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Arte, conhecimento e livros virtuais

                                                                     Ana Beatriz Barroso1


Resumo: O texto aborda a arte como forma de conhecimento e explora a
hipótese de que, como tal, pode fazer do livro um meio de comunicação
extremamente propício à sua elaboração, articulação, transmissão e
compartilhamento. O livro tratado aqui, porém, não é o livro tradicional,
impresso, tampouco o livro eletrônico, mas sim um livro chamado virtual em
função de suas características e peculiaridades. Este livro se escreve no
ciberespaço e nele se dá, se transforma ou se perde, entre as malhas da ampla
rede aberta, repleta de leitores navegantes, já habituados à linguagem
multimídia que nela se faz presente.

Palavras-chave: conhecimento, arte, livro virtual, cibercultura



Abstract: This paper proposes an approach to the art as a form of knowledge
and explores the hypothesis that, in this sense, we can make the book a medium
extremely interesting to its development, articulation, transmission and sharing.
The book we dream about, however, is not the traditional book, printed, nor the
electronic one, closed and finished, but a book called virtual because of its
characteristics and peculiarities. This open book is written in cyberspace and in
this space it is given and can be transformed by sailors readers already familiar
to the multimedia hipertextual language present in the world wide web.

Keywords: knowledge, art, virtual book, cyberculture




       Durante muito tempo se forjou a idéia de que a arte seria uma forma
misteriosa de lidar com a realidade, ora criando ilusões e escapes para as
mazelas do cotidiano, ora representando fragmentos do que seria de fato o real,
em toda sua crueza, beleza e desespero. O artista, dotado de gênio e
sensibilidade fora do comum, seria aquele cujo poder de representar tais ilusões
e fatos ou de retratar o mundo sensível, encantaria, seduziria e até convenceria
as pessoas de que um outro mundo é possível, um mundo imaginário, embora
concreto, uma realidade outra. Um sistema paralelo, à parte, abriria-se assim às
consciências tocadas pelo poder da arte, que lhes daria em troca o passaporte
infalível de acesso a esse universo fabuloso, extasiante e extraordinário. Durante
muito tempo, essa talvez tenha sido a inquestionável função da arte e do artista:
entreter, representar, mostrar, expressar, fazer sonhar e evadir. Se, por um lado,
a indústria cultural lamentavelmente foi se apropriando cada vez mais dessa
função, que ainda assim se exerce e nos encanta, por outro, novas funções e
disfunções foram aparecendo.
       Por um processo lento, paulatino, mas também aparentemente súbito e
radical, foram se formando outros conceitos de arte, talvez, aparentemente

1 Doutora em Comunicação. Professora-pesquisadora do Departamento de Artes Visuais do
Instituto de Artes da Universidade de Brasília; abeatrizb@gmail.com (61) 99623882
também, mais radicais e temerosos. Nada poderia ser menos encantador que um
urinol apresentado como obra de arte. Assim, o século XX viu a arte e os artistas
inventarem e assumirem novas funções, abraçarem causas as mais diversas,
irem às ruas, às páginas das revistas, dos livros e jornais, libertarem-se do cubo
branco, conquistarem espaços múltiplos: a praia, a web, o morro da Mangueira,
desertos e centros urbanos, campos mediáticos, a caixa preta, o interior dos
sistemas, fazendas, salas de cinema, buracos de metrô, escolas e universidades,
numa expansão plural, pluralista e libertária. Ainda hoje causa espanto que a
arte esteja nesses lugares todos. Mas depois de tudo, afinal, a arte é aquela
estranha que estranha os costumes, questiona a cultura, da qual se origina e a
qual se destina, num paroxismo tenso e fulgurante.
       Junto a isso, como uma conquista, talvez a principal, ocupamos a
existência. A arte passa a ser uma postura, um modo de estar no mundo, um
olhar, uma maneira de sentir e respirar. A arte passa a ser relação, a arte passa a
ser relacional, não conta em si, como valor em si, fechado em si, o artista, gênio
para si mesmo, estanque e isolado, não se sustenta. Ainda que continue a
alimentar sua eterna ilusão, não vale. Ou continue valendo, como sempre, para
si, em círculo, a serpente engolindo seu próprio rabo-corpo, devorando-se sem
mais. Sem problema. Hoje há confluência e convivência entre o círculo e a
espiral, mas eu prefiro a espiral. Nela nos identificamos. Vamos. A arte parece
não ter fim. Não morreu, encontrou outras finalidades, além da representação,
além da ilustração de sentimentos e valores. Sem renegá-las, sem excluir nada
disso, a arte se deu como finalidade o conhecimento, esse ente fugidio, isso que
é pura busca e encontro, isso que escapa e elucida. Eis aí o legado mais precioso
que herdamos dos modernos, nós, pós modernos, que testemunhamos a queda
do muro de Berlim, mas nos mantemos cientes dos múltiplos muros que se
erguem e desgraçam vidas no cotidiano do mundo contemporâneo.

                    eu quero ficar
                    que se deite aqui e sinta comigo os murmúrios, palavras que
                    deslizam numa teia, uma estacou agora, e vagarosamente uns fios
                    brilhosos se torcem à sua volta, meu deus, vão recobri-la, que
                    palavra, que palavra? CONHECIMENTO, Hillé, ainda posso vê-la,
                    CONHECIMENTO sendo sufocada por uns fios finos e de matéria
                    densa. pronto. apagou-se. (HILST, 2001, p. 70)

