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HUBERTO ROHDEN
ENTRE DOIS
MUNDOSTENTATIVA DUMA SÍNTESE ENTRE O UNO E O VERSO DO
UNIVERSO HOMINAL
UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA
A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar
é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.
Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a
transição de uma existência para outra existência.
O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.
Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer
convenções acadêmicas.
ENTRE DOIS MUNDOS
(EXPERIÊNCIA CÓSMICA)
O profano não se interessa pela Auto-Realização.
O místico foge do mundo para se encontrar com Deus.
O homem univérsico, de experiência cósmica, penetra tão profundamente na
alma do universo que atinge o Deus do mundo no mundo de Deus. E todo o
seu antigo “dever” compulsório se transforma num novo “querer” espontâneo,
num flamejante entusiasmo, numa irresistível adoração dinâmica por essa
estupenda Realidade que está além de todos os nomes.
Para o mundo profano, esse homem deve necessariamente parecer um louco
ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por normal se entende
essa cegueira habitual dos inexperientes e essa insensibilidade paquidérmica
dos profanos. Esse homem é anormal “para cima”, supra-normal, e não
anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes. Mas, como o homem
comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem algum conhecimento do
infra-normal – que admira que coloque o supra-normal no plano dos infra-
normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu conhecimento – ou
da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo a
capacidade do cognoscente”. O homem normal pode conhecer o infra-normal,
que para ele é um “menos”, mas não pode saber o que seja supra-normal,
porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber coisa maior do que ele
mesmo é; o nosso SER é a medida do nosso CONHECER.
Entretanto, são os homens universificados os únicos que garantem a
continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. É o vasto
incêndio da experiência cósmica, desses poucos, que ilumina muitos. Seja,
você mesmo, esse Homem universificado!
TOMANDO PERSPECTIVA
O Universo sideral é um perfeito equilíbrio entre o Uno centrípeto e o Verso
centrífugo, formando um cosmos estável e dinâmico.
No Universo hominal, porém, surge um novo fator – o livre-arbítrio – que pode
causar harmonia ou desarmonia. O homem pode, pelo uso ou abuso do seu
livre-arbítrio, crear um Universo muito mais maravilhoso do que esse cosmos
sideral, e pode também ser autor de um imenso caos, pelo abuso da sua
liberdade.
O homem é, aqui na terra, o único ser dotado de creaturidade e de
creatividade; só ele é creatura e creador ao mesmo tempo; só ele se pode
tornar melhor ou pior do que Deus o fez.
O homem, quando livremente cosmificado, é algo incomparavelmente mais
maravilhoso do que todas as grandezas e belezas fora dele; mas, quando
livremente caotizado, é também muito mais repugnante do que outra creatura
qualquer.
O macrocosmo sideral, regido por leis imutáveis e automáticas, será sempre
um sistema de perfeita ordem e harmonia – mas o microcosmo hominal, pode
estabelecer desordem e desarmonia.
Através das páginas deste livro, aparentemente heterogêneas, vai um traço de
permanente homogeneidade; todos os capítulos giram em torno de duas
alternativas: a voluntária harmonia entre o Eu central e o ego periférico do
homem – ou então a voluntária desarmonia entre esses dois pólos da sua
natureza.
A harmonia é bondade e felicidade – a desarmonia é maldade e infelicidade.
A natureza humana participa da mesma bipolaridade que caracteriza todo o
cosmos. Não existem círculos monocêntricos no Universo, há tão-somente
elipses bicêntricas. Astros e átomos se movem em trajetórias elípticas,
bipolares. Esses dois pólos não são contrários um ao outro, mas são
complementares. Da síntese das duas antíteses complementares resulta a
harmonia cósmica, que os gregos chamavam beleza (kosmos), e os romanos
denominavam pureza (mundus).
Da mesma forma, da síntese das duas antíteses complementares do homem,
do Eu e do ego, resulta a harmonia, a beleza e a felicidade da vida humana.
O homem é o autor da sua grandeza ou da sua mesquinhez, do seu cosmos ou
do seu caos. O livre-arbítrio é uma espada de dois gumes, é o maior privilégio
e também o maior perigo do homem; é a chave para o céu ou para o inferno da
sua vida.
Do uso ou abuso da sua liberdade tece o homem, dia a dia, a sua felicidade, ou
a sua infelicidade.
O livre-arbítrio é o invisível fio de Ariadne, que pode conduzir o homem, são e
salvo, através de todos os labirintos da vida terrestre, rumo à sua definitiva
libertação, rumo à sua verdadeira auto-realização.
Entre dois mundos, o mundo da luz e o mundo das trevas, oscila a vida
humana. Compete ao humano viajor decidir-se livremente por este ou por
aquele mundo. Desta decisão depende o seu valor ou o seu desvalor, a sua
felicidade ou a sua infelicidade.
QUAL A VERDADEIRA MENSAGEM
DO CRISTO À HUMANIDADE
A mensagem do Cristo, segundo o Evangelho, não tem caráter
– ritual,
– nem moral,
– nem intelectual,
– nem social.
A mensagem do Cristo é essencialmente
– metafísica,
– ontológica,
– real,
– cósmica.
Mas, como esta mensagem incidiu num ambiente humano de baixa
compreensão, foi ela, de início, condicionada e contagiada pela atmosfera
circunjacente. O conteúdo divino do Evangelho sofreu o impacto dos seus
contenedores humanos.
Dos mistérios pagãos do Império Romano herdou o Cristianismo o seu colorido
ritualista-sacramental, segundo o qual a salvação do homem consiste em
certas práticas mágicas e ocultistas, relacionadas com determinados objetos,
fórmulas, gestos, etc.
O judaísmo contemporâneo afetou o Cristianismo nascente com a idéia da
redenção pelo sangue, consoante a cerimônia do “bode expiatório” que se
realizava anualmente em Jerusalém, e que foi sublimada por um ex-rabino
judaico convertido ao Cristianismo, iniciando a concepção bárbara do sangue
de Jesus a lavar os pecados da humanidade.
Mais tarde, nos primórdios da Renascença, a mensagem do Cristo foi
interpretada intelectualmente, projetada sobre o fundo duma análise da letra da
Bíblia, e num ato de fé fiducial no sangue de Jesus.
Por fim, em nossos dias, o Cristianismo foi identificado com filantropia social,
obras de caridade e altruísmo, relacionados com a idéia evolutiva de
reencarnações sucessivas.
Todas estas versões podem, até certo ponto, ser aceitas como fenômenos
concomitantes e subsequentes – mas nenhuma delas representa o centro e
cerne da autêntica mensagem do Nazareno.
Ritos, sacrifícios, estudos, crenças, altruísmos – tudo isto pertence ainda à
velha concepção horizontal de que o homem seja apenas o seu ego físico-
mental-emocional, conceito que o Cristo transcendeu totalmente. Para ele, o
homem não é esse seu invólucro, nem mesmo na forma mais sublimada, que
ele chama “remendo novo em roupa velha”; o homem não é a sua persona ou
personalidade, mas sim o seu Eu interno, a sua profunda e divina
individualidade, a sua alma ou espírito que o Cristo chama o “Pai”, a “Luz”, o
“Reino”, o “Tesouro oculto”, a “Pérola preciosa”.
Esta concepção que o Nazareno tem do homem e que forma a quintessência
de toda a sua mensagem, é profundamente metafísica, ontológica, realista,
cósmica.
A mensagem do Evangelho não visa, em primeira linha, a transformação do
homem-ego vicioso num homem-ego virtuoso, que Jesus rejeita com
“remendo novo em roupa velha”; mas convida o homem a descobrir a sua
realidade divina, já existente nele, mas ainda inconsciente; convida-o a tirar a
sua luz divina de baixo do alqueire da sua inconsciência e colocá-la no
candelabro da sua consciência; convida o homem a conscientizar o Pai, a Luz,
o Reino, o Tesouro, a Pérola, que o homem é por natureza, mas que ignora
ser; o Cristo convida o homem àquilo que os filósofos orientais e, ultimamente,
também os psicólogos ocidentais, denominam “auto-conhecimento”, e que no
Evangelho aparece com o nome do “primeiro e maior de todos os
mandamentos”.
A mensagem do Cristo não se refere, primariamente, a algo que o homem
deva fazer, mas sim ao alguém que o homem deve ser conscientemente; e
deste ser da mística do primeiro mandamento resultará espontaneamente o
fazer do segundo mandamento da ética – a vivência ética da fraternidade
universal é, para ele, o irresistível transbordamento da experiência mística da
paternidade única de Deus. Auto-conhecimento místico produz auto-realização
ética.
Numa palavra: a mensagem do Cristo gira inteiramente em torno da Realidade
Metafísica do homem cujo centro e cerne é Deus, o Absoluto, o Infinito, o
Eterno.
Quando o homem se identifica ainda com o seu ego humano, e procura fazer
desse ego vicioso e mau um ego virtuoso e bom, anda ele no “caminho
estreito” e passa pela “porta apertada” do dever compulsório, sempre difícil e
sacrificial; mas, depois de despertado para a consciência da realidade do seu
Eu divino entra na zona do “jugo suave e do peso leve” do querer espontâneo;
passa da boa vontade da virtuosidade da moral para a sapiência da
compreensão, e sua moral dolorosa se transforma numa ética jubilosa – e só
então encontra ele “repouso para sua alma”.
Quando Mahatma Gandhi escreveu que “a Verdade é dura como diamante e
delicada como flor de pessegueiro”, compreendeu ele que a dureza diamantina
do tu deves se pode associar à delicadeza flórea do eu quero – eu quero
espontaneamente o que devo necessariamente – suposto que o meu ego
virtuoso entre na zona do meu Eu sapiente.
Neste ocaso do segundo milênio da era cristã, e quase na alvorada do terceiro
milênio, encontramos, em todas as partes do mundo, uma elite de homens que
estão começando a suspeitar – a “farejar”, como diz J. W. Hauer – que a
mensagem do Nazareno encerra algo infinitamente mais profundo e sublime do
que, geralmente, lemos e ouvimos no ocidente cristão. Estamos começando a
descobrir a alma do Evangelho. Entretanto, para esta compreensão é
necessário que o homem transcenda a sua intelectualidade analítica e ingresse
na nova dimensão de uma consciência intuitiva – que o homem parcial de hoje
passe a ser o homem integral de amanhã.
MORRER DECENTEMENTE PARA
VIVER GLORIOSAMENTE
“Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril – mas, se morrer, produzirá muito
fruto” (Jesus, o Cristo).
“Eu morro todos os dias, e é por isso que eu vivo – mas não sou eu que vivo, é
o Cristo que vive em mim” (Paulo de Tarso).
Quando alguém imagina que já morreu – ou melhor, quando se sente
empolgado por esta certeza – que coisa ainda lhe poderia ser difícil? A única
coisa que lhe sobrou é uma força tranquila, irresistível, que brilha de dentro de
si mesma, como a chama vertical de uma vela num ambiente sem vento. Esta
chama pergunta à vida e à morte: que quereis de mim? este corpo? – está
morto! Este ego? – dissolveu-se a sua ilusão!
Todos os horrores e todas as amarguras contra os quais se revolta o homem,
já foram dantemão saboreados e superados.
Esta experiência da incorporação da morte, faculta ao homem a experiência
duma vida superior. O ego, que, por toda a parte, age como veículo e como
obstáculo, já foi dissolvido.
Esta pura vivência interna transforma todas as vivências externas e todas as
relações com o mundo de fora.
Qualquer palavra sobre isto é supérflua; basta saber que surgiu uma força
silenciosa, inesgotável, capaz de tudo.
Uma vez que alguém morreu deste modo, é ele imortal, incapaz de morrer.
Lá se foi o seu gostar ou não-gostar!
Esse homem está sempre disposto a tudo, sempre pronto para carregar fardos
pesados. Permanente serenidade em face das coisas mais difíceis substituiu a
sua vacilante atitude de outrora.
O enigma da existência encontrou uma solução definitiva.
Daqui por diante, todas as coisas externas se referem apenas ao modo como
fazê-las – e isto não tem importância. O agradável e o desagradável desse
“como”, nas variadas circunstâncias, foi superado.
O homem que atingiu estas alturas está para além de propriedade e de sexo.
Morrer? – pergunta alguém que passou por esta experiência – morrer não
posso mais; já superei o ser-mortal, assim como superei o ser-criança e o ser-
adolescente.
E, na medida que todas as coisas pesadas perdem o seu peso, vai nascendo a
intuitiva e espontânea compreensão das circunstâncias.
Todas as coisas se vão tornando transparentes.
Todas as formas e gestos em derredor se vão tornando visíveis de dentro.
A razão-de-ser de todos os fenômenos se torna compreensível, uma vez que
deixou de existir a nebulosidade do ego, que se interpunha entre a visão
original do Eu e o mundo externo.
Para o homem assim transformado nada é sem fala; a sua serenidade
receptiva faz eco a toda as coisas. Graças à sua transparente intuição, esse
homem participa de todas as coisas do universo.
(cf. H. Zimmermann)
LIBERTAÇÃO PELA SAPIÊNCIA UNIVÉRSICA
Filosofia, Yoga, Metafísica, Mística, Espiritualismo, Esoterismo – todas estas
palavras, e outras similares, suscitam grave suspeita no espírito de muitos
homens do ocidente. Parecem insinuar algo como escapismo, uma fuga das
cruas realidades da vida e um refúgio para dentro de um idealismo utópico.
Mas o homem ocidental é terrivelmente realista, e não quer saber de filosofias
idealistas, por mais belas e suaves que sejam. E não parece ter razão? O
oriental, diz ele, nunca fez nada no campo da ciência e técnica, porque se
enamorou de uma filosofia espiritualista e duma metafísica mística. Não
descobriu átomos nem realizou viagens cosmonáuticas; não fabricou rádio,
televisão, radar, locomotivas, aviões, automóveis – nada. De tanto suspirar
pelo céu se esqueceu da terra. De tanto amar um Além futuro e distante, se
desinteressou pelo Aquém presente e próximo.
Não, não estamos dispostos a trocar o nosso materialismo eficiente por um
espiritualismo ineficiente.
Assim pensam e falam milhares de homens sinceros, aqui no ocidente.
E todos eles têm razão – na base das suas premissas.
Mas... estas premissas são falsas, radicalmente falsas.
A premissa falsa está nisto: em pensarem que as coisas metafísicas sejam
necessariamente incompatíveis com as coisas físicas. Se assim parece ser de
facto, assim não precisa ser de direito. Não é verdade em si que o homem
que trata das coisas do espírito não possa tratar dinamicamente das coisas da
matéria. Esse antagonismo dualista é fruto da nossa ignorância e duma visão
incompleta da Realidade:
A Sapiência Univérsica, a Filosofia Cósmica não afirma a metafísica à custa da
física, não proclama a presença do espírito na ausência da matéria.
A Filosofia Univérsica estabelece a tese, 100% matemática e lógica: quanto
mais intensamente o homem realiza a metafísica tanto mais perfeitamente
pode ele realizar a física; a Filosofia verdadeira estabelece uma perfeita
harmonia e complementaridade entre o mundo espiritual e o mundo material.
Se o nosso mundo material é ainda hoje tão imperfeito – e se o nosso mundo
espiritual é ainda tão deficiente, é porque nem este nem aquele conseguiram
fazer uma verdadeira síntese e simbiose entre as coisas da matéria e as coisas
do espírito, entre as Facticidades externas e a Realidade interna.
Nem o ocidente realizador nem o oriente sonhador agiram universicamente,
não puseram a constituição do Universo como base e diretriz da sua vida.
UNI – VERSO...
O ocidente se limita ao unilateralismo do VERSO, ao passo que o oriente se
enamorou do unilateralismo do UNO. Mas nem o UNO nem o VERSO,
separadamente, perfazem o Universo Integral – esse grandioso Universo, que
os gregos chamavam Kósmos (beleza), e os romanos denominavam mundus
(pureza). O Universo é o que seu nome diz: uno e diverso, unidade na
diversidade, isto é, perfeita e indestrutível harmonia.
Se o homem pensasse e vivesse universicamente, estaria em perfeita
harmonia consigo, com Deus e com o mundo; não seria materialista nem
espiritualista, mas sim universalista, ou melhor, universificado.
O que falta ao ocidental é a visão do UNO no meio do VERSO.
O que falta ao oriental é o interesse pelo VERSO.
O ocidental se derrama na pluralidade dos efeitos materiais.
O oriental se isola na unidade da causa espiritual.
Nós, porém, queremos o UNO da causa manifestado no VERSO dos efeitos.
O primeiro passo para o ocidental é a visão da unidade através dessa imensa
diversidade. E, para conseguir esta visão unitária, deve o homem, por algum
tempo, prescindir de qualquer impacto diversitário; deve isolar-se, de vez em
quando, nessa conscientização da unidade, fechando os sentidos a todas as
diversidades, não para negar ou abandonar estas diversidades, mas para se
consolidar na visão da Realidade Una, a tal ponto que as Facticidades Verso
nunca mais possam destruir aquela.
O mal não está nas diversidades, como pensam alguns místicos; o mal está na
visão parcial, incompleta, unilateral da realidade, que o profano identifica com
essas diversidades dos sentidos e do intelecto.
O homem ocidental, predominantemente diversitário, deve treinar a sua visão
unitária, afirmando a soberania da sua substância una sobre todas as tiranias
das circunstâncias múltiplas.
Esse treino unitário não é uma meta, mas é um método; não é um fim, mas
um meio.
Muitos orientais, vêem no mundo material uma simples ilusão, maya,
irrealidade – e por isto não podem entusiasmar-se por ele – ninguém pode
interessar-se por um fantasma. Para eles, a única Realidade está no mundo
espiritual; não está aqui e agora; está no futuro e na distância. E como
realidade e valor são homônimos, segue-se que o mundo presente das
materialidades não tem para os espiritualistas valor algum. É por isto que os
além-nistas nunca compreenderam os aquém-nistas, nem estes aqueles.
A humanidade vive em dois compartimentos-estanque, em dois hemisférios
ideologicamente separados, mecanicamente justapostos, sem nenhuma
interpenetração orgânica: os materialistas do aquém – e os espiritualistas do
além.
Mas não é esta a visão da Filosofia Cósmica, precisamente por ser uma visão
harmoniosa do Universo Integral, que não é Uno nem Verso, mas Universo.
Para que o homem possa ver e conscientizar a Realidade Metafísica em todas
as Facticidades Físicas, deve ele, já o dissemos, isolar-se, por longo tempo, na
pura metafísica, até que o último resquício da física desapareça do horizonte
do seu consciente, e ele permaneça, sozinho e desnudo, no seu
cosmoconsciente, sentindo em si o grande UNO, longe de todo o VERSO.
Mas é precisamente aqui que está o tremendo problema para quase todos os
homens do ocidente, que, em geral, têm 100% de consciência física e 0% de
consciência metafísica. Esse peso morto remonta a milhares de anos na raça
humana, e tem alguns decênios em cada indivíduo. Neutralizar esse peso
morto é um problema de árdua solução.
Quanto tempo necessita o homem para conseguir isto?
Não é questão de tempo, mas de intensidade de exercício.
Todos os grandes iluminados da história isolavam-se, geralmente, por 30 a 40
dias, em total solidão e silêncio. Isto é, cerca de um ciclo lunar, que abrange 28
dias; mas, para maior garantia, convém iniciar o isolamento uma semana antes
da lua nova e encerrá-lo uma semana depois da lua nova. Assim, todos os
altos e baixos, todos os positivos e negativos, todas as marés e vazantes
percorrem as vias experienciais dos nervos e do cérebro, dos quais depende
grandemente, na presente existência, o grau da nossa consciência.
Depois que o místico verificou e saboreou devidamente a Realidade do UNO,
em total solidão, pode ele levar consigo, ao meio do mundo e da sociedade,
essa experiência nirvânica. Pode ver o Transcendente também em forma
Imanente; pode enxergar no mundo de Deus, o Deus do mundo, que
experimentou fora do mundo.
O profano enxerga o mundo sem Deus.
O místico enxerga Deus sem o mundo.
O homem cósmico enxerga o Deus do mundo em todos os mundos de Deus.
Esta intro-visão ou intro-vidência, esta experiência do Deus imanente em todas
as coisas, é a última e suprema conquista do homem em evolução ascensional.
Ver o Infinito em todos os Finitos, a Realidade eterna em todas as Facticidades
efêmeras – é o inicio do reino de Deus sobre a face da terra.
É este o supremo ideal da Sapiência Univérsica.
A sua aquisição compensa todos os esforços.
DA FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL
À REALIZAÇÃO EXISTENCIAL
Victor Frankl, médico-psiquiatra, diretor da Policlínica Neurológica da
Universidade de Viena, em quase todos os seus livros, se refere a casos de
neurose provindos da frustração existencial, embora as suas causas imediatas
possam apresentar outro caráter.
No seu livro “Theorie und Therapie der Neurosen” (Verlag Urban und
Schwarzenberg, Wien – Innsbruck, 1956), refere-se ele a numerosos casos,
ocorridos no consultório e na clínica, que se baseavam em frustração
existencial, e só puderam ser definitivamente sanados com logoterapia.
Um desses casos é o seguinte, registrado na Policlínica Neurológica de Viena,
amb. 392/1955, D. Marion A, escreve:
“Meu marido saiu no seu carro, como faz todas as noites. Eu, a bem dizer,
tenho pena dele; ele precisa dessa farra. Agora, que o serviço dele é mais leve
e ele está livre às 5 horas, o desassossego o impele para fora de casa. Temos
um belo apartamento com rádio; mas não temos nada a nos comunicar um ao
outro. E agora, que tudo acabou em rotina velha, estou diante de um vácuo.
Livros não interessam o meu marido, a não ser romances criminais e
aventureiros; mas essas coisas a gente vê melhor no cinema, o que nos
dispensa da leitura; e durante o programa de rádio a gente dorme.
Não estou com vontade de bancar a mulher incompreendida para me tornar
interessante”.
Poucas semanas mais tarde, após o tratamento, D. Marion escreve:
“Estou de perfeita saúde. Encontrei-me comigo mesma. Sinto-me segura.
Estou cheia de alegria. Tenho a impressão de que se me abriu um vasto portal
e entrei numa claridade ofuscante. Meu coração é um jardim florido, para o
qual me posso retirar todas as vezes que quiser. Tudo vai bem. A vida é
magnífica, maravilhosa. As coisas grandes em nossa vida, nunca mais as
podemos perder”.
Victor Frankl não menciona, com uma única palavra, que a situação
matrimonial tenha mudado; parece que não; nem explica o que D. Marion fez,
nessas poucas semanas, em que tão radical mudança se deu com ela, como a
sua segunda carta revela. O que é certo é que ela passou dum estado de
Frustração Existencial para uma grandiosa Realização Existencial. E à luz
dessa Realização do seu Eu central as frustrações do seu ego periférico, de
mulher e esposa, se tornaram suportáveis, embora a situação externa
continuasse a persistir objetivamente, como antes.
* * *
O caso acima é típico. Quase todas as pessoas existencialmente frustradas,
por não terem descoberto a sua verdadeira razão-de-ser – que Victor Frankl
denomina “realização existencial” – atribuem essa sua insatisfação ao fracasso
deste ou daquele objetivo da vida – seja na esfera social, profissional ou
emocional; confundem o seu Eu central com o seu ego periférico; confundem
os sintomas do mal com a raiz do mal. E, por isso, tentam eliminar os sintomas
da sua insatisfação. Possivelmente, consigam essa eliminação de sintomas –
mas amanhã poderão recair na mesma, ou em outra insatisfação, porque a raiz
do mal continua viva. E assim arrastam 20, 50, 80 anos de vida, de frustração
em frustração.
Suponhamos que um desses infelizes, frustrados no plano social, profissional
ou emocional, tenha a clarividência e a coragem de mergulhar nas profundezas
do seu Eu central, mediante um verdadeiro auto-conhecimento e subsequente
auto-realização: poderemos garantir a esse homem que seu insucesso social,
profissional ou emocional, tenha fim? De forma alguma. É bem possível que
nada se modifique no plano das circunstâncias externas, como parece ter
acontecido no caso acima citado, de D. Marion. Mas a nova e radical atitude da
substância interna desse homem assim mudado no seu Eu, suportará as
circunstâncias externas de um modo completamente diferente de antes.
Disto já sabiam os antigos estóicos da Grécia. Para eles, o verdadeiro
estoicismo não consistia em suportar passivamente o desfavor das
circunstâncias inevitáveis; mas sim em crear dentro do sujeito uma atitude
ativa de compreensão, de auto-compreensão, de auto-conhecimento. Em
última análise, ninguém e nada de fora me poderá fazer mau, se eu não quero
ser mal. Mal no meu ego, mas não mau no meu Eu. O meu íntimo ser é
inatingível, é um baluarte inexpugnável. Todos me podem fazer bem ou mal,
ninguém me pode fazer bom nem mau, sem o meu consentimento.
