no contexto da educação, especialmente no
que diz respeito ao tratamento dos chamados “distúrbios de aprendizagem”:
“Eu acho que o médico entrou aí de gaiato, principalmente o
neurologista e que, na década de setenta deram muita importância para a parte
orgânica dos distúrbios de aprendizado que, na realidade, depois eles viram que
não era bem assim. Então, o neurologista entrou de gaiato mesmo, depois ele
não conseguiu sair.”
A opinião expressa pela neurologista sobre a inserção do profissional
médico na âmbito educacional parece fundamentar a tese da “medicalização” do
fracasso escolar, assim como confirma a idéia da entrevistada acerca da pouca
necessidade da realização de exames neurológicos em relação às queixas de
distúrbios de aprendizagem.
A afirmação seguinte justifica a idéia expressa pela profissional: “A
maioria das crianças, eu estou te falando, 90% não teria necessidade de passar
por um neurologista.”
E, na opinião dessa profissional, o que sustentaria o encaminhamento
de uma parcela tão grande de escolares aos consultórios dos neurologistas em
busca de avaliação e diagnóstico de “distúrbio de aprendizagem”? “É uma coisa
cultural. A gente sabe que isso aconteceu na década de setenta, que eles
focalizaram muito essa parte orgânica e que ainda está repercutindo até hoje, à
beira do ano dois mil.”
18. 75
Partindo-se do pressuposto de que a integração entre as áreas de saúde
e educação é fundamental e bastante desejada pelos profissionais entrevistados, o
que poderia ser feito para ampliá-la?
A psicóloga acredita que o envio de equipes multiprofissionais às
escolas seria uma alternativa viável:
“A gente ter mais contato com a escola, a gente ir lá, não esperar que
eles venham aqui. Ter equipe com médico, com psicólogo, com fono, com TO,
com fisio e ir para a escola, conhecer a escola, conhecer as necessidades que
eles têm, conhecer aonde está inserida essa escola, qual a comunidade dessa
escola, como que funciona, o que acontece, as necessidades.”
Para a terapeuta ocupacional, em primeiro lugar, deveria ocorrer a
aproximação entre os profissionais de saúde e educação. Segundo a entrevistada,
essa aproximação poderia ser feita mediante projetos que envolvessem a
participação dos profissionais de ambas as áreas, como por exemplo, encontros e
reuniões entre profissionais de saúde e professores; uma segunda condição, seria
a existência de maior exposição do trabalho desenvolvido em ambos os setores, o
que permitiria a reflexão e conseqüente mudança acerca daquilo que vem sendo
feito: “... você tem que abrir o seu trabalho, você tem que repensar o que você
faz e até mudar. Você tem que estar aberto para mudar.”
No entanto, acredita que os profissionais sintam dificuldades em expôr
os pontos fracos de seu trabalho: “Se a educação quer esconder que ela é um
fracasso e se a saúde quer esconder que ela é um fracasso, então dificulta essa
integração.”
Tece considerações sobre as dificuldades de relacionamento entre os
profissionais e acerca da tendência, de modo geral, de sempre se atribuir a
“culpa” ao outro:
“Eu vejo que as pessoas estão mais interessadas em se fechar dentro
do seu problema mesmo e canalizar, falar que é o outro o culpado. Eu, quando
verbalizei ‘eu percebo que o problema é a escola’, pode ser meu, pode ser a
saúde também.. É mais fácil.”
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A fonoaudióloga, por sua vez, acredita que a integração saúde -
educação poderá ocorrer se existir um desejo por parte dos profissionais
envolvidos em se inserir no contexto de integração e se forem eliminadas as
barreiras existentes no relacionamento entre esses profissionais:
“Parece existir um desencontro entre o pessoal da saúde com o
pessoal da educação. Parece que existe um juízo de valores subjacente, de quem
é melhor, quem é pior. Eu acho que a hora que quebrar essa barreira básica as
coisas fluem muito bem.”
Um dos fatores que mais colaboram para a manutenção desse clima de
competição entre profissionais de saúde e educação, na visão da entrevistada, é o
estereótipo que os professores e a população em geral possui a respeito da
onipotência da classe médica:
“... toda vez que se fala em área de saúde talvez ainda esteja
embutido o problema do conceito da classe médica. Quando você atua, parece
que existe, no inconsciente coletivo, uma visão de que trabalhou na área de
saúde, nessa relação próxima com o médico, que sempre foi tido como uma
pessoa dona da vida, dona de tudo, que eram pessoas extraterrenas, muito
superior.”
Apesar da observação acima, o otimismo da profissional em relação às
possibilidades de existência de um bom relacionamento entre “saúde e
educação”, com menos competição e mais colaboração, transparece na seguinte
colocação:
“Eu acho que a tendência é melhorar isso. As pessoas perceberem
que a relação tem que ser relação de troca, não uma relação ‘eu que sei tudo
disto e estou te ensinando a fazer isto que eu sei’ e o outro que não sabe nada
disso, abaixa a cabeça e faz. Não é por aí.”
Já a neurologista pressupõe que a integração deva ser feita através da
composição de uma equipe pequena, formada por profissionais como psicólogo,
assistente social e pedagogo, a qual atuaria como um núcleo de triagem de alunos
de uma determinada região do município, avaliando e triando os alunos
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encaminhados por um número mínimo de escolas – cinco (05) ou seis (06) –
localizadas em uma mesma região.