       Nesse ponto, não desprezamos a doxa, tampouco as ilusões, ouvimos a
todos, alimentamos opiniões, frívolas, especulativas, caolhas, sinceras, mas
almejamos a episteme. É ela que nos sidera. Por ser assim, embora não nos
creiamos exatamente úteis à humanidade, nada há de inútil em nossa busca.
Que as perguntas se acumulem sem respostas, que a busca não tenha fim, posto
que o mistério da vida, do existir, do ser, do lembrar e esquecer, do amar,
também não tem fim, que nos importa? Na variação das formas todas que a arte
adquire neste momento, universal parece ser essa busca, esse modo de operar
verdades e mentiras, ignorâncias e saberes, misturando-os em fixações
efêmeras, aspirantes à eternidade ou à própria fugacidade do instante, de todo
modo, partilháveis, dignas de compartilhamento, não pelo valor que carregam
em si, mas pela esperança de ecoar uma busca semelhante, de outro
semelhante, e aplacar misérias e angústias pela simples razão de mostrar ao
outro que, oxalá, ele/ela não está sozinho nessa angústia, nessa miséria, nessas
alegrias, nesse mar de incompreensão e desconhecimento que é a própria
condição humana, que nos iguala a todos, mortais, donos de necessidades e
desejos, buracos sujos e sonhos puros, músicas inaudíveis e lama.
Talvez, não sei, é difícil precisar, dizer exatamente quando essa nova
percepção começou, talvez sempre tenha estado presente no fazer artístico. O
passado se nos apresenta como coisa nebulosa. O que pensavam homens e
mulheres ao pintarem as cavernas, os potes de cerâmica, o corpo, as inscrições
mortuárias, os frontais dos templos, os vitrais góticos? Talvez também eles e elas
buscassem o inominável e nessa busca fabricassem conhecimento, um
conhecimento de uma outra ordem, a qual se caracterizaria por mesclar razão e
sensibilidade, emoção e intelecção, integrando a pessoa ao meio circundante e
tornando-a, quiçá, mais íntegra. Esse conhecimento já seria o que hoje
denominamos conhecimento artístico, distinto de pelo menos outros dois, o
científico e o filosófico, aos quais se chega por outros caminhos e que nos levam
a outras paragens (SUASSUNA, 2005).
        Ainda que assim seja, que sempre tenha sido e havido tal tipo de
conhecimento, o fato é que só recentemente isso assim foi sentido. Datemos o
fato. Na primeira metade do século XX, Piet Mondrian levanta a bandeira de que
há uma linguagem propriamente plástica e busca definir, depurar e praticar essa
linguagem. Ele não é o único a fazê-lo, mas fica como símbolo. Theo Van
Doesburg também investe nessa convicção e, por um outro viés, Kasimir
Maliévitch chega ao extremo das possibilidades da pura linguagem plástica, já
liberta das obrigações da representação e do elo com a realidade figurativa.
Silêncio profundo. O que se passa a partir de então, pelos múltiplos caminhos
percorridos pelos mais distintos artistas, é o que importa e o que vai abrir a
perspectiva da arte como forma de conhecimento. Afirmar que a arte é uma
linguagem ou que há uma linguagem essencialmente plástica e visual traz uma
série de implicações, mas, sobretudo, nos faz ver que, doravante, é possível
pensar plástica e visualmente, pensar como artista, ser e estar artista, ser isso
que é sendo sem saber porque se é mas inventando sentidos para essa falta de
sentido absurda que é a vida.

                    Ele sabe agora, com a longa experiência de seus oitenta anos, que
                    a vida é uma coleção de mortos. Os nossos mortos. Os mortos que
                    só nós podemos ressuscitar nas iluminações de nossa consciência,
                    e que carregamos conosco, sem que nos pesem, constranjam ou
                    perturbem, até que sobrevenha para eles a morte definitiva, que é
                    a nossa própria morte. (MONTELLO, 1978, p.477)