Se eu sou, pelo poder do meu livre-arbítrio internamente bom, nenhum mal
externo, por maior que seja, me pode fazer internamente mau, embora me
possa fazer males externos.
Este ser-bom é auto-realização, é realização existencial.
E, em face disto, toda e qualquer circunstância adversa, da natureza ou da
humanidade, é suportável.
Quando o homem se tolera a si mesmo, todas as coisas de fora são toleráveis.
Mas quando o homem se sente intimamente mau, frustrado, nenhuma
circunstância adversa é suportável.
Frustrar quer dizer despedaçar, desintegrar. O homem frustrado, já o dissemos,
se sente interiormente desunido, fragmentado, desintegrado no seu íntimo ser
– e isto é verdadeira infelicidade. Para ser feliz, o homem desintegrado pela
frustração se deve reintegrar pela realização, pela conscientização do seu Eu
Integral, que é divino, que é Eterno, que é Infinito.
“Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará” – esta fórmula antiquíssima
é a única terapia radical; a conscientização da verdade sobre si mesmo é a
única cura de qualquer frustração, porque é a sua integração ou realização.
KARMAN, AKARMAN, NAISKARMAN
FALSO-AGIR, NÃO-AGIR, RETO-AGIR
Os dois maiores livros da humanidade giram em torno destas três palavras, ou
seja, em torno das três atitudes que o homem pode assumir em face do mundo
externo.
Cada um desses dois livros abrange cerca de 50 páginas em formato comum.
O volume deles é pequeno, mas o seu conteúdo é enorme, maior que o de
todas as bibliotecas do mundo.
O mais antigo desses pequenos-grandes livros é conhecido pelo nome
sânscrito de Bhagavad Gita, que quer dizer “Sublime Canção”; as suas raízes
se embebem na era dos Vedas da Índia dos Ários, cerca de 5.000 anos antes
da nossa cronologia cristã, ou seja, 7.000 anos antes do tempo hodierno. Os
protagonistas da Gita são o avatar Krishna e seu discípulo Arjuna.
O outro livrinho tem o nome grego Evangelion, que significa “boa nova”; nele
aparecem as palavras e atividades de Jesus de Nazaré, cognominado o Cristo,
e remonta a quase 2.000 anos.
A Bhagavad Gita é o livro sagrado de quase todos os povos orientais – Índia,
China, Japão e outros países asiáticos; pode-se dizer que ele é a voz da
consciência espiritual da Ásia, representada por cerca de 2/3 da humanidade.
O Evangelho, por sua vez, é considerado o livro divino pelos chamados
cristãos de todos os setores – coptos, ortodoxos, romanos, evangélicos,
espiritistas, etc. Quase todo o mundo ocidental, Europa e Américas, invocam o
Evangelho como seu padrão de fé e de vida.
* * *
Entretanto, nem os orientais nem os ocidentais, tomados em seu conjunto,
compreenderam o espírito da Gita nem do Evangelho; a alma e quintessência
desses livros continua praticamente ignorada pela humanidade deste ou
daquele hemisfério.
Por quê?
Porque a alma da Gita de Krishna e do Evangelho do Cristo é algo tão
profundo e inaudito que nem os filósofos orientais nem os teólogos ocidentais
foram capazes da atingi-la. E, não conseguindo atingir a alma desses livros, os
homens se limitaram a tratar do corpo da Gita e do Evangelho, analisando
intelectualmente o que devia ser intuído espiritualmente.
Há milhares de anos que a humanidade só conhece duas atitudes em face do
mundo externo em que vive – mas a Gita e o Evangelho falam duma terceira
atitude, aparentemente paradoxal e impossível.
A humanidade só conhece agir ou não-agir; atividade ou passividade.
A humanidade do ocidente quer agir, ser ativa – a humanidade do oriente quer
não agir, ser passiva.
Sobretudo desde os dias de Gautama Siddhartha, o Buda, o oriente se
convenceu de que toda a atividade do homem é visceralmente má, negativa,
pecaminosa, porque quem age é o ego – e como poderia o ego agir senão
egoicamente?
Em face desta suposta impossibilidade de homem agir sem egoísmo, sem
karman, sem débito, sem culpa, recomendam muitos orientais o não-agir, cair
na passividade total. Pois, se o agir, procedente do homem-ego, produz culpa,
débito, então o não-agir pelo menos não aumenta esse débito, embora não
possa talvez cancelar o débito já existente.
As “quatro verdades nobres” de Buda, que resumem toda a filosofia do agir e
do não-agir, formam a base, consciente ou inconsciente, do misticismo passivo
de uma grande parte da humanidade do oriente: não-agir é melhor que agir.
O homem ocidental, pelo contrário, é essencialmente ativo, a sua filosofia é
agir o mais possível. Nem sequer suspeitou ainda da tara negativa que todo o
agir traz dentro de si. O ocidental é uma espécie de criança que se derrama
totalmente numa atividade externa, sem querer saber se essa atividade é boa
ou má; o principal é agir, agir sempre, sem muito pensar nas consequências
desse incessante agir. O ocidental quer ver os resultados palpáveis do seu
incessante agir, sem pensar no porquê nem no para quê dessa atividade.
O homem oriental, com uma cultura quase três vezes mais antiga que a nossa,
já entrou na fase da reflexão, da raflexividade, da introspectividade – ao passo
que seu irmão ocidental é, em geral, extroverso, esgotando-se em atividades
externas.
* * *
Ora, se é verdade que todo o agir externo nasce do ego, então é claro que o
homem se onera de débitos ou culpas na razão direta da sua atividade. Deixar
de agir sustaria o incremento de novos débitos e novas culpabilidades.
E não afirmam os próprios livros sacros do Cristianismo que “o mundo jaz no
maligno”? e não diz o Cristo a seus discípulos: “O príncipe deste mundo (o ego)
tem poder sobre vós”?...
Toda a humanidade – à exceção de alguns iniciados cósmicos – oscila, pois,
entre estas duas alternativas: ou agir e aumentar os seus débitos – ou não agir
para não aumentar os débitos.
* * *
E, no entanto, os dois maiores livros da humanidade, a Bhagavad Gita de
Krishna e o Evangelho do Cristo, não recomendam nem esta nem aquela
atitude; conhecem uma terceira alternativa, equidistante do simples agir do
profano e do simples não-agir do místico. Não recomendam nem o falso-agir
(karman) nem o não-agir (akarman), mas o reto-agir (naiskarman).
Pergunta-se: em que consiste esse reto-agir? e donde vem ele? do ego? de
alguma outra fonte?... Se todo o agir vem do ego, como parecem supor as
filosofias correntes, não pode deixar de ser egóico, negativo, culposo. Mas, a
Gita e o Evangelho admitem que o agir pode ter outra origem que não seja o
ego; insinuam uma fonte extra-egóica, alguma origem cósmica, donde possam
derivar as atividades humanas... Insinuam algo como auto-conhecimento,
algo como cosmo-consciência, algo como as palavras “Conhecereis a verdade,
e a verdade vos libertará”... Se o ego fosse a verdade, não nos escravizaria...
Mas... deve haver uma verdade para além do ego ilusório, uma verdade que,
uma vez conhecida, nos liberta da maldição do débito, da culpa do agir, do
karman negativo...
Que verdade é esta?
Na Gita e no Evangelho não se trata da alternativa de agir ou não-agir, mas
sim do falso-agir ou do reto-agir; em qualquer hipótese, recomendam um agir,
uma atividade. E também, se “Deus é ato puro” (Aristóteles), pura atividade,
como poderia o verdadeiro homem deixar de ser ativo, se ele é “imagem e
semelhança de Deus”?
A alternativa não é, pois, agir ou não-agir, mas sim: um falso-agir ou um reto-
agir.
Surge agora a grande pergunta: em que consiste o reto-agir?
O homem-ego age sempre por causa de algum objeto, por causa de algo fora
dele, por amor a um não-Eu, de algo separado ou separável da sua intrínseca
realidade. O ego, sendo ilusão, sempre age por amor a uma ilusão. O mundo
objetivo, feito de quantidades, projetado dentro de tempo e espaço, é maya,
ilusão, reflexo, cópia, projeção, mas não é a Realidade em si. Ora, agir por
amor a uma irrealidade, uma ilusão, é mau, filho da ignorância.
O homem, para agir retamente, deve retificar a meta e o motivo da sua
atividade; deve agir por causa e por amor à Realidade, embora os canais da
sua atuação sejam facticidades ilusórias. A Fonte do nosso agir deve ser a
Verdade, que é a consciência da Realidade, embora a manifestação dessa
Realidade possa fluir através de facticidades.
O Eu verdadeiro, que é Fonte, pode servir-se dos canais do ego para se
manifestar, mas nunca deve considerar esses canais como a Fonte.
Os objetos do ego podem ser meios – mas somente o sujeito Eu pode ser o
fim da nossa atividade.
O ego age por causa de alguma quantidade, de algum allos (outro), que ele
deseja alcançar com a sua atividade – e isto é ilusão, egoísmo, idolatria. Quem
age por amor ou adoração a qualquer objeto ama e adora um falso deus, um
pseudo-deus, é idólatra – e isto é mau.
Esta alo-adoração idólatra é que degrada o homem. Quando o amante ama
algo inferior a ele, o amante se inferioriza, degradando-se ao baixo nível do
amado. O amado nivela o amante ao plano do amado. Se o amante é
representado por “10”, e o amado por “0”, o amante se nulifica por esse amor
ao nulo.
O homem que age por amor a uma coisa se coisifica, quantifica a sua
qualidade, desvaloriza o seu valor; ele se esquece do seu alguém e se
degrada a algo; nega o seu Eu real e afirma o seu ego irreal.
A última razão da maldade do homem ego-agente radica numa maldade
metafísica, numa maldade ontológica. O divino Alguém do Eu nunca deve
ser reduzido ao humano Algo do ego.
Em face desse perigo de apostasia ontológica do ego-agente resolveram os
orientais cair na não-agência, por sinal que não descobriram coisa melhor.
Krishna e Cristo, porém, descobriram a reta-agência em lugar da falsa-
agência. Substituíram a ego-agência pela Eu-agência.
“Homem, trabalha intensamente – mas renuncia a cada momento aos frutos de
teu trabalho” (Krishna).
“Quando tiverdes feito tudo que devíeis fazer, dizei: Somos servos inúteis;
cumprimos a nossa obrigação, nenhuma recompensa merecemos por isto”
(Cristo).
A ESSÊNCIA DO RETO-AGIR (NAISKARMAN)
O problema do reto-agir (ou naiskarman) não tem por ponto de partida nem
norma de referência este ou aquele preceito moral, mas baseia-se no caráter
fundamental, metafísico, ontológico do próprio agir em si mesmo.
Se o nosso agir tem por fim exonerar-nos e preservar-nos da tragicidade da
vida, então importa, em primeiro lugar, compreender nitidamente a natureza da
obra, a íntima essência da atuação do homem aqui no mundo.
A visão superficial, que é do ego, enxerga em primeiro lugar o “fruto”, isto é,
aquilo que a obra produz ou deseja produzir. Esta perspectiva que vida ao
fruto ou à utilidade da obra, é chamada pela Bhagavad Gita “falasanga”, que
quer dizer “apego ao resultado”. A filosofia oriental se esforça sempre de novo
para mostrar que esse apego ao fruto do trabalho desvia as forças internas do
homem para um ponto falso, para um trilho secundário, mostra que essa mania
de resultados ou falasanga rouba à atividade humana a sua energia
libertadora, e vai emaranhando o homem cada vez mais funestamente em
culpas e sofrimentos. As torrentes vitais creadoras fluem de largo, fora do seu
leito verdadeiro, inaproveitadas, porque esse pendor objetivo e utilitarista
desvia o homem do seu centro de energias, rumo a algo que jaz do lado, fora
do eixo dinâmico da sua atividade.
Esta tendência objetiva e utilitarista, esta mania de sucesso externo, atua como
um vampiro que suga as melhores forças do coração da atividade do homem.
É precisamente neste vampirismo utilitarista que se baseia a mais profunda
tragicidade de todo o homem profano.
É esta uma experiência que cada um de nós pode sempre de novo fazer em si
mesmo: nada há que tanto disperse as nossas forças vivas e redentoras como
essa mania de sucesso e utilidade – ou então a amargura em face do
insucesso e fracasso externo. Enquanto especularmos com sucessos ou
recearmos insucessos, enquanto procurarmos qualquer espécie de resultado
objetivo, reconhecimento ou aplausos, visamos a algo fora do centro e cerne
da nossa verdadeira atividade, e nunca conseguiremos focalizar num único
ponto a força total da nossa obra; não conseguiremos mergulhar sem reserva
no coração vital da nossa atividade redentora. Temos de ser como crianças
que se entregam de corpo e alma ao seu agir, sem desvios e segundas
intenções.
O homem profano age exclusivamente por amor aos objetos, aos possíveis
frutos do seu trabalho – e por isto se onera cada vez mais de culpas, que
geram sempre novos sofrimentos.
O místico, à luz desta tragédia, resolve não agir de forma alguma.
O homem cósmico, porém, compreendeu que a redenção não está no falso-
agir do profano, nem no não-agir do místico, mas sim num reto-agir – numa
atividade por amor ao próprio Eu divino no homem, embora esse agir se
realize, externamente, através dos canais do mundo objetivo. O homem
cósmico age por amor à Fonte do seu Eu divino, ainda que através dos canais
do seu ego humano.
O seu auto-conhecimento se revela através da sua auto-realização.
OS PALHAÇOS E AS PALHAÇADAS DA VIDA
Este mundo é um circo de palhaços.
A vida do homem é uma palhaçada – uma humana comédia – que não deve
tornar-se uma divina comédia.
A única coisa que o homem sensato pode fazer é descer do palco dos atores e
sentar-se na plateia dos espectadores da grande palhaçada da vida; olhar de
longe a comédia, sem tomar parte de perto. Ou então, se tal for a sua missão,
subir ao palco, unir-se aos palhaços e dirigir a comédia, mas sem acompanhar
internamente as palhaçadas; assim faz o homem contemplativo, místico,
cósmico, que atua pelo que é, e não pelo que faz. Deve manter sempre a
consciência nítida “tudo isto é uma palhaçada, por enquanto inevitável”. Não
tomar a sério nenhuma das palhaçadas da vida, que os verdadeiros palhaços
tomam muito a sério. Deve sempre manter uma consciência interna de não-
palhaço, manter uma linha reta através de todos os ziguezagues dessa dança
macabra, manter a consciência do EU REAL para além das conveniências do
ego ilusório. Deve olhar de cima, das alturas da Verdade, todas as baixadas
das ilusões terrenas.
O palhaço-ego compra, vende, registra os seus imóveis no cartório, sobre as
estampilhas infalíveis, com firma reconhecida, tudo devidamente carimbado –
mas o Eu divino sabe que nada é dele nem da sua família; sabe que tudo é de
Deus e da humanidade; sabe que acima de todos os cartórios há uma
consciência, que fala a linguagem da convicção para além de todas as
convenções.
O nosso ego humano trabalha, corre, luta, cansa-se, ri, e chora, perde o sono e
o sossego, arranja enfartos e arteriosclerose, câncer, úlcera de estômago,
briga com marido e mulher e filhos, corre 50, 80 anos atrás do dinheiro, compra
o último tipo de automóvel, ou até 2 ou 3 – e depois vai para o sanatório, para o
hospício ou acaba no hospital e no cemitério – tudo isto a serviço das suas
importantíssimas palhaçadas...
Faça tudo isto, se o achar necessário, de acordo com a sua ignorância; seja
palhaço, se quiser – mas nunca se identifique realmente com esse palhaço-
ego; para além dos bastidores da vida mantenha sempre firme a consciência
tranquila “Eu não sou ele”, “Eu sou o meu Eu divino”, “Eu e o Pai somos um”,
“Eu sou a luz do mundo”, “O reino de Deus está dentro de mim”.
Homem, conserva sempre a consciência da tua divina ALTERIDADE – e não
sucumbas à ilusão da tua humana IDENTIDADE. Não te niveles jamais com o
conteúdo da tua carteira de identidade pessoal. O teu verdadeiro Eu não tem
carteira de identidade, registrada e carimbada em alguma repartição pública –
o teu divino Eu vive na ignota alteridade do Infinito.
O nosso ego ilusório não aprendeu ainda o abc da verdade, em milhões de
anos de existência racial, e alguns decênios de vida individual.
É necessário que ultrapassemos essa escola primária da personalidade
humana e entremos na Universidade da nossa individualidade divina.
Nós, os palhaços das palhaçadas da vida terrestre.
AUSCULTANDO MARCIANOS E VENUSIANOS
– Que é que os Telúricos celebram no fim do ano? – perguntou um Marciano a
um visitante de Vênus.
– Você quer dizer, no dia 25 de dezembro?
– Isto mesmo.
– Acho que os Telúricos celebram o aniversário de um velhote da cara
rubicunda, de barbas brancas. Tem cara de palhaço pateta, mas traz muitos
presentes à gente.
– Como se chama esse velhote?
– Pelo que consegui captar no meu receptor, chama-se Papai Noel; em
algumas partes da Terra, lhe chamam Santa Claus. Mas parece que é um só.
– Esse Papai Noel ou Santa Claus deve ter sido um grande benfeitor dos
habitantes do planeta Terra, para ter tantos adoradores. Você sabe algo da
vida dele?
– Nada! Nunca cheguei a saber quando viveu nem o que fez, para ser tão
lembrado.
Neste momento apareceu um pequeno Mercuriano, rubro como um salamandra
ígneo e exclamou, deitando chispas e chamas:
– Vocês estão muito enganados! Os Telúricos, no dia 25 de dezembro, não
relembram nenhum Papai Noel nem Santa Claus; eu só ouço referências a
uma tal Cesta, uma Cesta de Natal;
– Mas o que fez por eles esta Cesta de Natal? – perguntaram os dois a uma
voz.
– O que fez, não sei. Sei que os Telúricos são uns grandes comilões e
beberrões, e quase todos eles só vivem comendo e bebendo, e a Cesta de
Natal está cheia de coisas boas. Vivem comendo e bebendo – e depois
morrem – acabou-se.
Enquanto os três assim conversavam entre si, estava eu, o Telúrico, escondido
atrás de um rochedo, sem ser percebido por eles. De repente, saí do meu
esconderijo e exclamei: Nada disto! Os Telúricos não comemoram nada disto
na noite de Natal.
– Mas – disse o Marciano – o que aqui se ouve é só isto. Que é, afinal de
contas, o que vocês comemoram nessa data?
De tão envergonhado me sentia eu o único Telúrico presente, que não pude
falar. Sentia-me humilhado em face das ideias que os nossos vizinhos
planetários tinham de nós, os planetários terrestres. Finalmente, cobrei ânimo e
tentei falar do verdadeiro objetivo da nossa festa de Natal; mas foi difícil
convencer Marcianos, Venusianos e Mercurianos de que nós os Telúricos, no
dia 25 de dezembro, celebrávamos o aniversário do nascimento do maior
homem do nosso planeta. Falei-lhes dos vaticínios dos profetas, dois mil anos
antes da nossa era; falei-lhes do nascimento desse homem num estábulo, da
sua vida misteriosa em Nazaré, da sua doutrina e dos seus grandes feitos; da
sua morte e ressurreição. Mas nenhum dos meus ouvintes parecia dar fé às
minhas palavras. O Mercuriano disse que, alguns séculos atrás os habitantes
da Terra haviam falado nesse homem, mas que hoje em dia ninguém mais o
conhecia.
Lembrei o nome desse homem, que se chamava Jesus, o Cristo, mas o
Marciano interveio perguntando:
– Se vocês celebram Jesus, o Cristo porque não o dizem quando mandam
mensagens eletrônicas ao espaço?
Eu não sabia o que responder a esta pergunta, quando o venusiano exclamou:
– Espere um momento! Lembro-me de ter captado anos atrás uma mensagem
sobre o tal Jesus: um cântico vinha da Terra e dizia assim “Noite Feliz”, uma
canção muito bonita, que falava de Jesus. Infelizmente, de repente interrompeu
a linda canção religiosa, e uma voz rouca berrou no meio “compra sabão marca
X”, depois continuou o cântico “ó Jesus Deus da luz, quão amável é teu
coração”. E quando eu estava me deliciando em espírito, outra voz rouquenha
berrou “o melhor calçado do mundo é a marca Y” e deu o nome do tal calçado
insuperável. Irritado com essa falta de educação quis desligar o meu aparelho
de rádio, quando uma voz de menina vinda da Terra cantou uma linda canção
em homenagem à mãe de Jesus, que começava assim “Ave Maria gratia
plena” – mas de repente, quando eu me estava deliciando com essa maravilha
espiritual levei uma pancada nos ouvidos porque alguém gritou lá da Terra
“beba a melhor cachaça da Terra” e deu o nome da droga. Dessa vez perdi a
paciência, desliguei o aparelho e fui dormir.
Assim conversavam o Venusiano, que me olhava com uns olhos cheios de
amor e de dor, de alegria e de tristeza ao mesmo tempo. Parece que gostava
de mim, por seu eu habitante da Terra, e ao mesmo tempo tinha pena de mim,
por pertencer a uma raça tão atrasada, incapaz de saborear as coisas boas e
belas que havia entre nós.
Mais tarde, a sós, conversei longamente com o Venusiano, que se me revelou
um ser de elevados sentimentos espirituais; invejava a Terra por uma razão:
porque nela se havia revelado visivelmente a maior Entidade do cosmos.
Chegou a dizer-me, que, visto lá de Vênus, o nosso planeta era o mais belo de
todos, envolto numa atmosfera azulada, que parecia protegê-la num como alo
de suave espiritualidade. O Venusiano lamentava que nós, os Telúricos, num
ambiente tão maravilhoso, fôssemos uma raça tão atrasada.
– O grosso da humanidade – acrescentei – é verdade, degenerou em
materialismo repugnante, incapaz de saborear as delícias de uma vida
superior; mas sempre existiram entre nós alguns seres humanos de elevada
experiência. Passei a falar-lhe de alguns Telúricos que haviam antecipado, por
milhares de anos, e compreendido a alma da mensagem do Cristo.
O Venusiano manifestou desejo de se encontrar com algum desses seres
terrestres mais avançados.
Fiz-lhe ver que podia captar mensagens espirituais sem intermédio de seres
terrestres e mesmo sem um aparelho de rádio. Bastava sintonizar devidamente
a sua alma pela onda exata, e captaria a mensagem desejada. O Venusiano
mergulhou num profundo silêncio, e, mesmo sem dizer nada, percebi, ou
adivinhei que ele já tinha alguma experiência dessa sintonização cósmica e
sabia de coisas que não se podem dizer nem pensar.
Deixei-o mergulhado em meditação, e, despedir-me dele, disse-lhe: o planeta
Vênus, que nosso povo chama estrela D’Alva, visto da nossa Terra, tem um
fulgor tão intenso que até parece um pequeno sol.
O Venusiano não disse nada, mas mandou-me uma mensagem silenciosa com
os olhos que lembravam a luminosidade da estrela.
NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE
“O dominador deste mundo, que é o poder das trevas, tem poder sobre vós –
sobre mim, porém, ele não tem poder, porque eu já venci este mundo” (Jesus,
o Cristo).
Amigo, que ainda vives sob o regime do dominador deste mundo do ego!
Não te esqueças de que a lei deste mundo é “ser-servido”; e quem não
obedece a esta lei, querendo “servir” em vez de “ser servido”, merece castigo,
de acordo com a legislação vigente neste mundo.
É perigoso querer servir desinteressadamente, prestar benefício a alguém sem
segundas intenções, sem esperar nenhuma retribuição.
Cedo ou tarde, o beneficiado se sentirá humilhado pelo benfeitor e planejará
vingança, em forma de revolta, ingratidão ou calúnia.
E, quando essa revolta secreta na alma do beneficiado atingir o clímax de
pressão interna, haverá uma explosão vulcânica; a lava ígnea da humilhação
romperá impetuosa e se lançará contra o odiado benfeitor.
Ninguém serve impunemente!
O servidor desinteressado é réu, porque violou as leis deste mundo.
É um subversivo.
O servidor desinteressado merece castigo, em face dos dispositivos da
legislação do dominador deste mundo.
Mas... não desanimes! Este sofrimento que resulta de serviços prestados
desinteressadamente, é o mais poderoso fator de redenção definitiva e integral
para o benfeitor.
Sem sofrimento não há redenção.
