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Revista eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola Superior de Teologia

Volume 06 (ano 04, n. 01) – janeiro-abril de 2005
São Leopoldo – RS
Periodicidade Quadrimestral - ISSN 1678-6408
http://www3.est.edu.br/nepp

Foto: Divulgação
Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia
Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408

Coordenador Geral
Prof. Dr. Oneide Bobsin
Conselho Editorial
Berge Furre - Universidade de Oslo
Emil A. Sobottka – PUCRS
Adriane Luísa Rodolpho – Escola Superior de Teologia
Ricardo W. Rieth – Escola Superior de Teologia/ULBRA
Edla Eggert – Unisinos
ISSN: 1678-6408
Responsável por esta edição
Oneide Bobsin
Capa desta edição
Iuri Andréas Reblin
Revisão
Rogério Sávio Link, Adriane Luísa Rodolpho, Mary Rute Gomes Esperandio,
Oneide Bobsin e Iuri Andréas Reblin
Editoração Eletrônica da edição em HTML
Rogério Sávio Link
Editoração Eletrônica da edição em PDF
Iuri Andréas Reblin
Esta versão em PDF é uma edição revista da edição original.
Link Desta Edição: http://www3.est.edu.br/nepp/revista/006/ano04n1.pdf
Protestantismo em Revista é um órgão do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP),
que visa ser um canal de socialização de pesquisas de docentes e discentes da área de Teologia,
Ciências das Religiões, abrangendo o espectro das Ciências Humanas e das Ciências Sociais Aplicadas,
tanto de integrantes da Escola Superior de Teologia (EST) quanto de outras instituições.
Protestantismo em Revista está sob a coordenação do Prof. Dr. Oneide Bobsin, titular da Cadeira de
Ciências das Religiões da EST.
A revista eletrônica Protestantismo em Revista é uma
(jan.-abr.; mai.ago., set.-dez.), sendo que as três edições do ano são tradicionalmente planejadas em duas edições
temáticas e uma edição livre. Comumente, a equipe de redação
até o
do
do quadrimestre e a
acontece normalmente na segunda quinzena do
do quadrimestre, salvo exceções. Confira a data estipulada na grade do tópico
“edições anteriores” no site da revista.
Os trabalhos deverão ser
do Núcleo de Estudos e Pesquisa
do Protestantismo: nepp_iepg@yahoo.com.br. Consulte as normas no site da revista. Demais
informações e edições anteriores, acesse o site (http://www3.est.edu.br/nepp)

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Sumário
Editorial..................................................................................................................................................4

Textos:
Max Weber: algumas referências biográficas ....................................................................................7
Por Adriane Luísa Rodolpho

Luteranos na Ética Protestante ..........................................................................................................10
Por Oneide Bobsin

A Identidade Batista e o “espírito” da Modernidade.....................................................................15
Por Mary Rute Gomes Esperandio

Da ética protestante à ética “iurdiana”: O “espírito” do capitalismo .........................................29
Por Mary Rute Gomes Esperandio

Weber, la ética pentecostal y el espíritu neoliberal entre los pobres...........................................45
Por Pedro Acosta Leyva

Resenhas, Leituras e Prefácios de Obras:
Prefácio do livro “O que é o Islã? – Perguntas e Respostas”.........................................................52
Por Oneide Bobsin

Como citar esta revista.......................................................................................................................55

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Editorial

É com prazer que trazemos a público esta edição da Protestantismo em Revista.
Esse número compreende alguns artigos de pesquisadores do NEPP a respeito da
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, obra do sociólogo alemão Max Weber, que
está completando cem anos de publicação no biênio 2004/2005. Estamos nos
referindo ao segundo semestre de 2004 passado, quando analisamos a obra de Weber
do ponto de vista das confissões protestantes nela representadas. Solicitamos a
membros do Núcleo ou professores da EST que abordassem o trabalho de Weber a
partir de seu olhar confessional. Ao reformado, pedimos um texto sobre Calvino na
referida obra. De semelhante forma, solicitamos a contribuição de um luterano,
batista, metodista, pentecostal. Também discutimos o assunto do ponto de vista do
pietismo. Lamentamos que nem todas as apresentações se transformaram em textos.
Abrimos a revista com uma breve bibliografia sobre Max Weber, feita pela
Dra. Adriane Luiza Rodolpho, professora de antropologia cultural e da religião da
Escola Superior de Teologia.
Coube a mim analisar a compreensão de Weber a respeito do conceito de
vocação em Lutero. Minha análise procura transcender as colocações feitas por
Weber no capítulo que trata especificamente da contribuição luterana ao “espírito”
do capitalismo. Em síntese, Weber não considera relevante o novo sentido dado à
palavra Beruf na configuração do “espírito” do capitalismo. Para Max Weber, o
luteranismo não traz impulsos para uma ação “revolucionária”. Ele foi
demasiadamente tradicionalista, ou seja, manteve-se muito próximo do catolicismo
medieval, não obstante sua ética intramundana.
A doutoranda Mary Ruth Esperandio apresenta dois instigantes textos. Em A
identidade batista e o espírito da Modernidade, está em análise o ethos batista brasileiro.
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Tendo em vista a tipologia weberiana, pergunta-se pela identidade protestante dos
batistas brasileiros. A autora percebe entre os batistas elementos do que Weber
denominou “espírito” do capitalismo. Entre outros aspectos, realça que “a fé
individual leva a um estilo de vida que se traduz na conformação racional de toda a
existência”. Em relação ao que denomina religiosidade contemporânea, que se
caracteriza pela aposta no presente, ressalva que os batistas dela se distanciam. Para
os batistas brasileiros, a certeza de salvação no futuro continua a ser um traço
identitário.
O segundo artigo de Esperandio faz instigantes comparações entre as
concepções de trabalho em Weber e na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a
qual expressa os traços básicos de uma religiosidade contemporânea. Enquanto no
calvinismo o trabalho relaciona-se com uma vida ascética, que leva à poupança, na
compreensão expressa pela IURD, o gozo do presente está em evidência. Em termos
não usados pela autora, diria que a “gastança” tomou lugar da poupança. Em vez de
uma ética puritana, temos agora o hedonismo da sociedade de consumo.
Acrescentaria por minha conta que o Deus distante do calvinismo weberiano
transformou-se numa divindade próxima e serviçal, comandada magicamente por
quem solicita as bênçãos. Em contrapartida, poderíamos nos perguntar se a bênção
material, como sinal externo, não seria um ponto em comum entre o calvinismo na
compreensão de Weber e o modo iurdiano de viver a religião. Começa-se, então, a
classificar a “teologia da prosperidade” da IURD e tendências afins como um
neoprotestantismo. Estaríamos diante de um neoprotestantismo à brasileira? Como
disse acima, essas colocações decorrem da leitura instigante da doutoranda a respeito
da IURD enquanto um modo de subjetivação contemporâneo.
Teólogo afro-descendente cubano e mestre em Teologia pelo IEPG, Pedro
Acosta Leyva resgata o valor da obra de Weber para o seu país, onde uma forte
tradição marxista “vulgarizou” perspectivas de análise a partir da antropologia e da
psicologia. Na mesma perspectiva, o doutorando busca em Weber uma chave de
leitura para entender o “espírito do capitalismo” em práticas religiosas pentecostais e
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neopentecostais, evitando o risco tão comum de reduzi-las ao economicismo. Sob
minha responsabilidade acrescentaria que a análise de Weber sobre a burocracia,
empresarial e/ou estatal, poderia ter ajudado aos partidos de esquerda a
continuarem tencionando entre o espírito revolucionário e as pesadas estruturas
burocráticas que vieram em seu lugar.
Entre outras lacunas deste número da Protestantismo em Revista, destaco
alguns aspectos que merecem aprofundamento na Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo. Primeiro, Weber conhecia profundamente o pensamento teológico das
tendências protestantes nascidas na Reforma do século XVI. Segundo, ele não faz
afirmações categóricas, pois conhece como essas “verdades” teológicas orientam a
vida prática das pessoas. Alguém da antropologia, já disse que a etnografia está em
gérmen nesta obra clássica da sociologia da religião. Em terceiro lugar, há a
compreensão weberiana de que os reformadores do século XVI não tiveram como
propósitos as implicações decorrentes de suas mensagens. Weber relembra que o
homem de seu tempo tem dificuldade em compreender o mundo religioso do século
XVI. Com isso, afirma que o cerne da teologia dos reformadores explicita-se na
pergunta pela salvação. Logo, as implicações sociais, políticas e econômicas decorrem
de uma resposta à pergunta pela salvação religiosa. Em outras palavras, Lutero,
Calvino e outros reformadores não estavam preocupados com o desenvolvimento do
“espírito do capitalismo”.
Por fim, incorporamos a este número o prefácio por mim elaborado do livro
O que é o Islã? de Melanie Miehl. É uma obra traduzida do alemão, que visa
responder a uma série de perguntas sobre o islamismo. Foi publicado recentemente
pela Editora Sinodal, São Leopoldo. É um texto didático. Logo, extremamente
acessível.
São Leopoldo, julho de 2005.
Prof. Dr. Oneide Bobsin

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Max Weber: algumas referências biográficas
Por Adriane Luísa Rodolpho*

Max Weber nasceu em Erfurt (na Thuringe) em 1864 e faleceu de pneumonia
em 1920, em Munique, à idade de 56 anos. Seu pai era um jurista de formação, tendo
sido eleito deputado nacional-liberal junto à Dieta da Prússia e do Reichtag em 1869.
Segundo alguns autores, o pai de Max Weber pertencia a um círculo de amizades
formado por intelectuais (ele conhece W. Dilthey e T. Mommsen) e homens políticos,
como será o caso, mais tarde, do próprio Max. Este recebe de sua mãe uma educação
marcada pelo rigor calvinista (Galey e Lenclud, 2000). Outros autores nos dão mais
detalhes dessa típica família protestante da burguesia alemã: enquanto o pai
pertencia à burguesia afortunada, a mãe, mulher de grande cultura (sic), era de
origem huguenote (Hervieu-Léger e Willaime, 2001). Se, do ponto de vista cultural,
os pais de Weber estavam em sintonia, seu ambiente familiar contrastava, do ponto
de vista religioso, entre a figura do pai – indiferente à religião – e a da mãe
fortemente ligada a ela.
Weber realiza sua formação secundária em várias cidades como Berlin,
Heidelberg, Strasburg e Göttingen. Seus estudos foram em filosofia, teologia, direito,
história e economia política. Aos vinte e cinco anos, conclui seu doutorado sobre
história das sociedades comerciais na Idade Média, em 1889. Advogado desde 1886,
Weber é nomeado assistente de direito em Berlim em 1891, cidade onde inicia sua
carreira como professor e pesquisador. Em 1892, apresenta como habilitação para
ingresso na Universidade de Berlin o trabalho sobre história agrária romana,
tornando-se assim Privatdozent. Em seguida, em 1894, Weber transfere-se para a
*

Bolsista Prodoc/Capes junto à Escola Superior de Teologia. Doutora em Antropologia Social e
Etnologia pela Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales (EHESS-Paris) e Mestre em
Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS).
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universidade de Fribourg-em-Brisgau, aos trinta anos. Dois anos após, Weber
trabalha em Heidelberg onde, em 1903, irá interromper sua curta carreira docente.
Aos trinta e oito anos e sofrendo de depressão nervosa, ele renuncia ao magistério,
mas não à pesquisa. No mesmo ano, 1903, Weber inicia junto com Edgar Jaffé e
Werner Sombart o projeto de uma revista de ciências sociais, os arquivos de história
social e sócio-política (Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik). Nesta revista,
Weber publicará sob forma de longos artigos, o essencial de uma obra reagrupada
em publicações póstumas, assim como nas revistas Die Christiche Welt e Frankfurter
Zeitung.
Weber viaja aos Estados Unidos com Ernst Troeltsch durante os meses de
agosto a dezembro de 1904. Grande amigo de Max, Troeltsch (1865-1923) chegou a
morar na casa dos Webers, onde circulavam nomes como Georg Simmel, Karl
Jaspers, Georg Lukàs e o já citado Sombart. Com Simmel e Ferdinand Tönnies, Weber
funda, em 1909, a Sociedade Alemã de Sociologia, da qual ele demissionará em 1912
em função de divergências sobre a questão da “neutralidade axiológica nas ciências
sociológicas e econômicas” (título de um de seus artigos, de 1917). As amizades de
Max Weber contavam igualmente com alguns teólogos como Friedrich Naumann
(1860-1919) e Martin Rade, editor da revista Die Christiche Welt. Naumann foi o
primeiro presidente do partido democrata alemão, do qual Weber era membro, e um
dos fundadores da República de Weimar. Weber igualmente participa dos trabalhos
da comissão encarregada de elaborar a constituição desta República.
O envolvimento de Weber na ação política e social inicia cedo, aos vinte e
quatro anos, quando torna-se membro da Associação para a Política Social (Verein für
Sozialpolitik). Para essa Associação, Weber produz, em 1892, um extenso estudo de
900 páginas sobre “as relações dos operários agrícolas na Alemanha ao leste do
Elba”, um estudo sobre os conflitos no seio dos camponeses da Prússia oriental.
Weber freqüenta também o Congresso Social Protestante (Evangelish-soziale Kongress),
fundado em 1890 por sociólogos, economistas e teólogos. Segundo Hervieu-Léger e
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Willaime, Max Weber era um típico protestante liberal de sua época, um protestante
sem igreja (sic), independente do ponto de vista religioso como político (p. 62). Suas
duas últimas conferências na Universidade de Munique, em 1917 e 1919
respectivamente, têm como títulos: ‘A ciência como trabalho e vocação’ (Wissenschaft
als Beruf) e ‘A política como trabalho e vocação’ (Politik als Beruf).