       Para entender as conseqüências contidas nesse ponto transfigurador é
necessário rememorar algumas noções de linguagem.
       De início, a linguagem não é. Não é nada, não é uma coisa, não é uma
substância. A crença de que a linguagem humana fosse uma coisa substancial
não levou os lingüistas muito longe, assim afirma Saussure (2010), para quem a
linguagem é forma. Dizer que ela é forma é dizer que ela é relação. Isto é, nada
na linguagem funciona isoladamente ou tem valor em si. Tudo nela é relacional.
Uma palavra ou partícula lingüística tem seu valor alterado ao se colocar ao lado
de outra e faz com que essa outra igualmente tenha seu valor alterado. O
contexto influi no sentido do texto, tanto quanto esse tem o poder de alterar
aquele. Além dessa constatação de fundamental importância para a boa
compreensão do que seja a linguagem humana, na qual a linguagem da arte se
espelha e da qual ela deriva, há uma outra, dessa vez oriunda da Comunicação.
       No estudo dos meios de comunicação, eventualmente causa incômodo o
fato de a linguagem não ser considerada um meio de comunicação, muito
embora, claro, ninguém negue que nos comuniquemos por meio da linguagem. A
razão, porém, para isso é simples: a linguagem não está fora de nós, não foi algo
por nós fabricado, inventado, cujo nascimento se possa precisar e investigar. Pelo
contrário, não sabemos ao certo onde começa a linguagem e onde começamos
nós, como seres humanos, como seres sociais. Não se pode dizer que a
linguagem é uma ferramenta ou uma tecnologia de comunicação, um meio, como
o é a escrita, esta sim, primeiro dos meios de comunicação. A linguagem nos
constitui como seres humanos e nada somos, nem histórica, nem pré-
historicamente, sem ela. Tampouco ela é exclusividade nossa. Sabe-se que quase
todas espécies animais são dotadas de linguagem, o que permite a comunicação
entre os indivíduos e a vida em grupo, mesmo entre as espécies mais solitárias.
O que é estranho no nosso caso é a complexidade que a linguagem adquiriu e o
fato de articularmos uma quantidade infinitamente maior de sons e sentidos que
as outras espécies animais, o que fez com que nós, ainda que mais fracos e
frágeis fisicamente, nos impuséssemos diante de animais muito mais fortes e
conquistássemos com isso inegável expansão e supremacia. Isso é espantoso.
Isso é inexplicável. O fato de falarmos é o grande enigma.
       Ensina-nos a Lingüística clássica (SAUSSURE, 2010), que a fala é a
dimensão da linguagem habitada pelo indivíduo, enquanto a língua é a dimensão
social e operacional da linguagem. Em outras palavras, podemos imaginar o
seguinte: a linguagem é um grande sistema articulado de signos, a língua é o
que nos permite operar ou dinamizar esse sistema e a fala é a maneira como
cada um de nós faz suas operações, articula os signos. A fala é, no fundo, o lugar
onde o abstrato se concretiza, onde a pessoa se apodera do que é cultural e
onde as transformações são forjadas, porque à força de falar, de falarmos, fomos
compartilhando nossas compreensões e incompreensões da realidade e assim
fomos, simultaneamente, descobrindo e inventando as coisas e os nomes das
coisas, alterando a face do planeta e as condições de vida na Terra. Nesse vai-e-
vem de nós aos outros, propiciado pela linguagem – dizia Walter Benjamin
(2000) que devíamos dizer NA linguagem e não PELA linguagem, posto que a
linguagem é tudo e tudo é linguagem –, transformamo-nos e provocamos
transformações. Erguemos mundos e fundos. Conhecemos, desconhecemos,
reconhecemos, calamos. Pensamos, enfim, o que é o pensamento se não
linguagem concatenada?
       Dizer agora que existe uma linguagem da arte, pictórica, musical,
fotográfica, visual, significa dizer que podemos pensar musicalmente,
fotograficamente, visualmente. “Trata-se aqui de linguagens sem nome, sem
acústica, de linguagens feitas de matéria; é preciso aqui pensar na comunidade
material das coisas na sua comunicação.” (BENJAMIN, 2000, p.164) Mas o que
pensamos nesses meios, cromáticos, sonoros, gestuais, formais? O que
pensamos com ou diante da forma, nisso que é relação? Pensamos-sentimos,
sabemos-não-sabendo. Temos talvez consciência de sermos algo que já não
somos, sentimos o corpo e é o corpo que, sensibilizado, pensa, lembra, inventa,
canta, cala, tudo junto, não sistematicamente, com dificuldade de dizer o que
pensa, em verbalizar, mas sentindo-se íntegro, único, ímpar naquele instante.
       Desviemo-nos para o vermelho. Lá dentro, o que é aquilo? Lemos alhures:
“Desvio para o vermelho (1967-84) [de Cildo Meireles] propõe a construção de
um espaço que, por um lado, aproxima-se do ambiente doméstico e, por outro,
desconecta a obra do espaço real.” (COHEN, 2008, p. 89) Mas nós mesmos,
aquém da informação que temos daquilo, pensamos: o que é isso, o que sinto
aqui, quem sou neste aqui, que relação estabeleço ou posso estabelecer neste
espaço, com este espaço, que sentido faz isso tudo ou que sentido eu posso
inventar para isso que é da ordem do nunca visto e do nunca sentido? A
consciência da falta de sentido da vida, condensada em uma obra de arte, nos
força a criar sentidos. Misteriosa, então, não é exatamente a arte, mas a vida ela
mesma. Criar sentidos é conhecer por meio da invenção que se dá a partir do
reconhecimento de uma ignorância profunda. Conhecer é relacionar, estabelecer
conexões e elos, afetivos e intelectivos, com a esperança de vê-los ecoarem no
social. Conhecer é habitar a linguagem no mesmo instante em que nos sentimos
abandonados por ela. Adentrar o silêncio denso. Ir no íntimo: as vísceras, o
cérebro, o sangue, neurônios, mecanismos fisiológicos são universais na mesma
medida em que são pessoais. O corpo e o saber (instintivo) do corpo são
universais. O corpo, como suporte e meio da arte, é conquistado na
contemporaneidade. “Ninguém ensinara ao homem essa conivência com o que se
passa de noite, mas um corpo sabe.” (LISPECTOR, 1999, p.18)
       Agora, além dessa constatação, cabe apontar para o que dela pode surgir
em conseqüência. Que tenhamos uma, na verdade, várias funções cerebrais
responsáveis pela cognição e que a parte não verbal, não lingüística, seja uma
delas, e que justamente esta seja a responsável pela percepção da beleza e pelo
desenvolvimento cognitivo humano, em busca do prazer que temos em,
novamente, conhecer, que isso seja assim, que conseqüência isso traz para nós,
fazedores de arte? Como nos apropriamos desse conhecimento oriundo da
neuroestética e o usufruímos? Entre as inúmeras possibilidades de resposta à
questão, uma, que se situa ainda na transição e na confluência da novidade e da
tradição, é a que me interessa. Esta se apóia em uma sugestão de Roland
Barthes (2005), que sublinha a necessidade de estudarmos ainda, e muito, um
tipo de signo abundante no mundo contemporâneo: o signo logoicônico, este que
é misto de imagem e palavra, de verbo e silêncio, e que sensibiliza
simultaneamente audição e visão.
       Ora, a experiência comunicacional que temos diariamente navegando na
Internet nos coloca em contato direto com signos daquele tipo, logoicônicos.
Ainda que diversas formas de arte, e não só as visuais, mas as musicais e
coreográficas, nos tragam conhecimento e sejam, elas mesmas, formas de
conhecimento, que independem da verbalização e do apoio da linguagem verbal,
não precisamos abdicar desse apoio, nem deixar de usá-lo para intensificar os
sentidos multidimensionais sintetizados na arte. Ao contrário, temos muito a
ganhar e temos já ganho muito com a junção complementar dessas distintas
formas de conhecer o mundo. Não podemos nos dar ao luxo de esquecer que a
própria linguagem verbal, quando distanciada de suas funções práticas e
corriqueiras, quando estranhada e habitada pelo artista, reveste-se de imagem,
metamorfoseia-se em visões, derrete-se em sons, sensualiza-se, transmuta-se
em arte literária, em poesia, em canção. É errôneo, embora costumeiro, associar
a linguagem verbal (oral ou escrita) à razão e a razão a algo puro, desconectado
da sensibilidade, da imaginação e do corpo, como se o pensamento fosse matéria
abstrata.