É importantíssimo que o servidor se considere sempre “servo inútil”, de acordo
com as palavras do Mestre: “Quando tiverdes feito tudo que fazer devíeis, dizei:
agora somos servos inúteis; cumprimos a nossa obrigação – nenhuma
recompensa merecemos por isto”.
Continua, pois, a servir desinteressadamente. O maior beneficiado não é
aquele que recebe o benefício, mas sim aquele que o faz.
Pode ser que para o ego beneficiado o benefício seja um malefício por culpa
dele mesmo, mas para o benfeitor que se considera “servo inútil”, o serviço que
prestou é sempre benéfico e redentor.
Nem todo o recebedor recebe com amor o que com amor lhe é dado – mas tu,
o doador do amor, podes sempre dar com amor o que dás.
“Há mais felicidade em dar do que em receber”.
Mas, para poderes servir com amor e não te sentires ofendido pelo desamor do
recebedor, deve o teu “servir” ser um transbordamento espontâneo do teu
“adorar”.
“Só a Deus adorarás – e só a Ele servirás”.
Não podes servir a Deus em suas creaturas, se não aprendeste a adorar a
Deus em Deus.
Não há ação correta sem adoração.
A palavra “ação” é a parte final da palavra “adoração”.
Ador - ação.
Ação é filha da adoração.
A ética da ação do servidor é um transbordamento da mística do adorador.
A MORAL DA RELIGIÃO ESTÁTICA E A
ÉTICA DA RELIGIÃO DINÂMICA
No seu livro “As duas fontes da religião e da moral”, Bergson entende por
religião a “religião dinâmica”, ou mística, ao passo que atribui a moral à
“religião estática”. Esta, de caráter meramente objetivo, tem por fim estabelecer
e manter certa harmonia social no meio dos homens, isto é, um armistício
precário e temporário entre ego e ego, no plano horizontal. A “religião estática”
não pode jamais crear uma paz verdadeira e duradoura, porque não atinge a
raiz da natureza humana, que é o Eu real, e não o ego ilusório. Somente a
“religião dinâmica”, ou mística, atinge a última raiz do ser humano, pela
experiência da sua essencial identidade com o Infinito (Eu e o Pai somos um, o
Pai está em mim”... “O Cristo vive em mim”).
Toda e qualquer religião externa, objetiva, atinge apenas o ego periférico do
homem, mas não o seu Eu central; produz uma moral externa, mas não uma
ética interna. A moral pode produzir armistício, que é uma trégua entre duas
guerras, mas não pode estabelecer verdadeira paz, que nasce do
conhecimento intuitivo de que o Deus em mim é também o Deus em ti
(namastê), e que, por isto, eu posso amar o próximo assim como amo a mim
mesmo, porque o ponto de referência do amor-próprio e do amor-alheio é o
mesmo: o verdadeiro Eu Divino, seja em mim, seja em ti. O Deus-em-ti, o
Deus-nele, o Deus-nela.
No plano da moral se trata dum ato de boa vontade, de uma virtude, que é
coisa incerta e precária. No plano da ética se trata duma atitude de sabedoria
ou compreensão, que se baseia na divindade do Eu verdadeiro.
Duas ondas do mar são diferentes como ondas, mas são idênticas como água
do mar.
A luz vermelha irradiada pelo prisma é diferente da luz verde, mas as duas
luzes coloridas são iguais do outro lado do prisma, onde dó existe luz incolor.
E por isto pode a onda A amar a onda B, e a luz vermelha pode amar a luz
verde, porque há uma base comum. Amor supõe diversidade na unidade. O
amor é univérsico. Quando há somente diversidade não pode haver amor;
quando há somente unidade não pode haver amor. Amor é a percepção da
diversidade existencial como manifestação da unidade essencial.
Sendo que quase todos os nossos programas educativos giram no plano da
egoidade personal, que é meramente externa, é inevitável que essa educação
seja ineficiente, incapaz de estabelecer paz e harmonia duradouras. Toda a
educação periférica – que é, aliás, mera instrução ou “inducação” – não passa
de camuflagem e charlatanismo, interessada em remover sintomas de periferia,
mas não em erradicar a raiz do mal.
Para curar a raiz do mal não basta boa vontade, que é do ego, mas requer-se
sabedoria, compreensão da realidade do Eu humano.
Horizontal mais horizontal não dá vertical.
Ego mais ego dá ego, egos de boa vontade; não dá Eu, que é sabedoria. O
ego e o Eu estão em dimensões diferentes.
Para solver o problema central da educação, temos de abandonar a dimensão-
ego e entrar na dimensão-Eu, erguer uma vertical sobre a horizontal, com um
ângulo reto entre os dois planos.
Bergson tem sido atacado pelos adeptos da religião estática, por não admitir
uma religião objetiva, histórica, revelada, que possa ser devidamente analisada
e organizada. O filósofo responde que toda a religião externa, objetiva, quando
verdadeira e eficiente, tem a sua raiz na religião interna, subjetiva, isto é, na
experiência mística da religião dinâmica. Não existe nem jamais poderá existir
uma mística social, coletiva; a experiência mística é essencialmente individual,
em sua raiz; os efeitos dessa experiência individual podem, sim, ser sociais,
revelando-se em forma de ética, de harmonia social, de fraternidade coletiva.
Bergson compara a religião dinâmica da experiência mística com um vulcão a
lançar lava ígnea pela cratera – e compara as religiões estáticas, a simples
moralidade social, com a lava fria e as cinzas que sobraram da erupção ígnea
do vulcão da mística. Os moralistas, os dogmáticos, os teólogos, os
intelectualistas se apoderam dessa lava fria e discutem a sua natureza e
procedência, mas toda essa discussão sobre a lava fria da religião objetiva não
é fogo e não pode reacender o fogo da erupção mística, que se apagou.
Felizmente, de tempos a tempos, certas almas humanas tornam a lançar
substancia ígnea, renovando e mantendo assim, através de séculos e milênios,
o entusiasmo espiritual. Se não fossem esses grandes místicos, com a sua
inspiração divina, já teria desaparecida da face da terra a religiosidade, porque
os adeptos da religião estática, dogmática, teológica, são incapazes de
reacender o fogo divino no seio da humanidade; são os poucos místicos, de
fogo próprio, que garantem luz e calor aos muitos profanos que não têm calor e
luz próprios.
Nem adianta usar fogo pintado para substituir o fogo real. Fogo pintado, por
mais perfeito que seja, não dá calor nem luz.
* * *
Quando o homem entra na zona da experiência mística, nesse centro atômico
do seu Eu – então sente ele, pela primeira vez, a sua total alteridade. Percebe
que não é um elo na longa cadeia dos determinismos causais; sente-se como
auto-determinante, e não mais como alo-determinado. Sente-se como fator
ativo do seu destino, e não mais como fato passivo de um fatalismo inevitável e
pré-estabelecido. Sente o poder de ser causa própria, e não mais joguete de
causas alheias. Terminou a continuidade, o continuísmo passivo do ego, e veio
um novo início pelo despertamento do Eu. O fator suplantou os fatos. Uma
nova atitude de soberania derrotou os velhos atos de tirania de que o homem-
ego é vítima. O homem-Eu sente a realidade do seu livre-arbítrio, a onipotência
do seu Eu triunfante.
Outrora, sentia-se o homem, o homem-ego, idêntico com o mecanismo causal
dessa egoidade escravizante – agora foi essa sua identidade suplantada por
uma estranha alteridade, a alteridade do seu Atman sobre o seu Aham, e
também sobre o mundo de Maya.
O homem-Eu sente-se como uma realidade triunfante, e não mais como uma
facticidade escravizada. A sua qualidade de hoje derrotou as quantidades de
ontem e de anteontem.
As palavras de Einstein – do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho
para o mundo dos valores – são a expressão da vivência do homem assim
liberto pelo conhecimento da verdade sobre seu verdadeiro Eu.
O seu UNO tomou conta dos seus VERSOS.
De ego-pensante passou a ser cosmo-pensado – e um dia será cosmo-
pensante.
No princípio, parece a experiência mística ser uma morte, uma estranha
eutanásia, um egocídio. A onda do Eu parece dissolver-se para sempre no
oceano do grande Todo, o imenso Nirvana do Nada absoluto. Só aos poucos, o
homem que mergulhou no oceano do Infinito verifica que ele continua a existir
como uma onda finita, mas que essa onda tomou outra forma e encheu-se de
novo conteúdo. A identidade continua, mas foi cosmificada pelo mundo em
que submergiu. A máscara da egoidade personal e ilusória recebeu um novo
conteúdo, pela invasão da individualidade do verdadeiro Eu. O pseudo-real do
ego foi realizado pela realidade do Eu. O ego-vivente, depois de cosmo-
vivido, tornou-se cosmo-vivente. A identidade do Eu real, que subjaz a todo
esse processo, continua a existir.
Da nulificação voluntária do ego nasce a totalidade do Eu.
O Eu sente-se mais Eu, depois de desegoficado.
Eu (ego) morro todos os dias – e é por isto que eu vivo, mas já não é o meu
ego que vive, é o meu Cristo (Eu) que vive em mim, eu sou vivido pelo Eu
crístico.
Do Nada da personalidade nasce o Todo da individualidade.
* * *
A estratégia educacional de Bergson, como aliás, de todos os pensadores
clarividentes, é inteiramente diferente da dos educadores comuns.
Estes dizem: o mal está no plano da personalidade e da sociedade; por isto, o
remédio só pode vir da personalidade e da sociedade. E se põem a excogitar
como melhorar a pessoa pela pessoa, a sociedade pela sociedade.
Estranhamente, não percebem que essa estratégia é um círculo vicioso, um
charlatanismo pedagógico. É como se um engenheiro quisesse canalizar as
águas de um lago sobre os tubos duma turbina a ser movida, argumentando
com a grande massa de água do lago. Confunde quantidade com qualidade,
amperagem com voltagem. A questão não é quantidade, amperagem; o
problema é qualidade, voltagem, isto é, desnível. Do lago à turbina no mesmo
nível não há movimento. Mas uma cachoeira, isto é, desnível entre causa e
efeito, resolve o problema do movimento da turbina.
Os nossos educadores e autores de programas pedagógicos jogam com o fator
imediatismo, resultados imediatos, palpáveis, falasanga, em linguagem de
filosofia oriental: mania de resultados.
É claro que ninguém deve esperar resultados imediatos da nossa Filosofia
cósmica. Não contamos com nenhum resultado imediato. Nem daqui a 10
anos, a nossa Filosofia terá melhorado o nível educacional. Estamos
investigando a causa última e profunda do descalabro educativo. Essa causa
não está na superfície do ego, mas nas profundezas do Eu. Sem uma
verdadeira experiência da realidade do Eu, nenhum melhoramento substancial
se pode esperar no plano da personalidade e da sociedade.
Não hostilizamos as medidas superficiais dos imediatistas; são até necessárias
– o que negamos é que essas medidas imediatistas sejam suficientes e
capazes de resolver o doloroso problema da educação integral.
O ego será sempre egoísta, mesmo ego de boa vontade, que se chama
altruísta. Altruísmo não resolve, porque o ego altruísta não abandonou o plano
do ego – e neste plano não há solução real. A questão não é passar dum ego
de má vontade para um ego de boa vontade. A solução está em ultrapassar
totalmente o plano do ego, tanto mau como bom, e entrar na nova dimensão do
Eu sapiente.
Objetam que o ego altruísta, de boa vontade, é, pelo menos, um prelúdio e
trampolim para o Eu sapiente. Pode ser que isto aconteça, mas em raríssimos
casos. Por via de regra, o ego altruísta não é um preliminar para as alturas do
Eu sapiente, mas sim uma substituição, como prova a história do fariseu no
templo, que foi para casa não ajustado. Apesar de todo o seu altruísmo e
toda a sua virtuosidade, estava desajustado.
Não adianta por remendo novo em roupa velha, é necessário jogar fora a
roupa velha, despojar-se do homem velho (ego) e revestir-se do homem novo
(Eu) e fazer de si uma nova creatura em Cristo, não um ego remendado,
mas um Eu remido.
É nisto que Bergson insiste, quando fala em experiência mística, em religião
dinâmica, em total alteridade.
Quem nunca experimentou a paternidade única do Infinito, pela experiência
mística do seu Eu central, esse não pode viver a fraternidade universal dos
Finitos pela vivência ética. Pode ser um homem moral, mas não pode ser um
homem ético. Mas a moral, que é do ego de boa vontade, não resolve o
problema, que só pode ser resolvido pelo homem ético, o homem que faz
transbordar em vivência ética a sua experiência mística. Quem não atingiu a
fonte da realidade não pode canalizar as águas vivas pelos canais das
facticidades.
PARA QUE ESTOU AQUI NA TERRA?
Estou aqui para melhorar o mundo?
Não!
Estou aqui para melhorar a humanidade?
Não!
O primeiro é desnecessário. Nenhum homem pode fazer um mundo melhor do
que Deus o fez. Quando Deus creou o mundo, diz o Gênesis, “viu que tudo era
bom”.
O segundo é impossível. Nenhum homem pode converter outro homem. Jesus,
durante a vida terrestre, não converteu ninguém, nem mesmo conseguiu
impedir que um dos seus discípulos se pervertesse.
Será que eu sou mais poderoso que Deus, para melhorar o mundo?
Será que eu sou melhor que o Cristo, para melhorar os homens?
Uma coisa, porém, posso fazer que nem Deus nem o Cristo podem fazer por
mim ou em meu lugar: posso fazer-me bom. Ninguém, exceto eu, me pode
fazer bom. Ninguém pode ser bom em meu lugar.
Deus só me creou com a potencialidade de ser bom, mas eu me posso fazer
atualmente bom. Eu me posso fazer melhor do que Deus me fez – e também
me posso fazer pior do que Deus me fez.
É esta a onipotência do livre-arbítrio, para o bem ou para o mal.
Estou aqui na terra para fazer de mim o que Deus não me fez.
Estou aqui para me fazer o que ninguém pode fazer por mim – estou aqui para
me fazer bom.
A creaturidade que Deus me deu, deve manifestar-se em creatividade positiva
para o bem.
Mas que quer dizer ser bom?
Ser bom é tronar-se explicitamente o que Deus me fez implicitamente.
Ser bom é conscientizar-se que “eu e o Pai somos um; as obras que eu faço
não sou eu que as faço, mas é o Pai em mim que faz as obras”.
Ser bom é estar intimamente convencido de que “o reino de Deus está dentro
de mim; é um tesouro oculto, de que eu devo fazer um tesouro manifesto”.
Ser bom é saber que eu sou a luz do mundo, mas que não devo deixar a minha
luz debaixo do alqueire, e sim colocar no alto do candelabro.
Ser bom é conscientizar que minha alma é uma pérola preciosa, que devo
trazer à tona do oceano da minha vida.
Ser bom é amar o Senhor meu Deus com toda a minha alma, com toda a
minha mente, com todo o meu coração e com todas as minhas forças, porque
este é o primeiro e o maior de todos os mandamentos.
Ser bom é fazer transbordar a experiência mística da paternidade única do Pai,
na vivência ética da fraternidade universal dos homens.
Ser bom é fazer externamente no meu AGIR o que sou internamente no meu
SER.
Estou aqui na terra para conhecer o Deus do meu SER e realizá-lo no meu
agir.
E, quando eu me tiver realizado assim no meu externo AGIR como sou no meu
interno SER; quando a minha ética for o transbordamento fiel da minha mística
– então terei feito à humanidade o maior bem que lhe posso fazer – e então
terei feito o mundo muito melhor do que Deus o fez.
Mas, se eu não me fizer assim como posso e devo fazer-me, a minha vida
terrestre será uma falência, e sobre a minha lousa sepulcral se deve gravar
este tristíssimo epitáfio:
Aqui jazem os restos mortais de um homem que viveu 30, 50, 80 anos – sem
saber porquê...
O MISTÉRIO DO LIVRE-ARBÍTRIO
Muitos representantes da chamada “ciência exata” negam a realidade do livre-
arbítrio, afirmando que, num Universo regido por leis férreas e imutáveis, não
há lugar para o fenômeno da liberdade, que, segundo eles, seria
indeterminismo, incompatível com um cosmos governado por um
determinismo absoluto e universal.
Determinismo é causalidade.
Indeterminismo seria não-causalidade.
Na zona do suposto indeterminismo ou livre-arbítrio, haveria algo como não-
causalidade, efeito sem causa, quando o cosmos é uma imensa cadeia de
causas e efeitos, uma concatenação infalível de precedente causante e de
consequente causado. O indeterminismo do livre-arbítrio seria, segundo esses
cientistas, um efeito sem causa, o que é anti-cósmico, e, portanto, inadmissível.
Respondemos que o livre-arbítrio não é indeterminismo, efeito sem causa, mas
é auto-determinação, em vez de alo-determinismo. O livre-arbítrio, disse
alguém, é o poder de ser causa própria. No setor do determinismo ou alo-
determinismo tudo depende de uma causa ou causação alheia, externa, ao
passo que na auto-determinação, ou liberdade, atua uma causa própria,
interna; o ser livre é um auto-agente, e não mais um alo-agido, um auto-
causante, e não mais um alo-causado. A substância do autos o libertou das
circunstâncias escravizantes dos allos.
No ser livre há uma substância auto-agente, que neutraliza as
circunstâncias alo-agidas. Nos seres não livres não há consciência de uma
substância central auto-causante, há tão-somente circunstâncias periféricas
alo-causadas.
Em vista disto, escreveu Spinoza, séculos atrás, que há no Universo uma única
substância que se manifesta em muitas circunstâncias, o único UNO que se
revela através de muitos VERSO – UNI-VERSO. Ou, na linguagem desse
grande monista cósmico, “Deus é alma do Universo, e o Universo é o corpo de
Deus”. Alma corresponde a causa, uno – corpo significa efeito, verso. O
Universo é um sistema de causa una que atua através de efeitos múltiplos,
Essência Infinita manifestada em Existências Finitas.
Liberdade, em sentido absoluto, total, perfeito, é essa Causa Una e Única.
Quando um ser finito se torna consciente da presença dessa Causa Una
então este ser participa da liberdade do Ser Absoluto, e se torna livre por
participação, na medida da sua consciência ou conscientização.
Podemos, pois, afirmar que tanto mais livre é um ser finito quanto mais
consciente for da presença do Ser Infinito nele. A participação na liberdade do
Ser Infinito por parte de um ser finito está na razão direta da consciência que
esse ser finito tem da presença do Ser Infinito.
É inegável, como já dissemos alhures, que a Realidade Infinita está em todas
as Facticidades Finitas, uma vez que a Realidade Infinita é onipresente, é
Presença Universal, sem nenhuma ausência parcial. Mas não é o fato objetivo
da presença da Realidade Infinita que torna livre o ser finito; se assim fosse,
toda a natureza infra-hominal – mineral, vegetal, animal – seria livre, uma vez
que nela está presente a Realidade Infinita. Entretanto, o que gera a liberdade
não é a presença objetiva da Realidade Infinita, mas sim a consciência
subjetiva dessa presença.
O grau de liberdade é diretamente proporcional ao grau de consciência que um
ser finito tem da presença do Ser Infinito. Se esse grau de consciência for zero,
a liberdade do ser é igual a zero; se o grau de consciência for 10, a liberdade
desse ser é 10; se o seu grau de consciência relativamente à presença da
Realidade Infinita for 100, então a liberdade desse ser é igual a 100.
A evolução ascensional de um ser, digamos do homem, consiste, pois,
essencialmente na evolução do seu consciente relativamente à presença da
Realidade Infinita nele. Com outras palavras: a perfeição de um ser consiste no
grau de harmonia ante o consciente finito e a Realidade Infinita. Esta
harmonia entre o consciente e a Realidade também se chama “Verdade”. E é
por isto que o maior sábio que a humanidade conhece disse: “Conhecereis a
Verdade, e a Verdade vos libertará”.
A minha harmonia consciente entre o meu Finito e o Infinito me liberta de toda
a escravidão do alo-determinismo e me introduz na perfeita liberdade da auto-
determinação.
Libertação é, pois, a conscientização da Realidade – que se chama Verdade.
A maior ou menor harmonia entre a minha consciência humana e a Realidade
cósmica determina o grau da minha liberdade – é esta a Verdade que me
liberta.
Ora, sendo que a Realidade cósmica é perfeita vida e saúde, a minha vida e
saúde dependem do grau de harmonização consciente com a vida e saúde do
Universo.
Isto é cosmoterapia.
Cosmoterapia é uma harmonização consciente entre o ánthropos e o
kósmos. O UNO da perfeita vida e saúde do Universo cura o VERSO da vida e
saúde imperfeitas, oriundas de uma consciência deficiente do meu ego.
O meu ego é um VERSO imperfeito.
O meu Eu é um UNO perfeito.
Cosmoterapia é logoterapia, é a cura do ego pelo Eu, do humano pelo divino
em mim.
O meu perfeito Atman cura o meu imperfeito Aham...
Se eu tiver a consciência nítida de que o meu Atman é a essência do meu
Aham – que “eu e o Pai somos um, que eu estou no Pai, e o Pai está em mim”,
então sou realmente liberto pela Verdade.
A IMANÊNCIA DA PSICOLOGIA E A
TRANSCENDÊNCIA DA YOGA
Carl G. Jung é o campeão da mais avançada psicologia ocidental, que procura
culminar numa tal ou qual psicoterapia. Superou a substrutura “id” de Freud,
bem como a estrutura “ego” de Adler e iniciou uma superstrutura rumo a um
“super-ego” (Eu).
Segundo Jung, há em cada ser humano certos “arquétipos” (Urbilder),
imagens fundamentais que fazem parte da natureza humana, independentes
do saber ou querer consciente do homem. Um desses “arquétipos” é a idéia de
Deus.
Essas imagens parecem apontar para algo além do homem, algo Trans, ou
Transcendente – assim como a seta à beira da estrada aponta para alguma
cidade distante, mas essa cidade não está presente na seta. O viajor olha para
a seta, fixa a direção da ponta da flecha, que vai, digamos, rumo norte – isto é
“científico” – mas, se o viajante admite a realidade de uma cidade do norte,
cidade que ele não vê, isto não é considerado “científico”, porque o viajante,
em nosso caso, o psicólogo, só pode “cientificamente” admitir o que vê, ouve,
tange, etc. E, como a cidade longínqua não é objeto de visão, audição, tato,
etc., ela não pode ser admitida “cientificamente”. Na cidade ausente só pode o
viajante crer, mas não a pode ver, e só esse ver é que é cientificamente
admissível.
É esta, mais ou menos, a atitude da psicologia de Jung e da sua escola. Os
psicólogos dizem, para ficar dentro dos limites da “ciência exata”, só podemos
admitir o que está imanente na seta, e, nada do que lhe é transcendente; não
podemos admitir algum objeto longínquo apontado pela seta, mas não contido
na seta.
Quem admite uma realidade transcendente, dizem eles, não procede
“cientificamente”, procede como um crente, um religioso, um místico, um yogui.
Graças a esta atitude, como frisa J. W. Hauer, no seu livro monumental “Der
Yoga”, Jung para no conceito da psicoterapia, mas não vai até à logoterapia,
como Victor Frankl. Mas, como a psicoterapia é apenas uma terapia de
sintomas, e não da raiz, esse processo não contém verdadeira terapia.
Imanente não cura imanente. Uma turbina ao nível dum lago não pode ser
movida pelas águas do lago, por maior que seja o volume destas águas. Falta
voltagem; amperagem não resolve. Somente o desnível, uma cachoeira, por
exemplo é que dá movimento.
No pretenso processo psicoterápico não há desnível entre o doente e a
terapêutica, e por isto não há verdadeira cura, que supõe diferença de nível. A
psicoterapia, é toda do ego, procurando agir sobre outro ego, o que é falta de
desnível. Na yoga, há desnível, o ego doente é curado pelo Eu sadio.
Entre imanência e transcendência há desnível, ectropia.
Entre imanência e imanência não há desnível, há entropia.
Para o oriental, sobretudo o yogui, é espontaneamente evidente que há uma
Realidade Transcendente para além das Facticidades imanentes, porque
estas não teriam sentido sem aquela – assim como uma seta na encruzilhada
apontando para uma cidade não teria sentido se essa cidade não existisse;
seria um apontante sem um apontado. Estranhamente, porém, para o
ocidental parece ser “científico” admitir um apontante sem um apontado, uma
agulha magnética que aponta para o pólo norte, sem que esse pólo norte exista
independente da agulha.
Por que essa estranha atitude do ocidental?
Porque o ocidental é, por excelência, o homem da análise intelectual, ao
passo que o oriental se guia, por via de regra, por uma intuição espiritual. O
ocidental tem toda a confiança numa perfeita análise intelectual, e sente-se
tomado de uma certa fobia e insegurança em face da chamada intuição
espiritual.
