O documento discute as línguas africanas trazidas para o Brasil durante o período da escravidão, incluindo o Quimbundo, o Iorubá e o Éwé. Detalha as características fonéticas e gramaticais dessas línguas, além de discutir sua influência no português brasileiro. Também fornece exemplos de frases nessas línguas com tradução para português.
2. Os primeiros olhares sobre a
África
Século X - escritores árabes, depois de excursões pelo
Sudão, assinalaram ali a existência do poderoso e antigo
Estado negro, o império de Ghana.
Século XV - continuou a exploração do litoral africano e
regiões próximas, e assim perdurou a situação até
meados do século XIX.
Século XVII - as atenções dos portugueses voltaram-se
para o reconhecimento das estradas interiores da África,
tendo como objetivo o tráfico de escravos.
(MENDONÇA, 2012, p.33)
3. 1643 e 1697 - os jesuítas Francisco Porcânio e Pedro Dias
publicavam trabalhos sobre o quimbundo. Com efeito, a
obra então iniciada continua até os nossos dias em que se
citam, entre missionários, linguistas e etnógrafos
especializados em assuntos africanos como Frobenius, A. Le
Roy, Courtois, Seligman e inúmeros outros. (MENDONÇA,
2012, p.33)
4. Exploradores de diversas nacionalidades cruzaram os
recônditos do continente africano e se depararam com os
tipos étnicos mais diversos. Descritos primeiramente pelos
geógrafos, em seguida pelos antropólogos, é entre os
etnógrafos que os povos africanos despertam o mais vivo
interesse. (MENDONÇA, 2012, p.35)
5. Guiados pela ocupação linguística e seguindo a distribuição
geográfica, podemos, na etnografia africana, distinguir vários
grupos: o semito-camítico, o etíope ou cuchito-
camítico, o negrilho e o hotentote-boximane e,
sobretudo, a família negra. (MENDONÇA, 2012, p.36)
6. Os semito-camitas: ocupam a faixa mediterrânea e
compreendem os berberes de Marrocos, da Argélia, de Túnis e de
Trípoli.
Os cuchito-camítico ou etíope: se estendem pela Abissínia
onde a influência milenar do árabe se reflete até na antiga língua
sagrada.
Os negrilhos ou pigmeus: habitam as florestas equatoriais da
África e mais especialmente a bacia do Congo.
Os hotentotes e boximanes: consideram-se os povos mais
primitivos do continente. Os boximanes, antigamente espalhados
em quase toda a África do Sul, limitam-se hoje ao deserto de
Kalahari, enquanto os hotentotes vivem no sudoeste.
A família negra: bifurca-se em ramificações muito distintas:
sudaneses e bantu. No confronto de ambas, saltam diferenças de
línguas, de populações e de cultura. Os sudaneses apresentam uma
grande fragmentação linguística oposta à unidade substancial das
línguas bantu.
(MENDONÇA, 2012, p.38)
7. Os povos bantu possuem uma homogeneidade característica.
Alargam-se do Congo até o norte no Kalahari no sul da
África. Nesta gigantesca área geográfica salientam-se três
grandes grupos: os povos do Congo, as tribos da África
oriental e as tribos do sul.
Os povos do Congo compreendem cerca de cinquenta tribos
diversas, mais ou menos importantes, a que pertencem
também os povos kassai.
Dentre as tribos da África oriental, as mais relevantes são os
waniamwesi e os dshaga, povos dos lagos; os wahehe, zulus e
watussi, entre os lagos e o litoral, e junto ao litoral os
suaheli, completamente arabizados. No sudeste, ainda
encontramos uma tribo bantu, os wangoni.