                   Uma criança que uma vez ouvi, disse, querendo dizer que estava à
                   beira de chorar, não “tenho vontade de chorar”, que é como diria
                   um adulto, isto é, um estúpido, senão isto, “tenho vontade de
                   lágrimas”. Esta frase, absolutamente literária, a ponto de que seria
                   afetada num poeta célebre, se ele a pudesse dizer, refere
                   resolutamente a presença quente das lágrimas a romper as
                   pálpebras conscientes da amargura líquida. “Tenho vontade de
                   lágrimas!” Aquela criança pequena definiu bem a sua espiral.
                   (PESSOA, 1986, p. 94)
Cumpre lembrar que, ainda no século XX, se cria um tipo sociológico até
então raro: o artista intelectual. Embora esse tipo já existisse desde a
Renascença, tendo em Leonardo da Vinci seu emblema inaugural na figura do
artista cientista, é no apagar das luzes da modernidade que esse tipo se
expande, populariza-se e se afirma. Nenhum espanto há, hoje, que músicos,
artistas visuais, atores e atrizes, dramaturgos, coreógrafos e estilistas dêem
entrevistas, participem de debates, escrevam e façam da escrita um meio de
reflexão sobre a sociedade, sobre aspectos históricos de seu estilo, sobre
problemas de linguagem, sobre questões técnicas, que estudem e tratem de
tantos assuntos quanto lhes interessem. Os exemplos são abundantes em
qualquer ramo da arte. Cito aqui apenas um, o de Nei Lopes (2009), sambista e
estudioso da cultura africana e de sua contribuição na formação da sociedade
brasileira. Esse maravilhoso artista brinca com o próprio nome ao dizer-se
pesquisador da fundação NEI – Núcleo de Estudos Independentes. Além de
vários livros, didáticos e de ficção, enciclopédias e dicionários ligados ao assunto,
Nei Lopes mantém um blog bastante instrutivo e descontraído, onde exerce sua
alegre militância e deixa registrado seu pesquisar.
        Cito ainda Silvio Zamboni, que em sua atual pesquisa em arte, fotografa
de modo independente, prazeroso e regular cidades tombadas pelo patrimônio
mundial da humanidade, proporcionando-nos conhecimento de matriz artística
ao nos presentear gratuitamente com as imagens que publica no site que
mantém por conta própria. ”Resumidamente podemos afirmar que o objetivo
geral do projeto é o registro, a interpretação artística e a divulgação do
patrimônio artístico arquitetônico pela linguagem fotográfica.” (ZAMBONI, 2009).
Iniciativas como essas mostram que o pensamento e a escrita de artista já
lançam mão, neste momento histórico, de outros meios, que não só a escrita,
para incrementar o que precisa ser dito, o que, intelectual e esteticamente, pode
ser acoplado à arte, interagindo com seu campo semântico, sem competição ou
ofuscamento.
        Assim, o livro virtual surge dessa vontade de fusão entre logos (palavra,
inteligência) e ícone (imagem, imaginação), entre linguagens e meios, em um
espaço propício ao exercício hipertextual, interativo e multimídia – a rede
mundial de computadores. Nela, ele surge como ambiência virtual de estudos,
AVE, em alusão à idéia de AVA, ambiente virtual de aprendizagem, comum no
ensino à distância. Entre professores e alunos o que há em comum é o fato de
estudarmos e de precisarmos de um lugar para fazê-lo. O livro é este lugar e
neste contexto ele é virtual não só em função da virtualidade própria do
ciberespaço, mas também por ser dado como potência, texto incompleto,
desejoso de vir a ser completado, lido e escrito por nós, em novelos, na leitura
imersiva (SANTAELLA, 2004) do navegante-viajante.

                     Não conheço prazer como o dos livros, e pouco leio. Os livros são
                     apresentações aos sonhos, e não precisa de apresentações quem,
                     com a facilidade da vida, entre em conversa com eles. Nunca pude
                     ler um livro com entrega a ele; sempre, a cada passo, o
                     comentário da inteligência e da imaginação me estorvou a
                     seqüência da própria narrativa. No fim de minutos, quem escrevia
                     era eu, e o que estava escrito não estava em parte alguma.
                     (PESSOA, 1986, p.182)

       Desse modo, o livro-lugar-virtual originário de blogs, wordpress, tumblrs e
afins, facilmente manipuláveis, nascem como caderno, lugar de exercício e
anotações, onde autores, já familiarizados com a escrita multimídia e
hipertextual (bem como com uma ferramenta tecnológica que a viabilize), e
leitores, igualmente familiarizados com um tipo de texto, despretensioso e leve,
encontrariam prazer em ler e escrever na rede mundial de computadores.
Publicar um livro, na cibercultura, pode ser simplesmente transformar um
weblog, que tenha características conceituais de livro, em um website. Distribuí-
lo significa dar acesso a ele. Na cibercultura e nas linguagens que ela engendra
em múltiplas línguas, a ave-blog se assemelha à fala. É nela que a pessoa, ser
finito e não interminável, voa e varia, articula a seu modo os signos, usa a língua
para imitar e criar sentidos, areja a linguagem, se poeta for, arrisca rupturas, se
revolucionário se sonha, e gera conhecimento artístico, se sua busca se confunde
com o mistério do existir.



Referências

BARTHES, Roland. Inéditos, vol.3 – imagem e moda. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.

BENJAMIN, Walter. Sur le language en général et sur le langage humain. IN
Œuvres I. Paris: Éditions Gallimard, 2000.

BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

COHEN, Ana Paula. IN PEDROSA, Adriano; MOURA, Rodrigo [orgs.]. Através:
Inhotim. Brumadinho, MG: Instituto Cultural Inhotim, 2008.

HILST, Hilda. A obscena senhora D. São Paulo: Globo, 2001.

MONTELLO, Josué. Os tambores de São Luís. Rio de Janeiro: José Olympio,
1978.