Essa atitude do ocidental é, em grande parte, o produto de quase 2000 anos de
teologia artificial, substituindo a religião natural. O cientista ocidental sente
uma repugnância instintiva em face da idéia de ser tomado por um crente, em
vez de um ciente. Ciência lhe parece superioridade, crença tem ares de
inferioridade. As teologias, é claro, exigem crença nas suas doutrinas. A
Religião, porém, não se baseia em crenças, mas sim na sapiência, isto é, na
experiência e no saboreamento (sapiência) interno da própria Realidade.
A ciência é da inteligência.
A crença é da vontade.
A sapiência é da razão.
O homem religioso, que é o verdadeiro yogui, age em nome da razão, da mais
alta racionalidade – muito além da inteligência e da vontade.
Mas, como é uso e abuso, no ocidente, identificar teologia com Religião, o
cientista recusa-se a crer e prefere inteligir, porque vê uma superioridade na
ciência e uma inferioridade na crença. Se ele chegasse às alturas da Religião,
que é sinônimo de yoga, veria que a sapiência ultrapassa tanto a ciência como
também a crença.
Na yoga oriental não há teologia, há tão-somente Religião.
Religio, como já lembrou Santo Agostinho, no século 5, vem de religare, algo
que religa o finito com o Infinito, uma ligação consciente e livre entre o homem
e Deus – e, neste sentido exato, coincide com a idéia de yoga, palavra
sânscrita para união: pela yoga, ou religião, se une o homem a Deus.
Na filosofia oriental não existe esse instintivo pavor anti-religioso que
caracteriza grande parte da psicologia ocidental, porque não há base para esse
pavor, que nasce da confusão entre teologia e Religião. Yoga é Religião, e
Religião é yoga.
* * *
Por conseguinte, quem apenas admite arquétipos imanentes, e não uma
realidade transcendente, da qual esses arquétipos sejam reflexos
espontâneos, não pode curar o homem dos seus males; pratica charlatanismo
em nome da psicoterapia, mas não cura pela logoterapia, ou cosmoterapia.
Cosmoterapia supõe o contato consciente com a alma do Universo.
Quem está doente nunca é o UNO, mas tão-somente o VERSO.
Por outro lado, quem pode curar nunca é o VERSO, mas tão-somente o UNO.
No plano da simples psicoterapia imanente, o VERSO tenta curar o VERSO.
No processo da logoterapia, ou cosmoterapia, o UNO cura o VERSO.
Para que o ego doente sinta um impacto dinâmico da parte do Eu, deve haver
distância (não local, mas consciente) entre o curando e o curador.
Esse desnível, essa alteridade, essa ectropia entre o ego movendo e o Eu
movente, é essencialmente necessário.
Verdade é que o intelecto analítico do homem não pode falar em nome de uma
Alteridade Transcendente – pois todo ele é Identidade Imanente – não pode
agir em virtude de algo maior do que ele mesmo. Mas há no homem ultra-
intelectual algo que não analisa, mas “fareja” o Transcendente. O homem que
não tenha despertado em si esse “faro cósmico” não pode admitir
cosmoterapia; vê a seta à beira da estrada, mas não admite a realidade da
cidade apontada pela seta. Esse homem permanece no plano penúltimo da
psicoterapia, e nada sabe do estágio último da logoterapia ou da
cosmoterapia.
Embora o homem-ego, no plano da inteligência analítica, não possa submeter
o Transcendente a uma análise de laboratório; embora ele não possa invadir
essa zona transcendente, contudo ele pode ser invadido pelo transcendente,
suposto que seja invadível, que abra as portas para essa invasão cósmica. Se
o homem estabelecer em si um clima de invadibilidade, de receptividade, de
fides, de fidelidade e harmonia com a alma do cosmos, é certo que vai ter a
experiência do Transcendente.
“Quando o discípulo está pronto – então o Mestre aparece”...
A cosmoterapia, como se vê, é muito mais uma questão de atitude de
profundidade do que atos de superfície. O que decide não é este ou aquele
agir transitório, mas sim um modo de ser permanente.
FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL GERANDO
HIPERTROFIA SEXUAL
Fale-nos do sexo.
Foi este o pedido que um grupo de moças modernas fez a uma das minhas
alunas do curso de Filosofia Cósmica, no Rio de Janeiro. E ela me consultou
sobre se devia aceitar o pedido e o que devia dizer às interessadas.
Respondi à minha aluna, mais ou menos, o mesmo que vou expor nas linhas
seguintes.
Que adianta falar sobre sexo separadamente?
Sexo é um dos aspectos biológicos do ego humano, masculino e feminino.
Mas, como se pode falar com eficiência sobre um dos derivados do ego sem
ter uma noção correta desse próprio ego em si? E, além disto, como falar de
um dos componentes da natureza humana sem ter noção exata do próprio
composto dessa natureza?
A filosofia e a psicologia mais avançadas giram em torno desses dois pólos da
natureza humana: o ego periférico e o Eu central do homem.
Que é o homem, esse desconhecido?
O homem é uma harmonia cósmica do Eu central e dos egos periféricos, assim
como o Universo é um equilíbrio entre força centrípeta e força centrífuga, entre
a unidade da atração e a diversidade da repulsão.
Unidade com diversidade é harmonia.
Unidade sem diversidade é monotonia ou estagnação.
Diversidade sem unidade é caos ou dispersão.
Se, no Universo sideral, se hipertrofiasse um dos dois pólos, e se atrofiasse o
outro pólo, deixaria de existir o cosmos; acabaria tudo ou em implosão e
monotonia rumo ao centro, ou em explosão e dispersão rumo às periferias.
O Universo só existe graças a uma perfeita harmonia e equilíbrio estável entre
os dois pólos complementares, da atração centrípeta e da repulsão centrífuga.
O mesmo que se dá no macrocosmo sideral acontece também no microcosmo
hominal.
O homem que afirma unilateralmente o seu Eu à custa do seu ego, cai vítima
de monotonia e estagnação.
O homem que afirma unilateralmente o seu ego à custa do seu Eu, cai vítima
de caos e dispersividade.
O primeiro caso acontece, em parte, no oriente.
O segundo caso está acontecendo, sobretudo agora, no ocidente, ou pelo
menos com numerosos representantes deste hemisfério.
E esse centrifuguismo diversitário do ego à custa do centripetismo unitário do
Eu está assumindo, ultimamente, proporções catastróficas na humanidade do
ocidente.
Nunca a hipertrofia do ego e a atrofia do Eu apareceu tão nitidamente como em
nossos dias.
E por que está isto acontecendo agora, no ocaso do segundo milênio da era
cristã?
Até ao fim da Idade Média, século 15, quase só se havia tratado dos interesses
do Eu espiritual do homem, da sua alma. “Salve a tua alma”, era o brado
universal; salva o teu Eu espiritual, depois da morte, em regiões distantes e
ignotas do cosmos; a vida presente não valia nada; era sofrimento e miséria,
que deviam ser tolerados, com paciência, contanto que a alma se salvasse,
depois da morte e em outros mundos.
A humanidade europeia era, espiritualmente, criança – e a criança aceita
qualquer crença que os adultos lhe impinjam. Deus era uma realidade inegável,
mas uma realidade apenas crida, distante e futura, aceita docilmente por
testemunho alheio, não sabida por experiência própria.
Com a superação da infância espiritual e o despertamento da adolescência,
no princípio da Renascença, século 16, o homem repudiou a crença, baseada
em testemunho alheio, e tentou substituir a crença pela ciência – mas, não
tardou a sentir grande decepção. A ciência dá conforto ao ego, pela técnica,
mas não satisfaz as necessidades mais profundas do Eu. Voltar à crença num
Deus ausente e futuro – impossível para os mais avançados. Permanecer no
plano da simples ciência e técnica, para satisfazer as coisas do ego – era
insuficiente para os homens de maior profundidade.
A terceira alternativa, para além de crença e ciência, seria a sapiência, a
experiência própria da Realidade espiritual e divina – mas quem é capaz dessa
sapiência? dessa experiência própria e imediata da Realidade Eterna?
E assim, o desequilíbrio continua, por enquanto. O homem perdeu o contato
com o pólo positivo do seu Eu real, e está apenas com o pólo negativo do seu
ego fatual, que o deixa insatisfeito – e aqui está o grande desequilíbrio, a
profunda desarmonia cósmica, ou anti-cósmica.
A clerocracia medieval, que se dizia representante de Deus, morreu para
muitos.
A egocracia do homem profano de hoje não satisfaz os íntimos anseios do
homem.
A cosmocracia seria a solução, cosmocracia, harmonia e equilíbrio entre o
centrifuguismo diversitário do ego e o centripetismo unitário do Eu. Mas essa
cosmocracia, esse estado de harmonia cósmica, ainda é um ideal longínquo,
não é ainda uma realidade presente, para o grosso da humanidade.
O Eu medieval, desequilibrado pela hipertrofia do Eu e atrofia do ego, foi
substituído pelo ego renascentista, hipertrofiado no ego e atrofiado no Eu.
O homem medieval cria num Deus desconhecido.
O homem moderno rejeitou o Deus desconhecido da crença antiga e quis
descobrir um Deus conhecido pela ciência, mas não encontrou. Encontrou
muitos ídolos do ego, não encontrou o ideal do Eu.
No meio desse tremendo vácuo do Eu Real, o homem moderno, neste ocaso
do segundo milênio, se agarra cada vez mais freneticamente aos ídolos do ego
ilusório – sexo, dinheiro, divertimentos – para se esquecer temporariamente da
sua profunda desarmonia interior. Recorre a todas as camuflagens, a todos os
narcóticos, a todos os analgésicos e anestésicos, a toda a espécie de
charlatanismos, para não sentir o seu doloroso desequilíbrio, a sua profunda
desarmonia interior.
O que é essa fulminante sexomania e sexolatria da juventude de hoje senão
uma tentativa desesperada de narcotizar a sua profunda infelicidade com uma
ilusão de felicidade? Quem nunca experimentou a mística do espírito afoga-se
na erótica da carne, para ao menos se esquecer, durante umas horas, ou uma
noite de orgias sexuais, da sua frustração espiritual. Procura fugir do inferno
real da sua frustração espiritual mediante um céu ilusório de realização sexual.
E os estímulos têm de ser cada vez mais violentos para poderem fazer
esquecer, por umas horas ao menos, a profunda infelicidade da sua frustração
existencial.
E essa alternativa entre gozo e nojo se acentua cada vez mais: quanto mais o
homem goza tanto mais se embota a sua possibilidade de gozar; o próprio
gozo diminui a gozabilidade; e, quando a gozabilidade baixa a zero, quando o
homem já gozou tudo, e nada mais resta para gozar, porque a sua capacidade
de gozar baixou a zero – então esse infeliz gozador está maduro para o
hospício, para o hospital, para o cemitério, para o suicídio, ou então para um
inferno em plena vida.
E tudo isto como consequência de um desequilíbrio entre os dois pólos da
natureza humana, como uma hipertrofia do ego periférico e uma atrofia do Eu
central.
Mas o homem não quer reconhecer que a cura estaria num reequilibramento,
numa corajosa, sincera e honesta reharmonização entre o seu ego humano e o
seu Eu divino. O homem continua a adorar os objetivos da vida do ego, e
continua a não se interessar pela razão-se-ser da sua existência real, do seu
Eu central.
E, quando se fala ao homem dessa razão-de-ser da sua existência, ele grita e
protesta e pensa que o queiramos levar ao outro extremo, à hipertrofia
unilateral do seu centro divino Eu, substituindo-o pela querida hipertrofia do seu
ego periférico.
O homem profano do ego unilateral, quando ouve falar da necessidade do Eu
cósmico, universificado, universalizado, nada compreende; pensa que lhe
queiramos tirar as coisas boas e queridas do ego, e substituí-las pelas coisas,
para ele desconhecidas, do Eu. Como ele só conhece as suas profanidades,
suspeita que esses ídolos da sua vida devam tombar dos seus pedestais, para
ceder lugar ao Deus desconhecido (e temido) do Eu místico. Receia trocar o
seu querido caos profano pela monotonia sagrada – e ele prefere o seu caos,
embora doloroso, à monotonia.
Nós, porém, não somos advogados nem do caos nem da monotonia.
Somos defensores da harmonia cósmica, equidistante desta e daquele.
Nada queremos saber de substituição, nem mesmo de simples justaposição –
queremos realizar a grande síntese, o perfeito equilíbrio, a maravilhosa
harmonia hominal, a grandiosa complementaridade entre todas as forças e
faculdades do homem integral.
Não queremos um corpo sem alma, que seria cadáver.
Não queremos uma alma sem corpo, que seria fantasma.
Queremos o homem real e integral, cuja alma vivifique o corpo, e cujo corpo
seja a manifestação visível da alma invisível.
Na juventude, o homem e a mulher se interessam principalmente pelas coisas
do sexo, que muitos chamam amor.
Na idade adulta, o homem se interessa pelo sexo e pelo dinheiro.
E durante a vida inteira, juventude e adultez, o homem quer divertimentos.
Sexo, dinheiro e divertimentos, essa trindade do ego, que não é má em si –
torna-se má quando o homem estabelece desequilíbrio entre estes ídolos do
ego e os ideais do Eu, quando faz desses três objetivos da vida uma razão-de-
ser da sua existência humana, quando hipertrofia, sexo, dinheiro ou
divertimentos, e atrofia a realidade central do seu Eu superior.
O homem profano do ego abusa de sexo, dinheiro e divertimentos, e isto é
idolatria.
O homem místico recusa tudo isto.
Mas o homem cósmico não abusa nem recusa, mas usa de tudo isto, em
perfeita harmonia e equilíbrio com o seu Eu central.
Abusar é proibido, recusar é permitido, usar é recomendado.
Quando substituirá o homem o charlatanismo de hoje pela cura de amanhã?
Quando o seu Eu central, que ainda está dormindo, estiver tão acordado como
está hoje o seu ego periférico. Quando o Eu se tornar tão consciente como o
ego já é consciente.
Não há nenhuma necessidade de reduzir o ego à inconsciência; convém
mesmo tornar o ego cada vez mais egoconsciente – contanto que o Eu
também se torne tão consciente como o ego. Só assim haverá perfeito
equilíbrio e harmonia dentro da natureza humana.
E esta harmonia cósmica é a verdadeira e permanente felicidade do homem.
FANATISMO OCIDENTAL – INDIFERENÇA ORIENTAL
– ENTUSIASMO UNIVERSAL
Nenhum país tem tantas seitas religiosas como a Índia – e, no entanto, todas
elas convivem pacificamente, em perfeita tolerância e harmonia. Ninguém faz
proselitismo, ninguém tenta converter outro à sua religião.
No ocidente, sobretudo nos Estados Unidos, há centenas de seitas cristãs e
seitas não cristãs – e quase todas vivem hostilizando umas às outras, porque
cada uma se considera como possuidora única da Verdade e julga seu dever
de consciência converter os adeptos de outro credo. Cruzadas, inquisições,
excomunhões, guerras de religião marcam a estrada do Cristianismo teológico
e seus similares há quase 2000 anos.
Donde esta diferença?
A razão última e mais profunda está no seguinte: o genuíno oriental não toma a
serio a personalidade do ego humano, que é para ele o que o seu nome diz,
“persona”, isto é, “máscara”; como, aliás, não toma a sério nenhum fenômeno
externo, objetivo, que lhe é maya ou ilusão. O oriental considera todas as
facticidades, pessoais ou impessoais, como meras manifestações temporárias
e transitórias da suprema e única Realidade, como luzes multicores emanadas
da única Luz Incolor, ou, servindo-nos da linguagem da nossa Filosofia
Univérsica, considera todo o mundo objetivo como o VERSO ilusório projetado
pelo UNO verdadeiro do UNIVERSO.
O ocidental, em geral, dá grande importância à persona e aos fatos objetivos,
porque não tem experiência da individualidade humana e da Realidade
Cósmica; vive mais nas periferias do ego do que no centro do Eu, e por esta
razão a personalidade do ego lhe parece ser a única e suprema Realidade, que
a consciência manda defender a todo o custo. Isto torna o ocidental intolerante,
sectário e fanático, por motivos de consciência, da sua pseudo ou ego-
consciência, que ele confunde com a verdadeira consciência do Eu.
Indiferença oriental?
Fanatismo ocidental?
Que é preferível?
Há uma terceira alternativa, equidistante da indiferença e do fanatismo: é o
entusiasmo. En (em) e theós (Deus) deram origem à palavra “entusiasmo”,
que quer dizer literalmente “em Deus”. Quem sente Deus em si ou se sente em
Deus é um entusiasta. O radical de fanatismo é fantasma; o radical de
entusiasmo é Deus. O fanático defende um fantasma irreal, o entusiasta
professa um Deus real.
O fanático corre atrás de fantasmas.
O entusiasta adora a Deus.
Quando o entusiasta enxerga o Deus do mundo sem o mundo de Deus, é ele
um místico – mas, quando enxerga o Deus do mundo em todos os mundos de
Deus, passa a ser um entusiasta cósmico.
Por via de regra, o ocidental é um profano, por vezes fanático.
O oriental é, não raro, um entusiasta místico.
Mas o homem universal é um entusiasta cósmico, que tanto pode ser oriental
como ocidental.
O homem cósmico pode amar sinceramente as coisas do mundo por amor a
Deus. A sua física é muito mais bela que a dos profanos, porque está baseada
na metafísica. Física baseada em simples física, cedo ou tarde acaba em
fastio, como todo o círculo vicioso; física, quando baseada em metafísica, é
permanentemente gostosa, e não enjoa nunca.
O homem que vê o Deus do mundo em todos os mundos de Deus, proclama
com grande entusiasmo as suas convicções espirituais, que cada dia lhe
revelam novos encantos – mas não as impinge a ninguém. Se alguém se
converte, não é pelo que alguém diz ou faz, mas por amor daquilo que ele é;
não se sente impelido por algo, mas atraído por alguém. O homem cósmico
alegra-se sinceramente quando outros seguem o mesmo caminho e o
acompanham nessa comunhão dos santos, irmãos anônimos da Fraternidade
Branca a que ele pertence, sem legenda nem bandeira.
O homem cósmico, embora tenha o seu altar predileto em algum recanto da
grande catedral de Deus, não leva a mal que outros também tenham o seu
altarzinho individual com sua devoção pessoal, dentro do mesmo templo da
Divindade. Ele é essencialmente inclusivista, e nada exclusivista, porque sabe
que todo o VERSO é uma emanação do único UNO.
Quando eu vou ao norte, e vejo alguém demandar o sul, pode-se parecer ele
meu adversário, pois que vai rumo adverso ao meu. Mas, quando passo da
perspectiva unilateral para uma visão onilateral, verifico que todos os viajores –
de norte a sul, de leste a oeste, e vice-versa – demandam o mesmo e único
centro que eu demando, porque todas essas existências finitas vão rumo à
Essência Infinita, rumo ao único UNO central.
O homem cósmico sabe que não há dois indivíduos humanos iguais, porque a
Natureza não faz cópias, crea tão-somente originais inéditos. E, como cada
indivíduo – por ser indiviso e indivisível – é único e irrepetível, cada um tem a
sua experiência individual e irreversível, e deve seguir o seu caminho
individual, rumo à Meta Universal. Mas todos os caminhos do VERSO, quando
sinceramente seguidos, convergem infalivelmente no mesmo UNO, que é a
Fonte única dos canais múltiplos.
Por isto, pode o homem de visão cosmorâmica saudar entusiasticamente todos
os seus companheiros de jornada, quer sigam o caminho dele, quer sigam o
caminho deles, uma vez que todos os caminhos convergem na mesma meta,
que é a minha meta e é a meta deles.
O homem cósmico não é um fanático nem é um indiferente – é um sincero
entusiasta; pode amar realmente todas as creaturas de Deus, porque ama o
Creador de todas as creaturas.
Quem encontrou Deus em si mesmo encontra-o por toda a parte, tanto nos
outros homens como também em todas as coisas da Natureza.
Esse homem realizou:
– a mística de Deus,
– pela ética dos homens,
– na estética da Natureza.
“QUEM NÃO RENUNCIAR A TUDO
NÃO PODE SER MEU DISCÍPULO”
De acordo com estas palavras do Cristo, escreveu um dos grandes heróis do
século 20, Albert Schweitzer: “Não há heróis da ação – há tão-somente heróis
da renúncia e do sofrimento”.
E isto disse Schweitzer depois de ter prestado, por quase meio século, serviços
gratuitos e desinteressados à parte mais infeliz da humanidade, aos negros
primitivos da África Equatorial, no pior clima do mundo, no meio duma
população boçal, incapaz de aquilatar a grandeza de seu benfeitor.
“Não há heróis da ação” – ninguém é grande pelo que faz.
O “fazer algo” ainda é compatível com a pequenez e mesquinhez do ego
humano – somente o “ser alguém” entra na zona da divina grandeza do
homem.
O “fazer algo” ou “ter algo”, quando não nascido do “ser alguém”, obstrui os
caminhos da grandeza do auto-conhecimento e da auto-realização.
“Quem não renunciar a tudo que tem...”
Esse “ter algo” do divino Mestre não se refere, em primeira linha, a bens
materiais, mas sim aos bens mentais e emocionais, que são os grandes
males do homem-ego, e aos quais muitos não conseguem renunciar, mesmo
depois de terem renunciado aos bens materiais.
Renunciar às suas posses mentais e emocionais é mil vezes mais difícil, e mais
importante, do que abandonar as posses materiais. Renunciar a todo e
qualquer apego mental, ofendismo emocional, ódios, rancores, ressentimentos,
antipatias, animosidades, intrigas, maledicências e malevolências – isto é
indispensável para abrir o caminho rumo a Deus e ao Eu divino no homem.
Sobre o desapego dos bens materiais e o apego aos bens mentais e
emocionais, escreveu Paulo de Tarso uma das suas páginas mais estupendas,
aos cristãos do primeiro século:
“Se eu distribuísse aos pobres todos os meus haveres, mas não tivesse amor,
de nada me serviria isto... O amor não é ciumento, o amor não é orgulhoso, o
amor não é rancoroso; o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta –
o amor não acaba jamais”.
Quem não renunciou às suas posses mentais e emocionais – ódio, rancores,
amarguras, ofendismos crônicos e ofendites agudas – esse não tem amor,
porque não renunciou à posse principal, embora tenha renunciado às suas
posses secundárias, de caráter material – e está longe de ser discípulo do
Cristo, porque não foi liberto pela experiência da verdade sobre o seu Eu real.
Pode ser um bom escravo, mas não entrou ainda na “gloriosa liberdade dos
filhos de Deus”.
“Não há heróis da ação – há tão-somente heróis da renúncia e do sofrimento”.
Mahatma Gandhi, de acordo com Schweitzer, com Paulo de Tarso, e com o
próprio Cristo, se libertara não só dos ídolos materiais, mas também de toda a
idolatria mental e emocional, de ofendismos e ofendites de toda a espécie.
Quando, pelo fim da vida, foi perguntado se perdoara todas as ofensas que de
seus inimigos recebera, respondeu que nada tinha que perdoar, porque nunca
fora ofendido.
O ego vicioso, quando ofendido, se vinga, de acordo com a lei do talião: olho
por olho, dente por dente; o ego virtuoso perdoa generosamente, de acordo
com as nossas teologias cristãs; mas o Eu crístico nada sabe de ofensas, é
absolutamente inofendível, porque é incontaminável como a “luz do mundo”,
que ele é conscientemente, e de acordo com o qual age eticamente. Não se
vinga nem perdoa, porque nada sabe de ofensa, ou ofendibilidade – entrou na
zona da libertação total.
No momento em que Gandhi recebeu as três balas mortíferas do seu
assassino, saudou ele o criminoso com a costumada saudação hindu
“namastê” (o Deus em mim saúda o Deus em ti). Isto é renúncia total. É
deveras estranho – escreve um autor moderno – que o melhor cristão do
século 20 tenha sido um pagão.
Quem quer bem a 99 creaturas de Deus e tem ódio a 1 creatura, esse é inimigo
de Deus e não é discípulo do Cristo. É um egoísta disfarçado, que vive a vida
inteira se iludindo com aparências de espiritualidade. É ainda um homem ego-
vivente, e não um Cristo-vivido, e não pode afirmar com Paulo “já não sou eu
que vivo, é o Cristo que vive em mim”.
No meu livro “De Alma para Alma” encontra o leitor um capítulo intitulado
“Heróis de Papelão”. Heróis de papelão e de palha são todos os heróis de ação
que não querem praticar o heroísmo da renúncia e do sofrimento, porque
adoram e idolatram a sua própria atividade heroica; deliciam-se com louvores e
elogios, aplausos e admiração.
