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Faléncia internacional no direito comunitário 7
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
RESUMO
O artigo trata do instituto da falência internacional no direito de integração americano abordan-
do aspectos de direito internacional público, direito comunitário e direito internacional privado.
Adota como paradigma as recentes disposições do direito comunitário europeu sobre o assunto,
comparando o princípio territorial, que tradicionalmente rege o concurso falimentar internacio-
nal, com o principio da falência universal, adotado em normativas européias, que prevê a
extensão transfronteiriça dos efeitos da declaração de falências quando o devedor possue
estabelecimentos ou bens sediados em outros países do bloco de integração. Conclui pela
necessidade de se adotar um procedimento que equilibre todos os interesses em conflito sem
deixar de considerar o importante papel social da empresa em uma economia globalizada.
Palavras chave: Falência internacional, direito comunitário, territorialismo, universalismo, função
social da empresa.
ABSTRACT
This article discusses the international bankruptcy in American integration law addressing
aspects of international law, Community law and private international law. Adopts as paradigm
the recent provisions of European Community law on the matter, comparing the territorial principle,
which traditionally governs the invitation to tender international bankruptcy, with the principle of
bankruptcy universal normative, adopted in Europe, that provides the transboundary effects of
the declaration of bankruptcy when the debtor possesses establishments or goods based in
other countries in the block of integration. It is concluded by the needed to adopt a procedure
* Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto.
Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e em Direito pela
Faculdade de Direito de Franca, mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca e doutora em Direito Internacional pela
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Professora de Direito Internacional Público e Direito Internacional
Privado na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e no Departamento de Relações Internacionais da
mesma instituição de 2003 a 2009. Professora de Direito Internacional do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. E-mail:cynthiasoarescarneiro@yahoo.com
Suma de negocios
Vol. 1 N° 1, Julio de 2010, 7-24
CYNTHIA SOARES CARNEIRO*
FALÊNCIA INTERNACIONAL NO DIREITO
COMUNITÁRIO
8
Soares C. C.
INTRODUÇÃO
Neste artigo constam algumas reflexões sobre as
relações entre empresas no comércio exterior que
são fruto da troca de experiência com alunos nas
aulas ministradas no curso de pós-graduação em
Técnicas de Negociação Internacional do Instituto
de Educação Continuada (IEC) da Pontifícia Uni-
versidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Nessas aulas foram abordados, sob a ótica do
Direito Comunitário, alguns aspectos relativos à
quebra de empresas com repercussão transfron-
teiriça, e como o Direito Comunitário possui
transversalidades inarredáveis com o Direito In-
ternacional Público e, mais especificamente, com
o Direito Internacional Privado, os aspectos dis-
cutidos também se relacionam também com
estes dois ramos jurídicos.
As aulas foram referenciadas em bibliografia pro-
duzida sobre o tema principal e sobre questões
incidentes que, a título de orientação aos leito-
res, estão indicadas no fim deste documento. No
entanto, a análise é voltada, essencialmente, às
normativas internacionais e comunitárias sobre
a matéria, que, para facilitar a leitura, vão trans-
critas nas notas de rodapé do texto.
Portanto, neste ensaio foram utilizadas, predo-
minantemente, fontes primárias, justamente em
razão da carência de trabalhos que abordam o
aspecto da quebra com repercussão extraterri-
torial, mesmo considerando que, em um ambi-
ente de livre-mercado e em face das periódicas
e freqüentes crises estruturais do modelo
econômico concorrencial, a falência de empresas
é recorrente e importa em questões relativas à
segurança jurídica dos credores preferenciais e
comuns e ao papel das políticas públicas de re-
cuperação empresarial, em face do princípio da
função social da empresa.
O problema suscitado refere-se à aplicabilidade
do territorialismo ou do universalismo jurídico no
direito falimentar internacional e sobre a adequa-
ção de um ou de outro desses princípios em um
bloco de integração comercial.
that balances all interests in conflict and considers the important social role of the company in
a globalised economy.
Key words: International bankruptcy, Community law, earthiness, universalism, social function
of the company.
RESUMEN
El artículo analiza la repercussión internacional de la ley de quiebras en el derecho de integra-
ción en América y aborda también algunos aspectos de derecho internacional público, de
derecho comunitario y derecho internacional privado. Adopta como paradigma las recientes
disposiciones del derecho comunitario europeo sobre el tema, comparando el principio territo-
rial, que tradicionalmente rige la licitación falimentar internacional, con el principio de la quie-
bra universal, adoptado en Europa, que prevé la extensión de los efectos transfronterizos de la
declaración de quiebra, cuando el deudor posee establecimientos o mercancías basadas en
otros países del bloque de integración. En la conclusión destaca la necesidad en adoptar un
procedimiento que considere todos los intereses en conflicto sin descurar del importante papel
social de la empresa en una economía globalizada.
Palabras clave: Quiebra, comunidad internacional, territorialismo, universalismo, función so-
cial de la empresa.
Clasificación JEL: Q13, O29
Faléncia internacional no direito comunitário 9
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
Até então, no Direito Internacional, tem vigora-
do, de forma absoluta, o princípio territorial, que
leva tanto a pluralidade de jurisdição quanto a
pluralidade da legislação empresarial, creditícia
e trabalhista aplicáveis a matéria.
O juiz nacional do domicílio do devedor comerci-
ante, pessoa física, ou da sede principal da em-
presa falida, tem competência exclusiva para o
juízo de falência. Essa competência, no âmbito
interno, tende a ser universal, isto é, atrai para si
todas as demais ações conexas ao devedor e à
massa falida. A competência internacional exclu-
siva do juiz nacional também coincide com a
aplicação da lei material local, a lex fori, para re-
solver todas as questões relativas à quebra da
empresa.
Nas últimas décadas, a flexibilização desse
territorialismo estrito tem sido buscada, sem
muito sucesso, pelos países europeus. Após
sucessivas recusas de convenções sobre a
matéria, a legislação comunitária vem conferir um
novo perfil para o processo internacional de fa-
lências na União Européia.
Se na Europa a matéria tem despertado interes-
se jurídico, o mesmo não se pode dizer em rela-
ção ao espaço comunitário americano, onde as
normas vigentes remontam ao século XIX e
primórdios do século XX. As razões que levam a
essa omissão precisam ser analisadas e com-
preendidas.
1. DIREITO FALIMENTAR E BLOCOS
COMUNITÁRIOS
O Direito Comunitário americano é aquele pro-
duzido pelos organismos de integração regional
sediados no centro e sul americano. Estados que,
ao longo dos séculos, tem aprofundado seus la-
ços comerciais, o que tem resultado em várias
convenções multilaterais regionais, algumas vi-
gentes desde o século XIX, bem como na insti-
tuição de organizações de cooperação e de
integração regional cuja principal função tem sido
aproximar o arcabouço jurídico nos Estados da
América do Sul e Central.
O direito falimentar, desde os primórdios, tem
sido regulado pelas convenções regionais de
Direito Comercial e de Direito Internacional Pri-
vado, que consagraram a tese territorialista, que
implica na pluralidade de jurisdição e de leis apli-
cáveis à matéria.
Mais recentemente, o principio universalista, que
comporta a unidade de jurisdição com a univer-
salidade dos seus efeitos jurídicos, começa a ser
suscitado em documentos e na legislação comu-
nitária européia. É a relativização do territorialismo
no direito falimentar internacional em função do
universalismo jurídico que, até então, caracteri-
za apenas o direito falimentar interno.
Em relação ao espaço comunitário americano,
dois aspectos devem ser levados em conside-
ração em relação à quebra de empresas em um
regime concorrencial: os efeitos do livre-comér-
cio para empresas locais e a repercussão só-
cio-econômica da falência da empresa matriz em
suas filiais localizadas nos Estados-membros.
Em economia de livre mercado, quando exis-
tem assimetrias acentuadas entre os Estados-
Membros, empresas de setores mais sensíveis
ficam suscetíveis à concorrência de empresas
estrangeiras do bloco, o que pode ocasionar
quebras. Para evitar conseqüências mais gra-
ves, os mecanismos de salvaguardas devem
ser eficientes e a agenda de integração flexí-
vel, embora rigorosamente planejada e ne-
gociada. No mesmo sentido, devem ser
elaboradas legislações harmônicas sobre os
diversos aspectos do processo de falência in-
ternacional e regulados meios jurídicos que
levem em consideração a recuperação da
empresa e do falido.
10
Soares C. C.
Quanto à relação da empresa matriz e suas fili-
ais com sede em outros Estados do bloco, é de
se esperar, em face do princípio de livre estabe-
lecimento e de prestação de serviços, o deslo-
camento e expansão de empresas é esperado.
Mesmo setores consolidados e de menor con-
corrência, no entanto, não estão imunes aos efei-
tos das crises de readequação econômica, que
são periódicas e próprias do sistema. Nessas
ocasiões empresas multinacionais, de grande ou
de médio porte, podem ser afetadas. O princípio
territorial protege as empresas filiais da bancar-
rota econômica da matriz, enquanto a universa-
lidade da jurisdição falimentar atinge, mesmo que
em procedimentos subsidiários, as filiais locali-
zadas em outros países. Em face das peculiari-
dades da região, qual o sistema seria mais
adequado?
2. DIREITO COMUNITÁRIO AMERICANO
Desde meados do século passado os Estados
têm negociado tratados internacionais com o
objetivo de constituir organismos de integração
ou de cooperação internacional econômica.
Apesar das Comunidades Econômicas Européi-
as terem iniciado o processo de integração co-
munitária, o fenômeno dos acordos internacionais
de integração comercial entre Estados fronteiri-
ços, ou de uma mesma região, é mais antigo.
Na Europa, a primeira experiência de sucesso
foi o Zollvenrein, que, posteriormente, acabou
resultando na integração política dos Estados
alemães, em 1870. Na América, a primeira ten-
tativa remonta a 1890 com a criação da União
Panamericana, que, embora não tenha atingido
o objetivo de criar uma zona de livre-comércio
entre a América do Sul, a América Central e os
Estados Unidos, resultou na primeira organiza-
ção internacional consolidada na região, institui-
ção que daria origem, quase um século depois,
a Organização dos Estados Americanos (OEA),
a diversas convenções e resoluções internacio-
nais que procuravam harmonizar a legislação
entre os Estados-membros, principalmente en-
tre os Estados da América do Sul.
A aproximação do ordenamento jurídico entre os
Estados da região é condição indispensável para
o desenvolvimento do comércio entre empresas
localizadas em um espaço de integração. Sob a
égide da União Panamericana foram negociados
e ratificados os dois Tratados de Montevidéu so-
bre Direito Comercial, e o Código de Bustamante,
sobre regras de Direito Internacional Privado ge-
ral e especial, ambos vigentes até hoje, e, até o
presente, as únicas normas a tratarem da falên-
cia internacional no espaço de integração jurídi-
ca da América do Sul e Central.
Na região, as experiências mais antigas de
integração comercial são a Organização dos
Estados Centroamericanos (ODECA), que deu
origem, com a reforma de seus tratados
institutivos, ao Sistema de Integração Centroa-
mericano; o Pacto Andino, que originou a Comu-
nidade Andina (CAN), também em reestruturação
recente, e o Sistema de Integração Andino. O
Mercosul, fenômeno mais recente, somente foi
criado em 1991.
Tanto a CAN como o Mercosul são acordos de
integração parcial firmados no âmbito da Asso-
ciação Latino-Americana de Desenvolvimento e
Integração (ALADI), organização regional que
sucedeu a Associação Latino-Americana de Li-
vre-Comércio (ALALC), criada pelo Tratado de
Montevidéu de 1960, reformado em 1980. O Tra-
tado de Montevidéu-80 estabeleceu a moldura
para os sistemas de integração sul-americanos,
levando à reforma do Acordo de Cartagena e das
instituições andinas, além da criação do
Mercosul. A estratégia instituída pela ALADI é, jus-
tamente, formar, paulatinamente, uma zona am-
pliada de Mercado Comum entre todos os países
da América do Sul, o que implicaria na unifica-
Faléncia internacional no direito comunitário 11
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
ção das instituições do Sistema Andino com as
do Mercosul.
Apesar das críticas que são feitas a esses or-
ganismos regionais, no sentido de que são pou-
co eficazes ao desenvolvimento econômico da
região, o aprofundamento de suas relações di-
plomáticas e sócio-econômicas são inegáveis.
Além disso, o desenvolvimento das instituições
comunitárias e do seu arcabouço normativo,
que efetivamente tem aproximado as legislações
nacionais, demonstram que o processo é
irreversível.
3. ANTECEDENTES ECONÔMICOS
COMUNS
Os países da América do Sul e da América Cen-
tral possuem, em suas características
econômicas, vários pontos em comum.
Um desses aspectos é a sua industrialização, e
conseqüente urbanização, tardia. Se na Inglater-
ra a denominada Revolução Industrial remonta
a meados do século XVII, na França, ao século
XVIII, na Prússia, Piemonte e Estados Unidos,
ao inicio do século XIX, alguns países latino-
americanos somente iniciaram o processo de in-
dustrialização em meados do século XX,
enquanto que outros têm formado seu parque in-
dustrial apenas nos últimos anos, fatores
limitantes ao intercâmbio empresarial na região.
O mercado externo, sempre voltado à exporta-
ção especializada de gêneros primários, com
produção determinada, majoritariamente, pela
demanda européia, constituía-se em força dinâ-
mica a inibir as ações políticas no sentido de in-
tegrar comercialmente as regiões americanas.
Além da carência de produtos manufaturados
essenciais ao consumo interno, o orçamento dos
Estados dependia da importação desses bens e
essa bilateralidade desigual, em razão do
desequilíbrio de valores agregados, tem como
efeito o déficit crônico da balança comercial dos
países latino-americanos a acarretar o conheci-
do círculo vicioso: carência de capital interno
capaz de impulsionar empreendimentos indus-
triais, importação de bens e de capitais, déficit,
debilidade do mercado interno.
Essa dependência congênita do mercado euro-
peu e, mas recentemente, do norte-americano,
ainda tem inviabilizado as tentativas de fortaleci-
mento do comércio regional, o que dificulta e
desencoraja o intercâmbio empresarial entre os
países fronteiriços. Nos séculos anteriores, tais
circunstâncias explicam os impasses em rela-
ção aos acordos de preferência tributária e de
livre comércio negociados no âmbito da União
Panamericana.
O processo de industrialização, em razão de tais
elementos estruturais, foi iniciado como um pro-
jeto de Estado e desenvolvido em razão de em-
préstimos privados estrangeiros, do investimento
direto desse capital, da importação de bens de
produção, de know-how e de tecnologia estran-
geiros e com o estabelecimento de empresas
multinacionais, sediadas em países do hemisfé-
rio norte. Circunstâncias que dificultam a altera-
ção substancial do perfil econômico da região.
Como efeito, os países da América do Sul e Cen-
tral, mesmo quando industrializados, passaram
a se constituir como grandes exportadores de
capital, tanto sob a forma de remessa de lucros
como na forma de pagamento dos juros relati-
vos aos investimentos privados. Fatores igual-
mente inibidores do desenvolvimento econômico
local.
Além dessas características, os Estados latino-
americanos têm em comum uma história de ins-
tabilidade política e um árduo caminho na tentativa
de consolidar instituições democráticas. Ao lon-
go do século XX toda a região foi abalada por
uma sucessão de golpes militares que, ao im-
12
Soares C. C.
plantaram regimes fechados, adotaram uma po-
lítica de isolamento recíproco, priorizando as tra-
dicionais alianças econômicas e, mais uma vez,
sufocando o potencial de diversificação da pro-
dução regional.