Referências
GALEY, J . C.; LENCLUD, G. Verbete Max Weber. In: Bonte-Izard. Dictionnaire de l’ethnologie
et de l’anthropologie. Quadrige/Presses Universitaires de France, 2000, pp 742-744.
HERVIEU-LÉGER, D.; WILLAIME, J-P. Sociologies et religion. Approches classiques. Presses
Universitaires de France, 2001, pp 59-109.

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Luteranos na Ética Protestante
Por Oneide Bobsin*

Resumo:
Max Weber apresenta um novo sentido dado ao termo Beruf – vocação – por parte de Lutero.
Viver o chamado divino no exercício profissional foi considerado por Weber como um dos
elementos – ao lado da predestinação - que provocaram o processo de racionalização ou
desencantamento (Entzauberung) do mundo. Situado nesta problemática, o texto faz uma
comparação entre o pensamento de Lutero e Calvino, graça e “espírito do capitalismo”,
respectivamente.
Palavras-chave:
Beruf/vocação; “espírito” do capitalismo; graça e trabalho.

Não é possível restringir a compreensão que Max Weber tem das implicações
da obra de Lutero ao capítulo da Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo que
apresenta o conceito de vocação. Outros aspectos correlatos a esse tema da teologia
de Lutero estão presentes no todo da obra centenária de Weber.
Também deve ser destacado que a referência básica da obra em análise é o
conceito de Predestinação de Calvino e não o de Beruf, de Lutero. Para Weber, a
contribuição de Lutero na configuração do Espírito do Capitalismo é insuficiente, pois
Beruf, como realização da vontade divina no mundo secular, não promove impulsos
em direção ao capitalismo. Weber vê Lutero como alguém mais próximo do
tradicionalismo católico e distante de Calvino. Como a graça permite um renovar
diário depois da queda e do perdão dos pecados, a motivação religiosa não gera
impulsos “revolucionários” afins ao capitalismo na sua fase primitiva, comercial.
*

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Bobsin é doutor em Ciencias Sociais/ Sociologia Política pela PUC-SP e professor titular da cadeira
de Ciências da Religião da Escola Superior de Teologia.
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Assim, não se pode colocar na pena de Lutero o que vale para Calvino.
Vejam o que disse Weber a respeito da posição luterana de sua época: “Os próprios
círculos eclesiásticos que hoje costumam com todo o zelo exaltar o ‘feito’ da Reforma
em geral não são nada amigos do capitalismo, seja lá em que sentido for”1. Logo após
essa tese, Weber continua sua avaliação de Lutero com as seguintes palavras: “Mas
com tanto mais razão o próprio Lutero com certeza teria rejeitado rispidamente
qualquer parentesco com uma disposição como a que vem à luz em Franklin”2.
Como sustentação de tal idéia, Weber destaca as declarações de Lutero contra a
usura e a cobrança de juros.
Weber demonstrou que, no decorrer dos anos, Lutero reforçou o
tradicionalismo, distanciando-se ainda mais dos impulsos calvinistas em prol do
“espírito do capitalismo”. Sua definição de vocação em Lutero, já se avizinhando da
influência da ortodoxia, assim foi formulada: “A vocação é aquilo que o ser humano
tem de aceitar como desígnio divino, ao qual tem de ‘se dobrar’ – essa nuance eclipsa
a outra idéia também presente de que o trabalho profissional seria uma missão, ou
melhor, a missão dada por Deus” 3. Mesmo assim, Weber destaca que o luteranismo
suplantou os deveres monásticos em favor do exercício da profissão como uma ética
intramundana (innerweltlich). Em outras palavras, a vida monástica perdeu espaço e
foi superada por esta ética intramundana. Marx já havia formulado algo parecido
quando avaliou que a reforma luterana havia suprimido o sacerdote da religiosidade
externa em favor de uma religiosidade interna, convertendo os seculares em curas4.

1
2

3
4

Max WEBER, A Ética Protestante, p. 74.
Idem, Ibidem, p. 74. Weber caracteriza o “espírito do capitalismo” do século XVI, afim ao
calvinismo, com as máximas atribuídas a Benjamim Franklin: tempo é dinheiro, crédito é dinheiro,
dinheiro é procriador por natureza e fértil, um bom pagador é senhor da bolsa alheia, etc. Max
WEBER, A Ética Protestante, p. 42-44.
Idem, p. 77.
Ao avaliar a contribuição da Reforma para o atraso da revolução alemã, já que Marx tinha no
horizonte os avanços socialistas na França, ele afirmou: Lutero, admitámoslo, venció a la
servidumbre por la devoción, porque la substituyó por la servidumbre em la convicción. Quebro la fé
em la autoridad porque restableció la autoridade de la fe. Convertió a los curas en seglares, porque
convertió a los seglares en curas. Liberó al hombre de la religiosidad externa porque fizo de la
religiosidad el hombre interior. Emancipó de las cadenas al corpo porque cargó de cadenas el
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Embora Weber se vale do novo sentido da tradição da palavra Beruf,
conforme o deslocamento feito por Lutero do espaço sagrado (Bíblia) para as
profissões do mundo secular, poderíamos buscar em outros textos do reformador
eclesiástico a compreensão segundo a qual o tradicionalismo se justifica pelo
exercício profissão secular como forma de ser prestativo aos outros. Pela profissão
secular cada pessoa contribui para a comunidade. Um texto escrito por Lutero à
nobreza alemã nos ajuda a confirmar, por outra via, a tese de Weber sobre o
tradicionalismo de Lutero:
Da mesma forma como aqueles que agora são chamados clérigos ou
sacerdotes, bispos ou papas, não são mais dignos ou distintos do que
outros cristãos, se não pelo fato de deverem cuidar da palavra de
Deus e dos sacramentos – esta é sua a ocupação e seu ofício –,
também a autoridade secular tem a espada e o açoite na mão, para
com eles punir os maus e proteger os retos. Um sapateiro, um
ferreiro, lavrador, cada um tem o ofício e a ocupação próprios de seu
trabalho. Mesmo assim todos são ordenados sacerdotes e bispos de
igual modo, e cada qual deve ser útil e prestativo aos outros com seu
ofício ou ocupação, de forma que múltiplas ocupações estão todas
voltadas para uma comunidade, para promover corpo e alma, da
mesma forma com que os membros do corpo servem todos um ao
outro.5

No capítulo subseqüente, onde são tratados os fundamentos religiosos da
ascese intramundana, Weber demonstra que entre Lutero e Calvino há uma outra
diferença muito grande. Ao passo que em Lutero as múltiplas profissões confluíam
no amor ao próximo, no calvinismo o homem existia para a glória de Deus; logo, o
trabalho não se voltava à criatura6.
Embora não seja um teólogo, Weber demonstra um conhecimento muito
profundo das sutilizes teológicas entre as diversas concepções dos reformadores do
século XVI. Além disso, Weber traz exemplos do cotidiano como decorrência das

5
6

12

coración. Pero si el protestantismo no fue la verdadera solución, fue al menos el verdadero
planteamento del problema. Karl MARX, Contribución a la crítica de la filosofia del direcho de Hegel, p.
101.
Martinho LUTERO, À Nobreza Cristã da Nação Alemã, p. 81.
Idem, p. 99.
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diversas concepções entre os reformadores. Ao apresentar o ditado popular Deus
ajuda a quem se ajuda, mostra que isto confrontaria a justificação pela fé dos luteranos
ao dogma calvinista. Contudo, o calvinista não poderia ser acusado de ter uma
recaída medieval como se estivesse acumulando méritos, mas antes permanecia a
alternativa introspectiva: “eleito ou condenado”?7
Outro contraste destacado por Weber mostra que a santificação da vida
cotidiana nos marcos do calvinismo levava a um estilo metódico, como numa
empresa. ( Weber, 2004, p. 13). Os luteranos, por sua vez, não seguiam por este
caminho. “A grassia amissibilis luterana, que a todo instante podia ser recuperada
pelo arrependimento, não continha em si, obviamente, nenhum estímulo àquilo que
aqui nos importa como produto do protestantismo ascético: uma sistemática
conformação racional da vida ética em seu conjunto”8. Em outras palavras, “faltava
ao luteranismo, justamente por conta de sua doutrina da graça, o estímulo
psicológico para sistematização da conduta de vida, sua racionalização metódica”9.
A influência da visão luterana sobre o pietismo em solo alemão também
subtrai deste parte dos impulsos para uma afinidade com o “espírito do
capitalismo”. Na busca luterana da salvação, a santificação prática não está em
evidência. Sob o impacto do perdão dos pecados, o pietismo alemão dá um passo
tímido em direção à conformação do “espírito capitalista”, tal como se fez presente
no calvinismo10.
Portanto, se para Weber a ascese saiu dos mosteiros para a vida cotidiana,
imprimindo uma vida metódica afeita ao mundo racional das empresas, da mesma
forma ele reconheceu que o “ capitalismo vitorioso, em todo o caso, desde quando se
apóia em bases mecânicas, não precisa mais desse arrimo. Também a rósea galhardia
de sua risonha herdeira, a Ilustração, parece definitivamente fadada a empalidecer, e
7
8
9
10

Idem, p. 105.
Hoennicke, Troeltsch apud Max WEBER, A Ética Protestante, p. 115 e 225-227.
Max WEBER, A Ética Protestante, p. 116.
Idem, p. 125.
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a idéia do ‘dever profissional’ ronda a nossa vida com um fantasma de crenças
religiosas de outrora”11.
Por fim, Weber continua sendo uma referência explicativa na atualidade? No
que tange à sua análise, há uma pergunta aberta quando se pensa no lugar do
luteranismo hoje. Ele continua sendo um caminho do meio entre o tradicional
catolicismo medieval e o calvinismo impresso num cotidiano em que a vida metódica
dispensa os impulsos religiosos? Independente de uma possível resposta, a vivência
da vocação no mundo secular continua uma idéia fora de lugar e um fantasma que
não consegue se transformar em corpo. Por quê? Provavelmente, porque a graça não
encontra correlato em nossa sociedade urbana, pós-industrial e capitalista, com forte
pluralismo religioso.

Referências
LUTERO, Martinho. À Nobreza Cristã de Nação Alemã, acerca do Melhoramento doEstado Cristão.
In: Pelo Evangelho de Cristo. Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia Editora Ltda./ Editora
Sinodal, 1984, p. 75-152.
MARX, Karl. Contribuición a la crítica de la filosofía del derecho de Hegel (1844). In: ASSMAN,
Hugo e MATE, Reyes (ORGs.): Sobre la Religión – Karl Marx-Friedrich Engels. Salamanca:
Ediciones Sígueme, 1979, p. 93-106.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Edição de Antônio Flávio
Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

11

14

Id., p. 165.
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A Identidade Batista e o “espírito” da Modernidade
Por Mary Rute Gomes Esperandio*

Resumo:
A partir do estudo de Weber sobre “a ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”,
apresento uma reflexão a respeito da construção do ethos batista no Brasil. Interessa-me
salientar os elementos mais relevantes na composição da identidade batista, contribuindo,
dessa forma, com o trabalho de colocar em evidência a diversidade presente no
protestantismo brasileiro.
Palavras-chave:
Batistas, identidade, ética, produção de subjetividade, Modernidade.