O ego virtuoso é um herói de ação – um pseudo-herói.
O Eu da sabedoria é um herói verdadeiro, porque é herói da renúncia.
Há milhões de cristãos – há pouquíssimos homens crísticos.
Quem não passou pelo terremoto, pela tempestade e pelo incêndio do
Pentecostes, não foi ainda batizado com o fogo do Espírito Santo, e não é
ainda discípulo do Cristo, porque não renunciou às idolatrias do seu velho ego,
embora tenha dourado com virtuosidade as grandes férreas da sua antiga
viciosidade. Os grandes mestres não querem discípulos que sejam escravos,
maus nem bons, nem viciosos nem virtuosos – querem discípulos plenamente
libertos pelo conhecimento da verdade.
Não é possível ser alguém no Cristo e ao mesmo tempo ter algo, no Anti-
Cristo, porque a luz não admite trevas. Possivelmente, um discípulo do Cristo
pode ter posses materiais – mas ninguém pode ter posses mentais e
emocionais anticrísticos. Muitos saúdam o Mestre com um ósculo “salve
mestre”, com um ósculo de traição – cristãos anticrísticos.
Quem não se libertou pela renúncia é um pseudo-herói mesquinho.
Quem não trabalha intensamente e renuncia a cada passo aos frutos do seu
trabalho – esse não é herói.
Só quem pode dizer: fizemos tudo que devíamos fazer, e somos servos inúteis
– esse é herói, porque renunciou ao próprio apego à ação, e é plenamente
liberto.
“Há somente heróis da renúncia e do sofrimento”...
A Mensagem Cósmica de Cristo
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A Mensagem Cósmica de Cristo

  • 1. HUBERTO ROHDEN ENTRE DOIS MUNDOSTENTATIVA DUMA SÍNTESE ENTRE O UNO E O VERSO DO UNIVERSO HOMINAL UNIVERSALISMO
  • 2. ADVERTÊNCIA A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa. Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.
  • 3. ENTRE DOIS MUNDOS (EXPERIÊNCIA CÓSMICA) O profano não se interessa pela Auto-Realização. O místico foge do mundo para se encontrar com Deus. O homem univérsico, de experiência cósmica, penetra tão profundamente na alma do universo que atinge o Deus do mundo no mundo de Deus. E todo o seu antigo “dever” compulsório se transforma num novo “querer” espontâneo, num flamejante entusiasmo, numa irresistível adoração dinâmica por essa estupenda Realidade que está além de todos os nomes. Para o mundo profano, esse homem deve necessariamente parecer um louco ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por normal se entende essa cegueira habitual dos inexperientes e essa insensibilidade paquidérmica dos profanos. Esse homem é anormal “para cima”, supra-normal, e não anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes. Mas, como o homem comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem algum conhecimento do infra-normal – que admira que coloque o supra-normal no plano dos infra- normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu conhecimento – ou da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo a capacidade do cognoscente”. O homem normal pode conhecer o infra-normal, que para ele é um “menos”, mas não pode saber o que seja supra-normal, porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber coisa maior do que ele mesmo é; o nosso SER é a medida do nosso CONHECER. Entretanto, são os homens universificados os únicos que garantem a continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. É o vasto incêndio da experiência cósmica, desses poucos, que ilumina muitos. Seja, você mesmo, esse Homem universificado!
  • 4. TOMANDO PERSPECTIVA O Universo sideral é um perfeito equilíbrio entre o Uno centrípeto e o Verso centrífugo, formando um cosmos estável e dinâmico. No Universo hominal, porém, surge um novo fator – o livre-arbítrio – que pode causar harmonia ou desarmonia. O homem pode, pelo uso ou abuso do seu livre-arbítrio, crear um Universo muito mais maravilhoso do que esse cosmos sideral, e pode também ser autor de um imenso caos, pelo abuso da sua liberdade. O homem é, aqui na terra, o único ser dotado de creaturidade e de creatividade; só ele é creatura e creador ao mesmo tempo; só ele se pode tornar melhor ou pior do que Deus o fez. O homem, quando livremente cosmificado, é algo incomparavelmente mais maravilhoso do que todas as grandezas e belezas fora dele; mas, quando livremente caotizado, é também muito mais repugnante do que outra creatura qualquer. O macrocosmo sideral, regido por leis imutáveis e automáticas, será sempre um sistema de perfeita ordem e harmonia – mas o microcosmo hominal, pode estabelecer desordem e desarmonia. Através das páginas deste livro, aparentemente heterogêneas, vai um traço de permanente homogeneidade; todos os capítulos giram em torno de duas alternativas: a voluntária harmonia entre o Eu central e o ego periférico do homem – ou então a voluntária desarmonia entre esses dois pólos da sua natureza. A harmonia é bondade e felicidade – a desarmonia é maldade e infelicidade. A natureza humana participa da mesma bipolaridade que caracteriza todo o cosmos. Não existem círculos monocêntricos no Universo, há tão-somente elipses bicêntricas. Astros e átomos se movem em trajetórias elípticas, bipolares. Esses dois pólos não são contrários um ao outro, mas são complementares. Da síntese das duas antíteses complementares resulta a harmonia cósmica, que os gregos chamavam beleza (kosmos), e os romanos denominavam pureza (mundus). Da mesma forma, da síntese das duas antíteses complementares do homem, do Eu e do ego, resulta a harmonia, a beleza e a felicidade da vida humana.
  • 5. O homem é o autor da sua grandeza ou da sua mesquinhez, do seu cosmos ou do seu caos. O livre-arbítrio é uma espada de dois gumes, é o maior privilégio e também o maior perigo do homem; é a chave para o céu ou para o inferno da sua vida. Do uso ou abuso da sua liberdade tece o homem, dia a dia, a sua felicidade, ou a sua infelicidade. O livre-arbítrio é o invisível fio de Ariadne, que pode conduzir o homem, são e salvo, através de todos os labirintos da vida terrestre, rumo à sua definitiva libertação, rumo à sua verdadeira auto-realização. Entre dois mundos, o mundo da luz e o mundo das trevas, oscila a vida humana. Compete ao humano viajor decidir-se livremente por este ou por aquele mundo. Desta decisão depende o seu valor ou o seu desvalor, a sua felicidade ou a sua infelicidade.
  • 6. QUAL A VERDADEIRA MENSAGEM DO CRISTO À HUMANIDADE A mensagem do Cristo, segundo o Evangelho, não tem caráter – ritual, – nem moral, – nem intelectual, – nem social. A mensagem do Cristo é essencialmente – metafísica, – ontológica, – real, – cósmica. Mas, como esta mensagem incidiu num ambiente humano de baixa compreensão, foi ela, de início, condicionada e contagiada pela atmosfera circunjacente. O conteúdo divino do Evangelho sofreu o impacto dos seus contenedores humanos. Dos mistérios pagãos do Império Romano herdou o Cristianismo o seu colorido ritualista-sacramental, segundo o qual a salvação do homem consiste em certas práticas mágicas e ocultistas, relacionadas com determinados objetos, fórmulas, gestos, etc. O judaísmo contemporâneo afetou o Cristianismo nascente com a idéia da redenção pelo sangue, consoante a cerimônia do “bode expiatório” que se realizava anualmente em Jerusalém, e que foi sublimada por um ex-rabino judaico convertido ao Cristianismo, iniciando a concepção bárbara do sangue de Jesus a lavar os pecados da humanidade. Mais tarde, nos primórdios da Renascença, a mensagem do Cristo foi interpretada intelectualmente, projetada sobre o fundo duma análise da letra da Bíblia, e num ato de fé fiducial no sangue de Jesus.
  • 7. Por fim, em nossos dias, o Cristianismo foi identificado com filantropia social, obras de caridade e altruísmo, relacionados com a idéia evolutiva de reencarnações sucessivas. Todas estas versões podem, até certo ponto, ser aceitas como fenômenos concomitantes e subsequentes – mas nenhuma delas representa o centro e cerne da autêntica mensagem do Nazareno. Ritos, sacrifícios, estudos, crenças, altruísmos – tudo isto pertence ainda à velha concepção horizontal de que o homem seja apenas o seu ego físico- mental-emocional, conceito que o Cristo transcendeu totalmente. Para ele, o homem não é esse seu invólucro, nem mesmo na forma mais sublimada, que ele chama “remendo novo em roupa velha”; o homem não é a sua persona ou personalidade, mas sim o seu Eu interno, a sua profunda e divina individualidade, a sua alma ou espírito que o Cristo chama o “Pai”, a “Luz”, o “Reino”, o “Tesouro oculto”, a “Pérola preciosa”. Esta concepção que o Nazareno tem do homem e que forma a quintessência de toda a sua mensagem, é profundamente metafísica, ontológica, realista, cósmica. A mensagem do Evangelho não visa, em primeira linha, a transformação do homem-ego vicioso num homem-ego virtuoso, que Jesus rejeita com “remendo novo em roupa velha”; mas convida o homem a descobrir a sua realidade divina, já existente nele, mas ainda inconsciente; convida-o a tirar a sua luz divina de baixo do alqueire da sua inconsciência e colocá-la no candelabro da sua consciência; convida o homem a conscientizar o Pai, a Luz, o Reino, o Tesouro, a Pérola, que o homem é por natureza, mas que ignora ser; o Cristo convida o homem àquilo que os filósofos orientais e, ultimamente, também os psicólogos ocidentais, denominam “auto-conhecimento”, e que no Evangelho aparece com o nome do “primeiro e maior de todos os mandamentos”. A mensagem do Cristo não se refere, primariamente, a algo que o homem deva fazer, mas sim ao alguém que o homem deve ser conscientemente; e deste ser da mística do primeiro mandamento resultará espontaneamente o fazer do segundo mandamento da ética – a vivência ética da fraternidade universal é, para ele, o irresistível transbordamento da experiência mística da paternidade única de Deus. Auto-conhecimento místico produz auto-realização ética. Numa palavra: a mensagem do Cristo gira inteiramente em torno da Realidade Metafísica do homem cujo centro e cerne é Deus, o Absoluto, o Infinito, o Eterno.
  • 8. Quando o homem se identifica ainda com o seu ego humano, e procura fazer desse ego vicioso e mau um ego virtuoso e bom, anda ele no “caminho estreito” e passa pela “porta apertada” do dever compulsório, sempre difícil e sacrificial; mas, depois de despertado para a consciência da realidade do seu Eu divino entra na zona do “jugo suave e do peso leve” do querer espontâneo; passa da boa vontade da virtuosidade da moral para a sapiência da compreensão, e sua moral dolorosa se transforma numa ética jubilosa – e só então encontra ele “repouso para sua alma”. Quando Mahatma Gandhi escreveu que “a Verdade é dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro”, compreendeu ele que a dureza diamantina do tu deves se pode associar à delicadeza flórea do eu quero – eu quero espontaneamente o que devo necessariamente – suposto que o meu ego virtuoso entre na zona do meu Eu sapiente. Neste ocaso do segundo milênio da era cristã, e quase na alvorada do terceiro milênio, encontramos, em todas as partes do mundo, uma elite de homens que estão começando a suspeitar – a “farejar”, como diz J. W. Hauer – que a mensagem do Nazareno encerra algo infinitamente mais profundo e sublime do que, geralmente, lemos e ouvimos no ocidente cristão. Estamos começando a descobrir a alma do Evangelho. Entretanto, para esta compreensão é necessário que o homem transcenda a sua intelectualidade analítica e ingresse na nova dimensão de uma consciência intuitiva – que o homem parcial de hoje passe a ser o homem integral de amanhã.
  • 9. MORRER DECENTEMENTE PARA VIVER GLORIOSAMENTE “Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril – mas, se morrer, produzirá muito fruto” (Jesus, o Cristo). “Eu morro todos os dias, e é por isso que eu vivo – mas não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim” (Paulo de Tarso). Quando alguém imagina que já morreu – ou melhor, quando se sente empolgado por esta certeza – que coisa ainda lhe poderia ser difícil? A única coisa que lhe sobrou é uma força tranquila, irresistível, que brilha de dentro de si mesma, como a chama vertical de uma vela num ambiente sem vento. Esta chama pergunta à vida e à morte: que quereis de mim? este corpo? – está morto! Este ego? – dissolveu-se a sua ilusão! Todos os horrores e todas as amarguras contra os quais se revolta o homem, já foram dantemão saboreados e superados. Esta experiência da incorporação da morte, faculta ao homem a experiência duma vida superior. O ego, que, por toda a parte, age como veículo e como obstáculo, já foi dissolvido. Esta pura vivência interna transforma todas as vivências externas e todas as relações com o mundo de fora. Qualquer palavra sobre isto é supérflua; basta saber que surgiu uma força silenciosa, inesgotável, capaz de tudo. Uma vez que alguém morreu deste modo, é ele imortal, incapaz de morrer. Lá se foi o seu gostar ou não-gostar! Esse homem está sempre disposto a tudo, sempre pronto para carregar fardos pesados. Permanente serenidade em face das coisas mais difíceis substituiu a sua vacilante atitude de outrora. O enigma da existência encontrou uma solução definitiva. Daqui por diante, todas as coisas externas se referem apenas ao modo como fazê-las – e isto não tem importância. O agradável e o desagradável desse “como”, nas variadas circunstâncias, foi superado.
  • 10. O homem que atingiu estas alturas está para além de propriedade e de sexo. Morrer? – pergunta alguém que passou por esta experiência – morrer não posso mais; já superei o ser-mortal, assim como superei o ser-criança e o ser- adolescente. E, na medida que todas as coisas pesadas perdem o seu peso, vai nascendo a intuitiva e espontânea compreensão das circunstâncias. Todas as coisas se vão tornando transparentes. Todas as formas e gestos em derredor se vão tornando visíveis de dentro. A razão-de-ser de todos os fenômenos se torna compreensível, uma vez que deixou de existir a nebulosidade do ego, que se interpunha entre a visão original do Eu e o mundo externo. Para o homem assim transformado nada é sem fala; a sua serenidade receptiva faz eco a toda as coisas. Graças à sua transparente intuição, esse homem participa de todas as coisas do universo. (cf. H. Zimmermann)
  • 11. LIBERTAÇÃO PELA SAPIÊNCIA UNIVÉRSICA Filosofia, Yoga, Metafísica, Mística, Espiritualismo, Esoterismo – todas estas palavras, e outras similares, suscitam grave suspeita no espírito de muitos homens do ocidente. Parecem insinuar algo como escapismo, uma fuga das cruas realidades da vida e um refúgio para dentro de um idealismo utópico. Mas o homem ocidental é terrivelmente realista, e não quer saber de filosofias idealistas, por mais belas e suaves que sejam. E não parece ter razão? O oriental, diz ele, nunca fez nada no campo da ciência e técnica, porque se enamorou de uma filosofia espiritualista e duma metafísica mística. Não descobriu átomos nem realizou viagens cosmonáuticas; não fabricou rádio, televisão, radar, locomotivas, aviões, automóveis – nada. De tanto suspirar pelo céu se esqueceu da terra. De tanto amar um Além futuro e distante, se desinteressou pelo Aquém presente e próximo. Não, não estamos dispostos a trocar o nosso materialismo eficiente por um espiritualismo ineficiente. Assim pensam e falam milhares de homens sinceros, aqui no ocidente. E todos eles têm razão – na base das suas premissas. Mas... estas premissas são falsas, radicalmente falsas. A premissa falsa está nisto: em pensarem que as coisas metafísicas sejam necessariamente incompatíveis com as coisas físicas. Se assim parece ser de facto, assim não precisa ser de direito. Não é verdade em si que o homem que trata das coisas do espírito não possa tratar dinamicamente das coisas da matéria. Esse antagonismo dualista é fruto da nossa ignorância e duma visão incompleta da Realidade: A Sapiência Univérsica, a Filosofia Cósmica não afirma a metafísica à custa da física, não proclama a presença do espírito na ausência da matéria. A Filosofia Univérsica estabelece a tese, 100% matemática e lógica: quanto mais intensamente o homem realiza a metafísica tanto mais perfeitamente pode ele realizar a física; a Filosofia verdadeira estabelece uma perfeita harmonia e complementaridade entre o mundo espiritual e o mundo material. Se o nosso mundo material é ainda hoje tão imperfeito – e se o nosso mundo espiritual é ainda tão deficiente, é porque nem este nem aquele conseguiram
  • 12. fazer uma verdadeira síntese e simbiose entre as coisas da matéria e as coisas do espírito, entre as Facticidades externas e a Realidade interna. Nem o ocidente realizador nem o oriente sonhador agiram universicamente, não puseram a constituição do Universo como base e diretriz da sua vida. UNI – VERSO... O ocidente se limita ao unilateralismo do VERSO, ao passo que o oriente se enamorou do unilateralismo do UNO. Mas nem o UNO nem o VERSO, separadamente, perfazem o Universo Integral – esse grandioso Universo, que os gregos chamavam Kósmos (beleza), e os romanos denominavam mundus (pureza). O Universo é o que seu nome diz: uno e diverso, unidade na diversidade, isto é, perfeita e indestrutível harmonia. Se o homem pensasse e vivesse universicamente, estaria em perfeita harmonia consigo, com Deus e com o mundo; não seria materialista nem espiritualista, mas sim universalista, ou melhor, universificado. O que falta ao ocidental é a visão do UNO no meio do VERSO. O que falta ao oriental é o interesse pelo VERSO. O ocidental se derrama na pluralidade dos efeitos materiais. O oriental se isola na unidade da causa espiritual. Nós, porém, queremos o UNO da causa manifestado no VERSO dos efeitos. O primeiro passo para o ocidental é a visão da unidade através dessa imensa diversidade. E, para conseguir esta visão unitária, deve o homem, por algum tempo, prescindir de qualquer impacto diversitário; deve isolar-se, de vez em quando, nessa conscientização da unidade, fechando os sentidos a todas as diversidades, não para negar ou abandonar estas diversidades, mas para se consolidar na visão da Realidade Una, a tal ponto que as Facticidades Verso nunca mais possam destruir aquela. O mal não está nas diversidades, como pensam alguns místicos; o mal está na visão parcial, incompleta, unilateral da realidade, que o profano identifica com essas diversidades dos sentidos e do intelecto. O homem ocidental, predominantemente diversitário, deve treinar a sua visão unitária, afirmando a soberania da sua substância una sobre todas as tiranias das circunstâncias múltiplas. Esse treino unitário não é uma meta, mas é um método; não é um fim, mas um meio.
  • 13. Muitos orientais, vêem no mundo material uma simples ilusão, maya, irrealidade – e por isto não podem entusiasmar-se por ele – ninguém pode interessar-se por um fantasma. Para eles, a única Realidade está no mundo espiritual; não está aqui e agora; está no futuro e na distância. E como realidade e valor são homônimos, segue-se que o mundo presente das materialidades não tem para os espiritualistas valor algum. É por isto que os além-nistas nunca compreenderam os aquém-nistas, nem estes aqueles. A humanidade vive em dois compartimentos-estanque, em dois hemisférios ideologicamente separados, mecanicamente justapostos, sem nenhuma interpenetração orgânica: os materialistas do aquém – e os espiritualistas do além. Mas não é esta a visão da Filosofia Cósmica, precisamente por ser uma visão harmoniosa do Universo Integral, que não é Uno nem Verso, mas Universo. Para que o homem possa ver e conscientizar a Realidade Metafísica em todas as Facticidades Físicas, deve ele, já o dissemos, isolar-se, por longo tempo, na pura metafísica, até que o último resquício da física desapareça do horizonte do seu consciente, e ele permaneça, sozinho e desnudo, no seu cosmoconsciente, sentindo em si o grande UNO, longe de todo o VERSO. Mas é precisamente aqui que está o tremendo problema para quase todos os homens do ocidente, que, em geral, têm 100% de consciência física e 0% de consciência metafísica. Esse peso morto remonta a milhares de anos na raça humana, e tem alguns decênios em cada indivíduo. Neutralizar esse peso morto é um problema de árdua solução. Quanto tempo necessita o homem para conseguir isto? Não é questão de tempo, mas de intensidade de exercício. Todos os grandes iluminados da história isolavam-se, geralmente, por 30 a 40 dias, em total solidão e silêncio. Isto é, cerca de um ciclo lunar, que abrange 28 dias; mas, para maior garantia, convém iniciar o isolamento uma semana antes da lua nova e encerrá-lo uma semana depois da lua nova. Assim, todos os altos e baixos, todos os positivos e negativos, todas as marés e vazantes percorrem as vias experienciais dos nervos e do cérebro, dos quais depende grandemente, na presente existência, o grau da nossa consciência. Depois que o místico verificou e saboreou devidamente a Realidade do UNO, em total solidão, pode ele levar consigo, ao meio do mundo e da sociedade, essa experiência nirvânica. Pode ver o Transcendente também em forma Imanente; pode enxergar no mundo de Deus, o Deus do mundo, que experimentou fora do mundo. O profano enxerga o mundo sem Deus.
  • 14. O místico enxerga Deus sem o mundo. O homem cósmico enxerga o Deus do mundo em todos os mundos de Deus. Esta intro-visão ou intro-vidência, esta experiência do Deus imanente em todas as coisas, é a última e suprema conquista do homem em evolução ascensional. Ver o Infinito em todos os Finitos, a Realidade eterna em todas as Facticidades efêmeras – é o inicio do reino de Deus sobre a face da terra. É este o supremo ideal da Sapiência Univérsica. A sua aquisição compensa todos os esforços.
  • 15. DA FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL À REALIZAÇÃO EXISTENCIAL Victor Frankl, médico-psiquiatra, diretor da Policlínica Neurológica da Universidade de Viena, em quase todos os seus livros, se refere a casos de neurose provindos da frustração existencial, embora as suas causas imediatas possam apresentar outro caráter. No seu livro “Theorie und Therapie der Neurosen” (Verlag Urban und Schwarzenberg, Wien – Innsbruck, 1956), refere-se ele a numerosos casos, ocorridos no consultório e na clínica, que se baseavam em frustração existencial, e só puderam ser definitivamente sanados com logoterapia. Um desses casos é o seguinte, registrado na Policlínica Neurológica de Viena, amb. 392/1955, D. Marion A, escreve: “Meu marido saiu no seu carro, como faz todas as noites. Eu, a bem dizer, tenho pena dele; ele precisa dessa farra. Agora, que o serviço dele é mais leve e ele está livre às 5 horas, o desassossego o impele para fora de casa. Temos um belo apartamento com rádio; mas não temos nada a nos comunicar um ao outro. E agora, que tudo acabou em rotina velha, estou diante de um vácuo. Livros não interessam o meu marido, a não ser romances criminais e aventureiros; mas essas coisas a gente vê melhor no cinema, o que nos dispensa da leitura; e durante o programa de rádio a gente dorme. Não estou com vontade de bancar a mulher incompreendida para me tornar interessante”. Poucas semanas mais tarde, após o tratamento, D. Marion escreve: “Estou de perfeita saúde. Encontrei-me comigo mesma. Sinto-me segura. Estou cheia de alegria. Tenho a impressão de que se me abriu um vasto portal e entrei numa claridade ofuscante. Meu coração é um jardim florido, para o qual me posso retirar todas as vezes que quiser. Tudo vai bem. A vida é magnífica, maravilhosa. As coisas grandes em nossa vida, nunca mais as podemos perder”. Victor Frankl não menciona, com uma única palavra, que a situação matrimonial tenha mudado; parece que não; nem explica o que D. Marion fez, nessas poucas semanas, em que tão radical mudança se deu com ela, como a
  • 16. sua segunda carta revela. O que é certo é que ela passou dum estado de Frustração Existencial para uma grandiosa Realização Existencial. E à luz dessa Realização do seu Eu central as frustrações do seu ego periférico, de mulher e esposa, se tornaram suportáveis, embora a situação externa continuasse a persistir objetivamente, como antes. * * * O caso acima é típico. Quase todas as pessoas existencialmente frustradas, por não terem descoberto a sua verdadeira razão-de-ser – que Victor Frankl denomina “realização existencial” – atribuem essa sua insatisfação ao fracasso deste ou daquele objetivo da vida – seja na esfera social, profissional ou emocional; confundem o seu Eu central com o seu ego periférico; confundem os sintomas do mal com a raiz do mal. E, por isso, tentam eliminar os sintomas da sua insatisfação. Possivelmente, consigam essa eliminação de sintomas – mas amanhã poderão recair na mesma, ou em outra insatisfação, porque a raiz do mal continua viva. E assim arrastam 20, 50, 80 anos de vida, de frustração em frustração. Suponhamos que um desses infelizes, frustrados no plano social, profissional ou emocional, tenha a clarividência e a coragem de mergulhar nas profundezas do seu Eu central, mediante um verdadeiro auto-conhecimento e subsequente auto-realização: poderemos garantir a esse homem que seu insucesso social, profissional ou emocional, tenha fim? De forma alguma. É bem possível que nada se modifique no plano das circunstâncias externas, como parece ter acontecido no caso acima citado, de D. Marion. Mas a nova e radical atitude da substância interna desse homem assim mudado no seu Eu, suportará as circunstâncias externas de um modo completamente diferente de antes. Disto já sabiam os antigos estóicos da Grécia. Para eles, o verdadeiro estoicismo não consistia em suportar passivamente o desfavor das circunstâncias inevitáveis; mas sim em crear dentro do sujeito uma atitude ativa de compreensão, de auto-compreensão, de auto-conhecimento. Em última análise, ninguém e nada de fora me poderá fazer mau, se eu não quero ser mal. Mal no meu ego, mas não mau no meu Eu. O meu íntimo ser é inatingível, é um baluarte inexpugnável. Todos me podem fazer bem ou mal, ninguém me pode fazer bom nem mau, sem o meu consentimento. Se eu sou, pelo poder do meu livre-arbítrio internamente bom, nenhum mal externo, por maior que seja, me pode fazer internamente mau, embora me possa fazer males externos. Este ser-bom é auto-realização, é realização existencial. E, em face disto, toda e qualquer circunstância adversa, da natureza ou da humanidade, é suportável.