4. ESPAÇO DE INTEGRAÇÃO E
HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA
O Direito Internacional, dentre outros objetos que
lhe são inerentes, presta-se a harmonizar ou
mesmo uniformizar a legislação entre os Esta-
dos que ratificam os tratados negociados nos
foros internacionais ou incorporam as resoluções
editadas pelas organizações internacionais ao
seu ordenamento jurídico interno.
Tradicionalmente, em razão de sua força
vinculativa reconhecida e legitimada por proce-
dimentos internos, as normas internacionais têm
originado, principalmente, de tratados. Nos seus
primórdios jurídicos, os tratados internacionais
possuíam nítida natureza contratual, pois esta-
beleciam obrigações oponíveis apenas em rela-
ção aos Estados vinculados, o que explica o fato
de que até o século XIX os tratados serem exclu-
sivamente bilaterais. Posteriormente, os tratados
passaram a abranger matéria legal, ou seja, a
criar normas suscetíveis de serem incorporadas
ao ordenamento jurídico do Estado ratificador. Em
face do conteúdo genérico e abstrato de seus
dispositivos, as obrigações contraídas pelo Es-
tado tornam-se passíveis de serem suscitadas
por todos os seus destinatários: os demais Es-
tados signatários, em foros internacionais ou in-
ternos, e pessoas físicas ou jurídicas legitimadas
perante os tribunais locais.
No entanto, apesar dessa predominância, a edi-
ção de resoluções internacionais só tem au-
mentado e a sua força de vinculação, em
relação aos Estados, têm sido alterada conside-
ravelmente, o que vem ocorrendo desde o
surgimento do Direito Comunitário europeu, que,
por sua vez, coincide com o desenvolvimento do
poder decisório dos demais organismos
econômicos multilaterais.
As resoluções são fruto da atividade normativa
dos organismos internacionais e alteram de for-
ma substancial o sistema clássico de Direito In-
ternacional. Sua força vinculativa é variável e
estabelecida pela convenção institutiva da orga-
nização internacional. Podem se constituir como
direito supranacional ou como mera recomen-
dação. Como direito supranacional estabelecem
uma transversalidade até então inédita em um
sistema internacional tradicionalmente resisten-
te a instituições com competência para intervir
em questões que, até meados do século passa-
do, eram de alçada exclusiva do Estado.
O procedimento para a recepção de obrigações
decorrentes de um tratado é compatível com o
sistema dualista de atribuição de competênci-
as internas e internacionais diversificadas. Para
que tenham força vinculativa e sejam oponíveis
tanto no âmbito interno como internacional os
tratados passam por procedimento complexo,
através do qual é dada a oportunidade para que
o Estado, por meio de órgãos variados, avalie a
conveniência e oportunidade em assumir suas
disposições.
Os tratados são fruto da diplomacia parlamen-
tar: poder normativo de competência originária
do Executivo e exercido pelo Ministério das Re-
lações Exteriores, isto é, pelo Chanceler e corpo
diplomático. Suas normas são negociadas e pre-
viamente aprovadas em foros internacionais para
futura ratificação pelo Chefe de Estado.
A discricionariedade em se obrigar em relação
às normas de um tratado caracteriza todo o pro-
cesso de sua aceitação pelo Estado, tanto na
fase internacional, desenvolvida junto aos órgãos
internacionalmente competentes, como na fase
interna, momento em que se passa à sua ratifi-
cação, procedimento regulado pelo direito naci-
Faléncia internacional no direito comunitário 13
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
onal e que pode prever a intervenção de outros
órgãos estatais.
O constitucionalismo do século XIX incorporou
ao procedimento de edição de tratados o contro-
le externo do poder legislativo, estabelecendo
que, entre a assinatura do diplomata e a ratifica-
ção do Chanceler ou do Chefe de Estado, o Par-
lamento também deverá se manifestar sobre as
obrigações internacionais acordadas. A partir de
então, o procedimento de edição de tratados pas-
sou a prever três oportunidades para a avaliação
do Estado sobre a conveniência em anuir com
as obrigações jurídicas daí decorrentes: na au-
tenticação do texto, na aprovação pelo Parlamento
e na ratificação do Executivo.
A edição e incorporação de resoluções interna-
cionais tende a ser bem menos complexa. Ge-
ralmente as normativas são originadas de um
Conselho de Ministros de Relações Exteriores
ou de um Conselho de Ministros de pastas rela-
cionadas ao objeto da resolução. O procedimento
para que entrem em vigência e passem a vincu-
lar os Estados-membros da Organização Inter-
nacional, bem como a extensão de seus efeitos,
a sua força vinculativa, sua forma e tempo de
vigência, sua relação com o direito interno dos
Estados-membros são aspectos que devem
estar previstos no tratado que institui a organiza-
ção internacional em questão.
Possuem natureza de resolução, independente-
mente do nome com que são designadas pelos
tratados constitutivos, os Regulamentos e
Diretivas da União Européia, as Decisões toma-
das pelo Conselho do Mercado Comum, as Re-
soluções do Grupo Mercado Comum e as
Diretrizes da Comissão de Comércio do
Mercosul1
, assim como todas as fontes do direi-
to secundário da Comunidade Andina, nos ter-
mos do Estatuto do seu Tribunal de Justiça.2
São também resoluções as decisões tomadas
no âmbito do Fundo Monetário Internacional, do
Banco Mundial e, a rigor, os Acordos negociados
no âmbito da Organização Mundial do Comércio
(OMC).
Diferentemente dos tratados, as resoluções
geralmente não passam por ratificação do Es-
tado-Membro, e, portanto, não estão, necessari-
amente, submetidas ao controle do Parlamento.
Geralmente estão aptas para entrarem em vigên-
cia, vinculando os Estados, a partir de sua publi-
cação pela Secretaria do organismo internacional
que a emitiu. É o caso da União Européia e da
Comunidade Andina. No Mercosul entram em vi-
gência quando o Estado demonstrar que editou
norma interna compatível com seu objeto ou de-
terminou, por meio de ato interno, publicação de
sua vigência.3
1 MERCOSUL. PROTOCOLO DE OURO PRETO. Art. 41. As fontes jurídicas do Mercosul são: I – O Tratado de Assunção, seus protocolos e os
instrumentos adicionais ou complementares; II – os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos; III – as
Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do
Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção.
2 COMUNIDADE ANDINA. DECISÃO 500 DO CONSELHO DE MINISTROS DE RELAÇÕES EXTERIORES. Artículo 2.- Naturaleza y características del ordenamiento
jurídico de la Comunidad Andina. El ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina está conformado por normas fundamentales o de
derecho primario y por normas derivadas o de derecho secundario. Las normas de derecho primario están constituidas por los tratados
suscritos y ratificados por los Países Miembros en materia de integración comunitaria andina así como por sus protocolos adicionales y
modificatorios. Las normas de derecho secundario o derivado están constituidas por las Decisiones del Consejo de Ministros de
Relaciones Exteriores y de la Comisión, por las Resoluciones de la Secretaría General, por los Convenios de Complementación Industrial
y otros que adopten los Países Miembros entre sí en el marco del proceso de integración subregional andino.
3 MERCOSUL. PROTOCOLO DE OURO PRETO. Art. 40. A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados-Partes das normas emanadas dos órgãos
do Mercosul previstos no art. 2º deste protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento: i) uma vez aprovada a norma, os Estados-
Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à
Secretaria Administrativa do Mercosul; ii) quando todos os Estados-Partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos
14
Soares C. C.
O fato é que o procedimento de incorporação
das resoluções internacionais ao ordenamento
jurídico dos Estados é mais simples e pode ser
bem mais célere em relação ao procedimento
de edição dos tratados, quando não automáti-
co. Em razão desses caracteres houve, de
início, resistência dos Estados em relação à
sua obrigatoriedade. Daí, a tradicional classi-
ficação das resoluções como soft Law, em
contraposição à identificação dos tratados como
hard law, em face aos seus efeitos vinculantes.
Atualmente, o que se observa, é que entre a
diversificada tipologia de resoluções internacio-
nais ou comunitárias encontramos aquelas com
poder de vinculação (hard law) e outras com
função de mera recomendação (soft law) a seus
destinatários.
Seja por meio de tratados ou por meio de resolu-
ções, os blocos de integração econômica reque-
rem a harmonização legislativa em todos os
aspectos relativos às liberdades de trânsito que
objetivam promover, ou seja, em todas as maté-
rias que versam, diretamente ou incidentalmente,
sobre comércio de mercadorias e serviços, des-
locamento de trabalhadores, de empresas e de
capitais, o que determina a harmonização não
só do Direito Civil e Comercial, mas inclusive do
Direito do Trabalho, do Direito Tributário e
Econômico, e, fundamentalmente, das normas
processuais relativas à cooperação judiciária in-
ternacional. Sem isso, a concretização de um
espaço sócio-econômico integrado é inviável, por
isso a necessidade de aproximação entre as le-
gislações dos Estados-Membros é destacada
nos seus tratados institutivos.4
Se no âmbito da Comunidade Andina e do
Mercosul o avanço, nesse sentido, é notável muito
mais foi feito na União Européia. No entanto, a
resistência em tratar a questão da quebra de
empresas e seus efeitos extraterritoriais é evi-
jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado-Parte; iii) as normas entrarão em vigor
simultaneamente nos Estados-Partes 30 dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos
termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados-Partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das
referidas normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais. Art. 42. As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no art.
2 deste protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais
mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país.
COMUNIDADE ANDINA. Tratado de Creacion Del Tribunal de Justicia de la Comunidad Andina. Art 2. Las Decisiones obligan a los Países
Miembros desde la fecha en que sean aprobadas por el Consejo Andino de Ministros de Relaciones Exteriores o por la Comisión de
la Comunidad Andina. Art 3.- Las Decisiones del Consejo Andino de Ministros de Relaciones Exteriores o de la Comisión y las
Resoluciones de la Secretaría General serán directamente aplicables en los Países Miembros a partir de la fecha de su publicación
en la Gaceta Oficial del Acuerdo, a menos que las mismas señalen una fecha posterior. Cuando su texto así lo disponga, las Decisiones
requerirán de incorporación al derecho interno, mediante acto expreso en el cual se indicará la fecha de su entrada en vigor en cada
País Miembro. Art 4.- Los Países Miembros están obligados a adoptar las medidas que sean necesarias para asegurar el cumplimiento
de las normas que conforman el ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina. Se comprometen, asimismo, a no adoptar ni emplear
medida alguna que sea contraria a dichas normas o que de algún modo obstaculice su aplicación.
4 MERCOSUL. Tratado de Assunção. Art. 1. Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum (...) que se denominá Mercado Comum
do Sul (Mercosul). Este Mercado Comum implica: A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre
outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de
efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a
terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômicos-comerciais regionais e internacionais;
a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal,
monetária, cambial e de capitais, de outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-
Partes, e o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do
processo de integração.
COMUNIDADE ANDINA. Acordo de Cartagena. Artículo 3.- Para alcanzar los objetivos del presente Acuerdo se emplearán, entre otros, los
mecanismos y medidas siguientes: (...) b) La armonización gradual de políticas económicas y sociales y la aproximación de las
legislaciones nacionales en las materias pertinentes.
Faléncia internacional no direito comunitário 15
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
dente. Mesmo na União Européia a matéria de-
morou a ser tratada. A Convenção relativa aos
processos de insolvência, de 23 de novembro
de 1995, não chegou a entrar em vigência. Ou-
tras tentativas de elaboração de tratados tam-
bém fracassaram, o que levou o bloco a editar,
em 2000, o Regulamento do Conselho Europeu
sobre o assunto.5
Na América, o direito vigente continua sendo o
dos antigos Tratados de Montevidéu e de
Bustamante. O tradicional territorialismo tem ini-
bido que questões sobre a matéria se aprofundem
nos foros regionais. No entanto, a matéria é per-
tinente a uma região que tem experimentado,
recentemente, uma inédita abertura de merca-
dos, o que representa novos desafios para as
empresas locais. Portanto, é de se considerar
tanto os aspectos relativos à cooperação judici-
ária internacional nos processos de falência
como a uniformização dos meios disponíveis à
recuperação da empresa e à reabilitação do fali-
do, posto que seja de interesse de toda a socie-
dade e, especialmente, dos seus trabalhadores,
a manutenção das atividades da companhia e o
seu saneamento financeiro.
5. O DIREITO INTERNACIONAL DE
FALÊNCIA NA AMÉRICA LATINA
Desde o final do Século XIX têm sido realizado,
na América Latina, diversos congressos interna-
cionais nos quais são negociadas convenções
que buscam uniformizar o ordenamento jurídico
dos Estados da região, principalmente no que
tange aos aspectos civis e comerciais frequen-
temente sujeitos à relações extraterritoriais.
No âmbito da União Pan-americana, o projeto
negociado no Congresso de Lima, realizado em
1878, foi o único que previu a competência judi-
cial universal em caso de falência com repercus-
são transfronteiriça, embora estabelecesse a
possibilidade de quebras secundárias quando o
devedor possuísse filiais sediadas em outros
países da região. O Tratado de Lima não chegou
a ser ratificado e sequer repercutiu nas normas
editadas posteriormente no âmbito interno e re-
gional. Aliás, disposições semelhantes, que
recepcionam o princípio universalista do foro
falimentar, somente voltaram a ser mencionadas
na Convenção Européia relativa aos processos
de insolvência, de 1995, que também não che-
gou a entrar em vigência.
O Tratado de Direito Comercial de Montevidéu,
de 1889, foi a primeira codificação de Direito In-
ternacional Privado que logrou êxito na região.
Desta feita o instrumento adotou o princípio
territorial, que, na falência internacional, tem
como efeito a pluralidade de foros falimentares
em relação ao mesmo devedor.
O direito falimentar vem tratado no Titulo De
las falências, artigos 35 a 48 do tratado
(RECHSTEINER: 2001). Segundo seus disposi-
tivos o pedido de quebra deve ser apresentado
no domicilio do devedor, contemplando-se a pos-
sibilidade de outros processos no caso do falido
possuir estabelecimentos em países diferentes.
Como o tratado consagrou a preferência dos cre-
dores locais em detrimento dos estrangeiros, a
estes restava solicitar a declaração de quebra
no seu próprio país, se esse sediasse estabele-
cimento do falido, abrindo-se um novo concurso
5 UNIÃO EUROPÉIA. Regulamento (CE) n. 1346 de 29 de maio de 2000 relativo aos processos de insolvência. O Regulamento expressa em
seu Preâmbulo: “(2) O bom funcionamento do mercado interno exige que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços
se efectuem de forma eficiente e eficaz. A aprovação do presente regulamento é necessária para alcançar esse objectivo, o qual se insere
no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil, na acepção do art. 65 do Tratado. (3) Cada vez mais as atividades das empresas
produzem efeitos transfronteiriços e são, por esse motivo, regulamentadas por legislação comunitária. Como a insolvência dessas
empresas afecta, nomeadamente, o bom funcionamento do mercado interno, faz-se sentir um acto da comunidade que exija a
coordenação das medidas a tomar relativamente aos bens de um devedor insolvente.
16
Soares C. C.
que tramitaria de forma independente em rela-
ção ao procedimento estabelecido na sede prin-
cipal do devedor. A reabilitação do falido somente
se tornaria efetiva com o assentimento de todas
as quebras.
O tratado foi ratificado pela Argentina, Peru,
Colômbia, Paraguai e Uruguai.