Palavras iniciais...
Os batistas são ou não protestantes? Ao falar sobre a formação do
pensamento batista brasileiro, Azevedo observa que os batistas integram uma
denominação1. Entretanto, afirma, também, que “os batistas são protestantes”2.
Embora, para a própria denominação batista essa afirmação seja um tanto
questionável, “não há como considerá-los exceto como parte deste movimento
religioso moderno”3. Qual foi o contexto em que os batistas se estabeleceram no
Brasil? Qual sua relação com a Modernidade e o Liberalismo? É possível concordar
*

1

2
3

Psicóloga. Doutoranda em Teologia Prática no Instituto Ecumênico de Pós-graduação - Escola
Superior de Teologia. São Leopoldo.
“A seita do século 17 inglês torna-se a partir do século 19 norte-americano uma denominação, que
pode ser caracterizada pela tomada de posse dos valores cristãos como se lhes fossem exclusivos.
Assim, no interior do cristianismo, as denominações podem ser vistas como conjuntos de tradições
seguidas por igrejas. [...] Os batistas integram uma denominação”. Israel Belo de AZEVEDO. A
celebração do indivíduo: A formação do pensamento batista brasileiro. Piracicaba-SP: Unimep. 1996. (p.
18).
Op. Cit. p. 23.
Idem, p. 23.
Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp

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com Weber, reconhecendo os batistas como grupo religioso que integra a ascese
protestante que favoreceu o estabelecimento do espírito moderno? Será que a
interpretação weberiana acerca dos batistas do século XVI e XVII poderia se aplicar
aos batistas brasileiros? Bobsin pontua que “a transposição imediata de categorias
sociológicas de Weber ou de outros, e de suas conclusões a respeito do
protestantismo do século XVI, da Europa, não facilita a análise sociológica do
protestantismo que aqui se configurou”4. As perguntas levantadas serão
problematizadas ao longo desse texto.

A perspectiva weberiana da ética protestante e o espírito do capitalismo
Intrigado pela constatação do “caráter predominantemente protestante5 dos
proprietários do capital e empresários, assim como das camadas superiores da mãode-obra qualificada, notadamente do pessoal de mais alta qualificação técnica ou
comercial das empresas modernas”, Weber busca compreender as razões para o que
ele percebe como sendo “afinidades eletivas” entre o capitalismo e a ética
protestante, especificamente em relação à concepção de trabalho como vocação e a
ascese intramundana. No esforço de apresentar os elementos que configuram tais
afinidades, Weber não apenas define o “ethos protestante” como, também, explicita
os pontos nos quais a concepção puritana de vocação profissional e exigência de uma
conduta de vida ascética haveriam de influenciar diretamente o desenvolvimento do
estilo de vida capitalista.
Sobre o Calvinismo, o autor observa que foi a fé em torno da qual se
moveram as grandes lutas políticas e culturais dos séculos XVI e XVII nos países
capitalistas mais desenvolvidos - os Países Baixos, a Inglaterra, a França. Um dos

4

5

16

Oneide BOBSIN. Protestantismo e transformação social. Estudos Teológicos, 27 (3): 119-137, 1987 (p.
131).
Weber identifica quatro elementos constituintes do protestantismo ascético: o calvinismo, o
pietismo, o metodismo e as seitas nascidas do movimento anabatista.
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dogmas do Calvinismo é a predestinação. Essa diz respeito à salvação e ao modo
como a mesma é alcançada. Os “predestinados para a salvação” são aqueles aos
quais Deus, de antemão, predestinou uns para a salvação, outros para a perdição.
Nesse sentido, a salvação não é algo a ser buscada pelo ser humano, uma vez que ela
advém da decisão livre de Deus, sem que haja qualquer participação humana nesse
processo. É uma decisão divinamente arbitrária. O ser humano é nada. Deus é tudo e
é ele quem decide a salvação ou danação do ser humano. O ser humano é, no mundo,
apenas uma “ferramenta de Deus”, instrumento de uso divino para aumento de sua
glória.
Weber pontua que um dos efeitos da crença nesse dogma foi o que ele chama
de recusa a uma “cultura dos sentidos”. Uma vez que a salvação é uma decisão
divina arbitrária, nenhum esforço humano para alcançá-la deve ter lugar. Nenhum
meio mágico, ou qualquer outro meio poderia proporcionar a graça divina àqueles a
quem Deus houvesse decidido negá-la. Assim, nenhuma ilusão de sentimento
quanto à possibilidade de salvação por um esforço próprio ou por algum meio
supersticioso deveria ser fomentada. Isto levou ao isolamento íntimo do ser humano
e produziu uma recusa a “cultura dos sentidos”, configurando um individualismo
desiludido e de coloração pessimista. Um outro efeito relaciona-se a modelagem de
uma vida moralmente regrada, um modo de existência que pudesse “comprovar”,
pelas atitudes éticas, a condição de “eleito”. Ao lado do Calvinismo6, em termos de
importância por causa dos efeitos que se fizeram produzir em razão de seu
desenvolvimento histórico nos séculos XVI e XVII, estão os anabatistas e os batistas.

6

Por questão de espaço e enfoque desse estudo, será deixada de lado a exposição de Weber a
respeito do pietismo e metodismo. Contudo, faz-se relevante notar que o Metodismo, além dos
elementos que integram o protestantismo com afinidades eletivas com o capitalismo observados
por Weber, apresenta, também, e merecendo destaque, outros traços que “atenuam” alguns efeitos
daquele capitalismo que já começara a se estabelecer. Bonino chama a atenção para o fato de que a
análise de Wesley “da crise social de seu país o leva a ver o desemprego como a raiz da miséria.
Por isso desenvolve uma série de projetos destinados a criar fontes de trabalho e inclusive a
capacitar as pessoas para melhor se desempenharem nele” (Bonino, 1983, p. 9). Recomendo, para
aprofundamento dessa questão, o livro de José Miguez BONINO. Metodismo: releitura latinoamericana. Piracicaba-SP, 1983.
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Enquanto que no Calvinismo a fé tinha o sentido de reconhecimento da
doutrina da Igreja (sobretudo acerca da predestinação) e também no sentido de
obtenção da penitente graça divina, no grupo anabatista e batista ela passa a ter um
outro sentido. Nesses grupos, a fé consistia na apropriação interior e individual da
obra de redenção, mediante a ação do Espírito Santo. O Espírito Santo funcionava,
aqui, como uma potência “atuante na vida diária do crente falando diretamente ao
indivíduo que quiser ouvir”7. Assim, o testemunho interior passou a ter significação
decisiva da atuação do Espírito na razão e na consciência. Dessa forma, a doutrina da
salvação deixou de ser realizada por via eclesiástica, através dos sacramentos por ela
ministrados, e provocou assim, o que Weber chama de “desencantamento religioso
do mundo”.
Ao mesmo tempo, essa prática, caracterizando o distanciamento da Igreja
como instituição que ministra salvação, possibilitou a organização de “seitas”. Weber
caracteriza como seitas, a “associação voluntária de indivíduos religiosamente
qualificados”. Esse distanciamento da disciplina eclesiástica para alcançar a salvação
colocou ênfase na apropriação subjetiva da religiosidade ascética por parte de
indivíduo, levando-o a uma conduta específica de vida. A adesão às seitas
pressupunha uma submissão voluntária motivada pela busca de um “estado de
graça”. Esse estado de graça, por sua vez, só pode ser garantido através da
“comprovação em uma conduta de tipo específico, inequivocamente distinta do
estilo de vida do homem ‘natural’”. Ele não vem por meio mágico-sacramental, nem
pela descarga da confissão, nem pela realização de boas obras. De acordo com
Weber, para os anabatistas e as seitas daí decorrentes, o estado de graça é
comprovado com um estilo de vida que se traduz na conformação racional de toda a
existência, orientada pela vontade de Deus.
De que modo, então, essa comprovação (em qualquer dos quatro grupos)
poderia ser notada? Weber observa que o trabalho profissional bem sucedido veio a
7

18

Max WEBER. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
(p. 133).
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se constituir como meio de comprovação do estado de graça. Ao mesmo tempo,
entretanto, um cuidado permanente contra a ambição e apego a bens temporais seria
necessário, a fim de que tais atitudes não viessem a subverter o coração do ser
humano, tornando-o preso aos interesses do mundo, ao invés de buscar as coisas de
Deus e daquilo que concerne à vida eterna. Trabalhar para ficar rico, se isto fosse
“para Deus” e não simplesmente para fins da concupiscência da carne e do pecado,
seria permitido. A riqueza “é reprovável precisamente e somente como tentação de
abandonar-se ao ócio, à preguiça e ao pecaminoso gozo da vida [...]. Quando porém
ela advém enquanto desempenho do dever vocacional ela não só é moralmente lícita,
mas até mesmo um mandamento”8.
Em síntese, Weber concluiu que a ascese racional protestante leva os sujeitos
a investir apenas naquelas condutas que fossem para a glória de Deus. Todo o tipo
de comportamento que não visa a glória de Deus devia ser evitado. Resulta daí, uma
poderosa tendência para a uniformização do estilo de vida. Em outras palavras, a
construção de uma identidade.

O contexto brasileiro e a chegada dos batistas no Brasil
A entrada e estabelecimento da denominação batista no Brasil está
intimamente ligada com as possibilidades que se lhe abriram, na época, em razão da
conjuntura político-ideológica, e também religiosa. Os batistas chegaram no Brasil
depois dos presbiterianos, dos congregacionais e dos metodistas. Em 1882, quando
oficialmente foi fundada a primeira igreja batista na Bahia, o trabalho batista já
contava com pelo menos 20 anos de ação efetiva9.

8
9

Idem. p. 148.
Marli G. TEIXEIRA. Valores Morais e Liberalismo no Protestantismo da Bahia no Século XIX.
Estudos Teológicos, 27 (3): 269-279, 1987 (p. 269).
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Sobre o contexto da época, é preciso ter em mente que a declaração de
independência do Brasil, em 1822, não marca uma rutpura com o país colonizador,
nem significa independência de fato. Sem entrar nos pormenores históricos, vale
lembrar, pelo menos, três elementos que destacam esse período, como favoráveis ao
estabelecimento do protestantismo. São eles: o liberalismo do II Império, a crise do
padroado e a liberdade de consciência10. Na opinião de Mendonça, fora deste
contexto liberal, dificilmente o protestantismo teria se estabelecido no Brasil11.
A historiografia brasileira observa que a elite responsável pela organização
do Estado Monárquico Brasileiro tinha como ideário, o liberalismo modelado pelos
anglo-saxões. Mendonça pontua que
o comércio inglês, a agricultura germânica e, até mesmo uma possível
contribuição norte-americana através de imigrantes confederados,
constituiram componentes do desejado surto de modernização e
progresso. [...] Desejava-se assimilar as idéias e práticas que tinham
transformado os anglo-saxões em líderes do mundo. [...] Este ideário
e o espaço religioso pelo afastamento entre o Estado monárquico
liberal e a Igreja, constituíram fatores muito favoráveis à penetração
protestante no Brasil.12

O liberalismo brasileiro, contudo, convivia “com a grande propriedade, com
a escravidão, com as eleições censitárias, com o Estado Unitário, com o Senado
vitalício e muitas outras instituições compatíveis com seus fundamentos
históricos”13. A luta dos liberais, muitos deles pertencentes à Maçonaria, consistia em
questões em torno da liberdade. Assim, o catolicismo, antes religião oficial, entrou
em conflito com o Império, em razão das divergências no padroado em relação ao
poder exercido pela Maçonaria. A solução do conflito veio enfraquecer o Império e

10
11

12
13

20

Esta idéia é desenvolvida por TEIXEIRA. Op. cit. p. 270.
Mendonça observa que “ao perdurarem as condições históricas do período colonial e os padrões
galicanos da monarquia independente, a presença protestante não passaria de esporádica e
circunstancial”. Antonio Gouvêa MENDONÇA. Inserção dos protestantismos e “Questão
Religiosa” no Brasil, Século XIX (Reflexões e hipóteses). Estudos Teológicos, 27 (3): 219-237, 1987 (p.
235).
A. G. MENDONÇA. Op. cit. p. 230.
Marli TEIXEIRA, Op. cit. p. 270.
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resultou no rompimento do catolicismo como religião oficial14. O protestantismo,
com a bandeira de separação entre igreja e estado, trazida dos seus países de origem,
servia de modelo ideal quanto ao relacionamento igreja-estado. Eram, desse modo,
portadores do ideal liberal da época, e encontraram apoio daqueles que viam na
influência da igreja católica sobre o Estado, um entrave para o progresso
fundamentado nos ideais de liberdade. Da mesma forma, o sistema educativo do
protestantismo15, mais de acordo com esse ideário, volta-se para a ciência e a técnica
e marca um diferencial na educação tradicional vigente. Por essa razão, a educação
oferecida pelas escolas protestantes alcançou a elite brasileira, embora esta
continuasse, em sua maioria, impermeável à mensagem evangélica.
Diferentemente do protestantismo de imigração, cujos limites de atuação
permanecia no território dos imigrantes que trouxeram sua própria religião, o
protestanismo de missão, como é o caso dos batistas, empreendeu esforços para se
constituir e estabelecer-se como denominação, aproveitando o contexto favorável da
época. Sua teologia conversionista, embora pudesse parecer agressiva a outros
grupos e à sociedade em geral, por sua ênfase na liberdade de consciência do
indivíduo e na responsabilidade individual perante Deus, talvez justamente por isso,
encontrou espaço na sociedade brasileira. Contraditoriamente, são esses mesmos
componentes que fazem limites ao seu campo de expansão.