LISPECTOR, Clarice. A maçã no escuro. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

LOPES, Nei. Mandingas de mulata velha na cidade nova. Rio de Janeiro:
Língua Geral, 2009.

PESSOA, Fernando. O livro do desassossego. Lisboa: Publicações Europa
América, 1986.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor
imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 26ª edição. São Paulo:
Cultrix, 2010.

ZAMBONI, Silvio. Patrimônio Mundial da Humanidade. Disponível em:
<www.silviozamboni.com>. Acessado em julho de 2011.

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  • 1. Arte, conhecimento e livros virtuais Ana Beatriz Barroso1 Resumo: O texto aborda a arte como forma de conhecimento e explora a hipótese de que, como tal, pode fazer do livro um meio de comunicação extremamente propício à sua elaboração, articulação, transmissão e compartilhamento. O livro tratado aqui, porém, não é o livro tradicional, impresso, tampouco o livro eletrônico, mas sim um livro chamado virtual em função de suas características e peculiaridades. Este livro se escreve no ciberespaço e nele se dá, se transforma ou se perde, entre as malhas da ampla rede aberta, repleta de leitores navegantes, já habituados à linguagem multimídia que nela se faz presente. Palavras-chave: conhecimento, arte, livro virtual, cibercultura Abstract: This paper proposes an approach to the art as a form of knowledge and explores the hypothesis that, in this sense, we can make the book a medium extremely interesting to its development, articulation, transmission and sharing. The book we dream about, however, is not the traditional book, printed, nor the electronic one, closed and finished, but a book called virtual because of its characteristics and peculiarities. This open book is written in cyberspace and in this space it is given and can be transformed by sailors readers already familiar to the multimedia hipertextual language present in the world wide web. Keywords: knowledge, art, virtual book, cyberculture Durante muito tempo se forjou a idéia de que a arte seria uma forma misteriosa de lidar com a realidade, ora criando ilusões e escapes para as mazelas do cotidiano, ora representando fragmentos do que seria de fato o real, em toda sua crueza, beleza e desespero. O artista, dotado de gênio e sensibilidade fora do comum, seria aquele cujo poder de representar tais ilusões e fatos ou de retratar o mundo sensível, encantaria, seduziria e até convenceria as pessoas de que um outro mundo é possível, um mundo imaginário, embora concreto, uma realidade outra. Um sistema paralelo, à parte, abriria-se assim às consciências tocadas pelo poder da arte, que lhes daria em troca o passaporte infalível de acesso a esse universo fabuloso, extasiante e extraordinário. Durante muito tempo, essa talvez tenha sido a inquestionável função da arte e do artista: entreter, representar, mostrar, expressar, fazer sonhar e evadir. Se, por um lado, a indústria cultural lamentavelmente foi se apropriando cada vez mais dessa função, que ainda assim se exerce e nos encanta, por outro, novas funções e disfunções foram aparecendo. Por um processo lento, paulatino, mas também aparentemente súbito e radical, foram se formando outros conceitos de arte, talvez, aparentemente 1 Doutora em Comunicação. Professora-pesquisadora do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília; abeatrizb@gmail.com (61) 99623882
  • 2. também, mais radicais e temerosos. Nada poderia ser menos encantador que um urinol apresentado como obra de arte. Assim, o século XX viu a arte e os artistas inventarem e assumirem novas funções, abraçarem causas as mais diversas, irem às ruas, às páginas das revistas, dos livros e jornais, libertarem-se do cubo branco, conquistarem espaços múltiplos: a praia, a web, o morro da Mangueira, desertos e centros urbanos, campos mediáticos, a caixa preta, o interior dos sistemas, fazendas, salas de cinema, buracos de metrô, escolas e universidades, numa expansão plural, pluralista e libertária. Ainda hoje causa espanto que a arte esteja nesses lugares todos. Mas depois de tudo, afinal, a arte é aquela estranha que estranha os costumes, questiona a cultura, da qual se origina e a qual se destina, num paroxismo tenso e fulgurante. Junto a isso, como uma conquista, talvez a principal, ocupamos a existência. A arte passa a ser uma postura, um modo de estar no mundo, um olhar, uma maneira de sentir e respirar. A arte passa a ser relação, a arte passa a ser relacional, não conta em si, como valor em si, fechado em si, o artista, gênio para si mesmo, estanque e isolado, não se sustenta. Ainda que continue a alimentar sua eterna ilusão, não vale. Ou continue valendo, como sempre, para si, em círculo, a serpente engolindo seu próprio rabo-corpo, devorando-se sem mais. Sem problema. Hoje há confluência e convivência entre o círculo e a espiral, mas eu prefiro a espiral. Nela nos identificamos. Vamos. A arte parece não ter fim. Não morreu, encontrou outras finalidades, além da representação, além da ilustração de sentimentos e valores. Sem renegá-las, sem excluir nada disso, a arte se deu como finalidade o conhecimento, esse ente fugidio, isso que é pura busca e encontro, isso que escapa e elucida. Eis aí o legado mais precioso que herdamos dos modernos, nós, pós modernos, que testemunhamos a queda do muro de Berlim, mas nos mantemos cientes dos múltiplos muros que se erguem e desgraçam vidas no cotidiano do mundo contemporâneo. eu quero ficar que se deite aqui e sinta comigo os murmúrios, palavras que deslizam numa teia, uma estacou agora, e vagarosamente uns fios brilhosos se torcem à sua volta, meu deus, vão recobri-la, que palavra, que palavra? CONHECIMENTO, Hillé, ainda posso vê-la, CONHECIMENTO sendo sufocada por uns fios finos e de matéria densa. pronto. apagou-se. (HILST, 2001, p. 70) Nesse ponto, não desprezamos a doxa, tampouco