(MENDONÇA, 2012, p.38)
9. É oportuno acrescentar aqui o quadro das 601 línguas e
dialetos da África, segundo traçou Cust. Seu interesse e
curiosidade — sobretudo para dar ideia da vastidão e
complexidade da matéria — são tais que Blaise Cendrars na
magnífica edição da sua Anthologie nègre (Paris, 1947),
verdadeiro Decameron africano, julgou o esquema de Cust
merecedor de citação. (MENDONÇA, 2012, p.39)
11. O primeiro grande grupo linguístico aportado no Brasil, o Banto
ou Bantu, que é o falado nas nações de Candomblé de Angola e
Omolocô, cuja origem é designada de Probanto. (COSTA NETO,
2013, p.3)
Com efeito, são as línguas faladas nos territórios de Angola, o
Quimbundo, das tribos de Luanda e Norte; o Umbundu, do
Centro de Angola; e os Bundas nos Luchases, das quais são as mais
incorporadas ao léxico religioso no Brasil. (COSTA NETO, 2013,
p.3)
Ressalte-se também a existência de diversos outros dialetos bantos
africanos, que influenciaram o português falado no Brasil, segundo
Lopes (2003). (COSTA NETO, 2013, p.3)
12. Quimbundo
Inicialmente, podemos considerar o Quimbundo, cujos
grafemas classificam-se em vogais e consoantes; além de
serem os mais utilizados nos Candomblés, seus sons da língua
exprimem-se pelo alfabeto Português, e está assim
representado:
a b d e f g h i j k l m n o p r s t u v x z
(COSTA NETO, 2013, p.4)
13. Vogais
a: é sempre aberto, como na palavra pato;
e: pode ser aberto, como o /é/ de pé, ou fechado, como
o /ê/ de dedo, quando seguido das consoantes /m/ ou /n/,
desde que não sejam puras; exemplos: henda (misericórdia),
mesma (água);
i: soa sempre como em Português;
o: é sempre aberto;
u: soa sempre como em Português.
(COSTA NETO, 2013, p.4 -5)
14. Consoantes
g: nunca tem o valor de /j/ mesmo que antes de /e/ ou /i/. Assim, ndenge,
irmão mais novo, soa [ndengue]. Portanto o /g/ sempre gutural, no mesmo
entendimento
k: esta letra substitui todos os casos o /q/ da Língua Portuguesa e bem assim
o /c/ antes de /a/, /o/, /u/;
m e n: servem para nasalar, como em Português, mas mais levemente, as vogais
/a/ /e/ /i/ /o/ /u/, quando seguidas de outra consoante. Como: ambote,
bom;
h: é sempre aspirado. Assim, henda (misericórdia) soa quase como [guenda];
s: soa sempre como /ç/ ou /ss/ e nunca como /z/ como acontece Português.
Assim: ku-tundisa (fazer sair) soa [ku-tundissa]. Tem ainda às vezes o valor de x
quando está antes do /i/. Assim: simbu (tempo) soa [ximbu];
d, g, j, z, b, v: quando iniciam substantivos, geralmente são sempre precedidas
de /m/ ou /n/, e são proferidas numa só emissão de voz. Assim: mbâ-mbi
(frio).
(COSTA NETO, 2013, p.4 -5)
15. Os acentos ou sinais diacríticos usados são apenas o agudo e o
circunflexo que servem para mostrar o acento predominante na
palavra, indicando este também a duplicação de vogais;
As sílabas (sons pronunciados com uma só emissão de voz) das
palavras do Quimbundo são pronunciadas todas com tal clareza
que à primeira vista nenhuma parece estar acentuada;
Os vocábulos de Quimbundo podem ser como em Português,
formados de uma só sílaba – monossilábicos -, de duas –
dissilábicos -, ou mais – trissilábicos ou polissilábicos.
Todas as sílabas terminam em vogal e nunca em consoante; m e n
precedendo consoante, devem-se escrever-se e pronunciar-se
como a consoante, exemplos: [ambula] = [a-mbu-la]; [imvo] = [i-
mvo];
(COSTA NETO, 2013, p.5-6)
16. Iorubá
O Segundo grupo linguístico a ser pesquisado, dos chamados
Sudaneses, pertencentes aos falantes da nação do grupo da
nação de Queto, cujo Iorubá é o mais falado em território
brasileiro, tem sua origem, conforme Verger (1996) na
cidade de Ifé.
Em relação ao Iorubá, comumente falado nas comunidades
religiosas afro-brasileiras do Brasil, Sachnine (1997), assim
define seu alfabeto:
a b d e e f g gb h i j k l m n o o p r s s t u w y
(COSTA NETO, 2013, p.7-8)
17. Vogais
Em relação as vogais, que podem ser tonais, pronunciam-se
dessa forma:
a: como [a];
e: como [ê] em cedo;
e: como [é] em mel;
o: como [ô] em bolo;
o: como [ó] em corda.