Ocorre que o Brasil, ao contrário de seus vizi-
nhos, não ratificou o Tratado de Montevidéu,
adotando o Código de Bustamante de Direito In-
ternacional Privado ou Tratado de Havana que
foi editado na sétima Conferência Interamericana
e trata da falência, concordata e reabilitação do
falido nos seus dispositivos 414 a 422. Em ter-
mos semelhantes ao Tratado de Montevidéu, o
Código de Bustamante estabelece procedimen-
tos diferentes no caso do falido possuir um ou
mais estabelecimentos localizados em outros
países da região. Possuindo apenas um estabe-
lecimento, o Código de Bustamante garante o
reconhecimento extraterritorial da sentença
declaratória de falência ou concordata pelas au-
toridades judiciais dos demais Estados-mem-
bros, o que se fará pelas regras processuais
estabelecidas em cada um desses Estados, bem
como o reconhecimento extraterritorial das facul-
dades e funções do síndico da massa falida, “sem
necessidade de trâmite algum local”.6
O Tratado de Direito Comercial Terrestre Inter-
nacional, de 1940, também negociado em Mon-
tevidéu, no segundo Congresso Sul-Americano
de Direito Internacional Privado, efetuou a revi-
são do tratado de 1889, muito criticado em ra-
zão de suas lacunas e pelas dúvidas que
suscitava.
Esse segundo tratado prevê a unidade liquidativa,
estabelecendo exceções quando o devedor pos-
suir ativos em outros países. Nesse caso, pode-
rá haver tantas quebras independentes quantas
forem as suas filiais. Quando o devedor possuir
um único estabelecimento, o juiz do lugar da sua
situação será exclusivamente competente para
conhecer do pedido e declarar a falência.
As regras de direito falimentar internacional es-
tão em seu Título VIII – De las quiebras – em seus
artigos 40 a 53. O segundo tratado de Montevi-
déu foi ratificado apenas pela Argentina, Paraguai
e Uruguai, justamente os Estados parceiros do
Brasil no Mercosul, no entanto não foi ratificado
pelo Brasil.
A União Panamericana foi sucedida pela Organi-
zação dos Estados Americanos (OEA) que, por
sua vez, criou a Comissão Interamericana de
Direito Internacional Privado, profícua na negoci-
ação e elaboração de Convenções sobre os mais
variados aspectos de Direito Internacional Priva-
do, embora a quebra de empresas com reper-
cussão transfronteiriça continue sem alterações
mais recentes.
Atualmente, as normas sobre direito comercial e
cooperação judiciária internacional, por conver-
girem com os objetivos do bloco de integração,
têm sido negociadas no âmbito dos espaços
comunitários.
No Mercosul foram editados o Protocolo de Las
Leñas sobre Cooperação Judiciária Internacio-
nal, o Protocolo de Ouro Preto sobre Medidas
Cautelares, o Protocolo de Buenos Aires sobre
Jurisdição Internacional em Matéria Contratual,
o Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de
6 UNIÃO PANAMERICANA. Tratado de Havana (1928). Art. 416. A declaração de incapacidade do fallido ou concordatário tem effeitos
extraterritoriaes nos Estados contractantes, mediante prévio cumprimento das formalidades de registro ou publicações, que a legislação
de cada um delles exija. Art. 417. A sentença declaratória da fallencia ou concordata, proferida em um dos Estados contractantes,
executar-se-á nos outros Estados, nos casos e forma estabelecidos neste Código para as resoluções judiciaes; mas, produzirá, desde que
seja definitiva e para as pessoas a respeito das quaes o seja, os effeitos de cousa julgada. Art. 418. As faculdades e funcções dos syndicos,
nomeados em um dos Estado contractantes, de accôrdo com as disposições deste Código, terão effeito extraterritorial nos demais, sem
necessidade de trâmite algum local. (Mazzuoli: 2009).
Faléncia internacional no direito comunitário 17
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
Serviços, o Acordo sobre o benefício da Justiça
Gratuita e Assistência Jurídica Gratuita entre os
Estados-Partes, Acordo sobre Arbitragem Co-
mercial Internacional, todos relativos à coopera-
ção entre juízes e tribunais no âmbito comunitário.
A maioria desses instrumentos jurídicos, fontes
de Direito Internacional Público e do Direito de
Integração, tem como objeto o Direito Internacio-
nal Privado, isto é, são normas destinadas aos
magistrados nacionais e definem sua competên-
cia para o julgamento de ações com conexão
extraterritorial, além de estabelecer o procedi-
mento para a cooperação judiciária entre os Es-
tados-Membros, indicando, na falta de norma
comunitária específica, a lei material de um dos
Estados a ser aplicada na matéria litigiosa.
Sendo assim, na ausência de um direito unifor-
me entre os Estados, cumpre a norma de Direi-
to Internacional Privado fixar a competência do
juiz nacional e, com isso, determinar o direito
aplicável ao processo, que será sempre a lex fori,
e também indicar a lei que resolverá as ques-
tões de mérito relativas à matéria sub judice.
Tendo em vista as antigas convenções vigentes
na região, nas ações declaratórias de falência
será exclusivamente competente para conhecer
do pedido o juiz do domicilio do devedor, aplican-
do-se aos aspectos materiais a lei substantiva
do lugar onde foi aberto o processo falimentar,
ou seja, aplica-se a lex fori concursus, tanto em
relação ao processo quanto em relação as ques-
tões de mérito da falência.
Antigas, ultrapassadas e lacunosas, as normas
sobre falência internacional, na América, podem
gerar insegurança e se constituir em fator inibidor
aos negócios nos blocos de integração.
O fato é que, apesar da instituição de órgãos
comunitários com poder normativo e do desen-
volvimento do direito de integração na região, ain-
da não temos normas adequadas a essa nova
realidade. Nas décadas anteriores quase a tota-
lidade dos Estados latino-americanos adotavam
uma política protetiva em relação aos seus mer-
cados internos. Além disso, os acordos comer-
ciais eram preferencialmente dirigidos aos países
europeus ou aos Estados Unidos, o que levava a
uma limitação aos negócios entre empresas da
região sul e centro-americana.
No entanto, os projetos de integração econômica,
revitalizados nos últimos vinte anos, requerem
outra perspectiva para as relações empresari-
ais. A abertura de mercados, mesmo quando li-
mitada ao comércio de bens e serviços, confere
nova dinâmica às empresas, que passam a for-
necer seus produtos a consumidores estrangei-
ros além de estreitar suas relações negociais
com outras empresas da região, em face das
facilidades de exportação.
Em contrapartida, também estarão sujeitas à
concorrência internacional, às mudanças na po-
lítica cambial comunitária, às necessidades de
modernização tecnológica, enfim, a inúmeras
variáveis que podem levar a desequilíbrios
conjunturais e, eventualmente, até mesmo à que-
bra. Nesse aspecto, as pequenas e médias em-
presas podem ser as mais beneficiadas pelo
livre-comércio, porém, também são as mais vul-
neráveis
Embora o processo de integração regional sofra
os efeitos das crises sistêmicas mundiais, ele é
irreversível. Entretanto, apesar de impulsionar a
economia intra-regional, a abertura de mercados
também traz conseqüências deletérias para os
setores mais vulneráveis da economia local. Ape-
sar disso, o avanço normativo passa ao largo da
matéria sobre falência internacional. O Protoco-
lo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacio-
nal em Matéria Contratual, celebrado em 1994,
expressa no seu art. 2º, 1: “o âmbito de aplica-
ção do presente protocolo exclui: 1. As relações
jurídicas entre os falidos e seus credores e de-
18
Soares C. C.
mais procedimentos análogos, especialmente as
concordatas.”
Em face dessas omissões, uma declaração de
falência que envolva empresas e credores de
Estados-Membros do Mercosul ou da Comu-
nidade Andina pode gerar conflitos insolucio-
náveis de leis incidentes sobre a matéria, em
razão da diversidade de leis nacionais. Essas
diferenças constituem entraves à consolidação
da integração comercial, em face das dificul-
dades jurídicas que acarretam aos negócios na
região.
6. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO
FALIMENTAR INTERNACIONAL
Como vimos, o Direito Falimentar Internacional
insere-se no âmbito do Direito Internacional Pri-
vado. Nesse aspecto, a questão que ainda
encontra-se em aberto é a extensão da
aplicabilidade do elemento de conexão lex fori
concursus, que, a rigor, apenas determina que
as leis processuais aplicáveis à falência são
aquelas do lugar onde foi ajuizado o procedimen-
to. No entanto, na falta de regras claras, o ele-
mento de conexão atinge, igualmente, os
aspectos jurídicos substanciais inerentes ao re-
gime falimentar tais como a extensão da massa
falida, a responsabilidade do falido, as sanções
que lhe são aplicáveis, as atribuições e respon-
sabilidades do síndico, a relação dos credores
com a massa falida e o regime de preferências
creditícias.
As leis que regerão o processo falimentar, ou
seja, os atos processuais, a atividade do juiz e
dos serventuários da justiça, por se tratarem de
normas de Direito Público, serão, necessaria-
mente, aquelas vigentes no lugar onde o proces-
so foi ajuizado. No entanto, as questões materiais
deverão subsumir-se ao que estiver estabeleci-
do pelas normas que tratam do conflito de leis
materiais no espaço, normas que indicam o di-
reito material, sempre de natureza privada, que
deverá ser aplicado ao fato. É o caso do direito
falimentar internacional em que os sujeitos são
pessoas naturais ou empresas.
Ocorre que, em face da omissão legislativa e
em razão das peculiaridades do direito
falimentar internacional, as normas conflituais
vigentes não são suficientes e adequadas para
a solução da variedade de conflitos que podem
se originar de um processo de falência. Confli-
tos relativos à universalidade da massa falida
e aos seus bens móveis, imóveis e créditos, por
exemplo, são regidos pelos critérios indicativos
estabelecidos pelo estatuto real adotado no esta-
do de jurisdição competente. Outras questões,
relativas à responsabilidade civil do falido, do sín-
dico e que versam sobre direitos preferenciais
ou ordinários dos credores, são resolvidas pelo
estatuto das obrigações legais e contratuais (lex
celebrationis, lex executionis, lex loci delicti
comissi, por exemplo).
O que tem levado os autores a confirmar a ex-
tensão do elemento de conexão lex fori
concursus, aplicando-o também como critério
indicativo da lei que resolverá as questões mate-
riais da falência é, justamente, a complexidade
das questões que envolvem a massa falida e a
extensão dos seus efeitos, que não são apenas
civis, mas também trabalhistas e tributários. Daí
decorre o princípio que estabelece, no âmbito da
jurisdição interna, o juízo universal de falência,
cujo efeito é, ainda no âmbito interno, a unidade
de jurisdição.
O territorialismo estrito no direito falimentar in-
ternacional, que estabelece tanto a competência
exclusiva do juiz do domicilio do devedor como a
aplicação da lei material do foro para dirimir as
questões de mérito, embora seja coerente com
o principio da unidade do juízo no âmbito interno,
contraditoriamente acarreta, na falência com re-
percussão transnacional, além da pluralidade de
jurisdição, quando o devedor possuir estabele-
Faléncia internacional no direito comunitário 19
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
cimentos ou bens em outros países, também a
pluralidade de leis aplicáveis à matéria
falimentar, o que pode gerar conflitos infindáveis
entre credores e a massa falida, além de propi-
ciar soluções contraditórias entre juízes interna-
cionalmente competentes.
Outra questão diretamente relacionada ao pro-
cedimento falimentar refere-se à condição jurídi-
ca do estrangeiro e ao seu direito de participar
de um procedimento de insolvência aberto em
território de outro país. Enfim, à extensão de sua
capacidade de agir no domicílio do devedor, as-
pecto relativo ao estatuto pessoal do credor, seja
pessoa física ou jurídica estrangeira. Nesse caso,
os critérios para a determinação da lei aplicável
à capacidade tanto do devedor como do credor,
na América, é a do seu próprio domicílio ou resi-
dência habitual (lex domicilii), quando pessoa fí-
sica, ou a lei do lugar de registro do contrato social
e estatutos da empresa (lei da sede estatutária
da pessoa jurídica). No entanto, em razão das
peculiaridades do procedimento, a lei conflitual
poderá estabelecer regra especial para a deter-
minação da capacidade, adotando como critério
a lei da nacionalidade do credor pessoa física (lex
patriae) ou a lei da sede dos negócios da pessoa
jurídica. É possível, até mesmo, que a capacida-
de seja resolvida por critérios subsidiários relati-
vos ao estatuto das obrigações, estabelecendo
como elemento de conexão a lei do lugar do cum-
primento da obrigação (lex loci solutionis ou lex
loci executionis). É o critério preferido pela esco-
la territorialista, pois envia à lei do devedor, ou lei
do foro em que foi ajuizada a ação declaratória
de falência, a definição da capacidade civil e pro-
cessual do credor à habilitação do seu crédito.
O fato é que a aplicação das regras conflituais
pelo princípio da territorialidade estrita pode levar
a discriminações camufladas no processo de
falência internacional, pois a lei do país do deve-
dor pode estabelecer condições que dificultam
ou impedem a participação dos credores estran-
geiros comuns, ou seja, daqueles que não pos-
suem garantias reais ou créditos trabalhistas. Um
exemplo é a exigência da cautio judicatum solvi
para os demandantes não residentes no país.
Em relação a esses aspectos, cumpre destacar
que as normas constitucionais nos países ameri-
canos restringem ao máximo o tratamento dife-
renciado entre nacionais e estrangeiros. Mesmo
assim, o tratamento é diferenciado e as leis inter-
nas ainda estabelecem restrições ao exercício de
direitos civis aos estrangeiros, discriminação que
tende a ser completamente abolida no âmbito do
direito comunitário.
7. OS PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE
E DA UNIVERSALIDADE
A falência internacional, isto é, o concurso de cre-
dores com elementos em conexão com sistemas
jurídicos estrangeiros, é regida pelo princípio da
territorialidade e pluralidade de foros falimentares.
Porém, nos últimos anos, normativas comunitári-
as têm incorporado aspectos da universalidade
do foro e unidade legal no processo de falência.
Ambos os princípios – territorialidade ou univer-
salidade - referem-se ao alcance dos efeitos da
declaração de falência. O primeiro restringe os
efeitos aos limites territoriais do Estado onde foi
aberto o processo, isto é, só atinge os estabele-
cimentos e bens do devedor situados no país onde
foi aberto o concurso. O princípio da universali-
dade admite que os efeitos da declaração sejam
também extraterritoriais, atingindo empresas fili-
ais e bens situados em outros países, embora a
jurisdição seja única ou, ao menos, predominan-
te em relação às demais.
A unidade do juízo manifesta-se quando a lei de-
termina que todas as questões jurídicas relacio-
nadas ao procedimento falimentar serão
decididas por uma única autoridade judicial. As
decisões tomadas por esse juiz deverão ser re-
conhecidas por autoridades de outros Estados e
atingirão bens e estabelecimentos ali localizados.
20
Soares C. C.
Enfim, o procedimento único alcança a totalida-
de do patrimônio do falido, independentemente
do lugar onde se encontram, produzindo seus
efeitos em todos os países em que estiverem
radicados.
Ocorre justamente o contrário quando a lei adota
o princípio territorial, pois, se os efeitos da decla-
ração estão restritas a um único território, have-
rá a justaposição de tantos processos quanto
forem os estabelecimentos do falido situados em
países estrangeiros. Ou seja, o princípio territorial
leva à pluralidade de procedimentos falimentares,
e, a depender dos critérios de indicação da lei
material aplicável às questões incidentes ao pro-
cedimento, também à pluralidade da legislação
incidente sobre o mérito.
Os argumentos favoráveis e contrários em rela-
ção a uma ou outra opção legal são variados.
Para os que defendem o princípio da universali-
dade dos efeitos e unidade de jurisdição, que seria
aquela onde o devedor tem o centro de seus in-
teresses ou a sede de seu estabelecimento prin-
cipal, o método tende a ser mais favorável aos
credores, pois tanto garantiria o seu tratamento
igualitário, independentemente de seu domicilio
ou nacionalidade, como também possibilitaria, de
forma mais efetiva, a satisfação do seu crédito,
pois seu propósito é, justamente, atingir a totali-
dade dos bens do falido, independentemente do
país em que se encontrem.