O ethos batista brasileiro: suas origens e configuração no Brasil
Precisar a origem dos batistas é, segundo Hewitt, uma tarefa um tanto
complexa. Isto porque, além de ser um grupo que começou a se espalhar
geograficamente desde o início de sua existência, criando ramos independentes, os
fundamentos da prática religiosa batista foram sendo constituídos sob a influência de
dois grupos distintos: os separatistas do continente europeu e os anabatistas da
14
15

Esse conflito ficou conhecido na história como a “questão religiosa”.
A. G. MENDONÇA. Op. cit. p. 231.
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Inglaterra, durante a segunda metade do século XVI (embora já houvesse existência
de separatistas desde o século XIV)16. Hewitt pontua que “esse aspecto das origens se
torna importante em qualquer discussão sobre o posicionamento batista em séculos
subsequentes, uma vez que os separatistas e anabatistas possuíam posições
teológicas muito diferentes”17, mas é dessa infusão separatista/anabatista que os
batistas se formam na Holanda e na Inglaterra.
Assim, os grupos batistas estavam sujeitos a três influências teológicas
distintas: O Calvinismo, o Arminianismo e o Anabatismo. Os Anabatistas rejeitavam
a doutrina da predestinação de Calvino, mas herdaram dele a ênfase na tarefa
educacional da igreja para a transmissão das doutrinas, firmadas na “lei da verdade a Bíblia”, bem como a ênfase na disciplina. Os Anabatistas
rejeitando o batismo infantil, como contrário às escrituras,
acreditavam ser válido somente aquele batismo que se administrava a
crentes conscientes. Foi-lhes dado o apelido de Anabatistas, ou seja,
os batizados pela segunda vez, porém para eles a denominação era
falsa, pois eles não aceitavam o batismo infantil como verdadeiro. [...]
Os Anabatistas mantiveram um ideal alto de moral. Com efeito, seu
impulso era tanto ético como religioso.18

Do Arminianismo herdou a ênfase na conversão individual, no “ensino de
que Cristo morreu por todos os homens, que a salvação se dá somente pela fé, que os
que crêem são salvos, que os que rejeitam a graça se perdem, e que Deus não escolhe
indivíduos particulares nem para uma coisa nem outra”19. As três influências
teológicas que constituíram o grupo batista davam uma grande ênfase ao estudo
bíblico, com a intencionalidade clara de descobrir, através de seu estudo, a
“verdadeira doutrina”.

16
17
18

19

22

Martin D. HEWITT. Raízes da Tradição Batista. IEPG. 1993. (p. 10).
Idem. p. 10.
Kenneth Scot LATOURETTE. Historia del Cristianismo. Argentina: Casa Bautista de Publicaciones,
1977. (p. 130).
Idem. p. 115.
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Originada, então, inicialmente na Holanda e Inglaterra, a doutrina batista foi
levada para os Estados Unidos, em 1631, por um inglês chamado Roger Williams que
se exilou por causa de opiniões separatistas e dissensão com a Igreja Anglicana. E,
assim, em 1635, foi fundada a primeira Igreja Batista nas Américas. Hewitt afirma
que por causa da distância e da situação religiosa na Inglaterra, estas primeiras
igrejas batistas começaram a divergir em questões de prática doutrinária.
Enquanto os dois grupos de igrejas batistas (geral e particular arminianos e calvinistas) na Inglaterra conseguiram se unir em 1813,
formando a ‘General Union’, [...] as igrejas batistas dos Estados
Unidos aos poucos iam se dividindo em várias convenções, ficando
cada vez mais separadas umas das outras em alguns aspectos de
prática e doutrina.20

No Brasil, os batistas chegaram entre 1871-1881, através dos missionários
norte-americanos que vieram do Sul dos Estados Unidos21. Os primeiros
missionários chegaram em 1881 com a tendência teológica dos “landmarkist”, que
enfatizavam a conversão individual e faziam uso de uma hermenêutica
fundamentalista22. Teixeira observa a estreita ligação entre as doutrinas batistas e
princípios liberais na época de seu estabelecimento no Brasil. Para ela, a prática
batista brasileira é “nitidamente norte-americana” e caracteriza-se por ser uma
doutrina a-histórica, acultural e sectária23.

20
21

22
23

Martin D. HEWITT. Op. Cit. p. 11.
Há algumas divergências a respeito da origem de determinadas características dos batistas
brasileiros. José dos Reis Pereira (Breve história dos Batistas. Rio de Janeiro: JUERP, 1979) trata essa
questão como se pudesse estabelecer uma linha direta dos batistas de hoje, para os primeiros
cristãos do Novo Testamento. Nesse caso, a Igreja Batista seria compreendida não como uma entre
outras, mas como A Igreja que porta a verdade divina a ser anunciada ao mundo. Israel Belo de
AZEVEDO (Op. Cit.), em contrapartida, apresenta um estudo ligando os princípios de liberdade
individual e a separação entre igreja e estado como tendo origem no pensamento liberal inglês. Ele
salienta, ainda, que na passagem pelos EUA, ao vir para o Brasil, os batistas reafirmaram o caráter
subjetivo da fé, reforçando ainda mais essa ênfase no valor do indivíduo, bem de acordo com o
liberalismo brasileiro nascente, da época. Martin D. HEWITT (Op. Cit.), por sua vez, preocupa-se
em apresentar as raízes da tradição batista fazendo questão de mencionar que a configuração dos
batistas no Brasil traz influências de alguns grupos específicos, como os landmarkists, por
exemplo.
Idem. p. 20.
Marli TEIXEIRA, Op. cit. p. 273-274.
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Na tentativa de explicar a razão apontada por Teixeira sobre a prática
sectária dos batistas, Hewitt, anteriormente missionário batista britânico no Brasil,
acredita que o princípio de “liberdade exige pensamento. A sociedade brasileira na
qual a igreja batista se formou era uma sociedade em que o sistema políticoeducacional não encorajava as pessoas a desenvolver o pensamento. [Assim], a Igreja
Batista conseguiu entrar no país num período de abertura liberal. Porém o contexto
do povo em geral foi hostil aos princípios batistas e, através dos tempos, os tem
deformado”24. Contudo, desde Weber, é possível perceber que o modo batista de ser
e pensar parece um tanto impermeável às influências da cultura, talvez por efeito da
radicalização do seu princípio de separação-diferenciação do mundo.
De acordo com a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os
princípios batistas são assim resumidos: 1) aceitação das escrituras sagradas como
única regra de fé e conduta, 2) O conceito de igreja como uma comunidade local
democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas,
3) separação entre igreja e Estado, 4) absoluta liberdade de consciência, 5)
responsabilidade individual diante de Deus, e 6) autenticidade e apostolicidade das
igrejas25.
É importante observar que as cisões nas igrejas batistas, motivadas por
divergências de interpretação bíblica, estão presentes desde sua origem e acompanha
todo o desenvolvimento de sua história, parecendo representar, desse modo, mais do
que um traço que caracteriza esse grupo. A tendência às cisões estabelece-se como
elemento que lhe é constitutivo. A “bibliocracia”, aliada ao “livre exame das
escrituras”, e a forma de governo não hierarquizada, mas de congregações
autônomas, possibilita com relativa facilidade e com grandes prejuízos à
denominação, as incontáveis divisões advindas do exercício do livre exame das
escrituras. Divisões estas, presentes, desde sempre, em seu processo histórico.
24
25

24

Hewitt. Op. Cit. p. 20.
Convenção Batista Brasileira - CBB. Declaração Doutrinária da CBB. Rio de Janeiro: JUERP, 1986 (p.
4).
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Weber já demonstrou de forma suficiente o quanto o contexto da
Modernidade moldou a subjetividade do sujeito identificado com o protestantismo.
O novo modo de pensar do Iluminismo, com ênfase na razão, fez-se terreno fértil
para a modelização de uma subjetividade que não abdicou da religiosidade. Bastava
que esta fosse buscada e sustentada numa racionalidade que desse sentido à
existência. O (des)encantamento religioso do mundo transvestiu-se de uma
racionalidade que colocou ênfase na apropriação subjetiva e sobretudo, pessoal, da
religiosidade ascética intramundana por parte do indivíduo. Na denominação
batista, isto se expressa através de uma modelização específica na conduta de vida. A
fé - individual, condição para salvação, levou/leva a um estilo de vida que se traduz
na conformação racional de toda a existência, orientada pela vontade de Deus. A
despeito de parecer uma caricatura, a produção subjetiva que se dá na/pela
denominação batista pode ser definida em um ethos bastante particular que se
delineia a partir de seus dogmas. A ética batista evidencia-se nas várias faces de seu
corpo doutrinário:
1. O biblicismo leva os batistas a pautarem suas decisões e escolhas éticas na
Bíblia. A bíblia é o aferidor externo. Tomada como único manual de conduta e fé, o
crente batista parece encontrar na bíblia explicações, respostas e justificativas para
toda e qualquer situação. O real construído por vontade humana é percebido de
forma espiritualizada, como se fosse o espaço de configuração da luta espiritual que
se dá no campo do invisível entre as forças do bem e do mal.
2. A ética é de caráter individualista, porquanto nasce da ênfase na decisão
(conversão) individual. É do indivíduo a responsabilidade por seu destino. Cada
indivíduo, no exercício de sua racionalidade, é livre para decidir sobre sua própria
vida à luz das verdades eternas, sem a coação dos princípios disciplinares impostos
pelo Estado. Ao Estado cabe lidar com os poderes terrestres/mundanos, enquanto a
igreja lida com os poderes celestes/espirituais. Se por um lado, a responsabilidade
individual pelas escolhas pessoais é reapropriada pelo sujeito, pois desvincula-a do
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paternalismo do Estado, por outro lado, o coletivo, representado pela congregação
do qual é parte, funciona como confirmação da própria crença pessoal. A
comunidade serve como doadora de uma identidade, produtora de um modo
singular de ser e pensar. Simultânea e paradoxalmente, a produção de uma
identidade permite aos seus integrantes um sentimento de vínculo social, de relações
de fraternidade, de potencialidade para a auto-organização e sentido existencial.
Contudo, não há mobilização desse coletivo para a construção conjunta de uma
realidade social que seja comum a todos.
3. Esta ética individual, sustentada no aferidor externo que é a bíblia, possui
também um aferidor interno: a consciência. Esta última é norteada pelo Espírito
Santo que habita aquele que aceita, pela fé, a salvação em Cristo. É o Espírito Santo
“quem convence o homem do pecado, da justiça e do juízo”.
4. A fé para salvação, é o chão onde a ética se constitui. Ela é condição para a
modelização da subjetividade. É possível verificar aquele que tem, ou não, fé, através
de, pelo menos, três elementos: 1) pela certeza subjetiva do próprio crente. Esta pode
ser adquirida mediante contínuo exercício de submissão da vontade pessoal à
vontade divina. A vida passa a ser regida pela busca de submissão à vontade divina
em cada detalhe da vida cotidiana, sobretudo, no exercício da vocação profissional;
2) através das obras, pois, “pelos frutos os conhecereis”. Se o indivíduo leva uma
vida disciplinada, moralmente regrada, “diferente do mundo”, pois norteia-se pela
vontade de Deus, comprovará, por esse comportamento ético que é possuidor da fé
para salvação; 3) pela pertença em uma congregação de salvos. A freqüência e
pertencimento a uma congregação (na qualidade de membro, pela via do batismo
por imersão) faz parte do processo de santificação que tem início na conversão,
através da fé em Jesus. As desistências de alguns, no processo de santificação, é
explicada com o versículo: “Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem
de nós, ficariam conosco: mas isto é para que se manifestasse que não são todos de
nós” (I João 2. 19).
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Concluindo...
A denominação batista no Brasil conta, atualmente, com cerca de um milhão
de fiéis. Marcada por constantes cisões, encontra dificuldade, hoje, para manter esse
mesmo número de membros. Os batistas reconhecem que nas primeiras décadas de
sua existência sua mensagem encontrava uma resposta diversa da que encontra hoje
na sociedade. De caráter essencialmente identitário, os batistas encontraram eco
numa sociedade brasileira com anseios de modernidade e desejo de uma sociedade
liberal. A liberdade de consciência, na autonomia do indivíduo em seu poder de
decisão sobre seu destino espiritual, na diferenciação e separação do mundo,
constituíram-se elementos essenciais na formação da identidade batista. “Naquela
época, o povo brasileiro precisava conhecer o Evangelho, hoje reconhecemos que
precisamos, não apenas da segurança futura, mas tornar o Evangelho relevante no
cotidiano e na vida pessoal. Então, de soteriocêntrica, a nossa compreensão teológica,
deve ser teo e cristocêntrica”26. Essa preocupação com a necessidade de mudança,
parece restringir-se, talvez, apenas na ênfase. Percebe-se a dificuldade, própria dos
batistas, em pensar teologicamente sobre si.
A dinâmica da sociedade, hoje, leva à produção de subjetividades mais
porosas, abertas, com menos necessidade de certeza quanto a um futuro além da
vida, e com maior carência de ferramentas para lidar com o sofrimento cotidiano,
imediato, próprio da pós-modernidade. Se em seus primórdios, as pessoas se
aproximavam da igreja por acreditar em seus dogmas, aceitando-os como sistemas
para uma busca racionalizada da vida, hoje, as pessoas que se aproximam desse
grupo, o fazem, muitas vezes, por causa da comunidade em si, da relação fraterna e
de apoio mútuo que se estabelece nesse coletivo.
Contudo, o que se observa na contemporaneidade, é que a grande maioria
das pessoas busca um outro tipo de religiosidade: mais voltado às sensações e