(COSTA NETO, 2013, 7-8)
18. Consoantes
b: como [bi];
d: como [di];
f: como [fi];
g: como [gui];
gb: como [gbi];
h: como [hi];
i: como [i];
j: como [dji];
k: como [ki];
l: como [li];
(COSTA NETO, 2013, p.7-8)
19. m: como [mi];
n: como [ni];
p: como [pi];
r: como [ri];
s: como [si];
s: como [xi];
t: como [ti];
w: como [wi];
y: como [ii].
(COSTA NETO, 2013, p.7-8)
20. Os acentos ou sinais diacríticos no iorubá são utilizados sobre
as vogais com a intenção de dar o tom correto às palavras e
seu uso deve ser aplicado de forma correta e coerente a fim
de evitar transtornos para os ouvintes como seus falantes.
O acento agudo para marcar e indicar uma entonação alta,
representado graficamente pelo símbolo (´).
O acento grave para marcar e indicar uma queda ou tom
baixo de voz, representado graficamente pelo símbolo (`).
Sem acento, indica um tom médio ou voz normal.
(COSTA NETO, 2013, p.7-8)
21. Éwé
O terceiro grupo linguístico, o Éwé, a língua litúrgica falada
nas comunidades religiosas afro-brasileiras na chamada nação
Jeje, e por questões de melhor compreensão dos leitores,
constitui a família da língua do povo Ewe.
a b d dz e f g gb h i k kp l m n ny p r s t ts u v
w x y z
(COSTA NETO, 2013, p.9)
22. Nas línguas iorubá e banto não se utiliza consoantes na
pronúncia das palavras, quando essas estão no final da
palavra. Na língua portuguesa tais consoantes fazem parte da
regra gramatical. Ao afirmar essa configuração linguística,
vamos encontrar na pronúncia brasileira as palavras
terminando com as vogais. Ex.: cantá, quando deveria,
segundo a língua portuguesa ser cantar; comê, ao invés de
comer; pulá, em se tratando de pular. Essa tendência está
relacionada à estrutura silábica da língua iorubá. (ROCHA &
PUGGIAN, 2011, p.631)
23. Outra particularidade interessante é a questão dos encontros
consonantais. Esses tão comuns na estrutura da língua
portuguesa, inexistem na língua iorubá. É comum no falar
cotidiano encontrarmos as palavras com tais encontros
consonantais sendo desfeitos com a inserção de uma vogal
entre as consoantes. (ROCHA & PUGGIAN, 2011, p.631)
A palavra salvar, que em função do desdobramento das
consoantes L V é acrescido a vogal A, precedida de R,
resultando na palavra SARAVA. Algo muito parecido
acontece com a palavra flor. As letras F e L vão receber a
vogal U entre si o que resulta na palavra FULÔ, sem o R
final em função do que explicitamos acima. (ROCHA &
PUGGIAN, 2011, p.631)
24. Exemplos:
Ayaba gèdègé sé rè egé o sé rè egé.
Aiabá guédégué xêréégue ô xêréégue.
Rainha que separa a parte sólida da água.
Kíní jé kíní jé olóodò Yemonja ó.
Quiníjé quiníjé ôlôdô iémonjaô.
Quem é, quem é a dona dos rios? É Yemanjá.
25.
26. Referências
ALKMIM, Tania; PETTER, Margarida. Palavras da África no Brasil de ontem e
hoje. In: FIORIN, José Luiz; PETTER, Margarida (Orgs.). África no Brasil: a
formação da língua portuguesa. São Paulo: Contexto, 2009.
ALMEIDA, Maria Inez Couto. Cultura Iorubá: costumes e tradições. Rio de
Janeiro: Dialogarts, 2006.
COSTA NETO, Antonio Gomes da. A Linguagem no Candomblé: um estudo
lingüístico sobre as comunidades religiosas afro-brasileiras. Disponível em
http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2010/11/A-Linguagem-
no-Candombl%C3%A9.pdf acessado em 10 de julho de 2013.
MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil. Brasília:
FUNAG, 2012.
ROCHA, José Geraldo; PUGGIAN, Cleonice. Influências terminológicas da
cultura iorubá na língua portuguesa. Anais do XV Congresso Nacional de
Linguística e Filologia. Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 1. Rio de
Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 627.
QUEIROZ, Sônia. A tradição oral. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006.