as ilusões, ouvimos a todos, alimentamos opiniões, frívolas, especulativas, caolhas, sinceras, mas almejamos a episteme. É ela que nos sidera. Por ser assim, embora não nos creiamos exatamente úteis à humanidade, nada há de inútil em nossa busca. Que as perguntas se acumulem sem respostas, que a busca não tenha fim, posto que o mistério da vida, do existir, do ser, do lembrar e esquecer, do amar, também não tem fim, que nos importa? Na variação das formas todas que a arte adquire neste momento, universal parece ser essa busca, esse modo de operar verdades e mentiras, ignorâncias e saberes, misturando-os em fixações efêmeras, aspirantes à eternidade ou à própria fugacidade do instante, de todo modo, partilháveis, dignas de compartilhamento, não pelo valor que carregam em si, mas pela esperança de ecoar uma busca semelhante, de outro semelhante, e aplacar misérias e angústias pela simples razão de mostrar ao outro que, oxalá, ele/ela não está sozinho nessa angústia, nessa miséria, nessas alegrias, nesse mar de incompreensão e desconhecimento que é a própria condição humana, que nos iguala a todos, mortais, donos de necessidades e desejos, buracos sujos e sonhos puros, músicas inaudíveis e lama.
  • 3. Talvez, não sei, é difícil precisar, dizer exatamente quando essa nova percepção começou, talvez sempre tenha estado presente no fazer artístico. O passado se nos apresenta como coisa nebulosa. O que pensavam homens e mulheres ao pintarem as cavernas, os potes de cerâmica, o corpo, as inscrições mortuárias, os frontais dos templos, os vitrais góticos? Talvez também eles e elas buscassem o inominável e nessa busca fabricassem conhecimento, um conhecimento de uma outra ordem, a qual se caracterizaria por mesclar razão e sensibilidade, emoção e intelecção, integrando a pessoa ao meio circundante e tornando-a, quiçá, mais íntegra. Esse conhecimento já seria o que hoje denominamos conhecimento artístico, distinto de pelo menos outros dois, o científico e o filosófico, aos quais se chega por outros caminhos e que nos levam a outras paragens (SUASSUNA, 2005). Ainda que assim seja, que sempre tenha sido e havido tal tipo de conhecimento, o fato é que só recentemente isso assim foi sentido. Datemos o fato. Na primeira metade do século XX, Piet Mondrian levanta a bandeira de que há uma linguagem propriamente plástica e busca definir, depurar e praticar essa linguagem. Ele não é o único a fazê-lo, mas fica como símbolo. Theo Van Doesburg também investe nessa convicção e, por um outro viés, Kasimir Maliévitch chega ao extremo das possibilidades da pura linguagem plástica, já liberta das obrigações da representação e do elo com a realidade figurativa. Silêncio profundo. O que se passa a partir de então, pelos múltiplos caminhos percorridos pelos mais distintos artistas, é o que importa e o que vai abrir a perspectiva da arte como forma de conhecimento. Afirmar que a arte é uma linguagem ou que há uma linguagem essencialmente plástica e visual traz uma série de implicações, mas, sobretudo, nos faz ver que, doravante, é possível pensar plástica e visualmente, pensar como artista, ser e estar artista, ser isso que é sendo sem saber porque se é mas inventando sentidos para essa falta de sentido absurda que é a vida. Ele sabe agora, com a longa experiência de seus oitenta anos, que a vida é uma coleção de mortos. Os nossos mortos. Os mortos que só nós podemos ressuscitar nas iluminações de nossa consciência, e que carregamos conosco, sem que nos pesem, constranjam ou perturbem, até que sobrevenha para eles a morte definitiva, que é a nossa própria morte. (MONTELLO, 1978, p.477) Para entender as conseqüências contidas nesse ponto transfigurador é necessário rememorar algumas noções de linguagem. De início, a linguagem não é. Não é nada, não é uma coisa, não é uma substância. A crença de que a linguagem humana fosse uma coisa substancial não levou os lingüistas muito longe, assim afirma Saussure (2010), para quem a linguagem é forma. Dizer que ela é forma é dizer que ela é relação. Isto é, nada na linguagem funciona isoladamente ou tem valor em si. Tudo nela é relacional. Uma palavra ou partícula lingüística tem seu valor alterado ao se colocar ao lado de outra e faz com que essa outra igualmente tenha seu valor alterado. O contexto influi no sentido do texto, tanto quanto esse tem o poder de alterar aquele. Além dessa constatação de fundamental importância para a boa compreensão do que seja a linguagem humana, na qual a linguagem da arte se espelha e da qual ela deriva, há uma outra, dessa vez oriunda da Comunicação. No estudo dos meios de comunicação, eventualmente causa incômodo o fato de a linguagem não ser considerada um meio de comunicação, muito embora, claro, ninguém negue que nos comuniquemos por meio da linguagem. A
  • 4. razão, porém, para isso é simples: a linguagem não está fora de nós, não foi algo por nós fabricado, inventado, cujo nascimento se possa precisar e investigar. Pelo contrário, não sabemos ao certo onde começa a linguagem e onde começamos nós, como seres humanos, como seres sociais. Não se pode dizer que a linguagem é uma ferramenta ou uma tecnologia de comunicação, um meio, como o é a escrita, esta sim, primeiro dos meios de comunicação. A linguagem nos constitui como seres humanos e nada somos, nem histórica, nem pré- historicamente, sem ela. Tampouco ela é exclusividade nossa. Sabe-se que quase todas espécies animais são dotadas de linguagem, o que permite a comunicação entre os indivíduos e a vida em grupo, mesmo entre as espécies mais solitárias. O que é estranho no nosso caso é a complexidade que a linguagem adquiriu e o fato de articularmos uma quantidade infinitamente maior de sons e sentidos que as outras espécies animais, o que fez com que nós, ainda que mais fracos e frágeis fisicamente, nos impuséssemos diante de animais muito mais fortes e conquistássemos com isso