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http://www.batistas.org/ Acesso em 01.10.04.
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promessas de sucesso e felicidade para o aqui-agora. A racionalidade batista27 levou
a construção de uma identidade específica. O uso dessa mesma racionalidade tem
servido de critério para ajuizar questões morais e teológicas. O efeito disso, é que o
seu uso, de modo sempre radicalizado, engolfa o princípio da liberdade individual,
configurando-se, de certo modo, uma tirania da racionalidade. Sem espaço, por um
lado, para as emoções e sensações, como parte legítima da experiência religiosa, e por
outro lado, com um espaço bastante restrito e restritivo quanto à elaboração da
experimentação empírica da fé, abre-se um vácuo nesse modo de religiosidade,
permitindo, por essa brecha, a entrada e estabelecimento do modo vivido e
divulgado pelo pentecostalismo, movimentos carismáticos, neopentecostalismo, e
outras religiões dessa natureza. Esse novo panorama religioso contemporâneo, por si
só, coloca em questão o futuro e lugar do tipo de evangelização identitário e da
própria denominação batista.

27

28

Tomo aqui como “racionalidade batista” um modo único e homogêneo, sistematizado, de
compreender a fé vivida na experiência religiosa. Grosso modo seria, em essência, um modo de
pensar “filtrado” pelos princípios doutrinários uma vez erigidos. Uma das conseqüências lógicas
dessa racionalidade está na construção de uma identidade específica e com pouca mobilidade, mais
rígida e menos aberta à mudanças. Por isso mesmo, o seu caráter “identitário”. As
desestabilizações que afetam o caráter identitário e poderiam apontar mudanças são vistas com
desconfiança e devem ser logo afastadas.
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Da ética protestante à ética “iurdiana”:
O “espírito” do capitalismo
Por Mary Rute Gomes Esperandio*

Resumo:
A reflexão aqui apresentada pretende colocar em questão, a partir do estudo de Weber sobre
“a ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”, a concepção de trabalho profissional que
vigora na contemporaneidade e sua possível relação com a emergência da Igreja Universal
do Reino de Deus. Neste sentido, as idéias de Weber são aqui utilizadas como pano de fundo
e ponto de partida que sustenta e inspira o estudo ora desenvolvido. Busca-se, portanto,
evidenciar as transformações que vieram se configurando, desde a Modernidade, no que diz
respeito à ascese protestante intramundana e a nova concepção de trabalho que emerge
dessa última. Seria possível pensar que a ética produ zida pela IURD se delineia como uma
radicalização da ética protestante e de seu modo de compreender o trabalho profissional?
Palavras-chave:
Igreja Universal do Reino de Deus, Capitalismo, ética, subjetividade, trabalho.

Duas imagens distintas:
Primeira: Entrada de um templo religioso no domingo à noite. Duas pessoas
à porta dão boas-vindas aos que chegam para o culto. Todos são identificados: seja
pelo próprio nome, reconhecidos como integrantes dessa comunidade de quase 600
pessoas, ou então, como visitantes - estes, em geral, trazidos por algum de seus
membros.
Segunda: Entrada de outro templo religioso numa segunda-feira. Dois
rapazes à porta, vestidos em terno e gravata, recolhem em grandes sacos de plástico,

*

Psicóloga. Doutoranda em Teologia Prática no Instituto Ecumênico de Pós-graduação - Escola
Superior de Teologia. São Leopoldo.
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as rosas secas e/ou murchas trazidas pelas quase 6.000 pessoas que vêm para a
reunião.
As diferenças, pelo menos as superficiais, saltam à vista de qualquer
observador/a. Um século de distância marca o nascimento desses dois grupos
religiosos no Brasil: Igreja Batista e Igreja Universal do Reino de Deus. A primeira
nasce da matriz do protestantismo inglês, em passagem pelos Estados Unidos da
América e trazida para o Brasil por missionários americanos. A segunda, uma
expressão religiosa autóctone que alguns autores classificam como neopentecostal.
Embora os dois grupos tenham sido colocados lado a lado, compará-los,
focalizando diferenças e aproximações, não é objetivo do presente estudo. O que se
pretende aqui é refletir sobre a ética que nasce da atitude da prática religiosa e a
mutação que acontece na concepção de trabalho e vocação. O esforço de Weber em “a
ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo” lançou luzes sobre as implicações e as
relações entre a atitude religiosa, trabalho, vocação e capitalismo. As imagens acima
descritas representam distintas concepções dos temas referidos. E se a primeira
configura um exemplo do que Weber aponta sobre a relação entre a ética protestante
e o espírito do capitalismo na Modernidade, a segunda, por sua vez, permite-nos
levantar algumas questões a partir ainda, desse mesmo estudo de Weber.
A análise, portanto, é pontual: focaliza, precisamente, a passagem que se dá
na concepção de trabalho e vocação, e a ética que emerge de uma configuração
religiosa específica, representada, na Contemporaneidade, pela Igreja Universal do
Reino de Deus.

Religiosidade e Modernidade: passagens e mutações no campo da Ética e
do Trabalho
a) Pressupostos básicos
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Weber observa que na Modernidade a ética protestante associa-se (ou
apresenta “afinidades eletivas”) ao espírito do capitalismo. Contudo, faz uma
ressalva:
Se, portanto, para a análise das relações entre a ética do antigo
protestantismo e o desenvolvimento do espírito capitalista partimos das criações de
Calvino, do calvinismo e das seitas “puritanas”, isso, entretanto não deve ser
compreendido como se esperássemos que algum dos fundadores ou representantes
dessas comunidades religiosas tivesse como objetivo de seu trabalho na vida, seja em
que sentido for, o despertar daquilo que aqui chamamos de “espírito capitalista”1.
Weber faz questão de deixar bem claro que os reformadores “não foram
fundadores de sociedades de ‘cultura ética’ nem representantes de anseios
humanitários por reformas sociais e culturais”. Ao contrário, “a salvação da alma, e
somente ela, foi o eixo de sua vida e ação” - as conseqüências advindas daí, foram
efeitos de "motivos puramente religiosos”. Afirma ele: “Impossível acreditar que a
ambição por bens terrenos, pensada como um fim em si, possa ter tido para algum
deles um valor ético”2.
Se por um lado, o pressuposto básico da ética protestante assenta-se,
segundo Weber, na salvação da alma, o pressuposto básico onde se assenta o espírito
do capitalismo, por outro lado, reside na ‘vocação’ de ganhar dinheiro. Weber
esclarece que a ambição esteve sempre presente na humanidade, mas na sociedade
capitalista essa ambição tomou a forma de ambição pelo lucro. E, se antes do
capitalismo, o ganho era buscado em função do ser humano, no capitalismo isso se
processa de modo contrário: “o ser humano em função do ganho como finalidade da

1

2

Max WEBER. A ética protestante e o '
espírito'do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2004 (p. 81).
Idem. p. 81.
Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp

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vida, não mais o ganho em função do ser humano como meio destinado a satisfazer
suas necessidades materiais”3. E esse é o leitmotiv do capitalismo.
b) Passagens e mutações na concepção de Vocação, Trabalho e Lucro
A análise weberiana a respeito da ética protestante e sua estreita vinculação
ao espírito do capitalismo indica uma opção consciente de seguir uma metodologia
que prima pelo viés da “ideologia” e não da superestrutura de situações econômicas
ou mesmo das Instituições. Weber ocupa-se em captar um certo “modo de ver” que
perpassa e define indivíduos, grupos, a sociedade, a estrutura sócio-econômica.
Interessa-lhe “rastrear aqueles estímulos psicológicos criados pela fé religiosa e pela
prática de um viver religioso que davam a direção da conduta de vida e mantinham
o indivíduo ligado nela”4. Assim, ele observa que foi a partir das idéias de Lutero a
respeito de vocação que uma nova concepção de ascese começou a emergir.
Consequentemente, os efeitos advindos daí permitiram a formação do que ele veio
chamar de “ascese intramundana” - o chão que possibilitou o desenvolvimento do
“espírito” do capitalismo. Weber, contudo, faz questão de deixar claro que “não tem
cabimento atribuir a Lutero parentesco íntimo com o ‘espírito capitalista’”5. Até
porque, segundo Weber, Lutero continuou com uma forma “tradicional” de pensar,
podendo mesmo ser considerada ‘retrógada’ de um ponto de vista capitalista.
Na perspectiva weberiana, ao redimensionar o conceito de vocação (Beruf),
retirando a ascese do mosteiro para uma ascese intramundana, Lutero plantou o
gérmem que estabeleceria as bases para uma nova visão do racionalismo. A vocação
devia ser exercida nas atividades cotidianas, na posição do indivíduo no mundo,
através da sua profissão: “Cada um fique na vocação em que foi chamado”, veio a
significar “cada um exerça, através de sua atividade profissional, o trabalho que
cabe/deve a cada um”. Neste sentido, a contribuição de Lutero limita-se à

3
4
5

32

Idem. p. 46.
Idem. p. 89.
Idem. p. 74.
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racionalização do trabalho. Cabe ao Calvinismo, através do princípio teológico de
predestinação, a radicalização do racionalismo iniciado em Lutero.
O Calvinismo favoreceu, assim, o desenvolvimento do capitalismo, por esse
viés da vocação profissional como meio de alcançar a certeza de ser um eleito da
graça divina. No sucesso profissional encontrava-se, ou melhor, criava-se a certeza
de ser eleito.
Essa passagem em relação ao modo como o ser humano passou a se
relacionar com o ganho, com o lucro, marca, ao mesmo tempo, uma mutação na
concepção de trabalho. No primeiro caso (o ganho em função do ser humano) o
trabalho era tido como meio de satisfação das necessidades básicas. No segundo
caso, o ser humano em função do ganho, ele já toma o aspecto do “dever”. “Deve-se”
ser um profissional (que gere lucros) dentro do sistema econômico do qual todos
fazemos parte.
A todos, sem distinção, a Providência divina pôs à disposição uma
vocação (calling) que cada qual deverá reconhecer e na qual deverá
trabalhar, e essa vocação não é, como no luteranismo, um destino no
qual ele deverá se encaixar e com o qual vai ter que se resignar, mas
uma ordem dada por Deus ao indivíduo a fim de que seja operante
por sua glória. Essa nuance aparentemente sutil teve conseqüências
psicológicas de largo alcance, engatando-se aí, a seguir, uma reelaboração daquela interpretação providencialista do cosmos
econômico que já era corrente na escolástica.6

Weber, então, conclui que o modo de organização capitalista racional do
trabalho “só quem a viu nascer foi a passagem da Idade Média para os tempos
modernos”7. Porém, “atualmente a ordem econômica capitalista é um imenso cosmos
em que o indivíduo já nasce dentro e que para ele, ao menos enquanto indivíduo, se
dá como um fato, uma crosta que ele não pode alterar e dentro do qual tem que
viver. Esse cosmos impõe ao indivíduo preso nas redes do mercado, as normas de

6
7

Max WEBER. Op. cit. p. 145.
Idem. p. 181.
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ação econômica”8. Neste sentido, o sentimento de “dever-ser profissional” já não se
vincula mais a qualquer pressuposto religioso ou de qualquer outra ordem. Antes,
ele é tomado como dado, como “natural”.