É importante destacar que a neurologista não insere o professor nesta
equipe de profissionais que comporiam o núcleo de atendimento que sugere
como modalidade de integração entre saúde e educação. O encaminhamento
desses alunos, na concepção da neurologista, se daria de acordo com alguns
critérios: “a queixa seria da professora, levada à coordenadora, à direção, à
coordenadora pedagógica, uma coisa meio hierárquica, tem que estar vindo
mais organizado.”
De acordo com a entrevistada, a formação dos núcleos de profissionais
em determinadas regiões, possibilitaria a resolução de uma série de problemas
que acabam chegando ao médico, mesmo quando não são de sua competência:
“têm muitas coisas que são resolvidas ali mesmo e o que eu vejo é pular: pula a
parte pedagógica, a parte social, já vai direto pro médico.”
Dessa maneira, a previsão da profissional é que, aproximadamente,
90% dos “problemas” seriam resolvidos no próprio ambiente escolar,
diminuindo-se a sobrecarga que existe atualmente nos serviços de saúde e os
próprios serviços de neurologia: “mesmo que o neurologista precise atuar ou
pelo menos fazer uma avaliação, elas são, digamos que 10% da população;
desses 10% quais seriam as causas neurológicas? Seriam bem menores.”
Pode-se concluir que, em relação à integração entre as áreas de saúde
e educação, os profissionais de saúde manifestaram-se positivamente, porém
ressaltaram a dificuldade que sentem em gerenciar as exigências instituídas pelo
ARE, em termos de produtividade, e a possibilidade de realizarem atividades em
que precisem se ausentar da instituição, como por exemplo, visitas às escolas do
município.
Atualmente, o contato entre os profissionais do ARE e os professores
da rede de ensino é feito geralmente por carta e ocasionalmente por telefone,
contato esse que parece ser sentido pelos profissionais como superficial e
insuficiente para garantir uma efetiva integração entre as duas áreas.
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Alguns profissionais, como a terapeuta ocupacional, possuem uma
postura mais crítica a respeito das possibilidades de integração entre saúde e
educação no sentido de que o ARE, enquanto instituição de saúde, não se
preocupa em implantar ou incrementar ações ou programas que visem a
promoção de saúde, que sejam de caráter preventivo, voltando-se apenas às ações
remediativas ou reabilitadoras de patologias já instaladas.
Já a neurologista, expressa uma crítica quanto a chamada
“medicalização do fracasso escolar”, alertando quanto ao abuso na realização de
exames específicos, como o eletroencefalograma, para detectar supostos
distúrbios neurológicos em escolares. No entanto, fica o questionamento de que
ela se insere nessa cultura e mantém essa dinâmica, através do autorização para a
realização dos exames específicos, o que pode indicar a existência de uma
dicotomia entre a teoria expressa e a prática realizada por essa profissional.
Quanto às possibilidades e modalidades de integração saúde -
educação, os profissionais de saúde fizeram sugestões de ações que, de seu ponto
de vista, possibilitariam maior contato e interação entre as duas áreas:
- a psicóloga acredita que é preciso enviar equipes multiprofissionais
para as escolas com o objetivo de conhecer as necessidades e realidade em que
vive a clientela de escolares;
- a terapeuta ocupacional alerta quanto à necessidade de que os
profissionais das áreas de saúde e educação reflitam quanto à disponibilidade em
expôr o trabalho realizado, para que ações que visem a integração possam dar
bons resultados. Critica o que considera ser a forma atual de relacionamento
entre os profissionais de saúde e educação, ou seja, a atribuição de
responsabilidades de uma área para a outra, no que diz respeito ao atendimento
dos alunos considerados como portadores de dificuldades escolares e a superação
desses problemas;
- a fonoaudióloga acredita que haja um clima de competitividade entre
as duas áreas e preconceito dos profissionais de educação em relação a
determinados profissionais de saúde, prejudicando as tentativas de integração
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entre as duas áreas de atuação. Não chega a sugerir modalidades de integração
saúde - educação;
- a neurologista, acredita que a criação de pequenos núcleos de
atendimento multiprofissional (que não incluem o professor), responsáveis pela
triagem e avaliação dos alunos, poderiam reduzir o número de casos
encaminhados aos serviços de saúde e racionalizar a demanda de alunos para o
atendimento médico.
Analisando as respostas dos profissionais de saúde, percebe-se que a
idéia de integração com a área de educação, ao menos no tocante ao atendimento
aos escolares com baixo desempenho acadêmico, é vista de forma positiva. As
críticas feitas por alguns dos profissionais quanto às possibilidades de integração
possibilitam muitos subsídios para a discussão sobre as relações entre as áreas de
saúde e educação, enquanto que as modalidades de ações de caráter integrador
sugeridas pelos profissionais, diferentes entre si, podem auxiliar a reflexão sobre
a viabilização de um projeto de atuação comum às duas áreas.
No entanto, as sugestões de modalidades de ações que possibilitem a
integração entre as duas áreas, propostas pelos profissionais de saúde, parecem
ser ainda delimitadas pelo modelo clínico, voltadas ao escolar e sua problemática
e necessidades ou, então, propostas onde apenas sugerem a organização de
encontros com os professores, sem maiores explicitações quanto ao caráter dos
mesmos.
Parece necessário um maior aprofundamento da análise sobre as
concepções acerca da integração saúde - educação, de modo a se buscar a
construção de um modelo de atuação conjunta entre as duas áreas, procurando
garantir ações eficazes no atendimento e superação de problemas, dificuldades ou
distúrbios de aprendizagem.