inegável expansão e supremacia. Isso é espantoso. Isso é inexplicável. O fato de falarmos é o grande enigma. Ensina-nos a Lingüística clássica (SAUSSURE, 2010), que a fala é a dimensão da linguagem habitada pelo indivíduo, enquanto a língua é a dimensão social e operacional da linguagem. Em outras palavras, podemos imaginar o seguinte: a linguagem é um grande sistema articulado de signos, a língua é o que nos permite operar ou dinamizar esse sistema e a fala é a maneira como cada um de nós faz suas operações, articula os signos. A fala é, no fundo, o lugar onde o abstrato se concretiza, onde a pessoa se apodera do que é cultural e onde as transformações são forjadas, porque à força de falar, de falarmos, fomos compartilhando nossas compreensões e incompreensões da realidade e assim fomos, simultaneamente, descobrindo e inventando as coisas e os nomes das coisas, alterando a face do planeta e as condições de vida na Terra. Nesse vai-e- vem de nós aos outros, propiciado pela linguagem – dizia Walter Benjamin (2000) que devíamos dizer NA linguagem e não PELA linguagem, posto que a linguagem é tudo e tudo é linguagem –, transformamo-nos e provocamos transformações. Erguemos mundos e fundos. Conhecemos, desconhecemos, reconhecemos, calamos. Pensamos, enfim, o que é o pensamento se não linguagem concatenada? Dizer agora que existe uma linguagem da arte, pictórica, musical, fotográfica, visual, significa dizer que podemos pensar musicalmente, fotograficamente, visualmente. “Trata-se aqui de linguagens sem nome, sem acústica, de linguagens feitas de matéria; é preciso aqui pensar na comunidade material das coisas na sua comunicação.” (BENJAMIN, 2000, p.164) Mas o que pensamos nesses meios, cromáticos, sonoros, gestuais, formais? O que pensamos com ou diante da forma, nisso que é relação? Pensamos-sentimos, sabemos-não-sabendo. Temos talvez consciência de sermos algo que já não somos, sentimos o corpo e é o corpo que, sensibilizado, pensa, lembra, inventa, canta, cala, tudo junto, não sistematicamente, com dificuldade de dizer o que pensa, em verbalizar, mas sentindo-se íntegro, único, ímpar naquele instante. Desviemo-nos para o vermelho. Lá dentro, o que é aquilo? Lemos alhures: “Desvio para o vermelho (1967-84) [de Cildo Meireles] propõe a construção de um espaço que, por um lado, aproxima-se do ambiente doméstico e, por outro, desconecta a obra do espaço real.” (COHEN, 2008, p. 89) Mas nós mesmos, aquém da informação que temos daquilo, pensamos: o que é isso, o que sinto aqui, quem sou neste aqui, que relação estabeleço ou posso estabelecer neste espaço, com este espaço, que sentido faz isso tudo ou que sentido eu posso inventar para isso que é da ordem do nunca visto e do nunca sentido? A
  • 5. consciência da falta de sentido da vida, condensada em uma obra de arte, nos força a criar sentidos. Misteriosa, então, não é exatamente a arte, mas a vida ela mesma. Criar sentidos é conhecer por meio da invenção que se dá a partir do reconhecimento de uma ignorância profunda. Conhecer é relacionar, estabelecer conexões e elos, afetivos e intelectivos, com a esperança de vê-los ecoarem no social. Conhecer é habitar a linguagem no mesmo instante em que nos sentimos abandonados por ela. Adentrar o silêncio denso. Ir no íntimo: as vísceras, o cérebro, o sangue, neurônios, mecanismos fisiológicos são universais na mesma medida em que são pessoais. O corpo e o saber (instintivo) do corpo são universais. O corpo, como suporte e meio da arte, é conquistado na contemporaneidade. “Ninguém ensinara ao homem essa conivência com o que se passa de noite, mas um corpo sabe.” (LISPECTOR, 1999, p.18) Agora, além dessa constatação, cabe apontar para o que dela pode surgir em conseqüência. Que tenhamos uma, na verdade, várias funções cerebrais responsáveis pela cognição e que a parte não verbal, não lingüística, seja uma delas, e que justamente esta seja a responsável pela percepção da beleza e pelo desenvolvimento cognitivo humano, em busca do prazer que temos em, novamente, conhecer, que isso seja assim, que conseqüência isso traz para nós, fazedores de arte? Como nos apropriamos desse conhecimento oriundo da neuroestética e o usufruímos? Entre as inúmeras possibilidades de resposta à questão, uma, que se situa ainda na transição e na confluência da novidade e da tradição, é a que me interessa. Esta se apóia em uma sugestão de Roland Barthes (2005), que sublinha a necessidade de estudarmos ainda, e muito, um tipo de signo abundante no mundo contemporâneo: o signo logoicônico, este que é misto de imagem e palavra, de verbo e silêncio, e que sensibiliza simultaneamente audição e visão. Ora, a experiência comunicacional que temos diariamente navegando na Internet nos coloca em contato direto com signos daquele tipo, logoicônicos. Ainda que diversas formas de arte, e não só as visuais, mas as musicais e coreográficas, nos tragam conhecimento e sejam, elas mesmas, formas de conhecimento, que independem da verbalização e do apoio da linguagem verbal, não precisamos abdicar desse apoio, nem deixar de usá-lo para intensificar os sentidos multidimensionais sintetizados na arte. Ao contrário, temos muito a ganhar e temos já ganho muito com a junção complementar dessas distintas formas de conhecer o mundo. Não podemos nos dar ao luxo de esquecer que a própria linguagem verbal, quando distanciada de suas funções práticas e corriqueiras, quando estranhada e habitada pelo artista, reveste-se de imagem, metamorfoseia-se em visões, derrete-se em sons, sensualiza-se, transmuta-se em arte literária, em poesia, em canção. É errôneo, embora costumeiro, associar a linguagem verbal (oral ou escrita) à razão e a razão a algo puro, desconectado da sensibilidade, da imaginação e do corpo, como se o pensamento fosse matéria abstrata. Uma criança que uma vez ouvi, disse, querendo dizer que estava à beira de chorar, não “tenho vontade de chorar”, que é como diria um adulto, isto é, um estúpido, senão isto, “tenho vontade de lágrimas”. Esta frase, absolutamente literária, a ponto de que seria afetada num poeta célebre, se ele a pudesse dizer, refere resolutamente a presença quente das lágrimas a romper as pálpebras conscientes da amargura líquida. “Tenho vontade de lágrimas!” Aquela criança pequena definiu bem a sua espiral. (PESSOA, 1986, p. 94)