Implicações éticas decorrentes da mutação na concepção de Trabalho
Este estudo de Weber permite-nos compreender que o estabelecimento do
capitalismo se viabiliza na Modernidade em razão de uma importante mudança que
se dá na forma como o ser humano se relaciona com o trabalho. Esta relação com o
trabalho é mediada pela prática da religiosidade, sobretudo, pela prática do
protestantismo ascético9.
Enquanto o catolicismo defendia uma forma mais tradicional de trabalho,
qual seja, aquele que acontece no espaço familiar, e poderia ser definido como sendo
“da mão à boca”, o protestantismo ascético foi se configurando de modo a conceber o
trabalho como “vocação divina”.
Weber observa que a ascese lutou ao lado da produção da riqueza privada,
mas não como fim em si mesma. A riqueza, como fruto do trabalho em uma
profissão seria uma prova da bênção de Deus.
Dessa forma aconteceu uma “valorização religiosa do trabalho profissional
mundano,

sem

descanso,

continuado,

sistemático,

como

o

meio

ascético

simplesmente supremo e a um só tempo comprovação o mais segura e visível da
regeneração de um ser humano e da autenticidade da sua fé”10. Essa foi a alavanca
mais poderosa do que pode ser chamado “espírito do capitalismo”. Ao mesmo
tempo, o estrangulamento do consumo ao lado da desobstrução da ambição do lucro
8
9

10

34

Idem. p. 48.
Weber afirma: "um dos elementos componentes do espírito capitalista [moderno], e não só deste,
mas da própria cultura moderna: a conduta de vida racional fundada na idéia de profissão como
vocação nasceu (...) do espírito da ascese cristã" (p. 164).
Max WEBER. Op. cit. p. 157.
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resultou em acumulação de capital mediante coerção ascética à poupança. Isso
favoreceu o investimento de capital.
O trabalho, concebido, então, como vocação profissional, como meio ótimo
para certificar-se do estado de graça, foi o estímulo psicológico para a eficácia do
capitalismo. “O trabalho como vocação profissional tornou-se tão característico para
o trabalhador moderno, como para o empresário, a correspondente vocação para o
lucro”11.
Pode-se depreender desse estudo de Weber, que a transformação na forma
de conceber o trabalho fez toda a diferença para o estabelecimento do capitalismo. O
estilo de vida puritano centrado na idéia de trabalho como vocação, como um modo
de agradar a Deus e buscar fazer a sua vontade, mais do que favorecer a acumulação
de capital, favoreceu o desenvolvimento de uma vida econômica racional e burguesa,
“fez a cama para o homo oeconomicus” moderno12. A busca por comprovação da
eleição, ou mesmo da prática de “aumentar a glória de Deus”, “realizar a sua
vontade”, pela ética do trabalho, deu lugar a secularidade utilitária, fazendo surgir
uma ética profissional burguesa em seu lugar.

A ética iurdiana: a radicalização do espírito do capitalismo na
Contemporaneidade
Para além da contribuição explícita que Weber disponibiliza com seu estudo
a respeito da ética protestante e sua relação com espírito do capitalismo, ele nos
possibilita perceber a estreita ligação da religião e das idéias religiosas com o
contexto sócio-econômico-político e cultural onde as formas religiosas nascem e se
estabelecem. Tendo isso em mente, o esforço para compreender a emergência e

11
12

Idem. p. 163.
Idem. p. 158.
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estabelecimento do modo de ser iurdiano na contemporaneidade, parecerá um
exercício menos complicado - mas nem por isso menos complexo.
Montes13 observa que ao longo do século XX, as congregações tradicionais do
chamado protestantismo histórico (anglicanos, luteranos, metodistas, presbiterianos,
batistas) implantaram-se pacificamente, mas sem um crescimento que pudesse
inquietar a igreja católica, sempre maioria no Brasil. Mas após a segunda guerra, com
a chegada de um reavivamento espiritual, carismático, o quadro religioso brasileiro
começa a se transformar. Nesse período, a Igreja Pentecostal Assembléia de Deus já
estava bem estruturada e em amplo crescimento. Mas começa a surgir a partir da
década de 1950, o Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, e em 1960, a Igreja
Deus é amor. Todas essas igrejas foram conhecidas como igrejas de “cura divina”.
Ao final da década de 1970, surge no cenário religioso, a Igreja Universal do
Reino de Deus. Ela se estabelece com o discurso da Teologia da Prosperidade, com
exorcismos e cura. Para além da “cura divina”, tal como as igrejas pentecostais
anteriores, a Teologia da Prosperidade oferece mais do que saúde e bem-estar. Ela
promete o sucesso econômico e financeiro. Além disso, sua prática sincrética, abriga
crenças diversas, presentes no imaginário religioso popular. Neste sentido, é a IURD
que mais desestabiliza não apenas a Igreja Católica, mas o próprio cenário religioso
brasileiro.
No que se refere ao trabalho como ocupação profissional, a Teologia da
Prosperidade dá visibilidade a uma importante mudança que vinha sendo
fomentada silenciosamente. Uma mudança que se evidencia em diversos e distintos
grupos religiosos: desde o Catolicismo, Protestantismo, Pentecostalismo e mesmo no
Espiritismo.

13

36

Maria Lúcia MONTES. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: NOVAIS. Fernando
A. e SCHWARCZ, Lilia Moritz (coord. e org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da
intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (p. 63-170).
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O contexto sócio-econômico-político em que essa teologia emerge é o da
migração para as cidades, rebaixamento do salário mínimo, desemprego, produção
de grupos sem teto, sem terra, sem trabalho. A migração urbana favoreceu o apego à
religião que oferecesse práticas mais conhecidas às praticadas no contexto de origem.
“A miséria rural é, por assim dizer, exportada para a cidade - quase 31 milhões entre
1960 e 1980 - pressionou constantemente a base do mercado de trabalho urbano”14.
Houve aí, o achatamento do salário mínimo e empobrecimento geral da população.
A religiosidade popular - católica - experimentadas nas festas - tinha uma
força integrativa do povo brasileiro, tanto em relação às diferenças sociais quanto
religiosas. Com a migração urbana, as festas se escasseiam. Além disso, uma parte da
igreja católica engaja-se na Teologia da Libertação. Pelo viés da Teologia da
Libertação, pode-se pensar que o catolicismo se protestantiza, uma vez que faz apelo
à consciência do indivíduo ainda que para engajá-lo na recriação dos rumos da
história15.
Na visão desse novo catolicismo romanizado e das ‘elites modernizadoras’,
era necessário eliminar práticas que fossem consideradas mágicas, não Modernas.
Montes observa que a partir do abandono dessa clientela popular, foi que se abriu a
brecha para a emergência de outras religiões, “disputando com o catolicismo, mas
dentro de seus próprios referenciais”16.
Assim, essa nova forma de religiosidade (ou espiritualidade)
encontra amplo espaço a ser preenchido. A Teologia da Prosperidade,
oferecida por vários grupos que poderiam ser caracterizados como
neopentecostais (Sara Nossa Terra, Comunidades, Renascer, entre
outros), e também pela IURD, surgem como a resposta mais
favorável a uma subjetividade sem esperança no capitalismo tardio. E

14

15
16

João Manuel Cardoso de MELLO e Fernando A. NOVAIS. Capitalismo Tardio e Sociabilidade
Moderna. In: NOVAIS. Fernando A. e SCHWARCZ, Lilia Moritz (coord. e org.). História da vida
privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras,
1998. (p. 559-658). p. 620.
Maria Lúcia MONTES. Op. cit. p. 118.
Idem. p. 116.
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provoca cisões em grupos mais tradicionais, em outros, uma
reorientação prática, como no Espiritismo, por exemplo.17

Na Teologia da Prosperidade, todos os fiéis que se convertem, tornam-se
“filhos de Deus”. Deus, como criador do universo e dono de todas as coisas e de toda
a riqueza do mundo, coloca toda essa riqueza ao dispor de seus filhos - os que o
aceitam pela fé. Nesse contexto, a fé toma um novo sentido. Ela já não é mais a fé
para salvação, como na versão protestante. Ela é instrumento para tomar posse de
bens materiais. Como implicação direta, o trabalho profissional assume outro
sentido. De necessário para a manutenção da vida do indivíduo e da coletividade,
atravessa a fase em que se constitui como meio para obtenção de lucro, de acúmulo
de capital, para chegar aqui, no capitalismo tardio, e confundir-se com a própria
vida, esta reduzida, muitas vezes, ao homo-oeconomicus. O tempo de trabalho engolfa
toda a subjetividade, estabelecendo-se quase como sinônimo, o Ser com o trabalho
profissional exercido, não só pela identidade que se afirma pelo ser-fazer
profissional, como também o tempo de trabalho que se estende para a casa, para o
tempo de descanso e lazer.
Na IURD, o ideal já não é mais ter um trabalho, uma profissão para exercer a
vontade de Deus. Mas, sim, ter o próprio negócio. Ser empresário parece ser o
caminho ideal para obtenção de lucro. Mas, diferentemente do Calvinismo em que o
lucro deveria ser poupado, aqui o lucro é para ser gozado. Ganhar para gastar.
Participar da sociedade de consumo que tudo quer possuir. Também Deus é para ser
“possuído”. “Se ele é a fonte da bênção, da riqueza, por que buscar bênçãos nessa
fonte e não se tornar possuidor da própria fonte”, como pregava o bispo Macedo
num de seus programas de rádio?
Se no Protestantismo ascético havia uma recusa à divinização da criatura,
aqui, este é o ideal a ser buscado. “Eu posso”, “Eu vou conseguir”, “Eu determino a
vitória”. Basta exorcisar o mal, tomar posse de Deus e crer na palavra criadora, na
17

38

Como não será possível tratar aqui essa questão, remeto o leitor ao trabalho de Sandra J. Stoll:
Espiritismo à brasileira. São Paulo: edusp, 2003.
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“Confissão Positiva”18 que traz o inexistente à existência. Referindo-se ao
Calvinismo, Weber comenta que só quem é eleito possui a verdadeira fides efficax. Os
cristãos calvinistas mantinham um diário íntimo no qual anotavam os pecados e os
progressos feitos na graça, ou seja, o indivíduo controlava o seu estado de graça,
como uma “contabilidade moral”: “a santificação da vida quase chegava assim a
assumir um caráter de administração de empresa”19. Essa atitude desenvolveu-se em
direção a um controle do próprio comportamento de Deus. Via-se nos mínimos
detalhes da vida, a atuação de Deus e podia-se saber porque Deus agia de
determinada maneira ou não. É possível encontrar semelhante modo de pensar nas
pregações de Edir Macedo. Ele assim afirma:
É preciso que cada pessoa avalie a sua vida, examine através dos
frutos se está ou não na fé. Reflita: “Será que eu sou de Deus? A
minha família está liberta? Meu marido, minha esposa, meu filho
estão abençoados? Não me falta nada? Sou uma pessoa tranqüila?
Tenho paz, vida e posso falar de Jesus para as outras pessoas?”.
[quando a pessoa não alcança essas coisas] o erro não está em Deus e
muito menos na Sua Santa Palavra, mas sim na qualidade de crença
que se tem n' e em Suas promessas.20
Ele