Seus defensores ainda argumentam que a uni-
versalidade da falência internacional é compatí-
vel com a natureza jurídica do procedimento pois:
i) adéqua-se ao requisito da execução universal
assegurando a divisão proporcional do patrimônio
do devedor entre os credores, objetivo principal
do procedimento; ii) é compatível com a unidade
jurídica da massa falida, pois um só processo
abrange a totalidade dos ativos e passivos do
devedor; iii) possibilita o tratamento igualitário em
relação a condição pessoal do devedor, já que a
falência interfere no seu status, que, por sua na-
tureza, deve ser indivisível.
Quanto à territorialidade do procedimento e
pluralidade de jurisdições concursais, os auto-
res destacam que a falência trata-se de institui-
ção constritiva de direitos patrimoniais e pessoais
do devedor e que, em razão de sua natureza
executória, todas as normas que regulam o pro-
cedimento são de ordem pública, portanto, de
caráter territorial, daí a necessidade de que o pro-
cesso seja desenvolvido de forma autônoma no
país do domicilio do devedor e, se for o caso,
também de forma independente, nos Estados de
situação dos seus bens, de forma que um pro-
cedimento não interfira em outro.
Nesse sistema, estariam satisfeitos tanto os di-
reitos individuais do devedor como de seus cre-
dores, nacionais ou estrangeiros, uma vez que
estes últimos poderão acompanhar de perto pro-
cedimento específico e de acordo com as leis
de seu próprio país, não se submetendo a um
processo distante e regulado por direito desco-
nhecido por eles. Além disso, a existência de
quebras localizadas evitaria problemas práticos
como o desconhecimento do credor em relação
ao início do procedimento concursal, pois ele
pode não ter acesso às informações relativas
sobre ao pedido ou à decretação de falência fei-
ta em país estrangeiro.
Em relação ao devedor, um aspecto favorável é
que a pluralidade de quebras permite que o fali-
do mantenha suas atividades em alguns países,
em face da diversidade de legislações aplicáveis,
o que garante sua reabilitação parcial.
Quanto às razões de índole prática, os defen-
sores da unidade de jurisdição e universalidade
dos seus efeitos afirmam que a técnica torna o
procedimento mais rápido, econômico e eficaz,
posto que o procedimento único facilita o desen-
volvimento do processo e evitaria soluções con-
traditórias. Em contrapartida, os autores que
Faléncia internacional no direito comunitário 21
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
apontam as vantagens da quebra territorial des-
tacam que, com essa opção, o juiz local tem seu
trabalho facilitado porque não se ocupa das
atividades do falido em países estrangeiros. Da
mesma forma o síndico, que também só realiza
suas atividades em um único país, o que restrin-
ge seu deslocamento.
Nas últimas décadas, em razão dos blocos de
integração, novas tendências têm se delineado no
direito falimentar internacional relativizando a
hegemonia do territorialismo ao acrescentar, por
meio do direito comunitário, aspectos universalis-
tas nos tradicionais procedimentos falimentares.
O objetivo dessas mudanças é a garantia de re-
conhecimento dos procedimentos falimentares
que se desenvolvem em país estrangeiro desde
que cumpridos os pressupostos legais de ordem
pública exigíveis nos outros países em que a de-
claração de quebra também deverá produzir efei-
tos. Outro aspecto é a equiparação de todos os
credores que estão na mesma categoria do de-
vedor, nacionais ou estrangeiros, evitando qual-
quer espécie de discriminação.
Nesse aspecto, as normas provenientes da
União Européia são, mais uma vez, paradigmá-
ticas, apesar da dificuldade que tem caracteri-
zado a sua efetivação.
A Comunidade Européia, desde 1982, tem bus-
cado uniformizar o procedimento de falência en-
tre seus Estados-Membros. No âmbito do
Conselho Europeu, desde então, foram apresen-
tados projetos de convenções internacionais e
de regulamentos comunitários sobre a matéria.
O primeiro anteprojeto sofreu revisão em 1984,
mas, mesmo assim, não foi adiante até que, em
1985, o Conselho suspendeu, por falta de con-
senso, as deliberações sobre ele.
Também não chegou a entrar em vigência a Con-
venção Européia relativa a Certos Aspectos In-
ternacionais da Falência, conhecida como
Convenção de Istambul, aberta para assinatura
em 05 de junho de 1990. O mesmo destino teve
a Convenção relativa aos Processos de Falên-
cia, de 23 de novembro de 1995, considerada
bastante inovadora, uma vez que o prazo esta-
belecido para sua ratificação terminou sem a
aprovação de um dos Estados-Membros,
inviabilizando sua vigência.7
Todas essas normativas admitiam, ainda que de
forma mitigada, a universalidade do procedimen-
to falimentar prevendo a formação de um pro-
cesso principal e de outros subsidiários. O
processo principal seria aberto no centro de in-
teresses do devedor ou de seu estabelecimento
principal, o que não exclui a possibilidade de aber-
tura de procedimentos de insolvência paralelos
nos países do bloco em que o devedor também
possuísse bens ou estabelecimentos comerci-
ais. Esses outros procedimentos, chamados de
complementares, estariam subordinados ao pro-
cesso principal, flexibilizando o princípio da
territorialidade estrita.
Em face dos insucessos recorrentes, o Parla-
mento Europeu tomou a iniciativa de requerer à
Comissão Européia a apresentação de propos-
ta de diretiva ou de regulamento sobre falências
de empresas sediadas em Estados da Comuni-
dade, o que resultou no Regulamento (CE) n.
1346 de 29 de maio de 2000, relativo aos pro-
cessos de insolvência.8
Ao recepcionar cláusulas dos projetos anterio-
res, o Regulamento estabeleceu que a compe-
tência para o processo principal é do
Estado-Membro em que se situa o centro de in-
teresses do devedor, ou seja, o local onde exer-
7 Documento do Conselho CONV/INSOL/X1.
8 Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Européias em 30.6.2000, o Regulamento é aplicável aos processos de insolvência do
devedor singular ou coletivo, comerciante ou não. Os processos relativos à insolvência de empresas de seguros, instituições de crédito
e empresas de investimentos detentoras de fundos ou títulos por conta de terceiros e as empresas coletivas de investimento estão
excluídas do seu âmbito de aplicação, por estarem sujeitas a regime específico.
22
Soares C. C.
ce habitualmente a administração dos seus ne-
gócios.9
Esse procedimento tem alcance univer-
sal, abarcando todo o patrimônio do devedor,
admitindo-se a possibilidade de processos se-
cundários nos demais Estados-Membros onde
possua outros estabelecimentos. Os efeitos
desses últimos limitar-se-ão aos ativos situa-
dos no território desse Estado.10
O processo
secundário pode ser aberto tanto por iniciativa
dos credores locais como pelos credores do es-
tabelecimento situado nesse Estado, indepen-
dentemente do seu domicílio. O síndico do
processo principal também possui legitimidade
ativa para todos os procedimentos subsidiários.
Aliás, para que se assegure o papel dominante
do processo principal, ao síndico desse proces-
so são atribuídas outras possibilidades de inter-
venção nos processos simultaneamente
pendentes.
Qualquer credor que tenha residência habitual,
domicílio ou sede empresarial em países da
União Européia tem o direito de reclamar seus
créditos em cada processo de insolvência pro-
posto. O mesmo se aplica às autoridades fis-
cais e aos organismos de seguridade social dos
Estados-Membros da Comunidade.
O Regulamento também prevê o reconhecimento
imediato, por autoridades estrangeiras, das de-
cisões jurisdicionais relativas à abertura,
tramitação e encerramento dos processos de
insolvência abrangidos pelo seu âmbito de apli-
cação, bem como de todas as decisões judici-
ais proferidas em conexão direta com esses
procedimentos.
Quanto a lei aplicável, continua a imperar o crité-
rio absoluto da lex concursus, ou seja, aplica-se
a lei do Estado-Membro em cujo território a fa-
lência foi requerida. Assim, a lex fori regulará as
questões processuais, tais como: condições de
ajuizamento da ação, sua tramitação, o encerra-
mento da insolvência, a forma de imputação das
custas e as normas referentes a nulidade, anu-
lação e impugnação de atos prejudiciais aos cre-
dores. A lei local também será aplicada às
questões de natureza substantiva, expressamen-
te relacionadas no art. 4º do Regulamento, o que
torna imprescindível, portanto, a harmonização
das leis nacionais sobre falência.11
As mudanças são, de fato, tímidas, mas procu-
ram compatibilizar os direitos do devedor com
aqueles de seus credores. No entanto, a demo-
9 CONSELHO EUROPEU. Regulamento 1346/2000. Art. 3.1. Os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro
dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume-se, até prova em contrário, que o
centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da sua respectiva sede estatutária.
10 CONSELHO EUROPEU. Regulamento 1346/2000. Art. 3.2. No caso de o centro dos interesses principais do devedor situar no território de um
Estado-Membro, os órgãos jurisdicionais de outro Estado-Membro são competentes para abrir um processo de insolvência relativo ao
referido devedor se este possuir um estabelecimento no território desse outro Estado-Membro. Os efeitos desse processo são limitados aos
bens do devedor que se encontrem neste último território.
11 CONSELHO EUROPEU. Regulamento 1346/2000. Art. 4.2. A lei de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e
encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente: a) os devedores que
podem ser sujeitos a um processo de insolvência em relação a qualidade dos mesmos; b) os bens de cuja administração ou disposição
o devedor está inibido e o destino a dar aos bens adquiridos pelo devedor após o processo de insolvência; c) os poderes respectivos do
devedor e do síndico; d) as condições de oponibilidade de uma compensação; e) os efeitos do processo de insolvência nos contratos em
vigor nos quais o devedor seja parte; f) os efeitos do processo de insolvência nas ações individuais, com exceção dos processos
pendentes; g) os créditos a reclamar no passivo do devedor e o destino a dar aos créditos nascidos após a abertura do processo de
insolvência; h) as regras relativas à reclamação, verificação e aprovação dos créditos; i) as regras de distribuição do produto da liquidação
dos bens, a graduação dos créditos e os direitos dos credores que tenham sido parcialmente satisfeitos, após a abertura do processo de
insolvência, em virtude de um direito real ou por efeito de compensação; j) as condições e efeitos do encerramento do processo
nomeadamente por concordata; k) os direitos dos credores após o encerramento do processo de insolvência; l) a imputação das custas e
despesas do processo de insolvência; m) as regas referentes a nulidade, à anulação ou à impugnação dos atos prejudiciais aos credores.
Faléncia internacional no direito comunitário 23
Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.)
ra em apresentar resultados concretos e a re-
sistência dos Estados em aprovar as medidas
que alteram os procedimentos falimentares tra-
dicionais traduzem a dificuldade em empreen-
der essa convergência de interesses.
De fato, a questão sobre quebras de empresas
é mais complexa do que atender ao interesse do
devedor em recuperar seus negócios e o dos
credores em ver seus créditos satisfeitos, mes-
mo que a custa da bancarrota do empresário,
posto que o direito falimentar, na atualidade, deve
ainda levar em conta a função social da empre-
sa, enfim, o interesse que tem os seus trabalha-
dores e a sociedade em geral em sua
preservação.
Essa preocupação foi manifesta no parecer emi-
tido pelo Comitê Econômico e Social Europeu
endereçado à Comissão, ao Conselho e ao Par-
lamento intitulado “Superar o estigma do
insucesso empresarial: por uma política de se-
gunda oportunidade”. 12
O relatório apresenta um
dado relevante: das 931.435 empresas criadas
em 1998 na Espanha, Finlândia, Itália,
Luxemburgo, Suécia e Reino Unido sobrevive-
ram, dois anos depois, apenas 73%, e, do mes-
mo grupo de empresas, pouco menos da metade
(49,1%), até 2003.
Para emitir seu parecer o Comitê Econômico e
Social adotou como parâmetro de referência a
legislação de falência dos Estados Unidos. Jus-
tifica essa escolha em razão do suposto equilí-
brio que a lei norte-americana procura estabelecer
entre devedores, credores e trabalhadores da
instituição falida, considerando, ainda, os interes-
ses da sociedade em geral na recuperação e
manutenção da empresa.
CONCLUSÃO
O objetivo focal dos blocos de integração
econômica é a abertura de mercado entre paí-
ses de uma mesma região, países estes situa-
dos em diferentes patamares de desenvolvimento
comercial e industrial, suscetíveis, portanto,
a uma concorrência empresarial que pode
desestabilizar setores pouco competitivos e ainda
incipientes da economia local.
Assim, ao invés de resultar em um crescimento
sócio-econômico integrado e complementar, os
blocos de integração também podem acentuar
as assimetrias internas, perpetuando a depen-
dência de alguns mercados em relação a outros
e, inclusive, desmontando alguns setores da eco-
nomia local em favor daquele correspondente em
país parceiro do bloco.
Para equacionar esses desequilíbrios estruturais,
medidas efetivas devem ser empreendidas pe-
los órgãos comunitários em conjunto com os
Estados-Membros do organismo de integração.
Nesse aspecto, é essencial a harmonização da
legislação sobre quebras e sobre as medidas de
saneamento de empresas em processo de fa-
lência.
Apesar disso, tanto nos blocos de integração
americanos como na União Européia, apesar das
diferenças entre os países que integram um e
12 Parecer do Comitê Econômico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comitê
Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões – Superar o estigma do insucesso empresarial – Por uma política de segunda
oportunidade – Implementar a parceria de Lisboa para o Crescimento e o Emprego. (2008/C 224/05). Em seu item 2.8 declara: “A
Comissão está certa em afirmar que a criação de empresas e o êxito e o insucesso empresariais são inerentes à realidade da economia
de mercado. Salienta ainda que, no quadro da ausência generalizada nas sociedades de apreço e de compreensão pelo espírito
empresarial, os problemas nos negócios ou mesmo o insucesso empresarial não são ainda suficientemente entendidos como uma
evolução econômica normal e uma oportunidade para um novo arranque. A UE tem de mudar essa mentalidade. Quanto mais o estigma
de um insucesso permanecer ‘colado’ a um anterior empresário falido, maior será o risco de não serem criadas novas empresas,
estendendo-se este risco a todas as partes interessadas da empresa.”
24
Soares C. C.
outro, observa-se uma grande dificuldade em se
alterar as regras tradicionais, vigentes desde o
século XIX, apesar da complexidade das relações
econômicas contemporâneas.
Em uma economia cada vez mais integrada,
globalizada, frequentemente inovada por recur-
sos tecnológicos e altamente dependente da
estabilidade do setor financeiro mundial são vá-
rias as causas que podem levar empresas à
bancarrota.
Urge, portanto, a elaboração de uma legislação
falimentar que leve em consideração essa reali-
dade, muito diferente daquela que inspirou as tra-
dicionais normas sobre insolvência e que não
levam em consideração os novos desafios que
recaem sobre o empresário e nem os aspectos
sociais que envolvem a quebra de uma empre-
sa. O fato é que, no contexto atual, uma falência
não é causada, necessariamente, por atos frau-
dulentos ou irresponsáveis do falido, mas por
uma série de circunstâncias alheias a adminis-
tração da empresa, que está sujeita,
diuturnamente, aos riscos inerentes ao sistema
mundial de mercados.
Para responder a essa nova realidade o desafio
é empreender mudanças substanciais nas legis-
lações sobre insolvência, de forma a incorporar
dispositivos que protejam, efetivamente, os inte-
resses de todas as partes envolvidas. Uma das
preocupações é de se estabelecer um processo
judicial simples, rápido e que possibilite tanto a
maximização do valor dos ativos da massa fali-
da como a restrição das proibições legais e das
desqualificações que recaem sobre o devedor
não fraudulento.