  • 6. Cumpre lembrar que, ainda no século XX, se cria um tipo sociológico até então raro: o artista intelectual. Embora esse tipo já existisse desde a Renascença, tendo em Leonardo da Vinci seu emblema inaugural na figura do artista cientista, é no apagar das luzes da modernidade que esse tipo se expande, populariza-se e se afirma. Nenhum espanto há, hoje, que músicos, artistas visuais, atores e atrizes, dramaturgos, coreógrafos e estilistas dêem entrevistas, participem de debates, escrevam e façam da escrita um meio de reflexão sobre a sociedade, sobre aspectos históricos de seu estilo, sobre problemas de linguagem, sobre questões técnicas, que estudem e tratem de tantos assuntos quanto lhes interessem. Os exemplos são abundantes em qualquer ramo da arte. Cito aqui apenas um, o de Nei Lopes (2009), sambista e estudioso da cultura africana e de sua contribuição na formação da sociedade brasileira. Esse maravilhoso artista brinca com o próprio nome ao dizer-se pesquisador da fundação NEI – Núcleo de Estudos Independentes. Além de vários livros, didáticos e de ficção, enciclopédias e dicionários ligados ao assunto, Nei Lopes mantém um blog bastante instrutivo e descontraído, onde exerce sua alegre militância e deixa registrado seu pesquisar. Cito ainda Silvio Zamboni, que em sua atual pesquisa em arte, fotografa de modo independente, prazeroso e regular cidades tombadas pelo patrimônio mundial da humanidade, proporcionando-nos conhecimento de matriz artística ao nos presentear gratuitamente com as imagens que publica no site que mantém por conta própria. ”Resumidamente podemos afirmar que o objetivo geral do projeto é o registro, a interpretação artística e a divulgação do patrimônio artístico arquitetônico pela linguagem fotográfica.” (ZAMBONI, 2009). Iniciativas como essas mostram que o pensamento e a escrita de artista já lançam mão, neste momento histórico, de outros meios, que não só a escrita, para incrementar o que precisa ser dito, o que, intelectual e esteticamente, pode ser acoplado à arte, interagindo com seu campo semântico, sem competição ou ofuscamento. Assim, o livro virtual surge dessa vontade de fusão entre logos (palavra, inteligência) e ícone (imagem, imaginação), entre linguagens e meios, em um espaço propício ao exercício hipertextual, interativo e multimídia – a rede mundial de computadores. Nela, ele surge como ambiência virtual de estudos, AVE, em alusão à idéia de AVA, ambiente virtual de aprendizagem, comum no ensino à distância. Entre professores e alunos o que há em comum é o fato de estudarmos e de precisarmos de um lugar para fazê-lo. O livro é este lugar e neste contexto ele é virtual não só em função da virtualidade própria do ciberespaço, mas também por ser dado como potência, texto incompleto, desejoso de vir a ser completado, lido e escrito por nós, em novelos, na leitura imersiva (SANTAELLA, 2004) do navegante-viajante. Não conheço prazer como o dos livros, e pouco leio. Os livros são apresentações aos sonhos, e não precisa de apresentações quem, com a facilidade da vida, entre em conversa com eles. Nunca pude ler um livro com entrega a ele; sempre, a cada passo, o comentário da inteligência e da imaginação me estorvou a seqüência da própria narrativa. No fim de minutos, quem escrevia era eu, e o que estava escrito não estava em parte alguma. (PESSOA, 1986, p.182) Desse modo, o livro-lugar-virtual originário de blogs, wordpress, tumblrs e afins, facilmente manipuláveis, nascem como caderno, lugar de exercício e anotações, onde autores, já familiarizados com a escrita multimídia e
  • 7. hipertextual (bem como com uma ferramenta tecnológica que a viabilize), e leitores, igualmente familiarizados com um tipo de texto, despretensioso e leve, encontrariam prazer em ler e escrever na rede mundial de computadores. Publicar um livro, na cibercultura, pode ser simplesmente transformar um weblog, que tenha características conceituais de livro, em um website. Distribuí- lo significa dar acesso a ele. Na cibercultura e nas linguagens que ela engendra em múltiplas línguas, a ave-blog se assemelha à fala. É nela que a pessoa, ser finito e não interminável, voa e varia, articula a seu modo os signos, usa a língua para imitar e criar sentidos, areja a linguagem, se poeta for, arrisca rupturas, se revolucionário se sonha, e gera conhecimento artístico, se sua busca se confunde com o mistério do existir. Referências BARTHES, Roland. Inéditos, vol.3 – imagem e moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005. BENJAMIN, Walter. Sur le language en général et sur le langage humain. IN Œuvres I. Paris: Éditions Gallimard, 2000. BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. COHEN, Ana Paula. IN PEDROSA, Adriano; MOURA, Rodrigo [orgs.]. Através: Inhotim. Brumadinho, MG: Instituto Cultural Inhotim, 2008. HILST, Hilda. A obscena senhora D. São Paulo: Globo, 2001. MONTELLO, Josué. Os tambores de São Luís. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. LISPECTOR, Clarice. A maçã no escuro. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. LOPES, Nei. Mandingas de mulata velha na cidade nova. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. PESSOA, Fernando. O livro do desassossego. Lisboa: Publicações Europa América, 1986. SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 26ª edição. São Paulo: Cultrix, 2010. ZAMBONI, Silvio. Patrimônio Mundial da Humanidade. Disponível em: <www.silviozamboni.com>. Acessado em julho de 2011.