Na IURD o controle sobre o comportamento de Deus é levado ao extremo.
Faz-se sacrifícios a Deus com objetivo de controlar sua vontade. “Determina-se” a
vontade de Deus. Enquanto no protestantismo ascético, a busca era a supressão da
vontade própria para descobrir a vontade de Deus, na IURD a vontade de Deus é
realizar os desejos do indivíduo. E a “fé eficaz” é aquela que mostra a prosperidade
como prova dela.
“Mas, afinal, o que é determinação? A determinação é uma decisão firme,
definitiva e irrevogável de um projeto, um objetivo ou um sonho que se persegue até
18

19
20

A Confissão Positiva diz respeito à crença de que ao declarar como realidade aqueles desejos (de
riqueza, saúde , poder, etc) que ainda não o são, estes passam a ser reais. Por exemplo, “determinase”, pela palavra, curas físicas, sucesso financeiro, etc. Os porta-vozes dessa teoria são: Kenneth
Hagin, E. W. Kenyon, Benny Hinn, Paul Yonggi Cho, entre outros.
Max WEBER. Op. cit. p. 113.
Sermão do bispo Edir MACEDO: "As razões do fracasso II". http://www.bispomacedo.com.br/ acesso em 22.11.02.
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a sua conquista final. Significa dizer que enquanto a pessoa não realizar aquele sonho
ou não tomar posse daquela visão, ela não sossega! A determinação é a mais pura
manifestação de fé viva”.21

“Provocações”...
O referencial weberiano possibilita muito mais do que aqui está sendo
apresentado. Seleciono algumas provocações para fomentar a continuidade da
reflexão que não deve se encerrar aqui.
1. A ética protestante engatou-se com o estabelecimento do capitalismo na
Modernidade, promovendo a racionalização da vida. Tal racionalidade carregava os
traços de uma conduta de vida sóbria, sistemática, de “sujeito culpado”. O trabalho,
meio para a realização da vontade de Deus e aumento de sua glória, favoreceu e
legitimou a busca do lucro, embora sem o gozo deste lucro. No capitalismo tardio
observa-se o nascimento de uma valorização da sensibilidade, das sensações22, dos
prazereres diversos, da busca do gozo. O “trabalho ideal” é aquele que oferece maior
poder de compra, maior possibilidade de investir no gozo de si. A IURD valoriza a
sensação, “autoriza” o uso dos prazeres, minimiza a culpa (os demônios são
responsáveis por todo o mal no mundo) e constrói uma racionalidade muito própria
do universo iurdiano23, mas que encontra ancoragem social, no âmbito da cultura,
das crenças populares, da própria diversidade religiosa, no modo dominante de
produção de subjetividade. Além disso, trata-se de uma experimentação religiosa
cujo compromisso de fidelidade não é com uma comunidade, mas com a dinâmica
21

22

23

40

Sermão do Bispo Edir MACEDO: "A determinação dos vitoriosos".
http://www.bispomacedo.com.br/ - acesso em 22.11.02.
Esta é uma tendência que se percebe em várias instâncias. Apenas a título de exemplo, vejamos o
que acontece também no domínio da arte: as "instalações" parecem buscar isto - provocar
sensações. Através delas, cada sujeito, na sua experimentação individual, constrói um sentido
único e particular e se "sente" mais sujeito à medida em que suas sensações são valorizadas no
processo de construção de sentido (do mundo, da vida, de si mesmo).
Em entrevista com o bispo Marcelo Crivella ele afirmou: "A IURD faz sucesso porque ela trabalha
com as emoções".
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religiosa. Ao contrário da Modernidade, onde os valores religiosos definiram um
novo modo de se relacionar com o trabalho, a IURD evidencia-se como a
configuração de uma religiosidade necessária para atender a essa nova relação que se
estabeleu com o trabalho, na pós-modernidade. Poderíamos deduzir então, que um
dos efeitos dessa nova relação com o trabalho demandou um outro tipo de
religiosidade? Nesse novo tipo de religiosidade não há lugar para a pobreza e
sofrimento. Estes são considerados inaceitáveis e suas causas devem ser exorcizadas.
Estaríamos, então, diante da construção, talvez de uma tendência a uma “nova”
forma (comparada às imediatamente anteriores, dentro do universo cristão,
evangélico) de experimentação religiosa?
2. Enquanto o Luteranismo distancia-se da possibilidade de favorecer o
espírito do capitalismo em função do modo de compreender a fé e também por sua
concepção de trabalho, o Calvinismo o favorece pelo efeito produzido pela fides
efficax. A IURD dá ênfase a um sujeito que “pode”, que é empoderado através dos
seus rituais (experiências de sensação). Ela “educa” o sujeito ensinando-o a colocar a
fé em ação24, não para salvação da alma, mas como instrumento para alcançar o
sucesso material - que torna-se sinal da bênção divina e prova de uma fé eficaz. Neste
sentido, radicaliza-se o efeito psicológico produzido pela concepção de eleição em
Calvino. Ao mesmo tempo em que a IURD distancia-se da concepção calvinista da
eleição, dele se aproxima em termos da radicalização dos seus efeitos psicológicos
configurados na comprovação da bênção divina pela fides efficax. Seria, então, a IURD
uma igreja neoprotestante, ao contrário de neopentecostalismo como vários autores a
caracterizam?
3. O papel do Espírito Santo perde a centralidade que o mesmo parece ter nos
grupos neopentecostais. Na IURD, o Espírito Santo participa como coadjuvante no
processo de fortalecimento e empoderamento do indivíduo. A ética do “não mais eu,
mas Cristo vive em mim” próprio do protestantismo e do pentecostalismo, deixa
24

"Todos possuem fé, mas é preciso agir a fé" - essa é uma frase recorrente nos sermões dos bispos e
pastores.
Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp

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lugar, na IURD para a centralidade e o reinado do indivíduo como tal. Seria, então,
ela, uma igreja pós-pentecostal?
4. O protesto da IURD distancia-se do protesto dos então chamados
“protestantes”. Se o início do que caracterizou o protestantismo se deu em razão da
necessidade de proclamar “sola fide, sola gracia, sola scriptura”, esses três princípios
adquirem um sentido bastante diverso na IURD. A fé é condição para o sucesso
material nesse mundo, a graça de Cristo não é suficiente - os sacrifícios (feitos em
dinheiro) são necessários/devidos e a escritura é usada de forma muito seletiva para
provar as idéias a respeito da fé e da insuficiência da graça. Essas considerações
parecem antagônicas à possibilidade de considerar a IURD como neoprotestante. E
embora o slogan “Jesus Cristo é o Senhor” esteja presente nos templos, e os
exorcismos e as vitórias sejam “determinados” “em nome de Jesus”, o sacrifício de
Cristo, por si só, não é suficiente para uma vida próspera. Neste sentido, não estaria
sendo o nome de Jesus utilizado apenas como um fetiche? Além disso, a máxima
ético-existencial de Jesus era o amor - noção rara na estilística iurdiana. Seria então, a
IURD, uma igreja pós-cristã?
5. A IURD, com seu discurso bem engatado às demandas do sujeito
contemporâneo, dá ênfase menos à salvação da alma e na vida em um outro mundo,
e mais à incrementação de uma técnica para trabalhar com os sofrimentos próprios
da contemporaneidade (depressão, ansiedade, problemas familiares, emocionais,
financeiros, etc.). Ela utiliza-se de passagens bíblicas selecionadas para legitimar sua
tecnologia que molda a subjetividade visando o bem-estar do sujeito (de olho nesta
vida). Não há dúvida de que, para milhares de pessoas, a técnica iurdiana para lidar
com o sofrimento promove melhor qualidade de vida, sobretudo, porque ela trabalha
diretamente com a promoção da auto-estima. Seus locais de reunião distanciam-se da
forma de templo religioso, e exibem a chamada “Centro de Ajuda Espiritual”, ou, em
outros lugares: “Centro de Ajuda Coletiva”. Estaria, então a IURD, mais próxima de
uma “agência coletiva de auto-ajuda”, uma espécie de terapia alternativa que utiliza42

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se de elementos mágico-religiosos no processo de “cura”, e mais distante do que o
senso comum costuma chamar de igreja?

Para terminar...
Bobsin observa que “o próprio desenvolvimento econômico do capitalismo
prescindiu da religião por mais afinidade que pudesse ter havido em alguns
momentos. [...] Parece que o protestantismo brasileiro, com alguns momentos de
exceção, não foi além da legitimação da ordem constituída. Mesmo o pentecostalismo
[...] não foi além da legitimação”25. Já com a IURD, poderíamos afirmar que esta
lógica se reverte. É ela quem ganha legitimidade do capitalismo. Se no contexto de
seu estabelecimento, o capitalismo se beneficiou dos efeitos dos valores religiosos
ancorados na vida além desta, fazendo com que os sujeitos trabalhassem visando o
lucro sem usufruir do mesmo, o Capitalismo tardio, na pós modernidade, imprime
um modo de subjetivação que não apenas faz o sujeito trabalhar pelo lucro (ainda
que o lucro não seja em benefício próprio diretamente), mas o faz desejar usufruir
desse lucro (consumismo). Neste sentido, a IURD se estabelece justamente por
atender as necessidades religiosas produzidas na pós modernidade: ambição de
riqueza; desejo de consumo; evitação de todo e qualquer tipo de sofrimento.
Capitalismo e IURD reforçam-se mutuamente. Sincrética, híbrida e ao mesmo tempo
antropofágica, ela funciona também como apoiadora do self num tempo em que o
modo de existência narcísico, próprio da contemporaneidade demanda essa forma de
religiosidade.
Retomando as imagens descritas no início desse trabalho, não é sem razão
que a segunda acolhe maior número de pessoas, e na mistura de tradicional e
moderno, sensação e racionalidade, identidade e subjetividade, é ela quem parece
atender com mais acerto a determinadas demandas nascidas da nova concepção de
25

Oneide BOBSIN, Protestantismo e transformação social. Estudos Teológicos. São Leopoldo. EST, 27
(3) p.132, 1987.
Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp

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trabalho do capitalismo da pós-modernidade. O protestantismo forjou uma nova
ética com um pé num mundo para além deste. A IURD fortalece e engancha-se na
ética mundana, já sem necessidade de ascese. Sua motivação ética está no aqui-agora,
e na oferta de uma técnica para lidar com o sofrimento produzido pelo mesmo
capitalismo. É grande o número de pessoas que busca uma religiosidade que ofereça
sensações - sobretudo, sensações de bem-estar, ainda que se tenha de pagar um alto
preço por elas.

44

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Weber, la ética pentecostal
y el espíritu neoliberal entre los pobres
Por Pedro Acosta Leyva*

Resumen:
El presente artículo plantea un entendimiento de la dinámica neoliberal entre los pobres, que
se concentran en la iglesia pentecostal, a través del paradigma weberiano. En el mismo, se
identifican las categorías del ascetismo y la vocación como aspectos constituyentes de la ética
pentecostal. Estas dos categorías son el presupuesto para el emprendimiento y la adecuación
del neoliberalismo entre los pentecostales.
Palabras claves:
Weber, pentecostal, neoliberalismo.