  • 17. Quando o homem se tolera a si mesmo, todas as coisas de fora são toleráveis. Mas quando o homem se sente intimamente mau, frustrado, nenhuma circunstância adversa é suportável. Frustrar quer dizer despedaçar, desintegrar. O homem frustrado, já o dissemos, se sente interiormente desunido, fragmentado, desintegrado no seu íntimo ser – e isto é verdadeira infelicidade. Para ser feliz, o homem desintegrado pela frustração se deve reintegrar pela realização, pela conscientização do seu Eu Integral, que é divino, que é Eterno, que é Infinito. “Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará” – esta fórmula antiquíssima é a única terapia radical; a conscientização da verdade sobre si mesmo é a única cura de qualquer frustração, porque é a sua integração ou realização.
  • 18. KARMAN, AKARMAN, NAISKARMAN FALSO-AGIR, NÃO-AGIR, RETO-AGIR Os dois maiores livros da humanidade giram em torno destas três palavras, ou seja, em torno das três atitudes que o homem pode assumir em face do mundo externo. Cada um desses dois livros abrange cerca de 50 páginas em formato comum. O volume deles é pequeno, mas o seu conteúdo é enorme, maior que o de todas as bibliotecas do mundo. O mais antigo desses pequenos-grandes livros é conhecido pelo nome sânscrito de Bhagavad Gita, que quer dizer “Sublime Canção”; as suas raízes se embebem na era dos Vedas da Índia dos Ários, cerca de 5.000 anos antes da nossa cronologia cristã, ou seja, 7.000 anos antes do tempo hodierno. Os protagonistas da Gita são o avatar Krishna e seu discípulo Arjuna. O outro livrinho tem o nome grego Evangelion, que significa “boa nova”; nele aparecem as palavras e atividades de Jesus de Nazaré, cognominado o Cristo, e remonta a quase 2.000 anos. A Bhagavad Gita é o livro sagrado de quase todos os povos orientais – Índia, China, Japão e outros países asiáticos; pode-se dizer que ele é a voz da consciência espiritual da Ásia, representada por cerca de 2/3 da humanidade. O Evangelho, por sua vez, é considerado o livro divino pelos chamados cristãos de todos os setores – coptos, ortodoxos, romanos, evangélicos, espiritistas, etc. Quase todo o mundo ocidental, Europa e Américas, invocam o Evangelho como seu padrão de fé e de vida. * * * Entretanto, nem os orientais nem os ocidentais, tomados em seu conjunto, compreenderam o espírito da Gita nem do Evangelho; a alma e quintessência desses livros continua praticamente ignorada pela humanidade deste ou daquele hemisfério. Por quê? Porque a alma da Gita de Krishna e do Evangelho do Cristo é algo tão profundo e inaudito que nem os filósofos orientais nem os teólogos ocidentais
  • 19. foram capazes da atingi-la. E, não conseguindo atingir a alma desses livros, os homens se limitaram a tratar do corpo da Gita e do Evangelho, analisando intelectualmente o que devia ser intuído espiritualmente. Há milhares de anos que a humanidade só conhece duas atitudes em face do mundo externo em que vive – mas a Gita e o Evangelho falam duma terceira atitude, aparentemente paradoxal e impossível. A humanidade só conhece agir ou não-agir; atividade ou passividade. A humanidade do ocidente quer agir, ser ativa – a humanidade do oriente quer não agir, ser passiva. Sobretudo desde os dias de Gautama Siddhartha, o Buda, o oriente se convenceu de que toda a atividade do homem é visceralmente má, negativa, pecaminosa, porque quem age é o ego – e como poderia o ego agir senão egoicamente? Em face desta suposta impossibilidade de homem agir sem egoísmo, sem karman, sem débito, sem culpa, recomendam muitos orientais o não-agir, cair na passividade total. Pois, se o agir, procedente do homem-ego, produz culpa, débito, então o não-agir pelo menos não aumenta esse débito, embora não possa talvez cancelar o débito já existente. As “quatro verdades nobres” de Buda, que resumem toda a filosofia do agir e do não-agir, formam a base, consciente ou inconsciente, do misticismo passivo de uma grande parte da humanidade do oriente: não-agir é melhor que agir. O homem ocidental, pelo contrário, é essencialmente ativo, a sua filosofia é agir o mais possível. Nem sequer suspeitou ainda da tara negativa que todo o agir traz dentro de si. O ocidental é uma espécie de criança que se derrama totalmente numa atividade externa, sem querer saber se essa atividade é boa ou má; o principal é agir, agir sempre, sem muito pensar nas consequências desse incessante agir. O ocidental quer ver os resultados palpáveis do seu incessante agir, sem pensar no porquê nem no para quê dessa atividade. O homem oriental, com uma cultura quase três vezes mais antiga que a nossa, já entrou na fase da reflexão, da raflexividade, da introspectividade – ao passo que seu irmão ocidental é, em geral, extroverso, esgotando-se em atividades externas. * * * Ora, se é verdade que todo o agir externo nasce do ego, então é claro que o homem se onera de débitos ou culpas na razão direta da sua atividade. Deixar de agir sustaria o incremento de novos débitos e novas culpabilidades.
  • 20. E não afirmam os próprios livros sacros do Cristianismo que “o mundo jaz no maligno”? e não diz o Cristo a seus discípulos: “O príncipe deste mundo (o ego) tem poder sobre vós”?... Toda a humanidade – à exceção de alguns iniciados cósmicos – oscila, pois, entre estas duas alternativas: ou agir e aumentar os seus débitos – ou não agir para não aumentar os débitos. * * * E, no entanto, os dois maiores livros da humanidade, a Bhagavad Gita de Krishna e o Evangelho do Cristo, não recomendam nem esta nem aquela atitude; conhecem uma terceira alternativa, equidistante do simples agir do profano e do simples não-agir do místico. Não recomendam nem o falso-agir (karman) nem o não-agir (akarman), mas o reto-agir (naiskarman). Pergunta-se: em que consiste esse reto-agir? e donde vem ele? do ego? de alguma outra fonte?... Se todo o agir vem do ego, como parecem supor as filosofias correntes, não pode deixar de ser egóico, negativo, culposo. Mas, a Gita e o Evangelho admitem que o agir pode ter outra origem que não seja o ego; insinuam uma fonte extra-egóica, alguma origem cósmica, donde possam derivar as atividades humanas... Insinuam algo como auto-conhecimento, algo como cosmo-consciência, algo como as palavras “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”... Se o ego fosse a verdade, não nos escravizaria... Mas... deve haver uma verdade para além do ego ilusório, uma verdade que, uma vez conhecida, nos liberta da maldição do débito, da culpa do agir, do karman negativo... Que verdade é esta? Na Gita e no Evangelho não se trata da alternativa de agir ou não-agir, mas sim do falso-agir ou do reto-agir; em qualquer hipótese, recomendam um agir, uma atividade. E também, se “Deus é ato puro” (Aristóteles), pura atividade, como poderia o verdadeiro homem deixar de ser ativo, se ele é “imagem e semelhança de Deus”? A alternativa não é, pois, agir ou não-agir, mas sim: um falso-agir ou um reto- agir. Surge agora a grande pergunta: em que consiste o reto-agir? O homem-ego age sempre por causa de algum objeto, por causa de algo fora dele, por amor a um não-Eu, de algo separado ou separável da sua intrínseca realidade. O ego, sendo ilusão, sempre age por amor a uma ilusão. O mundo objetivo, feito de quantidades, projetado dentro de tempo e espaço, é maya, ilusão, reflexo, cópia, projeção, mas não é a Realidade em si. Ora, agir por amor a uma irrealidade, uma ilusão, é mau, filho da ignorância.
  • 21. O homem, para agir retamente, deve retificar a meta e o motivo da sua atividade; deve agir por causa e por amor à Realidade, embora os canais da sua atuação sejam facticidades ilusórias. A Fonte do nosso agir deve ser a Verdade, que é a consciência da Realidade, embora a manifestação dessa Realidade possa fluir através de facticidades. O Eu verdadeiro, que é Fonte, pode servir-se dos canais do ego para se manifestar, mas nunca deve considerar esses canais como a Fonte. Os objetos do ego podem ser meios – mas somente o sujeito Eu pode ser o fim da nossa atividade. O ego age por causa de alguma quantidade, de algum allos (outro), que ele deseja alcançar com a sua atividade – e isto é ilusão, egoísmo, idolatria. Quem age por amor ou adoração a qualquer objeto ama e adora um falso deus, um pseudo-deus, é idólatra – e isto é mau. Esta alo-adoração idólatra é que degrada o homem. Quando o amante ama algo inferior a ele, o amante se inferioriza, degradando-se ao baixo nível do amado. O amado nivela o amante ao plano do amado. Se o amante é representado por “10”, e o amado por “0”, o amante se nulifica por esse amor ao nulo. O homem que age por amor a uma coisa se coisifica, quantifica a sua qualidade, desvaloriza o seu valor; ele se esquece do seu alguém e se degrada a algo; nega o seu Eu real e afirma o seu ego irreal. A última razão da maldade do homem ego-agente radica numa maldade metafísica, numa maldade ontológica. O divino Alguém do Eu nunca deve ser reduzido ao humano Algo do ego. Em face desse perigo de apostasia ontológica do ego-agente resolveram os orientais cair na não-agência, por sinal que não descobriram coisa melhor. Krishna e Cristo, porém, descobriram a reta-agência em lugar da falsa- agência. Substituíram a ego-agência pela Eu-agência. “Homem, trabalha intensamente – mas renuncia a cada momento aos frutos de teu trabalho” (Krishna). “Quando tiverdes feito tudo que devíeis fazer, dizei: Somos servos inúteis; cumprimos a nossa obrigação, nenhuma recompensa merecemos por isto” (Cristo).
  • 22. A ESSÊNCIA DO RETO-AGIR (NAISKARMAN) O problema do reto-agir (ou naiskarman) não tem por ponto de partida nem norma de referência este ou aquele preceito moral, mas baseia-se no caráter fundamental, metafísico, ontológico do próprio agir em si mesmo. Se o nosso agir tem por fim exonerar-nos e preservar-nos da tragicidade da vida, então importa, em primeiro lugar, compreender nitidamente a natureza da obra, a íntima essência da atuação do homem aqui no mundo. A visão superficial, que é do ego, enxerga em primeiro lugar o “fruto”, isto é, aquilo que a obra produz ou deseja produzir. Esta perspectiva que vida ao fruto ou à utilidade da obra, é chamada pela Bhagavad Gita “falasanga”, que quer dizer “apego ao resultado”. A filosofia oriental se esforça sempre de novo para mostrar que esse apego ao fruto do trabalho desvia as forças internas do homem para um ponto falso, para um trilho secundário, mostra que essa mania de resultados ou falasanga rouba à atividade humana a sua energia libertadora, e vai emaranhando o homem cada vez mais funestamente em culpas e sofrimentos. As torrentes vitais creadoras fluem de largo, fora do seu leito verdadeiro, inaproveitadas, porque esse pendor objetivo e utilitarista desvia o homem do seu centro de energias, rumo a algo que jaz do lado, fora do eixo dinâmico da sua atividade. Esta tendência objetiva e utilitarista, esta mania de sucesso externo, atua como um vampiro que suga as melhores forças do coração da atividade do homem. É precisamente neste vampirismo utilitarista que se baseia a mais profunda tragicidade de todo o homem profano. É esta uma experiência que cada um de nós pode sempre de novo fazer em si mesmo: nada há que tanto disperse as nossas forças vivas e redentoras como essa mania de sucesso e utilidade – ou então a amargura em face do insucesso e fracasso externo. Enquanto especularmos com sucessos ou recearmos insucessos, enquanto procurarmos qualquer espécie de resultado objetivo, reconhecimento ou aplausos, visamos a algo fora do centro e cerne da nossa verdadeira atividade, e nunca conseguiremos focalizar num único ponto a força total da nossa obra; não conseguiremos mergulhar sem reserva no coração vital da nossa atividade redentora. Temos de ser como crianças que se entregam de corpo e alma ao seu agir, sem desvios e segundas intenções.
  • 23. O homem profano age exclusivamente por amor aos objetos, aos possíveis frutos do seu trabalho – e por isto se onera cada vez mais de culpas, que geram sempre novos sofrimentos. O místico, à luz desta tragédia, resolve não agir de forma alguma. O homem cósmico, porém, compreendeu que a redenção não está no falso- agir do profano, nem no não-agir do místico, mas sim num reto-agir – numa atividade por amor ao próprio Eu divino no homem, embora esse agir se realize, externamente, através dos canais do mundo objetivo. O homem cósmico age por amor à Fonte do seu Eu divino, ainda que através dos canais do seu ego humano. O seu auto-conhecimento se revela através da sua auto-realização.
  • 24. OS PALHAÇOS E AS PALHAÇADAS DA VIDA Este mundo é um circo de palhaços. A vida do homem é uma palhaçada – uma humana comédia – que não deve tornar-se uma divina comédia. A única coisa que o homem sensato pode fazer é descer do palco dos atores e sentar-se na plateia dos espectadores da grande palhaçada da vida; olhar de longe a comédia, sem tomar parte de perto. Ou então, se tal for a sua missão, subir ao palco, unir-se aos palhaços e dirigir a comédia, mas sem acompanhar internamente as palhaçadas; assim faz o homem contemplativo, místico, cósmico, que atua pelo que é, e não pelo que faz. Deve manter sempre a consciência nítida “tudo isto é uma palhaçada, por enquanto inevitável”. Não tomar a sério nenhuma das palhaçadas da vida, que os verdadeiros palhaços tomam muito a sério. Deve sempre manter uma consciência interna de não- palhaço, manter uma linha reta através de todos os ziguezagues dessa dança macabra, manter a consciência do EU REAL para além das conveniências do ego ilusório. Deve olhar de cima, das alturas da Verdade, todas as baixadas das ilusões terrenas. O palhaço-ego compra, vende, registra os seus imóveis no cartório, sobre as estampilhas infalíveis, com firma reconhecida, tudo devidamente carimbado – mas o Eu divino sabe que nada é dele nem da sua família; sabe que tudo é de Deus e da humanidade; sabe que acima de todos os cartórios há uma consciência, que fala a linguagem da convicção para além de todas as convenções. O nosso ego humano trabalha, corre, luta, cansa-se, ri, e chora, perde o sono e o sossego, arranja enfartos e arteriosclerose, câncer, úlcera de estômago, briga com marido e mulher e filhos, corre 50, 80 anos atrás do dinheiro, compra o último tipo de automóvel, ou até 2 ou 3 – e depois vai para o sanatório, para o hospício ou acaba no hospital e no cemitério – tudo isto a serviço das suas importantíssimas palhaçadas... Faça tudo isto, se o achar necessário, de acordo com a sua ignorância; seja palhaço, se quiser – mas nunca se identifique realmente com esse palhaço- ego; para além dos bastidores da vida mantenha sempre firme a consciência tranquila “Eu não sou ele”, “Eu sou o meu Eu divino”, “Eu e o Pai somos um”, “Eu sou a luz do mundo”, “O reino de Deus está dentro de mim”.
  • 25. Homem, conserva sempre a consciência da tua divina ALTERIDADE – e não sucumbas à ilusão da tua humana IDENTIDADE. Não te niveles jamais com o conteúdo da tua carteira de identidade pessoal. O teu verdadeiro Eu não tem carteira de identidade, registrada e carimbada em alguma repartição pública – o teu divino Eu vive na ignota alteridade do Infinito. O nosso ego ilusório não aprendeu ainda o abc da verdade, em milhões de anos de existência racial, e alguns decênios de vida individual. É necessário que ultrapassemos essa escola primária da personalidade humana e entremos na Universidade da nossa individualidade divina. Nós, os palhaços das palhaçadas da vida terrestre.
  • 26. AUSCULTANDO MARCIANOS E VENUSIANOS – Que é que os Telúricos celebram no fim do ano? – perguntou um Marciano a um visitante de Vênus. – Você quer dizer, no dia 25 de dezembro? – Isto mesmo. – Acho que os Telúricos celebram o aniversário de um velhote da cara rubicunda, de barbas brancas. Tem cara de palhaço pateta, mas traz muitos presentes à gente. – Como se chama esse velhote? – Pelo que consegui captar no meu receptor, chama-se Papai Noel; em algumas partes da Terra, lhe chamam Santa Claus. Mas parece que é um só. – Esse Papai Noel ou Santa Claus deve ter sido um grande benfeitor dos habitantes do planeta Terra, para ter tantos adoradores. Você sabe algo da vida dele? – Nada! Nunca cheguei a saber quando viveu nem o que fez, para ser tão lembrado. Neste momento apareceu um pequeno Mercuriano, rubro como um salamandra ígneo e exclamou, deitando chispas e chamas: – Vocês estão muito enganados! Os Telúricos, no dia 25 de dezembro, não relembram nenhum Papai Noel nem Santa Claus; eu só ouço referências a uma tal Cesta, uma Cesta de Natal; – Mas o que fez por eles esta Cesta de Natal? – perguntaram os dois a uma voz. – O que fez, não sei. Sei que os Telúricos são uns grandes comilões e beberrões, e quase todos eles só vivem comendo e bebendo, e a Cesta de Natal está cheia de coisas boas. Vivem comendo e bebendo – e depois morrem – acabou-se. Enquanto os três assim conversavam entre si, estava eu, o Telúrico, escondido atrás de um rochedo, sem ser percebido por eles. De repente, saí do meu
  • 27. esconderijo e exclamei: Nada disto! Os Telúricos não comemoram nada disto na noite de Natal. – Mas – disse o Marciano – o que aqui se ouve é só isto. Que é, afinal de contas, o que vocês comemoram nessa data? De tão envergonhado me sentia eu o único Telúrico presente, que não pude falar. Sentia-me humilhado em face das ideias que os nossos vizinhos planetários tinham de nós, os planetários terrestres. Finalmente, cobrei ânimo e tentei falar do verdadeiro objetivo da nossa festa de Natal; mas foi difícil convencer Marcianos, Venusianos e Mercurianos de que nós os Telúricos, no dia 25 de dezembro, celebrávamos o aniversário do nascimento do maior homem do nosso planeta. Falei-lhes dos vaticínios dos profetas, dois mil anos antes da nossa era; falei-lhes do nascimento desse homem num estábulo, da sua vida misteriosa em Nazaré, da sua doutrina e dos seus grandes feitos; da sua morte e ressurreição. Mas nenhum dos meus ouvintes parecia dar fé às minhas palavras. O Mercuriano disse que, alguns séculos atrás os habitantes da Terra haviam falado nesse homem, mas que hoje em dia ninguém mais o conhecia. Lembrei o nome desse homem, que se chamava Jesus, o Cristo, mas o Marciano interveio perguntando: – Se vocês celebram Jesus, o Cristo porque não o dizem quando mandam mensagens eletrônicas ao espaço? Eu não sabia o que responder a esta pergunta, quando o venusiano exclamou: – Espere um momento! Lembro-me de ter captado anos atrás uma mensagem sobre o tal Jesus: um cântico vinha da Terra e dizia assim “Noite Feliz”, uma canção muito bonita, que falava de Jesus. Infelizmente, de repente interrompeu a linda canção religiosa, e uma voz rouca berrou no meio “compra sabão marca X”, depois continuou o cântico “ó Jesus Deus da luz, quão amável é teu coração”. E quando eu estava me deliciando em espírito, outra voz rouquenha berrou “o melhor calçado do mundo é a marca Y” e deu o nome do tal calçado insuperável. Irritado com essa falta de educação quis desligar o meu aparelho de rádio, quando uma voz de menina vinda da Terra cantou uma linda canção em homenagem à mãe de Jesus, que começava assim “Ave Maria gratia plena” – mas de repente, quando eu me estava deliciando com essa maravilha espiritual levei uma pancada nos ouvidos porque alguém gritou lá da Terra “beba a melhor cachaça da Terra” e deu o nome da droga. Dessa vez perdi a paciência, desliguei o aparelho e fui dormir. Assim conversavam o Venusiano, que me olhava com uns olhos cheios de amor e de dor, de alegria e de tristeza ao mesmo tempo. Parece que gostava de mim, por seu eu habitante da Terra, e ao mesmo tempo tinha pena de mim,
  • 28. por pertencer a uma raça tão atrasada, incapaz de saborear as coisas boas e belas que havia entre nós. Mais tarde, a sós, conversei longamente com o Venusiano, que se me revelou um ser de elevados sentimentos espirituais; invejava a Terra por uma razão: porque nela se havia revelado visivelmente a maior Entidade do cosmos. Chegou a dizer-me, que, visto lá de Vênus, o nosso planeta era o mais belo de todos, envolto numa atmosfera azulada, que parecia protegê-la num como alo de suave espiritualidade. O Venusiano lamentava que nós, os Telúricos, num ambiente tão maravilhoso, fôssemos uma raça tão atrasada. – O grosso da humanidade – acrescentei – é verdade, degenerou em materialismo repugnante, incapaz de saborear as delícias de uma vida superior; mas sempre existiram entre nós alguns seres humanos de elevada experiência. Passei a falar-lhe de alguns Telúricos que haviam antecipado, por milhares de anos, e compreendido a alma da mensagem do Cristo. O Venusiano manifestou desejo de se encontrar com algum desses seres terrestres mais avançados. Fiz-lhe ver que podia captar mensagens espirituais sem intermédio de seres terrestres e mesmo sem um aparelho de rádio. Bastava sintonizar devidamente a sua alma pela onda exata, e captaria a mensagem desejada. O Venusiano mergulhou num profundo silêncio, e, mesmo sem dizer nada, percebi, ou adivinhei que ele já tinha alguma experiência dessa sintonização cósmica e sabia de coisas que não se podem dizer nem pensar. Deixei-o mergulhado em meditação, e, despedir-me dele, disse-lhe: o planeta Vênus, que nosso povo chama estrela D’Alva, visto da nossa Terra, tem um fulgor tão intenso que até parece um pequeno sol. O Venusiano não disse nada, mas mandou-me uma mensagem silenciosa com os olhos que lembravam a luminosidade da estrela.
  • 29. NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE “O dominador deste mundo, que é o poder das trevas, tem poder sobre vós – sobre mim, porém, ele não tem poder, porque eu já venci este mundo” (Jesus, o Cristo). Amigo, que ainda vives sob o regime do dominador deste mundo do ego! Não te esqueças de que a lei deste mundo é “ser-servido”; e quem não obedece a esta lei, querendo “servir” em vez de “ser servido”, merece castigo, de acordo com a legislação vigente neste mundo. É perigoso querer servir desinteressadamente, prestar benefício a alguém sem segundas intenções, sem esperar nenhuma retribuição. Cedo ou tarde, o beneficiado se sentirá humilhado pelo benfeitor e planejará vingança, em forma de revolta, ingratidão ou calúnia. E, quando essa revolta secreta na alma do beneficiado atingir o clímax de pressão interna, haverá uma explosão vulcânica; a lava ígnea da humilhação romperá impetuosa e se lançará contra o odiado benfeitor. Ninguém serve impunemente! O servidor desinteressado é réu, porque violou as leis deste mundo. É um subversivo. O servidor desinteressado merece castigo, em face dos dispositivos da legislação do dominador deste mundo. Mas... não desanimes! Este sofrimento que resulta de serviços prestados desinteressadamente, é o mais poderoso fator de redenção definitiva e integral para o benfeitor. Sem sofrimento não há redenção. É importantíssimo que o servidor se considere sempre “servo inútil”, de acordo com as palavras do Mestre: “Quando tiverdes feito tudo que fazer devíeis, dizei: agora somos servos inúteis; cumprimos a nossa obrigação – nenhuma recompensa merecemos por isto”.