Além disso, as autoridades competentes ainda
devem estabelecer políticas públicas eficientes
de recuperação da empresa e reabilitação do
empresário falido, disponibilizando meios efica-
zes para um novo arranque, já que o sucesso
empresarial de um interessa a toda a economia
do país. Nos momentos de crise estas questões
ficam ainda mais evidentes.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA E
REFERÊNCIAS
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cos no Mercosul. São Paulo: LTr.
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Parlamento Europeu, ao Comitê Econômico e Social Europeu
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Emprego. (2008/C 224/05). Recuperado en 17 de junio de
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MAZZUOLLI, V. O. (ed.) (2009) Coletânea de Direito Internacional (7ª
Ed.). São Paulo: Revista dos Tribunais.

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Falência internacional no direito comunitário

  • 1. Faléncia internacional no direito comunitário 7 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) RESUMO O artigo trata do instituto da falência internacional no direito de integração americano abordan- do aspectos de direito internacional público, direito comunitário e direito internacional privado. Adota como paradigma as recentes disposições do direito comunitário europeu sobre o assunto, comparando o princípio territorial, que tradicionalmente rege o concurso falimentar internacio- nal, com o principio da falência universal, adotado em normativas européias, que prevê a extensão transfronteiriça dos efeitos da declaração de falências quando o devedor possue estabelecimentos ou bens sediados em outros países do bloco de integração. Conclui pela necessidade de se adotar um procedimento que equilibre todos os interesses em conflito sem deixar de considerar o importante papel social da empresa em uma economia globalizada. Palavras chave: Falência internacional, direito comunitário, territorialismo, universalismo, função social da empresa. ABSTRACT This article discusses the international bankruptcy in American integration law addressing aspects of international law, Community law and private international law. Adopts as paradigm the recent provisions of European Community law on the matter, comparing the territorial principle, which traditionally governs the invitation to tender international bankruptcy, with the principle of bankruptcy universal normative, adopted in Europe, that provides the transboundary effects of the declaration of bankruptcy when the debtor possesses establishments or goods based in other countries in the block of integration. It is concluded by the needed to adopt a procedure * Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca e doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Professora de Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e no Departamento de Relações Internacionais da mesma instituição de 2003 a 2009. Professora de Direito Internacional do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. E-mail:cynthiasoarescarneiro@yahoo.com Suma de negocios Vol. 1 N° 1, Julio de 2010, 7-24 CYNTHIA SOARES CARNEIRO* FALÊNCIA INTERNACIONAL NO DIREITO COMUNITÁRIO
  • 2. 8 Soares C. C. INTRODUÇÃO Neste artigo constam algumas reflexões sobre as relações entre empresas no comércio exterior que são fruto da troca de experiência com alunos nas aulas ministradas no curso de pós-graduação em Técnicas de Negociação Internacional do Instituto de Educação Continuada (IEC) da Pontifícia Uni- versidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Nessas aulas foram abordados, sob a ótica do Direito Comunitário, alguns aspectos relativos à quebra de empresas com repercussão transfron- teiriça, e como o Direito Comunitário possui transversalidades inarredáveis com o Direito In- ternacional Público e, mais especificamente, com o Direito Internacional Privado, os aspectos dis- cutidos também se relacionam também com estes dois ramos jurídicos. As aulas foram referenciadas em bibliografia pro- duzida sobre o tema principal e sobre questões incidentes que, a título de orientação aos leito- res, estão indicadas no fim deste documento. No entanto, a análise é voltada, essencialmente, às normativas internacionais e comunitárias sobre a matéria, que, para facilitar a leitura, vão trans- critas nas notas de rodapé do texto. Portanto, neste ensaio foram utilizadas, predo- minantemente, fontes primárias, justamente em razão da carência de trabalhos que abordam o aspecto da quebra com repercussão extraterri- torial, mesmo considerando que, em um ambi- ente de livre-mercado e em face das periódicas e freqüentes crises estruturais do modelo econômico concorrencial, a falência de empresas é recorrente e importa em questões relativas à segurança jurídica dos credores preferenciais e comuns e ao papel das políticas públicas de re- cuperação empresarial, em face do princípio da função social da empresa. O problema suscitado refere-se à aplicabilidade do territorialismo ou do universalismo jurídico no direito falimentar internacional e sobre a adequa- ção de um ou de outro desses princípios em um bloco de integração comercial. that balances all interests in conflict and considers the important social role of the company in a globalised economy. Key words: International bankruptcy, Community law, earthiness, universalism, social function of the company. RESUMEN El artículo analiza la repercussión internacional de la ley de quiebras en el derecho de integra- ción en América y aborda también algunos aspectos de derecho internacional público, de derecho comunitario y derecho internacional privado. Adopta como paradigma las recientes disposiciones del derecho comunitario europeo sobre el tema, comparando el principio territo- rial, que tradicionalmente rige la licitación falimentar internacional, con el principio de la quie- bra universal, adoptado en Europa, que prevé la extensión de los efectos transfronterizos de la declaración de quiebra, cuando el deudor posee establecimientos o mercancías basadas en otros países del bloque de integración. En la conclusión destaca la necesidad en adoptar un procedimiento que considere todos los intereses en conflicto sin descurar del importante papel social de la empresa en una economía globalizada. Palabras clave: Quiebra, comunidad internacional, territorialismo, universalismo, función so- cial de la empresa. Clasificación JEL: Q13, O29
  • 3. Faléncia internacional no direito comunitário 9 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) Até então, no Direito Internacional, tem vigora- do, de forma absoluta, o princípio territorial, que leva tanto a pluralidade de jurisdição quanto a pluralidade da legislação empresarial, creditícia e trabalhista aplicáveis a matéria. O juiz nacional do domicílio do devedor comerci- ante, pessoa física, ou da sede principal da em- presa falida, tem competência exclusiva para o juízo de falência. Essa competência, no âmbito interno, tende a ser universal, isto é, atrai para si todas as demais ações conexas ao devedor e à massa falida. A competência internacional exclu- siva do juiz nacional também coincide com a aplicação da lei material local, a lex fori, para re- solver todas as questões relativas à quebra da empresa. Nas últimas décadas, a flexibilização desse territorialismo estrito tem sido buscada, sem muito sucesso, pelos países europeus. Após sucessivas recusas de convenções sobre a matéria, a legislação comunitária vem conferir um novo perfil para o processo internacional de fa- lências na União Européia. Se na Europa a matéria tem despertado interes- se jurídico, o mesmo não se pode dizer em rela- ção ao espaço comunitário americano, onde as normas vigentes remontam ao século XIX e primórdios do século XX. As razões que levam a essa omissão precisam ser analisadas e com- preendidas. 1. DIREITO FALIMENTAR E BLOCOS COMUNITÁRIOS O Direito Comunitário americano é aquele pro- duzido pelos organismos de integração regional sediados no centro e sul americano. Estados que, ao longo dos séculos, tem aprofundado seus la- ços comerciais, o que tem resultado em várias convenções multilaterais regionais, algumas vi- gentes desde o século XIX, bem como na insti- tuição de organizações de cooperação e de integração regional cuja principal função tem sido aproximar o arcabouço jurídico nos Estados da América do Sul e Central. O direito falimentar, desde os primórdios, tem sido regulado pelas convenções regionais de Direito Comercial e de Direito Internacional Pri- vado, que consagraram a tese territorialista, que implica na pluralidade de jurisdição e de leis apli- cáveis à matéria. Mais recentemente, o principio universalista, que comporta a unidade de jurisdição com a univer- salidade dos seus efeitos jurídicos, começa a ser suscitado em documentos e na legislação comu- nitária européia. É a relativização do territorialismo no direito falimentar internacional em função do universalismo jurídico que, até então, caracteri- za apenas o direito falimentar interno. Em relação ao espaço comunitário americano, dois aspectos devem ser levados em conside- ração em relação à quebra de empresas em um regime concorrencial: os efeitos do livre-comér- cio para empresas locais e a repercussão só- cio-econômica da falência da empresa matriz em suas filiais localizadas nos Estados-membros. Em economia de livre mercado, quando exis- tem assimetrias acentuadas entre os Estados- Membros, empresas de setores mais sensíveis ficam suscetíveis à concorrência de empresas estrangeiras do bloco, o que pode ocasionar quebras. Para evitar conseqüências mais gra- ves, os mecanismos de salvaguardas devem ser eficientes e a agenda de integração flexí- vel, embora rigorosamente planejada e ne- gociada. No mesmo sentido, devem ser elaboradas legislações harmônicas sobre os diversos aspectos do processo de falência in- ternacional e regulados meios jurídicos que levem em consideração a recuperação da empresa e do falido.
  • 4. 10 Soares C. C. Quanto à relação da empresa matriz e suas fili- ais com sede em outros Estados do bloco, é de se esperar, em face do princípio de livre estabe- lecimento e de prestação de serviços, o deslo- camento e expansão de empresas é esperado. Mesmo setores consolidados e de menor con- corrência, no entanto, não estão imunes aos efei- tos das crises de readequação econômica, que são periódicas e próprias do sistema. Nessas ocasiões empresas multinacionais, de grande ou de médio porte, podem ser afetadas. O princípio territorial protege as empresas filiais da bancar- rota econômica da matriz, enquanto a universa- lidade da jurisdição falimentar atinge, mesmo que em procedimentos subsidiários, as filiais locali- zadas em outros países. Em face das peculiari- dades da região, qual o sistema seria mais adequado? 2. DIREITO COMUNITÁRIO AMERICANO Desde meados do século passado os Estados têm negociado tratados internacionais com o objetivo de constituir organismos de integração ou de cooperação internacional econômica. Apesar das Comunidades Econômicas Européi- as terem iniciado o processo de integração co- munitária, o fenômeno dos acordos internacionais de integração comercial entre Estados fronteiri- ços, ou de uma mesma região, é mais antigo. Na Europa, a primeira experiência de sucesso foi o Zollvenrein, que, posteriormente, acabou resultando na integração política dos Estados alemães, em 1870. Na América, a primeira ten- tativa remonta a 1890 com a criação da União Panamericana, que, embora não tenha atingido o objetivo de criar uma zona de livre-comércio entre a América do Sul, a América Central e os Estados Unidos, resultou na primeira organiza- ção internacional consolidada na região, institui- ção que daria origem, quase um século depois, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a diversas convenções e resoluções internacio- nais que procuravam harmonizar a legislação entre os Estados-membros, principalmente en- tre os Estados da América do Sul. A aproximação do ordenamento jurídico entre os Estados da região é condição indispensável para o desenvolvimento do comércio entre empresas localizadas em um espaço de integração. Sob a égide da União Panamericana foram negociados e ratificados os dois Tratados de Montevidéu so- bre Direito Comercial, e o Código de Bustamante, sobre regras de Direito Internacional Privado ge- ral e especial, ambos vigentes até hoje, e, até o presente, as únicas normas a tratarem da falên- cia internacional no espaço de integração jurídi- ca da América do Sul e Central. Na região, as experiências mais antigas de integração comercial são a Organização dos Estados Centroamericanos (ODECA), que deu origem, com a reforma de seus tratados institutivos, ao Sistema de Integração Centroa- mericano; o Pacto Andino, que originou a Comu- nidade Andina (CAN), também em reestruturação recente, e o Sistema de Integração Andino. O Mercosul, fenômeno mais recente, somente foi criado em 1991. Tanto a CAN como o Mercosul são acordos de integração parcial firmados no âmbito da Asso- ciação Latino-Americana de Desenvolvimento e Integração (ALADI), organização regional que sucedeu a Associação Latino-Americana de Li- vre-Comércio (ALALC), criada pelo Tratado de Montevidéu de 1960, reformado em 1980. O Tra- tado de Montevidéu-80 estabeleceu a moldura para os sistemas de integração sul-americanos, levando à reforma do Acordo de Cartagena e das instituições andinas, além da criação do Mercosul. A estratégia instituída pela ALADI é, jus- tamente, formar, paulatinamente, uma zona am- pliada de Mercado Comum entre todos os países da América do Sul, o que implicaria na unifica-
  • 5. Faléncia internacional no direito comunitário 11 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) ção das instituições do Sistema Andino com as do Mercosul. Apesar das críticas que são feitas a esses or- ganismos regionais, no sentido de que são pou- co eficazes ao desenvolvimento econômico da região, o aprofundamento de suas relações di- plomáticas e sócio-econômicas são inegáveis. Além disso, o desenvolvimento das instituições comunitárias e do seu arcabouço normativo, que efetivamente tem aproximado as legislações nacionais, demonstram que o processo é irreversível. 3. ANTECEDENTES ECONÔMICOS COMUNS Os países da América do Sul e da América Cen- tral possuem, em suas características econômicas, vários pontos em comum. Um desses aspectos é a sua industrialização, e conseqüente urbanização, tardia. Se na Inglater- ra a denominada Revolução Industrial remonta a meados do século XVII, na França, ao século XVIII, na Prússia, Piemonte e Estados Unidos, ao inicio do século XIX, alguns países latino- americanos somente iniciaram o processo de in- dustrialização em meados do século XX, enquanto que outros têm formado seu parque in- dustrial apenas nos últimos anos, fatores limitantes ao intercâmbio empresarial na região. O mercado externo, sempre voltado à exporta- ção especializada de gêneros primários, com produção determinada, majoritariamente, pela demanda européia, constituía-se em força dinâ- mica a inibir as ações políticas no sentido de in- tegrar comercialmente as regiões americanas. Além da carência de produtos manufaturados essenciais ao consumo interno, o orçamento dos Estados dependia da importação desses bens e essa bilateralidade desigual, em razão do desequilíbrio de valores agregados, tem como efeito o déficit crônico da balança comercial dos países latino-americanos a acarretar o conheci- do círculo vicioso: carência de capital interno capaz de impulsionar empreendimentos indus- triais, importação de bens e de capitais, déficit, debilidade do mercado interno. Essa dependência congênita do mercado euro- peu e, mas recentemente, do norte-americano, ainda tem inviabilizado as tentativas de fortaleci- mento do comércio regional, o que dificulta e desencoraja o intercâmbio empresarial entre os países fronteiriços. Nos séculos anteriores, tais circunstâncias explicam os impasses em rela- ção aos acordos de preferência tributária e de livre comércio negociados no âmbito da União Panamericana. O processo de industrialização, em razão de tais elementos estruturais, foi iniciado como um pro- jeto de Estado e desenvolvido em razão de em- préstimos privados estrangeiros, do investimento direto desse capital, da importação de bens de produção, de know-how e de tecnologia estran- geiros e com o estabelecimento de empresas multinacionais, sediadas em países do hemisfé- rio norte. Circunstâncias que dificultam a altera- ção substancial do perfil econômico da região. Como efeito, os países da América do Sul e Cen- tral, mesmo quando industrializados, passaram a se constituir como grandes exportadores de capital, tanto sob a forma de remessa de lucros como na forma de pagamento dos juros relati- vos aos investimentos privados. Fatores igual- mente inibidores do desenvolvimento econômico local. Além dessas características, os Estados latino- americanos têm em comum uma história de ins- tabilidade política e um árduo caminho na tentativa de consolidar instituições democráticas. Ao lon- go do século XX toda a região foi abalada por uma sucessão de golpes militares que, ao im-
