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NOSSOS VELHOS Martha Medeiros
“ Honra o teu pai e a tua mãe, como o SENHOR teu Deus te ordenou, para que se prolonguem os teus dias,  e para que te vá bem na terra que te dá o  SENHOR teu Deus”.  (Deuteronômio 5 : 16)
Pais heróis e mães heroínas do lar. Passamos boa parte da nossa existência  cultivando estes estereótipos. Até que um dia o pai herói começa a passar  o tempo todo sentado, resmunga baixinho  e puxa uns assuntos sem pé nem cabeça.
A heroína do lar começa a ter dificuldade de concluir as frases e dá de implicar com a empregada. O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para outra? Nossos pais envelhecem.  Ninguém havia nos preparado pra isso.
Um belo dia eles perdem o garbo, ficam mais vulneráveis  e  adquirem umas manias bobas. Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez deles serem cuidados e mimados por nós, nem que pra isso recorram a uma chantagenzinha emocional. Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo, e o que não sabem eles inventam.
Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se  a pequenas aventuras, como comer escondido tudo  o que o médico proibiu.  Estão com manchas na pele. Ficam tristes de repente.  Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos,  que relutam em aceitar o ciclo da vida.
É complicado aceitar que nossos heróis e heroínas já não estão no controle da situação.  Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina. Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo.
Ficamos irritados se eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara-de-pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso:  Calça de brim?  Frege?  Auto de praça?
Em vez de aceitarmos com serenidade o fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento com o passar dos anos, simplesmente ficamos irritados por eles terem traído nossa confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis como os super-heróis.
Provocamos discussões inúteis e os enervamos com nossa insistência para que tudo siga como sempre foi.  Essa nossa intolerância só pode ser medo.  Medo de perdê-los, e medo de perdermos a nós mesmos, medo de também deixarmos de ser lúcidos e joviais.
É uma enrascada essa tal de passagem do tempo. Nos ensinam a tirar proveito de cada etapa da vida, mas é difícil aceitar as etapas dos outros, ainda mais quando os outros são papai e mamãe, nossos alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar, e que agora estão dando sinais de que um dia irão partir sem nós.

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Nossos Velhos

  • 1.  
  • 3. “ Honra o teu pai e a tua mãe, como o SENHOR teu Deus te ordenou, para que se prolonguem os teus dias, e para que te vá bem na terra que te dá o SENHOR teu Deus”. (Deuteronômio 5 : 16)
  • 4. Pais heróis e mães heroínas do lar. Passamos boa parte da nossa existência cultivando estes estereótipos. Até que um dia o pai herói começa a passar o tempo todo sentado, resmunga baixinho e puxa uns assuntos sem pé nem cabeça.
  • 5. A heroína do lar começa a ter dificuldade de concluir as frases e dá de implicar com a empregada. O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para outra? Nossos pais envelhecem. Ninguém havia nos preparado pra isso.
  • 6. Um belo dia eles perdem o garbo, ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas. Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez deles serem cuidados e mimados por nós, nem que pra isso recorram a uma chantagenzinha emocional. Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo, e o que não sabem eles inventam.
  • 7. Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como comer escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele. Ficam tristes de repente. Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos, que relutam em aceitar o ciclo da vida.
  • 8. É complicado aceitar que nossos heróis e heroínas já não estão no controle da situação. Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina. Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo.
  • 9. Ficamos irritados se eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara-de-pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso: Calça de brim? Frege? Auto de praça?
  • 10. Em vez de aceitarmos com serenidade o fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento com o passar dos anos, simplesmente ficamos irritados por eles terem traído nossa confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis como os super-heróis.
  • 11. Provocamos discussões inúteis e os enervamos com nossa insistência para que tudo siga como sempre foi. Essa nossa intolerância só pode ser medo. Medo de perdê-los, e medo de perdermos a nós mesmos, medo de também deixarmos de ser lúcidos e joviais.
  • 12. É uma enrascada essa tal de passagem do tempo. Nos ensinam a tirar proveito de cada etapa da vida, mas é difícil aceitar as etapas dos outros, ainda mais quando os outros são papai e mamãe, nossos alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar, e que agora estão dando sinais de que um dia irão partir sem nós.