  • 30. Continua, pois, a servir desinteressadamente. O maior beneficiado não é aquele que recebe o benefício, mas sim aquele que o faz. Pode ser que para o ego beneficiado o benefício seja um malefício por culpa dele mesmo, mas para o benfeitor que se considera “servo inútil”, o serviço que prestou é sempre benéfico e redentor. Nem todo o recebedor recebe com amor o que com amor lhe é dado – mas tu, o doador do amor, podes sempre dar com amor o que dás. “Há mais felicidade em dar do que em receber”. Mas, para poderes servir com amor e não te sentires ofendido pelo desamor do recebedor, deve o teu “servir” ser um transbordamento espontâneo do teu “adorar”. “Só a Deus adorarás – e só a Ele servirás”. Não podes servir a Deus em suas creaturas, se não aprendeste a adorar a Deus em Deus. Não há ação correta sem adoração. A palavra “ação” é a parte final da palavra “adoração”. Ador - ação. Ação é filha da adoração. A ética da ação do servidor é um transbordamento da mística do adorador.
  • 31. A MORAL DA RELIGIÃO ESTÁTICA E A ÉTICA DA RELIGIÃO DINÂMICA No seu livro “As duas fontes da religião e da moral”, Bergson entende por religião a “religião dinâmica”, ou mística, ao passo que atribui a moral à “religião estática”. Esta, de caráter meramente objetivo, tem por fim estabelecer e manter certa harmonia social no meio dos homens, isto é, um armistício precário e temporário entre ego e ego, no plano horizontal. A “religião estática” não pode jamais crear uma paz verdadeira e duradoura, porque não atinge a raiz da natureza humana, que é o Eu real, e não o ego ilusório. Somente a “religião dinâmica”, ou mística, atinge a última raiz do ser humano, pela experiência da sua essencial identidade com o Infinito (Eu e o Pai somos um, o Pai está em mim”... “O Cristo vive em mim”). Toda e qualquer religião externa, objetiva, atinge apenas o ego periférico do homem, mas não o seu Eu central; produz uma moral externa, mas não uma ética interna. A moral pode produzir armistício, que é uma trégua entre duas guerras, mas não pode estabelecer verdadeira paz, que nasce do conhecimento intuitivo de que o Deus em mim é também o Deus em ti (namastê), e que, por isto, eu posso amar o próximo assim como amo a mim mesmo, porque o ponto de referência do amor-próprio e do amor-alheio é o mesmo: o verdadeiro Eu Divino, seja em mim, seja em ti. O Deus-em-ti, o Deus-nele, o Deus-nela. No plano da moral se trata dum ato de boa vontade, de uma virtude, que é coisa incerta e precária. No plano da ética se trata duma atitude de sabedoria ou compreensão, que se baseia na divindade do Eu verdadeiro. Duas ondas do mar são diferentes como ondas, mas são idênticas como água do mar. A luz vermelha irradiada pelo prisma é diferente da luz verde, mas as duas luzes coloridas são iguais do outro lado do prisma, onde dó existe luz incolor. E por isto pode a onda A amar a onda B, e a luz vermelha pode amar a luz verde, porque há uma base comum. Amor supõe diversidade na unidade. O amor é univérsico. Quando há somente diversidade não pode haver amor; quando há somente unidade não pode haver amor. Amor é a percepção da diversidade existencial como manifestação da unidade essencial.
  • 32. Sendo que quase todos os nossos programas educativos giram no plano da egoidade personal, que é meramente externa, é inevitável que essa educação seja ineficiente, incapaz de estabelecer paz e harmonia duradouras. Toda a educação periférica – que é, aliás, mera instrução ou “inducação” – não passa de camuflagem e charlatanismo, interessada em remover sintomas de periferia, mas não em erradicar a raiz do mal. Para curar a raiz do mal não basta boa vontade, que é do ego, mas requer-se sabedoria, compreensão da realidade do Eu humano. Horizontal mais horizontal não dá vertical. Ego mais ego dá ego, egos de boa vontade; não dá Eu, que é sabedoria. O ego e o Eu estão em dimensões diferentes. Para solver o problema central da educação, temos de abandonar a dimensão- ego e entrar na dimensão-Eu, erguer uma vertical sobre a horizontal, com um ângulo reto entre os dois planos. Bergson tem sido atacado pelos adeptos da religião estática, por não admitir uma religião objetiva, histórica, revelada, que possa ser devidamente analisada e organizada. O filósofo responde que toda a religião externa, objetiva, quando verdadeira e eficiente, tem a sua raiz na religião interna, subjetiva, isto é, na experiência mística da religião dinâmica. Não existe nem jamais poderá existir uma mística social, coletiva; a experiência mística é essencialmente individual, em sua raiz; os efeitos dessa experiência individual podem, sim, ser sociais, revelando-se em forma de ética, de harmonia social, de fraternidade coletiva. Bergson compara a religião dinâmica da experiência mística com um vulcão a lançar lava ígnea pela cratera – e compara as religiões estáticas, a simples moralidade social, com a lava fria e as cinzas que sobraram da erupção ígnea do vulcão da mística. Os moralistas, os dogmáticos, os teólogos, os intelectualistas se apoderam dessa lava fria e discutem a sua natureza e procedência, mas toda essa discussão sobre a lava fria da religião objetiva não é fogo e não pode reacender o fogo da erupção mística, que se apagou. Felizmente, de tempos a tempos, certas almas humanas tornam a lançar substancia ígnea, renovando e mantendo assim, através de séculos e milênios, o entusiasmo espiritual. Se não fossem esses grandes místicos, com a sua inspiração divina, já teria desaparecida da face da terra a religiosidade, porque os adeptos da religião estática, dogmática, teológica, são incapazes de reacender o fogo divino no seio da humanidade; são os poucos místicos, de fogo próprio, que garantem luz e calor aos muitos profanos que não têm calor e luz próprios. Nem adianta usar fogo pintado para substituir o fogo real. Fogo pintado, por mais perfeito que seja, não dá calor nem luz.
  • 33. * * * Quando o homem entra na zona da experiência mística, nesse centro atômico do seu Eu – então sente ele, pela primeira vez, a sua total alteridade. Percebe que não é um elo na longa cadeia dos determinismos causais; sente-se como auto-determinante, e não mais como alo-determinado. Sente-se como fator ativo do seu destino, e não mais como fato passivo de um fatalismo inevitável e pré-estabelecido. Sente o poder de ser causa própria, e não mais joguete de causas alheias. Terminou a continuidade, o continuísmo passivo do ego, e veio um novo início pelo despertamento do Eu. O fator suplantou os fatos. Uma nova atitude de soberania derrotou os velhos atos de tirania de que o homem- ego é vítima. O homem-Eu sente a realidade do seu livre-arbítrio, a onipotência do seu Eu triunfante. Outrora, sentia-se o homem, o homem-ego, idêntico com o mecanismo causal dessa egoidade escravizante – agora foi essa sua identidade suplantada por uma estranha alteridade, a alteridade do seu Atman sobre o seu Aham, e também sobre o mundo de Maya. O homem-Eu sente-se como uma realidade triunfante, e não mais como uma facticidade escravizada. A sua qualidade de hoje derrotou as quantidades de ontem e de anteontem. As palavras de Einstein – do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores – são a expressão da vivência do homem assim liberto pelo conhecimento da verdade sobre seu verdadeiro Eu. O seu UNO tomou conta dos seus VERSOS. De ego-pensante passou a ser cosmo-pensado – e um dia será cosmo- pensante. No princípio, parece a experiência mística ser uma morte, uma estranha eutanásia, um egocídio. A onda do Eu parece dissolver-se para sempre no oceano do grande Todo, o imenso Nirvana do Nada absoluto. Só aos poucos, o homem que mergulhou no oceano do Infinito verifica que ele continua a existir como uma onda finita, mas que essa onda tomou outra forma e encheu-se de novo conteúdo. A identidade continua, mas foi cosmificada pelo mundo em que submergiu. A máscara da egoidade personal e ilusória recebeu um novo conteúdo, pela invasão da individualidade do verdadeiro Eu. O pseudo-real do ego foi realizado pela realidade do Eu. O ego-vivente, depois de cosmo- vivido, tornou-se cosmo-vivente. A identidade do Eu real, que subjaz a todo esse processo, continua a existir. Da nulificação voluntária do ego nasce a totalidade do Eu.
  • 34. O Eu sente-se mais Eu, depois de desegoficado. Eu (ego) morro todos os dias – e é por isto que eu vivo, mas já não é o meu ego que vive, é o meu Cristo (Eu) que vive em mim, eu sou vivido pelo Eu crístico. Do Nada da personalidade nasce o Todo da individualidade. * * * A estratégia educacional de Bergson, como aliás, de todos os pensadores clarividentes, é inteiramente diferente da dos educadores comuns. Estes dizem: o mal está no plano da personalidade e da sociedade; por isto, o remédio só pode vir da personalidade e da sociedade. E se põem a excogitar como melhorar a pessoa pela pessoa, a sociedade pela sociedade. Estranhamente, não percebem que essa estratégia é um círculo vicioso, um charlatanismo pedagógico. É como se um engenheiro quisesse canalizar as águas de um lago sobre os tubos duma turbina a ser movida, argumentando com a grande massa de água do lago. Confunde quantidade com qualidade, amperagem com voltagem. A questão não é quantidade, amperagem; o problema é qualidade, voltagem, isto é, desnível. Do lago à turbina no mesmo nível não há movimento. Mas uma cachoeira, isto é, desnível entre causa e efeito, resolve o problema do movimento da turbina. Os nossos educadores e autores de programas pedagógicos jogam com o fator imediatismo, resultados imediatos, palpáveis, falasanga, em linguagem de filosofia oriental: mania de resultados. É claro que ninguém deve esperar resultados imediatos da nossa Filosofia cósmica. Não contamos com nenhum resultado imediato. Nem daqui a 10 anos, a nossa Filosofia terá melhorado o nível educacional. Estamos investigando a causa última e profunda do descalabro educativo. Essa causa não está na superfície do ego, mas nas profundezas do Eu. Sem uma verdadeira experiência da realidade do Eu, nenhum melhoramento substancial se pode esperar no plano da personalidade e da sociedade. Não hostilizamos as medidas superficiais dos imediatistas; são até necessárias – o que negamos é que essas medidas imediatistas sejam suficientes e capazes de resolver o doloroso problema da educação integral. O ego será sempre egoísta, mesmo ego de boa vontade, que se chama altruísta. Altruísmo não resolve, porque o ego altruísta não abandonou o plano do ego – e neste plano não há solução real. A questão não é passar dum ego de má vontade para um ego de boa vontade. A solução está em ultrapassar totalmente o plano do ego, tanto mau como bom, e entrar na nova dimensão do Eu sapiente.
  • 35. Objetam que o ego altruísta, de boa vontade, é, pelo menos, um prelúdio e trampolim para o Eu sapiente. Pode ser que isto aconteça, mas em raríssimos casos. Por via de regra, o ego altruísta não é um preliminar para as alturas do Eu sapiente, mas sim uma substituição, como prova a história do fariseu no templo, que foi para casa não ajustado. Apesar de todo o seu altruísmo e toda a sua virtuosidade, estava desajustado. Não adianta por remendo novo em roupa velha, é necessário jogar fora a roupa velha, despojar-se do homem velho (ego) e revestir-se do homem novo (Eu) e fazer de si uma nova creatura em Cristo, não um ego remendado, mas um Eu remido. É nisto que Bergson insiste, quando fala em experiência mística, em religião dinâmica, em total alteridade. Quem nunca experimentou a paternidade única do Infinito, pela experiência mística do seu Eu central, esse não pode viver a fraternidade universal dos Finitos pela vivência ética. Pode ser um homem moral, mas não pode ser um homem ético. Mas a moral, que é do ego de boa vontade, não resolve o problema, que só pode ser resolvido pelo homem ético, o homem que faz transbordar em vivência ética a sua experiência mística. Quem não atingiu a fonte da realidade não pode canalizar as águas vivas pelos canais das facticidades.
  • 36. PARA QUE ESTOU AQUI NA TERRA? Estou aqui para melhorar o mundo? Não! Estou aqui para melhorar a humanidade? Não! O primeiro é desnecessário. Nenhum homem pode fazer um mundo melhor do que Deus o fez. Quando Deus creou o mundo, diz o Gênesis, “viu que tudo era bom”. O segundo é impossível. Nenhum homem pode converter outro homem. Jesus, durante a vida terrestre, não converteu ninguém, nem mesmo conseguiu impedir que um dos seus discípulos se pervertesse. Será que eu sou mais poderoso que Deus, para melhorar o mundo? Será que eu sou melhor que o Cristo, para melhorar os homens? Uma coisa, porém, posso fazer que nem Deus nem o Cristo podem fazer por mim ou em meu lugar: posso fazer-me bom. Ninguém, exceto eu, me pode fazer bom. Ninguém pode ser bom em meu lugar. Deus só me creou com a potencialidade de ser bom, mas eu me posso fazer atualmente bom. Eu me posso fazer melhor do que Deus me fez – e também me posso fazer pior do que Deus me fez. É esta a onipotência do livre-arbítrio, para o bem ou para o mal. Estou aqui na terra para fazer de mim o que Deus não me fez. Estou aqui para me fazer o que ninguém pode fazer por mim – estou aqui para me fazer bom. A creaturidade que Deus me deu, deve manifestar-se em creatividade positiva para o bem. Mas que quer dizer ser bom? Ser bom é tronar-se explicitamente o que Deus me fez implicitamente.
  • 37. Ser bom é conscientizar-se que “eu e o Pai somos um; as obras que eu faço não sou eu que as faço, mas é o Pai em mim que faz as obras”. Ser bom é estar intimamente convencido de que “o reino de Deus está dentro de mim; é um tesouro oculto, de que eu devo fazer um tesouro manifesto”. Ser bom é saber que eu sou a luz do mundo, mas que não devo deixar a minha luz debaixo do alqueire, e sim colocar no alto do candelabro. Ser bom é conscientizar que minha alma é uma pérola preciosa, que devo trazer à tona do oceano da minha vida. Ser bom é amar o Senhor meu Deus com toda a minha alma, com toda a minha mente, com todo o meu coração e com todas as minhas forças, porque este é o primeiro e o maior de todos os mandamentos. Ser bom é fazer transbordar a experiência mística da paternidade única do Pai, na vivência ética da fraternidade universal dos homens. Ser bom é fazer externamente no meu AGIR o que sou internamente no meu SER. Estou aqui na terra para conhecer o Deus do meu SER e realizá-lo no meu agir. E, quando eu me tiver realizado assim no meu externo AGIR como sou no meu interno SER; quando a minha ética for o transbordamento fiel da minha mística – então terei feito à humanidade o maior bem que lhe posso fazer – e então terei feito o mundo muito melhor do que Deus o fez. Mas, se eu não me fizer assim como posso e devo fazer-me, a minha vida terrestre será uma falência, e sobre a minha lousa sepulcral se deve gravar este tristíssimo epitáfio: Aqui jazem os restos mortais de um homem que viveu 30, 50, 80 anos – sem saber porquê...
  • 38. O MISTÉRIO DO LIVRE-ARBÍTRIO Muitos representantes da chamada “ciência exata” negam a realidade do livre- arbítrio, afirmando que, num Universo regido por leis férreas e imutáveis, não há lugar para o fenômeno da liberdade, que, segundo eles, seria indeterminismo, incompatível com um cosmos governado por um determinismo absoluto e universal. Determinismo é causalidade. Indeterminismo seria não-causalidade. Na zona do suposto indeterminismo ou livre-arbítrio, haveria algo como não- causalidade, efeito sem causa, quando o cosmos é uma imensa cadeia de causas e efeitos, uma concatenação infalível de precedente causante e de consequente causado. O indeterminismo do livre-arbítrio seria, segundo esses cientistas, um efeito sem causa, o que é anti-cósmico, e, portanto, inadmissível. Respondemos que o livre-arbítrio não é indeterminismo, efeito sem causa, mas é auto-determinação, em vez de alo-determinismo. O livre-arbítrio, disse alguém, é o poder de ser causa própria. No setor do determinismo ou alo- determinismo tudo depende de uma causa ou causação alheia, externa, ao passo que na auto-determinação, ou liberdade, atua uma causa própria, interna; o ser livre é um auto-agente, e não mais um alo-agido, um auto- causante, e não mais um alo-causado. A substância do autos o libertou das circunstâncias escravizantes dos allos. No ser livre há uma substância auto-agente, que neutraliza as circunstâncias alo-agidas. Nos seres não livres não há consciência de uma substância central auto-causante, há tão-somente circunstâncias periféricas alo-causadas. Em vista disto, escreveu Spinoza, séculos atrás, que há no Universo uma única substância que se manifesta em muitas circunstâncias, o único UNO que se revela através de muitos VERSO – UNI-VERSO. Ou, na linguagem desse grande monista cósmico, “Deus é alma do Universo, e o Universo é o corpo de Deus”. Alma corresponde a causa, uno – corpo significa efeito, verso. O Universo é um sistema de causa una que atua através de efeitos múltiplos, Essência Infinita manifestada em Existências Finitas.
  • 39. Liberdade, em sentido absoluto, total, perfeito, é essa Causa Una e Única. Quando um ser finito se torna consciente da presença dessa Causa Una então este ser participa da liberdade do Ser Absoluto, e se torna livre por participação, na medida da sua consciência ou conscientização. Podemos, pois, afirmar que tanto mais livre é um ser finito quanto mais consciente for da presença do Ser Infinito nele. A participação na liberdade do Ser Infinito por parte de um ser finito está na razão direta da consciência que esse ser finito tem da presença do Ser Infinito. É inegável, como já dissemos alhures, que a Realidade Infinita está em todas as Facticidades Finitas, uma vez que a Realidade Infinita é onipresente, é Presença Universal, sem nenhuma ausência parcial. Mas não é o fato objetivo da presença da Realidade Infinita que torna livre o ser finito; se assim fosse, toda a natureza infra-hominal – mineral, vegetal, animal – seria livre, uma vez que nela está presente a Realidade Infinita. Entretanto, o que gera a liberdade não é a presença objetiva da Realidade Infinita, mas sim a consciência subjetiva dessa presença. O grau de liberdade é diretamente proporcional ao grau de consciência que um ser finito tem da presença do Ser Infinito. Se esse grau de consciência for zero, a liberdade do ser é igual a zero; se o grau de consciência for 10, a liberdade desse ser é 10; se o seu grau de consciência relativamente à presença da Realidade Infinita for 100, então a liberdade desse ser é igual a 100. A evolução ascensional de um ser, digamos do homem, consiste, pois, essencialmente na evolução do seu consciente relativamente à presença da Realidade Infinita nele. Com outras palavras: a perfeição de um ser consiste no grau de harmonia ante o consciente finito e a Realidade Infinita. Esta harmonia entre o consciente e a Realidade também se chama “Verdade”. E é por isto que o maior sábio que a humanidade conhece disse: “Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará”. A minha harmonia consciente entre o meu Finito e o Infinito me liberta de toda a escravidão do alo-determinismo e me introduz na perfeita liberdade da auto- determinação. Libertação é, pois, a conscientização da Realidade – que se chama Verdade. A maior ou menor harmonia entre a minha consciência humana e a Realidade cósmica determina o grau da minha liberdade – é esta a Verdade que me liberta. Ora, sendo que a Realidade cósmica é perfeita vida e saúde, a minha vida e saúde dependem do grau de harmonização consciente com a vida e saúde do Universo.
  • 40. Isto é cosmoterapia. Cosmoterapia é uma harmonização consciente entre o ánthropos e o kósmos. O UNO da perfeita vida e saúde do Universo cura o VERSO da vida e saúde imperfeitas, oriundas de uma consciência deficiente do meu ego. O meu ego é um VERSO imperfeito. O meu Eu é um UNO perfeito. Cosmoterapia é logoterapia, é a cura do ego pelo Eu, do humano pelo divino em mim. O meu perfeito Atman cura o meu imperfeito Aham... Se eu tiver a consciência nítida de que o meu Atman é a essência do meu Aham – que “eu e o Pai somos um, que eu estou no Pai, e o Pai está em mim”, então sou realmente liberto pela Verdade.
  • 41. A IMANÊNCIA DA PSICOLOGIA E A TRANSCENDÊNCIA DA YOGA Carl G. Jung é o campeão da mais avançada psicologia ocidental, que procura culminar numa tal ou qual psicoterapia. Superou a substrutura “id” de Freud, bem como a estrutura “ego” de Adler e iniciou uma superstrutura rumo a um “super-ego” (Eu). Segundo Jung, há em cada ser humano certos “arquétipos” (Urbilder), imagens fundamentais que fazem parte da natureza humana, independentes do saber ou querer consciente do homem. Um desses “arquétipos” é a idéia de Deus. Essas imagens parecem apontar para algo além do homem, algo Trans, ou Transcendente – assim como a seta à beira da estrada aponta para alguma cidade distante, mas essa cidade não está presente na seta. O viajor olha para a seta, fixa a direção da ponta da flecha, que vai, digamos, rumo norte – isto é “científico” – mas, se o viajante admite a realidade de uma cidade do norte, cidade que ele não vê, isto não é considerado “científico”, porque o viajante, em nosso caso, o psicólogo, só pode “cientificamente” admitir o que vê, ouve, tange, etc. E, como a cidade longínqua não é objeto de visão, audição, tato, etc., ela não pode ser admitida “cientificamente”. Na cidade ausente só pode o viajante crer, mas não a pode ver, e só esse ver é que é cientificamente admissível. É esta, mais ou menos, a atitude da psicologia de Jung e da sua escola. Os psicólogos dizem, para ficar dentro dos limites da “ciência exata”, só podemos admitir o que está imanente na seta, e, nada do que lhe é transcendente; não podemos admitir algum objeto longínquo apontado pela seta, mas não contido na seta. Quem admite uma realidade transcendente, dizem eles, não procede “cientificamente”, procede como um crente, um religioso, um místico, um yogui. Graças a esta atitude, como frisa J. W. Hauer, no seu livro monumental “Der Yoga”, Jung para no conceito da psicoterapia, mas não vai até à logoterapia, como Victor Frankl. Mas, como a psicoterapia é apenas uma terapia de sintomas, e não da raiz, esse processo não contém verdadeira terapia. Imanente não cura imanente. Uma turbina ao nível dum lago não pode ser
  • 42. movida pelas águas do lago, por maior que seja o volume destas águas. Falta voltagem; amperagem não resolve. Somente o desnível, uma cachoeira, por exemplo é que dá movimento. No pretenso processo psicoterápico não há desnível entre o doente e a terapêutica, e por isto não há verdadeira cura, que supõe diferença de nível. A psicoterapia, é toda do ego, procurando agir sobre outro ego, o que é falta de desnível. Na yoga, há desnível, o ego doente é curado pelo Eu sadio. Entre imanência e transcendência há desnível, ectropia. Entre imanência e imanência não há desnível, há entropia. Para o oriental, sobretudo o yogui, é espontaneamente evidente que há uma Realidade Transcendente para além das Facticidades imanentes, porque estas não teriam sentido sem aquela – assim como uma seta na encruzilhada apontando para uma cidade não teria sentido se essa cidade não existisse; seria um apontante sem um apontado. Estranhamente, porém, para o ocidental parece ser “científico” admitir um apontante sem um apontado, uma agulha magnética que aponta para o pólo norte, sem que esse pólo norte exista independente da agulha. Por que essa estranha atitude do ocidental? Porque o ocidental é, por excelência, o homem da análise intelectual, ao passo que o oriental se guia, por via de regra, por uma intuição espiritual. O ocidental tem toda a confiança numa perfeita análise intelectual, e sente-se tomado de uma certa fobia e insegurança em face da chamada intuição espiritual. Essa atitude do ocidental é, em grande parte, o produto de quase 2000 anos de teologia artificial, substituindo a religião natural. O cientista ocidental sente uma repugnância instintiva em face da idéia de ser tomado por um crente, em vez de um ciente. Ciência lhe parece superioridade, crença tem ares de inferioridade. As teologias, é claro, exigem crença nas suas doutrinas. A Religião, porém, não se baseia em crenças, mas sim na sapiência, isto é, na experiência e no saboreamento (sapiência) interno da própria Realidade. A ciência é da inteligência. A crença é da vontade. A sapiência é da razão. O homem religioso, que é o verdadeiro yogui, age em nome da razão, da mais alta racionalidade – muito além da inteligência e da vontade.