  • 6. 12 Soares C. C. plantaram regimes fechados, adotaram uma po- lítica de isolamento recíproco, priorizando as tra- dicionais alianças econômicas e, mais uma vez, sufocando o potencial de diversificação da pro- dução regional. 4. ESPAÇO DE INTEGRAÇÃO E HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA O Direito Internacional, dentre outros objetos que lhe são inerentes, presta-se a harmonizar ou mesmo uniformizar a legislação entre os Esta- dos que ratificam os tratados negociados nos foros internacionais ou incorporam as resoluções editadas pelas organizações internacionais ao seu ordenamento jurídico interno. Tradicionalmente, em razão de sua força vinculativa reconhecida e legitimada por proce- dimentos internos, as normas internacionais têm originado, principalmente, de tratados. Nos seus primórdios jurídicos, os tratados internacionais possuíam nítida natureza contratual, pois esta- beleciam obrigações oponíveis apenas em rela- ção aos Estados vinculados, o que explica o fato de que até o século XIX os tratados serem exclu- sivamente bilaterais. Posteriormente, os tratados passaram a abranger matéria legal, ou seja, a criar normas suscetíveis de serem incorporadas ao ordenamento jurídico do Estado ratificador. Em face do conteúdo genérico e abstrato de seus dispositivos, as obrigações contraídas pelo Es- tado tornam-se passíveis de serem suscitadas por todos os seus destinatários: os demais Es- tados signatários, em foros internacionais ou in- ternos, e pessoas físicas ou jurídicas legitimadas perante os tribunais locais. No entanto, apesar dessa predominância, a edi- ção de resoluções internacionais só tem au- mentado e a sua força de vinculação, em relação aos Estados, têm sido alterada conside- ravelmente, o que vem ocorrendo desde o surgimento do Direito Comunitário europeu, que, por sua vez, coincide com o desenvolvimento do poder decisório dos demais organismos econômicos multilaterais. As resoluções são fruto da atividade normativa dos organismos internacionais e alteram de for- ma substancial o sistema clássico de Direito In- ternacional. Sua força vinculativa é variável e estabelecida pela convenção institutiva da orga- nização internacional. Podem se constituir como direito supranacional ou como mera recomen- dação. Como direito supranacional estabelecem uma transversalidade até então inédita em um sistema internacional tradicionalmente resisten- te a instituições com competência para intervir em questões que, até meados do século passa- do, eram de alçada exclusiva do Estado. O procedimento para a recepção de obrigações decorrentes de um tratado é compatível com o sistema dualista de atribuição de competênci- as internas e internacionais diversificadas. Para que tenham força vinculativa e sejam oponíveis tanto no âmbito interno como internacional os tratados passam por procedimento complexo, através do qual é dada a oportunidade para que o Estado, por meio de órgãos variados, avalie a conveniência e oportunidade em assumir suas disposições. Os tratados são fruto da diplomacia parlamen- tar: poder normativo de competência originária do Executivo e exercido pelo Ministério das Re- lações Exteriores, isto é, pelo Chanceler e corpo diplomático. Suas normas são negociadas e pre- viamente aprovadas em foros internacionais para futura ratificação pelo Chefe de Estado. A discricionariedade em se obrigar em relação às normas de um tratado caracteriza todo o pro- cesso de sua aceitação pelo Estado, tanto na fase internacional, desenvolvida junto aos órgãos internacionalmente competentes, como na fase interna, momento em que se passa à sua ratifi- cação, procedimento regulado pelo direito naci-
  • 7. Faléncia internacional no direito comunitário 13 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) onal e que pode prever a intervenção de outros órgãos estatais. O constitucionalismo do século XIX incorporou ao procedimento de edição de tratados o contro- le externo do poder legislativo, estabelecendo que, entre a assinatura do diplomata e a ratifica- ção do Chanceler ou do Chefe de Estado, o Par- lamento também deverá se manifestar sobre as obrigações internacionais acordadas. A partir de então, o procedimento de edição de tratados pas- sou a prever três oportunidades para a avaliação do Estado sobre a conveniência em anuir com as obrigações jurídicas daí decorrentes: na au- tenticação do texto, na aprovação pelo Parlamento e na ratificação do Executivo. A edição e incorporação de resoluções interna- cionais tende a ser bem menos complexa. Ge- ralmente as normativas são originadas de um Conselho de Ministros de Relações Exteriores ou de um Conselho de Ministros de pastas rela- cionadas ao objeto da resolução. O procedimento para que entrem em vigência e passem a vincu- lar os Estados-membros da Organização Inter- nacional, bem como a extensão de seus efeitos, a sua força vinculativa, sua forma e tempo de vigência, sua relação com o direito interno dos Estados-membros são aspectos que devem estar previstos no tratado que institui a organiza- ção internacional em questão. Possuem natureza de resolução, independente- mente do nome com que são designadas pelos tratados constitutivos, os Regulamentos e Diretivas da União Européia, as Decisões toma- das pelo Conselho do Mercado Comum, as Re- soluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul1 , assim como todas as fontes do direi- to secundário da Comunidade Andina, nos ter- mos do Estatuto do seu Tribunal de Justiça.2 São também resoluções as decisões tomadas no âmbito do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e, a rigor, os Acordos negociados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Diferentemente dos tratados, as resoluções geralmente não passam por ratificação do Es- tado-Membro, e, portanto, não estão, necessari- amente, submetidas ao controle do Parlamento. Geralmente estão aptas para entrarem em vigên- cia, vinculando os Estados, a partir de sua publi- cação pela Secretaria do organismo internacional que a emitiu. É o caso da União Européia e da Comunidade Andina. No Mercosul entram em vi- gência quando o Estado demonstrar que editou norma interna compatível com seu objeto ou de- terminou, por meio de ato interno, publicação de sua vigência.3 1 MERCOSUL. PROTOCOLO DE OURO PRETO. Art. 41. As fontes jurídicas do Mercosul são: I – O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares; II – os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos; III – as Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção. 2 COMUNIDADE ANDINA. DECISÃO 500 DO CONSELHO DE MINISTROS DE RELAÇÕES EXTERIORES. Artículo 2.- Naturaleza y características del ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina. El ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina está conformado por normas fundamentales o de derecho primario y por normas derivadas o de derecho secundario. Las normas de derecho primario están constituidas por los tratados suscritos y ratificados por los Países Miembros en materia de integración comunitaria andina así como por sus protocolos adicionales y modificatorios. Las normas de derecho secundario o derivado están constituidas por las Decisiones del Consejo de Ministros de Relaciones Exteriores y de la Comisión, por las Resoluciones de la Secretaría General, por los Convenios de Complementación Industrial y otros que adopten los Países Miembros entre sí en el marco del proceso de integración subregional andino. 3 MERCOSUL. PROTOCOLO DE OURO PRETO. Art. 40. A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados-Partes das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2º deste protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento: i) uma vez aprovada a norma, os Estados- Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul; ii) quando todos os Estados-Partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos
  • 8. 14 Soares C. C. O fato é que o procedimento de incorporação das resoluções internacionais ao ordenamento jurídico dos Estados é mais simples e pode ser bem mais célere em relação ao procedimento de edição dos tratados, quando não automáti- co. Em razão desses caracteres houve, de início, resistência dos Estados em relação à sua obrigatoriedade. Daí, a tradicional classi- ficação das resoluções como soft Law, em contraposição à identificação dos tratados como hard law, em face aos seus efeitos vinculantes. Atualmente, o que se observa, é que entre a diversificada tipologia de resoluções internacio- nais ou comunitárias encontramos aquelas com poder de vinculação (hard law) e outras com função de mera recomendação (soft law) a seus destinatários. Seja por meio de tratados ou por meio de resolu- ções, os blocos de integração econômica reque- rem a harmonização legislativa em todos os aspectos relativos às liberdades de trânsito que objetivam promover, ou seja, em todas as maté- rias que versam, diretamente ou incidentalmente, sobre comércio de mercadorias e serviços, des- locamento de trabalhadores, de empresas e de capitais, o que determina a harmonização não só do Direito Civil e Comercial, mas inclusive do Direito do Trabalho, do Direito Tributário e Econômico, e, fundamentalmente, das normas processuais relativas à cooperação judiciária in- ternacional. Sem isso, a concretização de um espaço sócio-econômico integrado é inviável, por isso a necessidade de aproximação entre as le- gislações dos Estados-Membros é destacada nos seus tratados institutivos.4 Se no âmbito da Comunidade Andina e do Mercosul o avanço, nesse sentido, é notável muito mais foi feito na União Européia. No entanto, a resistência em tratar a questão da quebra de empresas e seus efeitos extraterritoriais é evi- jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado-Parte; iii) as normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados-Partes 30 dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados-Partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais. Art. 42. As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2 deste protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país. COMUNIDADE ANDINA. Tratado de Creacion Del Tribunal de Justicia de la Comunidad Andina. Art 2. Las Decisiones obligan a los Países Miembros desde la fecha en que sean aprobadas por el Consejo Andino de Ministros de Relaciones Exteriores o por la Comisión de la Comunidad Andina. Art 3.- Las Decisiones del Consejo Andino de Ministros de Relaciones Exteriores o de la Comisión y las Resoluciones de la Secretaría General serán directamente aplicables en los Países Miembros a partir de la fecha de su publicación en la Gaceta Oficial del Acuerdo, a menos que las mismas señalen una fecha posterior. Cuando su texto así lo disponga, las Decisiones requerirán de incorporación al derecho interno, mediante acto expreso en el cual se indicará la fecha de su entrada en vigor en cada País Miembro. Art 4.- Los Países Miembros están obligados a adoptar las medidas que sean necesarias para asegurar el cumplimiento de las normas que conforman el ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina. Se comprometen, asimismo, a no adoptar ni emplear medida alguna que sea contraria a dichas normas o que de algún modo obstaculice su aplicación. 4 MERCOSUL. Tratado de Assunção. Art. 1. Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum (...) que se denominá Mercado Comum do Sul (Mercosul). Este Mercado Comum implica: A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômicos-comerciais regionais e internacionais; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados- Partes, e o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. COMUNIDADE ANDINA. Acordo de Cartagena. Artículo 3.- Para alcanzar los objetivos del presente Acuerdo se emplearán, entre otros, los mecanismos y medidas siguientes: (...) b) La armonización gradual de políticas económicas y sociales y la aproximación de las legislaciones nacionales en las materias pertinentes.
  • 9. Faléncia internacional no direito comunitário 15 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) dente. Mesmo na União Européia a matéria de- morou a ser tratada. A Convenção relativa aos processos de insolvência, de 23 de novembro de 1995, não chegou a entrar em vigência. Ou- tras tentativas de elaboração de tratados tam- bém fracassaram, o que levou o bloco a editar, em 2000, o Regulamento do Conselho Europeu sobre o assunto.5 Na América, o direito vigente continua sendo o dos antigos Tratados de Montevidéu e de Bustamante. O tradicional territorialismo tem ini- bido que questões sobre a matéria se aprofundem nos foros regionais. No entanto, a matéria é per- tinente a uma região que tem experimentado, recentemente, uma inédita abertura de merca- dos, o que representa novos desafios para as empresas locais. Portanto, é de se considerar tanto os aspectos relativos à cooperação judici- ária internacional nos processos de falência como a uniformização dos meios disponíveis à recuperação da empresa e à reabilitação do fali- do, posto que seja de interesse de toda a socie- dade e, especialmente, dos seus trabalhadores, a manutenção das atividades da companhia e o seu saneamento financeiro. 5. O DIREITO INTERNACIONAL DE FALÊNCIA NA AMÉRICA LATINA Desde o final do Século XIX têm sido realizado, na América Latina, diversos congressos interna- cionais nos quais são negociadas convenções que buscam uniformizar o ordenamento jurídico dos Estados da região, principalmente no que tange aos aspectos civis e comerciais frequen- temente sujeitos à relações extraterritoriais. No âmbito da União Pan-americana, o projeto negociado no Congresso de Lima, realizado em 1878, foi o único que previu a competência judi- cial universal em caso de falência com repercus- são transfronteiriça, embora estabelecesse a possibilidade de quebras secundárias quando o devedor possuísse filiais sediadas em outros países da região. O Tratado de Lima não chegou a ser ratificado e sequer repercutiu nas normas editadas posteriormente no âmbito interno e re- gional. Aliás, disposições semelhantes, que recepcionam o princípio universalista do foro falimentar, somente voltaram a ser mencionadas na Convenção Européia relativa aos processos de insolvência, de 1995, que também não che- gou a entrar em vigência. O Tratado de Direito Comercial de Montevidéu, de 1889, foi a primeira codificação de Direito In- ternacional Privado que logrou êxito na região. Desta feita o instrumento adotou o princípio territorial, que, na falência internacional, tem como efeito a pluralidade de foros falimentares em relação ao mesmo devedor. O direito falimentar vem tratado no Titulo De las falências, artigos 35 a 48 do tratado (RECHSTEINER: 2001). Segundo seus disposi- tivos o pedido de quebra deve ser apresentado no domicilio do devedor, contemplando-se a pos- sibilidade de outros processos no caso do falido possuir estabelecimentos em países diferentes. Como o tratado consagrou a preferência dos cre- dores locais em detrimento dos estrangeiros, a estes restava solicitar a declaração de quebra no seu próprio país, se esse sediasse estabele- cimento do falido, abrindo-se um novo concurso 5 UNIÃO EUROPÉIA. Regulamento (CE) n. 1346 de 29 de maio de 2000 relativo aos processos de insolvência. O Regulamento expressa em seu Preâmbulo: “(2) O bom funcionamento do mercado interno exige que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços se efectuem de forma eficiente e eficaz. A aprovação do presente regulamento é necessária para alcançar esse objectivo, o qual se insere no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil, na acepção do art. 65 do Tratado. (3) Cada vez mais as atividades das empresas produzem efeitos transfronteiriços e são, por esse motivo, regulamentadas por legislação comunitária. Como a insolvência dessas empresas afecta, nomeadamente, o bom funcionamento do mercado interno, faz-se sentir um acto da comunidade que exija a coordenação das medidas a tomar relativamente aos bens de um devedor insolvente.
  • 10. 16 Soares C. C. que tramitaria de forma independente em rela- ção ao procedimento estabelecido na sede prin- cipal do devedor. A reabilitação do falido somente se tornaria efetiva com o assentimento de todas as quebras. O tratado foi ratificado pela Argentina, Peru, Colômbia, Paraguai e Uruguai. Ocorre que o Brasil, ao contrário de seus vizi- nhos, não ratificou o Tratado de Montevidéu, adotando o Código de Bustamante de Direito In- ternacional Privado ou Tratado de Havana que foi editado na sétima Conferência Interamericana e trata da falência, concordata e reabilitação do falido nos seus dispositivos 414 a 422. Em ter- mos semelhantes ao Tratado de Montevidéu, o Código de Bustamante estabelece procedimen- tos diferentes no caso do falido possuir um ou mais estabelecimentos localizados em outros países da região. Possuindo apenas um estabe- lecimento, o Código de Bustamante garante o reconhecimento extraterritorial da sentença declaratória de falência ou concordata pelas au- toridades judiciais dos demais Estados-mem- bros, o que se fará pelas regras processuais estabelecidas em cada um desses Estados, bem como o reconhecimento extraterritorial das facul- dades e funções do síndico da massa falida, “sem necessidade de trâmite algum local”.6 O Tratado de Direito Comercial Terrestre Inter- nacional, de 1940, também negociado em Mon- tevidéu, no segundo Congresso Sul-Americano de Direito Internacional Privado, efetuou a revi- são do tratado de 1889, muito criticado em ra- zão de suas lacunas e pelas dúvidas que suscitava. Esse segundo tratado prevê a unidade liquidativa, estabelecendo exceções quando o devedor pos- suir ativos em outros países. Nesse caso, pode- rá haver tantas quebras independentes quantas forem as suas filiais. Quando o devedor possuir um único estabelecimento, o juiz do lugar da sua situação será exclusivamente competente para conhecer do pedido e declarar a falência. As regras de direito falimentar internacional es- tão em seu Título VIII – De las quiebras – em seus artigos 40 a 53. O segundo tratado de Montevi- déu foi ratificado apenas pela Argentina, Paraguai e Uruguai, justamente os Estados parceiros do Brasil no Mercosul, no entanto não foi ratificado pelo Brasil. A União Panamericana foi sucedida pela Organi- zação dos Estados Americanos (OEA) que, por sua vez, criou a Comissão Interamericana de Direito Internacional Privado, profícua na negoci- ação e elaboração de Convenções sobre os mais variados aspectos de Direito Internacional Priva- do, embora a quebra de empresas com reper- cussão transfronteiriça continue sem alterações mais recentes. Atualmente, as normas sobre direito comercial e cooperação judiciária internacional, por conver- girem com os objetivos do bloco de integração, têm sido negociadas no âmbito dos espaços comunitários. No Mercosul foram editados o Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação Judiciária Internacio- nal, o Protocolo de Ouro Preto sobre Medidas Cautelares, o Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, o Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de 6 UNIÃO PANAMERICANA. Tratado de Havana (1928). Art. 416. A declaração de incapacidade do fallido ou concordatário tem effeitos extraterritoriaes nos Estados contractantes, mediante prévio cumprimento das formalidades de registro ou publicações, que a legislação de cada um delles exija. Art. 417. A sentença declaratória da fallencia ou concordata, proferida em um dos Estados contractantes, executar-se-á nos outros Estados, nos casos e forma estabelecidos neste Código para as resoluções judiciaes; mas, produzirá, desde que seja definitiva e para as pessoas a respeito das quaes o seja, os effeitos de cousa julgada. Art. 418. As faculdades e funcções dos syndicos, nomeados em um dos Estado contractantes, de accôrdo com as disposições deste Código, terão effeito extraterritorial nos demais, sem necessidade de trâmite algum local. (Mazzuoli: 2009).
  • 11. Faléncia internacional no direito comunitário 17 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) Serviços, o Acordo sobre o benefício da Justiça Gratuita e Assistência Jurídica Gratuita entre os Estados-Partes, Acordo sobre Arbitragem Co- mercial Internacional, todos relativos à coopera- ção entre juízes e tribunais no âmbito comunitário. A maioria desses instrumentos jurídicos, fontes de Direito Internacional Público e do Direito de Integração, tem como objeto o Direito Internacio- nal Privado, isto é, são normas destinadas aos magistrados nacionais e definem sua competên- cia para o julgamento de ações com conexão extraterritorial, além de estabelecer o procedi- mento para a cooperação judiciária entre os Es- tados-Membros, indicando, na falta de norma comunitária específica, a lei material de um dos Estados a ser aplicada na matéria litigiosa. Sendo assim, na ausência de um direito unifor- me entre os Estados, cumpre a norma de Direi- to Internacional Privado fixar a competência do juiz nacional e, com isso, determinar o direito aplicável ao processo, que será sempre a lex fori, e também indicar a lei que resolverá as ques- tões de mérito relativas à matéria sub judice. Tendo em vista as antigas convenções vigentes na região, nas ações declaratórias de falência será exclusivamente competente para conhecer do pedido o juiz do domicilio do devedor, aplican- do-se aos aspectos materiais a lei substantiva do lugar onde foi aberto o processo falimentar, ou seja, aplica-se a lex fori concursus, tanto em relação ao processo quanto em relação as ques- tões de mérito da falência. Antigas, ultrapassadas e lacunosas, as normas sobre falência internacional, na América, podem gerar insegurança e se constituir em fator inibidor aos negócios nos blocos de integração. O fato é que, apesar da instituição de órgãos comunitários com poder normativo e do desen- volvimento do direito de integração na região, ain- da não temos normas adequadas a essa nova realidade. Nas décadas anteriores quase a tota- lidade dos Estados latino-americanos adotavam uma política protetiva em relação aos seus mer- cados internos. Além disso, os acordos comer- ciais eram preferencialmente dirigidos aos países europeus ou aos Estados Unidos, o que levava a uma limitação aos negócios entre empresas da região sul e centro-americana. No entanto, os projetos de integração econômica, revitalizados nos últimos vinte anos, requerem outra perspectiva para as relações empresari- ais. A abertura de mercados, mesmo quando li- mitada ao comércio de bens e serviços, confere nova dinâmica às empresas, que passam a for- necer seus produtos a consumidores estrangei- ros além de estreitar suas relações negociais com outras empresas da região, em face das facilidades de exportação. Em contrapartida, também estarão sujeitas à concorrência internacional, às mudanças na po- lítica cambial comunitária, às necessidades de modernização tecnológica, enfim, a inúmeras variáveis que podem levar a desequilíbrios conjunturais e, eventualmente, até mesmo à que- bra. Nesse aspecto, as pequenas e médias em- presas podem ser as mais beneficiadas pelo livre-comércio, porém, também são as mais vul- neráveis Embora o processo de integração regional sofra os efeitos das crises sistêmicas mundiais, ele é irreversível. Entretanto, apesar de impulsionar a economia intra-regional, a abertura de mercados também traz conseqüências deletérias para os setores mais vulneráveis da economia local. Ape- sar disso, o avanço normativo passa ao largo da matéria sobre falência internacional. O Protoco- lo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacio- nal em Matéria Contratual, celebrado em 1994, expressa no seu art. 2º, 1: “o âmbito de aplica- ção do presente protocolo exclui: 1. As relações jurídicas entre os falidos e seus credores e de-
  • 12. 18 Soares C. C. mais procedimentos análogos, especialmente as concordatas.” Em face dessas omissões, uma declaração de falência que envolva empresas e credores de Estados-Membros do Mercosul ou da Comu- nidade Andina pode gerar conflitos insolucio- náveis de leis incidentes sobre a matéria, em razão da diversidade de leis nacionais. Essas diferenças constituem entraves à consolidação da integração comercial, em face das dificul- dades jurídicas que acarretam aos negócios na região. 6. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO FALIMENTAR INTERNACIONAL Como vimos, o Direito Falimentar Internacional insere-se no âmbito do Direito Internacional Pri- vado. Nesse aspecto, a questão que ainda encontra-se em aberto é a extensão da aplicabilidade do elemento de conexão lex fori concursus, que, a rigor, apenas determina que as leis processuais aplicáveis à falência são aquelas do lugar onde foi ajuizado o procedimen- to. No entanto, na falta de regras claras, o ele- mento de conexão atinge, igualmente, os aspectos jurídicos substanciais inerentes ao re- gime falimentar tais como a extensão da massa falida, a responsabilidade do falido, as sanções que lhe são aplicáveis, as atribuições e respon- sabilidades do síndico, a relação dos credores com a massa falida e o regime de preferências creditícias. As leis que regerão o processo falimentar, ou seja, os atos processuais, a atividade do juiz e dos serventuários da justiça, por se tratarem de normas de Direito Público, serão, necessaria- mente, aquelas vigentes no lugar onde o proces- so foi ajuizado. No entanto, as questões materiais deverão subsumir-se ao que estiver estabeleci- do pelas normas que tratam do conflito de leis materiais no espaço, normas que indicam o di- reito material, sempre de natureza privada, que deverá ser aplicado ao fato. É o caso do direito falimentar internacional em que os sujeitos são pessoas naturais ou empresas. Ocorre que, em face da omissão legislativa e em razão das peculiaridades do direito falimentar internacional, as normas conflituais vigentes não são suficientes e adequadas para a solução da variedade de conflitos que podem se originar de um processo de falência. Confli- tos relativos à universalidade da massa falida e aos seus bens móveis, imóveis e créditos, por exemplo, são regidos pelos critérios indicativos estabelecidos pelo estatuto real adotado no esta- do de jurisdição competente. Outras questões, relativas à responsabilidade civil do falido, do sín- dico e que versam sobre direitos preferenciais ou ordinários dos credores, são resolvidas pelo estatuto das obrigações legais e contratuais (lex celebrationis, lex executionis, lex loci delicti comissi, por exemplo). O que tem levado os autores a confirmar a ex- tensão do elemento de conexão lex fori concursus, aplicando-o também como critério indicativo da lei que resolverá as questões mate- riais da falência é, justamente, a complexidade das questões que envolvem a massa falida e a extensão dos seus efeitos, que não são apenas civis, mas também trabalhistas e tributários. Daí decorre o princípio que estabelece, no âmbito da jurisdição interna, o juízo universal de falência, cujo efeito é, ainda no âmbito interno, a unidade de jurisdição. O territorialismo estrito no direito falimentar in- ternacional, que estabelece tanto a competência exclusiva do juiz do domicilio do devedor como a aplicação da lei material do foro para dirimir as questões de mérito, embora seja coerente com o principio da unidade do juízo no âmbito interno, contraditoriamente acarreta, na falência com re- percussão transnacional, além da pluralidade de jurisdição, quando o devedor possuir estabele-
  • 13. Faléncia internacional no direito comunitário 19 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) cimentos ou bens em outros países, também a pluralidade de leis aplicáveis à matéria falimentar, o que pode gerar conflitos infindáveis entre credores e a massa falida, além de propi- ciar soluções contraditórias entre juízes interna- cionalmente competentes. Outra questão diretamente relacionada ao pro- cedimento falimentar refere-se à condição jurídi- ca do estrangeiro e ao seu direito de participar de um procedimento de insolvência aberto em território de outro país. Enfim, à extensão de sua capacidade de agir no domicílio do devedor, as- pecto relativo ao estatuto pessoal do credor, seja pessoa física ou jurídica estrangeira. Nesse caso, os critérios para a determinação da lei aplicável à capacidade tanto do devedor como do credor, na América, é a do seu próprio domicílio ou resi- dência habitual (lex domicilii), quando pessoa fí- sica, ou a lei do lugar de registro do contrato social e estatutos da empresa (lei da sede estatutária da pessoa jurídica). No entanto, em razão das peculiaridades do procedimento, a lei conflitual poderá estabelecer regra especial para a deter- minação da capacidade, adotando como critério a lei da nacionalidade do credor pessoa física (lex patriae) ou a lei da sede dos negócios da pessoa jurídica. É possível, até mesmo, que a capacida- de seja resolvida por critérios subsidiários relati- vos ao estatuto das obrigações, estabelecendo como elemento de conexão a lei do lugar do cum- primento da obrigação (lex loci solutionis ou lex loci executionis). É o critério preferido pela esco- la territorialista, pois envia à lei do devedor, ou lei do foro em que foi ajuizada a ação declaratória de falência, a definição da capacidade civil e pro- cessual do credor à habilitação do seu crédito. O fato é que a aplicação das regras conflituais pelo princípio da territorialidade estrita pode levar a discriminações camufladas no processo de falência internacional, pois a lei do país do deve- dor pode estabelecer condições que dificultam ou impedem a participação dos credores estran- geiros comuns, ou seja, daqueles que não pos- suem garantias reais ou créditos trabalhistas. Um exemplo é a exigência da cautio judicatum solvi para os demandantes não residentes no país. Em relação a esses aspectos, cumpre destacar que as normas constitucionais nos países ameri- canos restringem ao máximo o tratamento dife- renciado entre nacionais e estrangeiros. Mesmo assim, o tratamento é diferenciado e as leis inter- nas ainda estabelecem restrições ao exercício de direitos civis aos estrangeiros, discriminação que tende a ser completamente abolida no âmbito do direito comunitário. 7. OS PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E DA UNIVERSALIDADE A falência internacional, isto é, o concurso de cre- dores com elementos em conexão com sistemas jurídicos estrangeiros, é regida pelo princípio da territorialidade e pluralidade de foros falimentares. Porém, nos últimos anos, normativas comunitári- as têm incorporado aspectos da universalidade do foro e unidade legal no processo de falência. Ambos os princípios – territorialidade ou univer- salidade - referem-se ao alcance dos efeitos da declaração de falência. O primeiro restringe os efeitos aos limites territoriais do Estado onde foi aberto o processo, isto é, só atinge os estabele- cimentos e bens do devedor situados no país onde foi aberto o concurso. O princípio da universali- dade admite que os efeitos da declaração sejam também extraterritoriais, atingindo empresas fili- ais e bens situados em outros países, embora a jurisdição seja única ou, ao menos, predominan- te em relação às demais. A unidade do juízo manifesta-se quando a lei de- termina que todas as questões jurídicas relacio- nadas ao procedimento falimentar serão decididas por uma única autoridade judicial. As decisões tomadas por esse juiz deverão ser re- conhecidas por autoridades de outros Estados e atingirão bens e estabelecimentos ali localizados.