  • 43. Mas, como é uso e abuso, no ocidente, identificar teologia com Religião, o cientista recusa-se a crer e prefere inteligir, porque vê uma superioridade na ciência e uma inferioridade na crença. Se ele chegasse às alturas da Religião, que é sinônimo de yoga, veria que a sapiência ultrapassa tanto a ciência como também a crença. Na yoga oriental não há teologia, há tão-somente Religião. Religio, como já lembrou Santo Agostinho, no século 5, vem de religare, algo que religa o finito com o Infinito, uma ligação consciente e livre entre o homem e Deus – e, neste sentido exato, coincide com a idéia de yoga, palavra sânscrita para união: pela yoga, ou religião, se une o homem a Deus. Na filosofia oriental não existe esse instintivo pavor anti-religioso que caracteriza grande parte da psicologia ocidental, porque não há base para esse pavor, que nasce da confusão entre teologia e Religião. Yoga é Religião, e Religião é yoga. * * * Por conseguinte, quem apenas admite arquétipos imanentes, e não uma realidade transcendente, da qual esses arquétipos sejam reflexos espontâneos, não pode curar o homem dos seus males; pratica charlatanismo em nome da psicoterapia, mas não cura pela logoterapia, ou cosmoterapia. Cosmoterapia supõe o contato consciente com a alma do Universo. Quem está doente nunca é o UNO, mas tão-somente o VERSO. Por outro lado, quem pode curar nunca é o VERSO, mas tão-somente o UNO. No plano da simples psicoterapia imanente, o VERSO tenta curar o VERSO. No processo da logoterapia, ou cosmoterapia, o UNO cura o VERSO. Para que o ego doente sinta um impacto dinâmico da parte do Eu, deve haver distância (não local, mas consciente) entre o curando e o curador. Esse desnível, essa alteridade, essa ectropia entre o ego movendo e o Eu movente, é essencialmente necessário. Verdade é que o intelecto analítico do homem não pode falar em nome de uma Alteridade Transcendente – pois todo ele é Identidade Imanente – não pode agir em virtude de algo maior do que ele mesmo. Mas há no homem ultra- intelectual algo que não analisa, mas “fareja” o Transcendente. O homem que não tenha despertado em si esse “faro cósmico” não pode admitir cosmoterapia; vê a seta à beira da estrada, mas não admite a realidade da cidade apontada pela seta. Esse homem permanece no plano penúltimo da
  • 44. psicoterapia, e nada sabe do estágio último da logoterapia ou da cosmoterapia. Embora o homem-ego, no plano da inteligência analítica, não possa submeter o Transcendente a uma análise de laboratório; embora ele não possa invadir essa zona transcendente, contudo ele pode ser invadido pelo transcendente, suposto que seja invadível, que abra as portas para essa invasão cósmica. Se o homem estabelecer em si um clima de invadibilidade, de receptividade, de fides, de fidelidade e harmonia com a alma do cosmos, é certo que vai ter a experiência do Transcendente. “Quando o discípulo está pronto – então o Mestre aparece”... A cosmoterapia, como se vê, é muito mais uma questão de atitude de profundidade do que atos de superfície. O que decide não é este ou aquele agir transitório, mas sim um modo de ser permanente.
  • 45. FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL GERANDO HIPERTROFIA SEXUAL Fale-nos do sexo. Foi este o pedido que um grupo de moças modernas fez a uma das minhas alunas do curso de Filosofia Cósmica, no Rio de Janeiro. E ela me consultou sobre se devia aceitar o pedido e o que devia dizer às interessadas. Respondi à minha aluna, mais ou menos, o mesmo que vou expor nas linhas seguintes. Que adianta falar sobre sexo separadamente? Sexo é um dos aspectos biológicos do ego humano, masculino e feminino. Mas, como se pode falar com eficiência sobre um dos derivados do ego sem ter uma noção correta desse próprio ego em si? E, além disto, como falar de um dos componentes da natureza humana sem ter noção exata do próprio composto dessa natureza? A filosofia e a psicologia mais avançadas giram em torno desses dois pólos da natureza humana: o ego periférico e o Eu central do homem. Que é o homem, esse desconhecido? O homem é uma harmonia cósmica do Eu central e dos egos periféricos, assim como o Universo é um equilíbrio entre força centrípeta e força centrífuga, entre a unidade da atração e a diversidade da repulsão. Unidade com diversidade é harmonia. Unidade sem diversidade é monotonia ou estagnação. Diversidade sem unidade é caos ou dispersão. Se, no Universo sideral, se hipertrofiasse um dos dois pólos, e se atrofiasse o outro pólo, deixaria de existir o cosmos; acabaria tudo ou em implosão e monotonia rumo ao centro, ou em explosão e dispersão rumo às periferias. O Universo só existe graças a uma perfeita harmonia e equilíbrio estável entre os dois pólos complementares, da atração centrípeta e da repulsão centrífuga.
  • 46. O mesmo que se dá no macrocosmo sideral acontece também no microcosmo hominal. O homem que afirma unilateralmente o seu Eu à custa do seu ego, cai vítima de monotonia e estagnação. O homem que afirma unilateralmente o seu ego à custa do seu Eu, cai vítima de caos e dispersividade. O primeiro caso acontece, em parte, no oriente. O segundo caso está acontecendo, sobretudo agora, no ocidente, ou pelo menos com numerosos representantes deste hemisfério. E esse centrifuguismo diversitário do ego à custa do centripetismo unitário do Eu está assumindo, ultimamente, proporções catastróficas na humanidade do ocidente. Nunca a hipertrofia do ego e a atrofia do Eu apareceu tão nitidamente como em nossos dias. E por que está isto acontecendo agora, no ocaso do segundo milênio da era cristã? Até ao fim da Idade Média, século 15, quase só se havia tratado dos interesses do Eu espiritual do homem, da sua alma. “Salve a tua alma”, era o brado universal; salva o teu Eu espiritual, depois da morte, em regiões distantes e ignotas do cosmos; a vida presente não valia nada; era sofrimento e miséria, que deviam ser tolerados, com paciência, contanto que a alma se salvasse, depois da morte e em outros mundos. A humanidade europeia era, espiritualmente, criança – e a criança aceita qualquer crença que os adultos lhe impinjam. Deus era uma realidade inegável, mas uma realidade apenas crida, distante e futura, aceita docilmente por testemunho alheio, não sabida por experiência própria. Com a superação da infância espiritual e o despertamento da adolescência, no princípio da Renascença, século 16, o homem repudiou a crença, baseada em testemunho alheio, e tentou substituir a crença pela ciência – mas, não tardou a sentir grande decepção. A ciência dá conforto ao ego, pela técnica, mas não satisfaz as necessidades mais profundas do Eu. Voltar à crença num Deus ausente e futuro – impossível para os mais avançados. Permanecer no plano da simples ciência e técnica, para satisfazer as coisas do ego – era insuficiente para os homens de maior profundidade. A terceira alternativa, para além de crença e ciência, seria a sapiência, a experiência própria da Realidade espiritual e divina – mas quem é capaz dessa sapiência? dessa experiência própria e imediata da Realidade Eterna?
  • 47. E assim, o desequilíbrio continua, por enquanto. O homem perdeu o contato com o pólo positivo do seu Eu real, e está apenas com o pólo negativo do seu ego fatual, que o deixa insatisfeito – e aqui está o grande desequilíbrio, a profunda desarmonia cósmica, ou anti-cósmica. A clerocracia medieval, que se dizia representante de Deus, morreu para muitos. A egocracia do homem profano de hoje não satisfaz os íntimos anseios do homem. A cosmocracia seria a solução, cosmocracia, harmonia e equilíbrio entre o centrifuguismo diversitário do ego e o centripetismo unitário do Eu. Mas essa cosmocracia, esse estado de harmonia cósmica, ainda é um ideal longínquo, não é ainda uma realidade presente, para o grosso da humanidade. O Eu medieval, desequilibrado pela hipertrofia do Eu e atrofia do ego, foi substituído pelo ego renascentista, hipertrofiado no ego e atrofiado no Eu. O homem medieval cria num Deus desconhecido. O homem moderno rejeitou o Deus desconhecido da crença antiga e quis descobrir um Deus conhecido pela ciência, mas não encontrou. Encontrou muitos ídolos do ego, não encontrou o ideal do Eu. No meio desse tremendo vácuo do Eu Real, o homem moderno, neste ocaso do segundo milênio, se agarra cada vez mais freneticamente aos ídolos do ego ilusório – sexo, dinheiro, divertimentos – para se esquecer temporariamente da sua profunda desarmonia interior. Recorre a todas as camuflagens, a todos os narcóticos, a todos os analgésicos e anestésicos, a toda a espécie de charlatanismos, para não sentir o seu doloroso desequilíbrio, a sua profunda desarmonia interior. O que é essa fulminante sexomania e sexolatria da juventude de hoje senão uma tentativa desesperada de narcotizar a sua profunda infelicidade com uma ilusão de felicidade? Quem nunca experimentou a mística do espírito afoga-se na erótica da carne, para ao menos se esquecer, durante umas horas, ou uma noite de orgias sexuais, da sua frustração espiritual. Procura fugir do inferno real da sua frustração espiritual mediante um céu ilusório de realização sexual. E os estímulos têm de ser cada vez mais violentos para poderem fazer esquecer, por umas horas ao menos, a profunda infelicidade da sua frustração existencial. E essa alternativa entre gozo e nojo se acentua cada vez mais: quanto mais o homem goza tanto mais se embota a sua possibilidade de gozar; o próprio gozo diminui a gozabilidade; e, quando a gozabilidade baixa a zero, quando o homem já gozou tudo, e nada mais resta para gozar, porque a sua capacidade
  • 48. de gozar baixou a zero – então esse infeliz gozador está maduro para o hospício, para o hospital, para o cemitério, para o suicídio, ou então para um inferno em plena vida. E tudo isto como consequência de um desequilíbrio entre os dois pólos da natureza humana, como uma hipertrofia do ego periférico e uma atrofia do Eu central. Mas o homem não quer reconhecer que a cura estaria num reequilibramento, numa corajosa, sincera e honesta reharmonização entre o seu ego humano e o seu Eu divino. O homem continua a adorar os objetivos da vida do ego, e continua a não se interessar pela razão-se-ser da sua existência real, do seu Eu central. E, quando se fala ao homem dessa razão-de-ser da sua existência, ele grita e protesta e pensa que o queiramos levar ao outro extremo, à hipertrofia unilateral do seu centro divino Eu, substituindo-o pela querida hipertrofia do seu ego periférico. O homem profano do ego unilateral, quando ouve falar da necessidade do Eu cósmico, universificado, universalizado, nada compreende; pensa que lhe queiramos tirar as coisas boas e queridas do ego, e substituí-las pelas coisas, para ele desconhecidas, do Eu. Como ele só conhece as suas profanidades, suspeita que esses ídolos da sua vida devam tombar dos seus pedestais, para ceder lugar ao Deus desconhecido (e temido) do Eu místico. Receia trocar o seu querido caos profano pela monotonia sagrada – e ele prefere o seu caos, embora doloroso, à monotonia. Nós, porém, não somos advogados nem do caos nem da monotonia. Somos defensores da harmonia cósmica, equidistante desta e daquele. Nada queremos saber de substituição, nem mesmo de simples justaposição – queremos realizar a grande síntese, o perfeito equilíbrio, a maravilhosa harmonia hominal, a grandiosa complementaridade entre todas as forças e faculdades do homem integral. Não queremos um corpo sem alma, que seria cadáver. Não queremos uma alma sem corpo, que seria fantasma. Queremos o homem real e integral, cuja alma vivifique o corpo, e cujo corpo seja a manifestação visível da alma invisível. Na juventude, o homem e a mulher se interessam principalmente pelas coisas do sexo, que muitos chamam amor. Na idade adulta, o homem se interessa pelo sexo e pelo dinheiro.
  • 49. E durante a vida inteira, juventude e adultez, o homem quer divertimentos. Sexo, dinheiro e divertimentos, essa trindade do ego, que não é má em si – torna-se má quando o homem estabelece desequilíbrio entre estes ídolos do ego e os ideais do Eu, quando faz desses três objetivos da vida uma razão-de- ser da sua existência humana, quando hipertrofia, sexo, dinheiro ou divertimentos, e atrofia a realidade central do seu Eu superior. O homem profano do ego abusa de sexo, dinheiro e divertimentos, e isto é idolatria. O homem místico recusa tudo isto. Mas o homem cósmico não abusa nem recusa, mas usa de tudo isto, em perfeita harmonia e equilíbrio com o seu Eu central. Abusar é proibido, recusar é permitido, usar é recomendado. Quando substituirá o homem o charlatanismo de hoje pela cura de amanhã? Quando o seu Eu central, que ainda está dormindo, estiver tão acordado como está hoje o seu ego periférico. Quando o Eu se tornar tão consciente como o ego já é consciente. Não há nenhuma necessidade de reduzir o ego à inconsciência; convém mesmo tornar o ego cada vez mais egoconsciente – contanto que o Eu também se torne tão consciente como o ego. Só assim haverá perfeito equilíbrio e harmonia dentro da natureza humana. E esta harmonia cósmica é a verdadeira e permanente felicidade do homem.
  • 50. FANATISMO OCIDENTAL – INDIFERENÇA ORIENTAL – ENTUSIASMO UNIVERSAL Nenhum país tem tantas seitas religiosas como a Índia – e, no entanto, todas elas convivem pacificamente, em perfeita tolerância e harmonia. Ninguém faz proselitismo, ninguém tenta converter outro à sua religião. No ocidente, sobretudo nos Estados Unidos, há centenas de seitas cristãs e seitas não cristãs – e quase todas vivem hostilizando umas às outras, porque cada uma se considera como possuidora única da Verdade e julga seu dever de consciência converter os adeptos de outro credo. Cruzadas, inquisições, excomunhões, guerras de religião marcam a estrada do Cristianismo teológico e seus similares há quase 2000 anos. Donde esta diferença? A razão última e mais profunda está no seguinte: o genuíno oriental não toma a serio a personalidade do ego humano, que é para ele o que o seu nome diz, “persona”, isto é, “máscara”; como, aliás, não toma a sério nenhum fenômeno externo, objetivo, que lhe é maya ou ilusão. O oriental considera todas as facticidades, pessoais ou impessoais, como meras manifestações temporárias e transitórias da suprema e única Realidade, como luzes multicores emanadas da única Luz Incolor, ou, servindo-nos da linguagem da nossa Filosofia Univérsica, considera todo o mundo objetivo como o VERSO ilusório projetado pelo UNO verdadeiro do UNIVERSO. O ocidental, em geral, dá grande importância à persona e aos fatos objetivos, porque não tem experiência da individualidade humana e da Realidade Cósmica; vive mais nas periferias do ego do que no centro do Eu, e por esta razão a personalidade do ego lhe parece ser a única e suprema Realidade, que a consciência manda defender a todo o custo. Isto torna o ocidental intolerante, sectário e fanático, por motivos de consciência, da sua pseudo ou ego- consciência, que ele confunde com a verdadeira consciência do Eu. Indiferença oriental? Fanatismo ocidental? Que é preferível?
  • 51. Há uma terceira alternativa, equidistante da indiferença e do fanatismo: é o entusiasmo. En (em) e theós (Deus) deram origem à palavra “entusiasmo”, que quer dizer literalmente “em Deus”. Quem sente Deus em si ou se sente em Deus é um entusiasta. O radical de fanatismo é fantasma; o radical de entusiasmo é Deus. O fanático defende um fantasma irreal, o entusiasta professa um Deus real. O fanático corre atrás de fantasmas. O entusiasta adora a Deus. Quando o entusiasta enxerga o Deus do mundo sem o mundo de Deus, é ele um místico – mas, quando enxerga o Deus do mundo em todos os mundos de Deus, passa a ser um entusiasta cósmico. Por via de regra, o ocidental é um profano, por vezes fanático. O oriental é, não raro, um entusiasta místico. Mas o homem universal é um entusiasta cósmico, que tanto pode ser oriental como ocidental. O homem cósmico pode amar sinceramente as coisas do mundo por amor a Deus. A sua física é muito mais bela que a dos profanos, porque está baseada na metafísica. Física baseada em simples física, cedo ou tarde acaba em fastio, como todo o círculo vicioso; física, quando baseada em metafísica, é permanentemente gostosa, e não enjoa nunca. O homem que vê o Deus do mundo em todos os mundos de Deus, proclama com grande entusiasmo as suas convicções espirituais, que cada dia lhe revelam novos encantos – mas não as impinge a ninguém. Se alguém se converte, não é pelo que alguém diz ou faz, mas por amor daquilo que ele é; não se sente impelido por algo, mas atraído por alguém. O homem cósmico alegra-se sinceramente quando outros seguem o mesmo caminho e o acompanham nessa comunhão dos santos, irmãos anônimos da Fraternidade Branca a que ele pertence, sem legenda nem bandeira. O homem cósmico, embora tenha o seu altar predileto em algum recanto da grande catedral de Deus, não leva a mal que outros também tenham o seu altarzinho individual com sua devoção pessoal, dentro do mesmo templo da Divindade. Ele é essencialmente inclusivista, e nada exclusivista, porque sabe que todo o VERSO é uma emanação do único UNO. Quando eu vou ao norte, e vejo alguém demandar o sul, pode-se parecer ele meu adversário, pois que vai rumo adverso ao meu. Mas, quando passo da perspectiva unilateral para uma visão onilateral, verifico que todos os viajores – de norte a sul, de leste a oeste, e vice-versa – demandam o mesmo e único
  • 52. centro que eu demando, porque todas essas existências finitas vão rumo à Essência Infinita, rumo ao único UNO central. O homem cósmico sabe que não há dois indivíduos humanos iguais, porque a Natureza não faz cópias, crea tão-somente originais inéditos. E, como cada indivíduo – por ser indiviso e indivisível – é único e irrepetível, cada um tem a sua experiência individual e irreversível, e deve seguir o seu caminho individual, rumo à Meta Universal. Mas todos os caminhos do VERSO, quando sinceramente seguidos, convergem infalivelmente no mesmo UNO, que é a Fonte única dos canais múltiplos. Por isto, pode o homem de visão cosmorâmica saudar entusiasticamente todos os seus companheiros de jornada, quer sigam o caminho dele, quer sigam o caminho deles, uma vez que todos os caminhos convergem na mesma meta, que é a minha meta e é a meta deles. O homem cósmico não é um fanático nem é um indiferente – é um sincero entusiasta; pode amar realmente todas as creaturas de Deus, porque ama o Creador de todas as creaturas. Quem encontrou Deus em si mesmo encontra-o por toda a parte, tanto nos outros homens como também em todas as coisas da Natureza. Esse homem realizou: – a mística de Deus, – pela ética dos homens, – na estética da Natureza.
  • 53. “QUEM NÃO RENUNCIAR A TUDO NÃO PODE SER MEU DISCÍPULO” De acordo com estas palavras do Cristo, escreveu um dos grandes heróis do século 20, Albert Schweitzer: “Não há heróis da ação – há tão-somente heróis da renúncia e do sofrimento”. E isto disse Schweitzer depois de ter prestado, por quase meio século, serviços gratuitos e desinteressados à parte mais infeliz da humanidade, aos negros primitivos da África Equatorial, no pior clima do mundo, no meio duma população boçal, incapaz de aquilatar a grandeza de seu benfeitor. “Não há heróis da ação” – ninguém é grande pelo que faz. O “fazer algo” ainda é compatível com a pequenez e mesquinhez do ego humano – somente o “ser alguém” entra na zona da divina grandeza do homem. O “fazer algo” ou “ter algo”, quando não nascido do “ser alguém”, obstrui os caminhos da grandeza do auto-conhecimento e da auto-realização. “Quem não renunciar a tudo que tem...” Esse “ter algo” do divino Mestre não se refere, em primeira linha, a bens materiais, mas sim aos bens mentais e emocionais, que são os grandes males do homem-ego, e aos quais muitos não conseguem renunciar, mesmo depois de terem renunciado aos bens materiais. Renunciar às suas posses mentais e emocionais é mil vezes mais difícil, e mais importante, do que abandonar as posses materiais. Renunciar a todo e qualquer apego mental, ofendismo emocional, ódios, rancores, ressentimentos, antipatias, animosidades, intrigas, maledicências e malevolências – isto é indispensável para abrir o caminho rumo a Deus e ao Eu divino no homem. Sobre o desapego dos bens materiais e o apego aos bens mentais e emocionais, escreveu Paulo de Tarso uma das suas páginas mais estupendas, aos cristãos do primeiro século: “Se eu distribuísse aos pobres todos os meus haveres, mas não tivesse amor, de nada me serviria isto... O amor não é ciumento, o amor não é orgulhoso, o
  • 54. amor não é rancoroso; o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta – o amor não acaba jamais”. Quem não renunciou às suas posses mentais e emocionais – ódio, rancores, amarguras, ofendismos crônicos e ofendites agudas – esse não tem amor, porque não renunciou à posse principal, embora tenha renunciado às suas posses secundárias, de caráter material – e está longe de ser discípulo do Cristo, porque não foi liberto pela experiência da verdade sobre o seu Eu real. Pode ser um bom escravo, mas não entrou ainda na “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”. “Não há heróis da ação – há tão-somente heróis da renúncia e do sofrimento”. Mahatma Gandhi, de acordo com Schweitzer, com Paulo de Tarso, e com o próprio Cristo, se libertara não só dos ídolos materiais, mas também de toda a idolatria mental e emocional, de ofendismos e ofendites de toda a espécie. Quando, pelo fim da vida, foi perguntado se perdoara todas as ofensas que de seus inimigos recebera, respondeu que nada tinha que perdoar, porque nunca fora ofendido. O ego vicioso, quando ofendido, se vinga, de acordo com a lei do talião: olho por olho, dente por dente; o ego virtuoso perdoa generosamente, de acordo com as nossas teologias cristãs; mas o Eu crístico nada sabe de ofensas, é absolutamente inofendível, porque é incontaminável como a “luz do mundo”, que ele é conscientemente, e de acordo com o qual age eticamente. Não se vinga nem perdoa, porque nada sabe de ofensa, ou ofendibilidade – entrou na zona da libertação total. No momento em que Gandhi recebeu as três balas mortíferas do seu assassino, saudou ele o criminoso com a costumada saudação hindu “namastê” (o Deus em mim saúda o Deus em ti). Isto é renúncia total. É deveras estranho – escreve um autor moderno – que o melhor cristão do século 20 tenha sido um pagão. Quem quer bem a 99 creaturas de Deus e tem ódio a 1 creatura, esse é inimigo de Deus e não é discípulo do Cristo. É um egoísta disfarçado, que vive a vida inteira se iludindo com aparências de espiritualidade. É ainda um homem ego- vivente, e não um Cristo-vivido, e não pode afirmar com Paulo “já não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”. No meu livro “De Alma para Alma” encontra o leitor um capítulo intitulado “Heróis de Papelão”. Heróis de papelão e de palha são todos os heróis de ação que não querem praticar o heroísmo da renúncia e do sofrimento, porque adoram e idolatram a sua própria atividade heroica; deliciam-se com louvores e elogios, aplausos e admiração. O ego virtuoso é um herói de ação – um pseudo-herói.
  • 55. O Eu da sabedoria é um herói verdadeiro, porque é herói da renúncia. Há milhões de cristãos – há pouquíssimos homens crísticos. Quem não passou pelo terremoto, pela tempestade e pelo incêndio do Pentecostes, não foi ainda batizado com o fogo do Espírito Santo, e não é ainda discípulo do Cristo, porque não renunciou às idolatrias do seu velho ego, embora tenha dourado com virtuosidade as grandes férreas da sua antiga viciosidade. Os grandes mestres não querem discípulos que sejam escravos, maus nem bons, nem viciosos nem virtuosos – querem discípulos plenamente libertos pelo conhecimento da verdade. Não é possível ser alguém no Cristo e ao mesmo tempo ter algo, no Anti- Cristo, porque a luz não admite trevas. Possivelmente, um discípulo do Cristo pode ter posses materiais – mas ninguém pode ter posses mentais e emocionais anticrísticos. Muitos saúdam o Mestre com um ósculo “salve mestre”, com um ósculo de traição – cristãos anticrísticos. Quem não se libertou pela renúncia é um pseudo-herói mesquinho. Quem não trabalha intensamente e renuncia a cada passo aos frutos do seu trabalho – esse não é herói. Só quem pode dizer: fizemos tudo que devíamos fazer, e somos servos inúteis – esse é herói, porque renunciou ao próprio apego à ação, e é plenamente liberto. “Há somente heróis da renúncia e do sofrimento”...