  • 14. 20 Soares C. C. Enfim, o procedimento único alcança a totalida- de do patrimônio do falido, independentemente do lugar onde se encontram, produzindo seus efeitos em todos os países em que estiverem radicados. Ocorre justamente o contrário quando a lei adota o princípio territorial, pois, se os efeitos da decla- ração estão restritas a um único território, have- rá a justaposição de tantos processos quanto forem os estabelecimentos do falido situados em países estrangeiros. Ou seja, o princípio territorial leva à pluralidade de procedimentos falimentares, e, a depender dos critérios de indicação da lei material aplicável às questões incidentes ao pro- cedimento, também à pluralidade da legislação incidente sobre o mérito. Os argumentos favoráveis e contrários em rela- ção a uma ou outra opção legal são variados. Para os que defendem o princípio da universali- dade dos efeitos e unidade de jurisdição, que seria aquela onde o devedor tem o centro de seus in- teresses ou a sede de seu estabelecimento prin- cipal, o método tende a ser mais favorável aos credores, pois tanto garantiria o seu tratamento igualitário, independentemente de seu domicilio ou nacionalidade, como também possibilitaria, de forma mais efetiva, a satisfação do seu crédito, pois seu propósito é, justamente, atingir a totali- dade dos bens do falido, independentemente do país em que se encontrem. Seus defensores ainda argumentam que a uni- versalidade da falência internacional é compatí- vel com a natureza jurídica do procedimento pois: i) adéqua-se ao requisito da execução universal assegurando a divisão proporcional do patrimônio do devedor entre os credores, objetivo principal do procedimento; ii) é compatível com a unidade jurídica da massa falida, pois um só processo abrange a totalidade dos ativos e passivos do devedor; iii) possibilita o tratamento igualitário em relação a condição pessoal do devedor, já que a falência interfere no seu status, que, por sua na- tureza, deve ser indivisível. Quanto à territorialidade do procedimento e pluralidade de jurisdições concursais, os auto- res destacam que a falência trata-se de institui- ção constritiva de direitos patrimoniais e pessoais do devedor e que, em razão de sua natureza executória, todas as normas que regulam o pro- cedimento são de ordem pública, portanto, de caráter territorial, daí a necessidade de que o pro- cesso seja desenvolvido de forma autônoma no país do domicilio do devedor e, se for o caso, também de forma independente, nos Estados de situação dos seus bens, de forma que um pro- cedimento não interfira em outro. Nesse sistema, estariam satisfeitos tanto os di- reitos individuais do devedor como de seus cre- dores, nacionais ou estrangeiros, uma vez que estes últimos poderão acompanhar de perto pro- cedimento específico e de acordo com as leis de seu próprio país, não se submetendo a um processo distante e regulado por direito desco- nhecido por eles. Além disso, a existência de quebras localizadas evitaria problemas práticos como o desconhecimento do credor em relação ao início do procedimento concursal, pois ele pode não ter acesso às informações relativas sobre ao pedido ou à decretação de falência fei- ta em país estrangeiro. Em relação ao devedor, um aspecto favorável é que a pluralidade de quebras permite que o fali- do mantenha suas atividades em alguns países, em face da diversidade de legislações aplicáveis, o que garante sua reabilitação parcial. Quanto às razões de índole prática, os defen- sores da unidade de jurisdição e universalidade dos seus efeitos afirmam que a técnica torna o procedimento mais rápido, econômico e eficaz, posto que o procedimento único facilita o desen- volvimento do processo e evitaria soluções con- traditórias. Em contrapartida, os autores que
  • 15. Faléncia internacional no direito comunitário 21 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) apontam as vantagens da quebra territorial des- tacam que, com essa opção, o juiz local tem seu trabalho facilitado porque não se ocupa das atividades do falido em países estrangeiros. Da mesma forma o síndico, que também só realiza suas atividades em um único país, o que restrin- ge seu deslocamento. Nas últimas décadas, em razão dos blocos de integração, novas tendências têm se delineado no direito falimentar internacional relativizando a hegemonia do territorialismo ao acrescentar, por meio do direito comunitário, aspectos universalis- tas nos tradicionais procedimentos falimentares. O objetivo dessas mudanças é a garantia de re- conhecimento dos procedimentos falimentares que se desenvolvem em país estrangeiro desde que cumpridos os pressupostos legais de ordem pública exigíveis nos outros países em que a de- claração de quebra também deverá produzir efei- tos. Outro aspecto é a equiparação de todos os credores que estão na mesma categoria do de- vedor, nacionais ou estrangeiros, evitando qual- quer espécie de discriminação. Nesse aspecto, as normas provenientes da União Européia são, mais uma vez, paradigmá- ticas, apesar da dificuldade que tem caracteri- zado a sua efetivação. A Comunidade Européia, desde 1982, tem bus- cado uniformizar o procedimento de falência en- tre seus Estados-Membros. No âmbito do Conselho Europeu, desde então, foram apresen- tados projetos de convenções internacionais e de regulamentos comunitários sobre a matéria. O primeiro anteprojeto sofreu revisão em 1984, mas, mesmo assim, não foi adiante até que, em 1985, o Conselho suspendeu, por falta de con- senso, as deliberações sobre ele. Também não chegou a entrar em vigência a Con- venção Européia relativa a Certos Aspectos In- ternacionais da Falência, conhecida como Convenção de Istambul, aberta para assinatura em 05 de junho de 1990. O mesmo destino teve a Convenção relativa aos Processos de Falên- cia, de 23 de novembro de 1995, considerada bastante inovadora, uma vez que o prazo esta- belecido para sua ratificação terminou sem a aprovação de um dos Estados-Membros, inviabilizando sua vigência.7 Todas essas normativas admitiam, ainda que de forma mitigada, a universalidade do procedimen- to falimentar prevendo a formação de um pro- cesso principal e de outros subsidiários. O processo principal seria aberto no centro de in- teresses do devedor ou de seu estabelecimento principal, o que não exclui a possibilidade de aber- tura de procedimentos de insolvência paralelos nos países do bloco em que o devedor também possuísse bens ou estabelecimentos comerci- ais. Esses outros procedimentos, chamados de complementares, estariam subordinados ao pro- cesso principal, flexibilizando o princípio da territorialidade estrita. Em face dos insucessos recorrentes, o Parla- mento Europeu tomou a iniciativa de requerer à Comissão Européia a apresentação de propos- ta de diretiva ou de regulamento sobre falências de empresas sediadas em Estados da Comuni- dade, o que resultou no Regulamento (CE) n. 1346 de 29 de maio de 2000, relativo aos pro- cessos de insolvência.8 Ao recepcionar cláusulas dos projetos anterio- res, o Regulamento estabeleceu que a compe- tência para o processo principal é do Estado-Membro em que se situa o centro de in- teresses do devedor, ou seja, o local onde exer- 7 Documento do Conselho CONV/INSOL/X1. 8 Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Européias em 30.6.2000, o Regulamento é aplicável aos processos de insolvência do devedor singular ou coletivo, comerciante ou não. Os processos relativos à insolvência de empresas de seguros, instituições de crédito e empresas de investimentos detentoras de fundos ou títulos por conta de terceiros e as empresas coletivas de investimento estão excluídas do seu âmbito de aplicação, por estarem sujeitas a regime específico.
  • 16. 22 Soares C. C. ce habitualmente a administração dos seus ne- gócios.9 Esse procedimento tem alcance univer- sal, abarcando todo o patrimônio do devedor, admitindo-se a possibilidade de processos se- cundários nos demais Estados-Membros onde possua outros estabelecimentos. Os efeitos desses últimos limitar-se-ão aos ativos situa- dos no território desse Estado.10 O processo secundário pode ser aberto tanto por iniciativa dos credores locais como pelos credores do es- tabelecimento situado nesse Estado, indepen- dentemente do seu domicílio. O síndico do processo principal também possui legitimidade ativa para todos os procedimentos subsidiários. Aliás, para que se assegure o papel dominante do processo principal, ao síndico desse proces- so são atribuídas outras possibilidades de inter- venção nos processos simultaneamente pendentes. Qualquer credor que tenha residência habitual, domicílio ou sede empresarial em países da União Européia tem o direito de reclamar seus créditos em cada processo de insolvência pro- posto. O mesmo se aplica às autoridades fis- cais e aos organismos de seguridade social dos Estados-Membros da Comunidade. O Regulamento também prevê o reconhecimento imediato, por autoridades estrangeiras, das de- cisões jurisdicionais relativas à abertura, tramitação e encerramento dos processos de insolvência abrangidos pelo seu âmbito de apli- cação, bem como de todas as decisões judici- ais proferidas em conexão direta com esses procedimentos. Quanto a lei aplicável, continua a imperar o crité- rio absoluto da lex concursus, ou seja, aplica-se a lei do Estado-Membro em cujo território a fa- lência foi requerida. Assim, a lex fori regulará as questões processuais, tais como: condições de ajuizamento da ação, sua tramitação, o encerra- mento da insolvência, a forma de imputação das custas e as normas referentes a nulidade, anu- lação e impugnação de atos prejudiciais aos cre- dores. A lei local também será aplicada às questões de natureza substantiva, expressamen- te relacionadas no art. 4º do Regulamento, o que torna imprescindível, portanto, a harmonização das leis nacionais sobre falência.11 As mudanças são, de fato, tímidas, mas procu- ram compatibilizar os direitos do devedor com aqueles de seus credores. No entanto, a demo- 9 CONSELHO EUROPEU. Regulamento 1346/2000. Art. 3.1. Os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da sua respectiva sede estatutária. 10 CONSELHO EUROPEU. Regulamento 1346/2000. Art. 3.2. No caso de o centro dos interesses principais do devedor situar no território de um Estado-Membro, os órgãos jurisdicionais de outro Estado-Membro são competentes para abrir um processo de insolvência relativo ao referido devedor se este possuir um estabelecimento no território desse outro Estado-Membro. Os efeitos desse processo são limitados aos bens do devedor que se encontrem neste último território. 11 CONSELHO EUROPEU. Regulamento 1346/2000. Art. 4.2. A lei de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente: a) os devedores que podem ser sujeitos a um processo de insolvência em relação a qualidade dos mesmos; b) os bens de cuja administração ou disposição o devedor está inibido e o destino a dar aos bens adquiridos pelo devedor após o processo de insolvência; c) os poderes respectivos do devedor e do síndico; d) as condições de oponibilidade de uma compensação; e) os efeitos do processo de insolvência nos contratos em vigor nos quais o devedor seja parte; f) os efeitos do processo de insolvência nas ações individuais, com exceção dos processos pendentes; g) os créditos a reclamar no passivo do devedor e o destino a dar aos créditos nascidos após a abertura do processo de insolvência; h) as regras relativas à reclamação, verificação e aprovação dos créditos; i) as regras de distribuição do produto da liquidação dos bens, a graduação dos créditos e os direitos dos credores que tenham sido parcialmente satisfeitos, após a abertura do processo de insolvência, em virtude de um direito real ou por efeito de compensação; j) as condições e efeitos do encerramento do processo nomeadamente por concordata; k) os direitos dos credores após o encerramento do processo de insolvência; l) a imputação das custas e despesas do processo de insolvência; m) as regas referentes a nulidade, à anulação ou à impugnação dos atos prejudiciais aos credores.
  • 17. Faléncia internacional no direito comunitário 23 Suma de Negocios, Vol. 1 N° 1: 7-24, julio 2010, Bogotá (Col.) ra em apresentar resultados concretos e a re- sistência dos Estados em aprovar as medidas que alteram os procedimentos falimentares tra- dicionais traduzem a dificuldade em empreen- der essa convergência de interesses. De fato, a questão sobre quebras de empresas é mais complexa do que atender ao interesse do devedor em recuperar seus negócios e o dos credores em ver seus créditos satisfeitos, mes- mo que a custa da bancarrota do empresário, posto que o direito falimentar, na atualidade, deve ainda levar em conta a função social da empre- sa, enfim, o interesse que tem os seus trabalha- dores e a sociedade em geral em sua preservação. Essa preocupação foi manifesta no parecer emi- tido pelo Comitê Econômico e Social Europeu endereçado à Comissão, ao Conselho e ao Par- lamento intitulado “Superar o estigma do insucesso empresarial: por uma política de se- gunda oportunidade”. 12 O relatório apresenta um dado relevante: das 931.435 empresas criadas em 1998 na Espanha, Finlândia, Itália, Luxemburgo, Suécia e Reino Unido sobrevive- ram, dois anos depois, apenas 73%, e, do mes- mo grupo de empresas, pouco menos da metade (49,1%), até 2003. Para emitir seu parecer o Comitê Econômico e Social adotou como parâmetro de referência a legislação de falência dos Estados Unidos. Jus- tifica essa escolha em razão do suposto equilí- brio que a lei norte-americana procura estabelecer entre devedores, credores e trabalhadores da instituição falida, considerando, ainda, os interes- ses da sociedade em geral na recuperação e manutenção da empresa. CONCLUSÃO O objetivo focal dos blocos de integração econômica é a abertura de mercado entre paí- ses de uma mesma região, países estes situa- dos em diferentes patamares de desenvolvimento comercial e industrial, suscetíveis, portanto, a uma concorrência empresarial que pode desestabilizar setores pouco competitivos e ainda incipientes da economia local. Assim, ao invés de resultar em um crescimento sócio-econômico integrado e complementar, os blocos de integração também podem acentuar as assimetrias internas, perpetuando a depen- dência de alguns mercados em relação a outros e, inclusive, desmontando alguns setores da eco- nomia local em favor daquele correspondente em país parceiro do bloco. Para equacionar esses desequilíbrios estruturais, medidas efetivas devem ser empreendidas pe- los órgãos comunitários em conjunto com os Estados-Membros do organismo de integração. Nesse aspecto, é essencial a harmonização da legislação sobre quebras e sobre as medidas de saneamento de empresas em processo de fa- lência. Apesar disso, tanto nos blocos de integração americanos como na União Européia, apesar das diferenças entre os países que integram um e 12 Parecer do Comitê Econômico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões – Superar o estigma do insucesso empresarial – Por uma política de segunda oportunidade – Implementar a parceria de Lisboa para o Crescimento e o Emprego. (2008/C 224/05). Em seu item 2.8 declara: “A Comissão está certa em afirmar que a criação de empresas e o êxito e o insucesso empresariais são inerentes à realidade da economia de mercado. Salienta ainda que, no quadro da ausência generalizada nas sociedades de apreço e de compreensão pelo espírito empresarial, os problemas nos negócios ou mesmo o insucesso empresarial não são ainda suficientemente entendidos como uma evolução econômica normal e uma oportunidade para um novo arranque. A UE tem de mudar essa mentalidade. Quanto mais o estigma de um insucesso permanecer ‘colado’ a um anterior empresário falido, maior será o risco de não serem criadas novas empresas, estendendo-se este risco a todas as partes interessadas da empresa.”
  • 18. 24 Soares C. C. outro, observa-se uma grande dificuldade em se alterar as regras tradicionais, vigentes desde o século XIX, apesar da complexidade das relações econômicas contemporâneas. Em uma economia cada vez mais integrada, globalizada, frequentemente inovada por recur- sos tecnológicos e altamente dependente da estabilidade do setor financeiro mundial são vá- rias as causas que podem levar empresas à bancarrota. Urge, portanto, a elaboração de uma legislação falimentar que leve em consideração essa reali- dade, muito diferente daquela que inspirou as tra- dicionais normas sobre insolvência e que não levam em consideração os novos desafios que recaem sobre o empresário e nem os aspectos sociais que envolvem a quebra de uma empre- sa. O fato é que, no contexto atual, uma falência não é causada, necessariamente, por atos frau- dulentos ou irresponsáveis do falido, mas por uma série de circunstâncias alheias a adminis- tração da empresa, que está sujeita, diuturnamente, aos riscos inerentes ao sistema mundial de mercados. Para responder a essa nova realidade o desafio é empreender mudanças substanciais nas legis- lações sobre insolvência, de forma a incorporar dispositivos que protejam, efetivamente, os inte- resses de todas as partes envolvidas. Uma das preocupações é de se estabelecer um processo judicial simples, rápido e que possibilite tanto a maximização do valor dos ativos da massa fali- da como a restrição das proibições legais e das desqualificações que recaem sobre o devedor não fraudulento. Além disso, as autoridades competentes ainda devem estabelecer políticas públicas eficientes de recuperação da empresa e reabilitação do empresário falido, disponibilizando meios efica- zes para um novo arranque, já que o sucesso empresarial de um interessa a toda a economia do país. Nos momentos de crise estas questões ficam ainda mais evidentes. BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA E REFERÊNCIAS ARNOLDI, P. R. (2000) A declaração da falência e seus efeitos jurídi- cos no Mercosul. São Paulo: LTr. CARNEIRO, C. S. (2007) Para entender o Direito da Integração. Belo Horizonte: Del Rey. Carneiro, C. S., Diniz, A. J. A (2006) Breve história da integração americana: de 1826 a 1948. Revista da Faculdade Mineira de Direito, 9 (17), 7-22. COMUNIDADE ANDINA (s.f.) Decisão 500 do Conselho de Ministros de Relações Exteriores. Estatuto do Tribunal de Justiça. Re- cuperado en 26 de junio de 2010, del sitio http:// www.comunidadandina.org/normativa/dec/D500.htm COMUNIDADE ANDINA (s.f.) Tratado de Creacion del Tribunal de Justicia de la Comunidad Andina. Recuperado en 28 de junio de 2010, del sitio http://www.comunidadandina.org/normativa/ tratprot/moditrib.htm MERCOSUL (1991) Tratado de Assunção. Recuperado en 28 de junio de 2010, del sitio http://www.mercosur.int/innovaportal/file/ 719/1/CMC_1991_TRATADO_ES_Asuncion.pdf MERCOSUL (1994) Protocolo de Ouro Preto. Recuperado en 28 de junio de 2010, del sitio http://www.mercosur.int/innovaportal/file/721/ 1/CMC_1994_PROTOCOLO%20OURO%20PRETO_ES.pdf RECHSTEINER, B. W. (2000) Direito falimentar internacional e Mercosul. São Paulo: Juarez de Oliveira. SISTEMA DE INTEGRAÇÃO CENTROAMERICANO (s.f) Apertura comercial, opor- tunidades y amenazas par la micro y pequeña empresa. Recu- perado en 20 de mayo de 2010, del sitio http://www.sica.int/ busqueda/busqueda_basica.aspx?IdCat=&IdMod=3 UNIÃO EUROPÉIA (29 de mayo de 2000) Regulamento (CE) n. 13/46 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência. Recuperado en 17 de junio de 2010, de http://eur-lex. europa.eu/LexUriServ/ LexUriServ.do?uri=OJ:L: 2000:160:0001:0018:PT:PDF UNIÃO EUROPÉIA (2007) Parecer do Comitê Econômico e Social Euro- peu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões – Superar o estigma do insucesso empresarial – Por uma política de segunda oportunidade – Implementar a parceria de Lisboa para o Crescimento e o Emprego. (2008/C 224/05). Recuperado en 17 de junio de 2010, de http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc? smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc= COMfinal&an_doc=2007&nu_doc=584. MAZZUOLLI, V. O. (ed.) (2009) Coletânea de Direito Internacional (7ª Ed.). São Paulo: Revista dos Tribunais.