Con este artículo me lanzo en un vacío lleno de mi mismo. Un vacío porque
fui educado en Cuba, donde Max Weber queda relegado y subordinado al raciocinio
vulgar marxista, que considera la ética y a las demás producciones simbólicas como
decurrentes de la base económica. Cualquier cubano, a priori, lo resumiría en una
frase “las relaciones de producción obligan a formular una ética coherente con el
sistema donde se desarrollan”.
Ya Max Weber realiza un camino deferente, al decir:
Cada tentativa de explicação deve, reconhecendo a importância
fundamental do fator económico, levar em consideração, acima de
tudo, as condições económicas. Mas, ao mesmo tempo, não se deve
deixar de considerar a correlação oposta. E isso porque o
*

Pedro Acosta Leyva, es teólogo afrodescendiente cubano. Obtuvo la licenciatura en sagrada
teología en el Seminario Evangélico de Teología de Matanzas/Cuba y el grado de Mestre em
Teologia en el Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG) en São Leopoldo/Brasil. Es miembro
del grupo Identidade! y actualmente realiza el doctorado en el IEPG.
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desenvolvimento do racionalismo económico é parcialmente
dependente da técnica e do direito racionais, mas é ao mesmo tempo
determinado pela habilidade e disposição do homem em adotar
certos tipos de conduta racional prática. Quando tais tipos de conduta
têm sido obstruídos por obstáculos espirituais, o desenvolvimento da
conduta económica racional encontrou também pesada resistência
interna. As forças mágicas e religiosas e as ideias éticas de dever nelas
baseadas têm estado sempre, no passado, entre as mais importantes
influências formativas da conduta. Nos estudos aqui cole-tados nos
ocuparemos de tais forças.1

En esta formulación Weber no se detiene a preguntar ¿es primero? la ética
que prepara psicológicamente para la acumulación del capital, o, es la acumulación
del capital que elabora una ética como instrumento psicológico para expresar su
existencia. Él asume la viabilidad del multilateralismo, para explicar la realidad
histórica-social, que no parte de un único aspecto, sino que se articula en una
diversidad de elementos culturales y económicos. Entre los elementos culturales que
configuran la manera occidental del capitalismo, Weber, se percató que la ética
protestante era un factor de marcada relevancia en la orientación de la conducta que
lleva implícito el espíritu del capitalismo. Ésta ética protestante es el principal
incentivo del capitalismo, cuyo distintivo se resume en la organización racional del
capital y del trabajo2.
Weber al ir en busca de las doctrinas y presupuestos teológicos que sustenta
la ética protestante señala el ascetismo y la vocación, especialmente, predicada por los
calvinistas, metodistas, bautistas y puritanos como la base determinante para la
conducta vigente en el capitalismo moderno occidental.
El ascetismo, otrora monacal y lejos del mundo, ahora estipula un vivir dentro
de la sociedad mundana, pero con un comportamiento de rechazo a los placeres del
mundo. En la práctica esto significa repudiar el lujo, trabajar honestamente y
cualquier obtención de riqueza no deber ser tomada como un fin en sí mismo, sino
un motivo para la gloria de Dios. En ese sentido, la conducta ascética, según el
1
2

46

Max WEBER. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p.32.
Max WEBER. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p.124.
Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
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Revista Protestantismo

  • 1. Revista eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola Superior de Teologia Volume 06 (ano 04, n. 01) – janeiro-abril de 2005 São Leopoldo – RS Periodicidade Quadrimestral - ISSN 1678-6408 http://www3.est.edu.br/nepp Foto: Divulgação
  • 2. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Coordenador Geral Prof. Dr. Oneide Bobsin Conselho Editorial Berge Furre - Universidade de Oslo Emil A. Sobottka – PUCRS Adriane Luísa Rodolpho – Escola Superior de Teologia Ricardo W. Rieth – Escola Superior de Teologia/ULBRA Edla Eggert – Unisinos ISSN: 1678-6408 Responsável por esta edição Oneide Bobsin Capa desta edição Iuri Andréas Reblin Revisão Rogério Sávio Link, Adriane Luísa Rodolpho, Mary Rute Gomes Esperandio, Oneide Bobsin e Iuri Andréas Reblin Editoração Eletrônica da edição em HTML Rogério Sávio Link Editoração Eletrônica da edição em PDF Iuri Andréas Reblin Esta versão em PDF é uma edição revista da edição original. Link Desta Edição: http://www3.est.edu.br/nepp/revista/006/ano04n1.pdf Protestantismo em Revista é um órgão do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP), que visa ser um canal de socialização de pesquisas de docentes e discentes da área de Teologia, Ciências das Religiões, abrangendo o espectro das Ciências Humanas e das Ciências Sociais Aplicadas, tanto de integrantes da Escola Superior de Teologia (EST) quanto de outras instituições. Protestantismo em Revista está sob a coordenação do Prof. Dr. Oneide Bobsin, titular da Cadeira de Ciências das Religiões da EST. A revista eletrônica Protestantismo em Revista é uma (jan.-abr.; mai.ago., set.-dez.), sendo que as três edições do ano são tradicionalmente planejadas em duas edições temáticas e uma edição livre. Comumente, a equipe de redação até o do do quadrimestre e a acontece normalmente na segunda quinzena do do quadrimestre, salvo exceções. Confira a data estipulada na grade do tópico “edições anteriores” no site da revista. Os trabalhos deverão ser do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo: nepp_iepg@yahoo.com.br. Consulte as normas no site da revista. Demais informações e edições anteriores, acesse o site (http://www3.est.edu.br/nepp) 2 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 3. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Sumário Editorial..................................................................................................................................................4 Textos: Max Weber: algumas referências biográficas ....................................................................................7 Por Adriane Luísa Rodolpho Luteranos na Ética Protestante ..........................................................................................................10 Por Oneide Bobsin A Identidade Batista e o “espírito” da Modernidade.....................................................................15 Por Mary Rute Gomes Esperandio Da ética protestante à ética “iurdiana”: O “espírito” do capitalismo .........................................29 Por Mary Rute Gomes Esperandio Weber, la ética pentecostal y el espíritu neoliberal entre los pobres...........................................45 Por Pedro Acosta Leyva Resenhas, Leituras e Prefácios de Obras: Prefácio do livro “O que é o Islã? – Perguntas e Respostas”.........................................................52 Por Oneide Bobsin Como citar esta revista.......................................................................................................................55 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 3
  • 4. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Editorial É com prazer que trazemos a público esta edição da Protestantismo em Revista. Esse número compreende alguns artigos de pesquisadores do NEPP a respeito da Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, obra do sociólogo alemão Max Weber, que está completando cem anos de publicação no biênio 2004/2005. Estamos nos referindo ao segundo semestre de 2004 passado, quando analisamos a obra de Weber do ponto de vista das confissões protestantes nela representadas. Solicitamos a membros do Núcleo ou professores da EST que abordassem o trabalho de Weber a partir de seu olhar confessional. Ao reformado, pedimos um texto sobre Calvino na referida obra. De semelhante forma, solicitamos a contribuição de um luterano, batista, metodista, pentecostal. Também discutimos o assunto do ponto de vista do pietismo. Lamentamos que nem todas as apresentações se transformaram em textos. Abrimos a revista com uma breve bibliografia sobre Max Weber, feita pela Dra. Adriane Luiza Rodolpho, professora de antropologia cultural e da religião da Escola Superior de Teologia. Coube a mim analisar a compreensão de Weber a respeito do conceito de vocação em Lutero. Minha análise procura transcender as colocações feitas por Weber no capítulo que trata especificamente da contribuição luterana ao “espírito” do capitalismo. Em síntese, Weber não considera relevante o novo sentido dado à palavra Beruf na configuração do “espírito” do capitalismo. Para Max Weber, o luteranismo não traz impulsos para uma ação “revolucionária”. Ele foi demasiadamente tradicionalista, ou seja, manteve-se muito próximo do catolicismo medieval, não obstante sua ética intramundana. A doutoranda Mary Ruth Esperandio apresenta dois instigantes textos. Em A identidade batista e o espírito da Modernidade, está em análise o ethos batista brasileiro. 4 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 5. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Tendo em vista a tipologia weberiana, pergunta-se pela identidade protestante dos batistas brasileiros. A autora percebe entre os batistas elementos do que Weber denominou “espírito” do capitalismo. Entre outros aspectos, realça que “a fé individual leva a um estilo de vida que se traduz na conformação racional de toda a existência”. Em relação ao que denomina religiosidade contemporânea, que se caracteriza pela aposta no presente, ressalva que os batistas dela se distanciam. Para os batistas brasileiros, a certeza de salvação no futuro continua a ser um traço identitário. O segundo artigo de Esperandio faz instigantes comparações entre as concepções de trabalho em Weber e na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a qual expressa os traços básicos de uma religiosidade contemporânea. Enquanto no calvinismo o trabalho relaciona-se com uma vida ascética, que leva à poupança, na compreensão expressa pela IURD, o gozo do presente está em evidência. Em termos não usados pela autora, diria que a “gastança” tomou lugar da poupança. Em vez de uma ética puritana, temos agora o hedonismo da sociedade de consumo. Acrescentaria por minha conta que o Deus distante do calvinismo weberiano transformou-se numa divindade próxima e serviçal, comandada magicamente por quem solicita as bênçãos. Em contrapartida, poderíamos nos perguntar se a bênção material, como sinal externo, não seria um ponto em comum entre o calvinismo na compreensão de Weber e o modo iurdiano de viver a religião. Começa-se, então, a classificar a “teologia da prosperidade” da IURD e tendências afins como um neoprotestantismo. Estaríamos diante de um neoprotestantismo à brasileira? Como disse acima, essas colocações decorrem da leitura instigante da doutoranda a respeito da IURD enquanto um modo de subjetivação contemporâneo. Teólogo afro-descendente cubano e mestre em Teologia pelo IEPG, Pedro Acosta Leyva resgata o valor da obra de Weber para o seu país, onde uma forte tradição marxista “vulgarizou” perspectivas de análise a partir da antropologia e da psicologia. Na mesma perspectiva, o doutorando busca em Weber uma chave de leitura para entender o “espírito do capitalismo” em práticas religiosas pentecostais e Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 5
  • 6. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 neopentecostais, evitando o risco tão comum de reduzi-las ao economicismo. Sob minha responsabilidade acrescentaria que a análise de Weber sobre a burocracia, empresarial e/ou estatal, poderia ter ajudado aos partidos de esquerda a continuarem tencionando entre o espírito revolucionário e as pesadas estruturas burocráticas que vieram em seu lugar. Entre outras lacunas deste número da Protestantismo em Revista, destaco alguns aspectos que merecem aprofundamento na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Primeiro, Weber conhecia profundamente o pensamento teológico das tendências protestantes nascidas na Reforma do século XVI. Segundo, ele não faz afirmações categóricas, pois conhece como essas “verdades” teológicas orientam a vida prática das pessoas. Alguém da antropologia, já disse que a etnografia está em gérmen nesta obra clássica da sociologia da religião. Em terceiro lugar, há a compreensão weberiana de que os reformadores do século XVI não tiveram como propósitos as implicações decorrentes de suas mensagens. Weber relembra que o homem de seu tempo tem dificuldade em compreender o mundo religioso do século XVI. Com isso, afirma que o cerne da teologia dos reformadores explicita-se na pergunta pela salvação. Logo, as implicações sociais, políticas e econômicas decorrem de uma resposta à pergunta pela salvação religiosa. Em outras palavras, Lutero, Calvino e outros reformadores não estavam preocupados com o desenvolvimento do “espírito do capitalismo”. Por fim, incorporamos a este número o prefácio por mim elaborado do livro O que é o Islã? de Melanie Miehl. É uma obra traduzida do alemão, que visa responder a uma série de perguntas sobre o islamismo. Foi publicado recentemente pela Editora Sinodal, São Leopoldo. É um texto didático. Logo, extremamente acessível. São Leopoldo, julho de 2005. Prof. Dr. Oneide Bobsin 6 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 7. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Max Weber: algumas referências biográficas Por Adriane Luísa Rodolpho* Max Weber nasceu em Erfurt (na Thuringe) em 1864 e faleceu de pneumonia em 1920, em Munique, à idade de 56 anos. Seu pai era um jurista de formação, tendo sido eleito deputado nacional-liberal junto à Dieta da Prússia e do Reichtag em 1869. Segundo alguns autores, o pai de Max Weber pertencia a um círculo de amizades formado por intelectuais (ele conhece W. Dilthey e T. Mommsen) e homens políticos, como será o caso, mais tarde, do próprio Max. Este recebe de sua mãe uma educação marcada pelo rigor calvinista (Galey e Lenclud, 2000). Outros autores nos dão mais detalhes dessa típica família protestante da burguesia alemã: enquanto o pai pertencia à burguesia afortunada, a mãe, mulher de grande cultura (sic), era de origem huguenote (Hervieu-Léger e Willaime, 2001). Se, do ponto de vista cultural, os pais de Weber estavam em sintonia, seu ambiente familiar contrastava, do ponto de vista religioso, entre a figura do pai – indiferente à religião – e a da mãe fortemente ligada a ela. Weber realiza sua formação secundária em várias cidades como Berlin, Heidelberg, Strasburg e Göttingen. Seus estudos foram em filosofia, teologia, direito, história e economia política. Aos vinte e cinco anos, conclui seu doutorado sobre história das sociedades comerciais na Idade Média, em 1889. Advogado desde 1886, Weber é nomeado assistente de direito em Berlim em 1891, cidade onde inicia sua carreira como professor e pesquisador. Em 1892, apresenta como habilitação para ingresso na Universidade de Berlin o trabalho sobre história agrária romana, tornando-se assim Privatdozent. Em seguida, em 1894, Weber transfere-se para a * Bolsista Prodoc/Capes junto à Escola Superior de Teologia. Doutora em Antropologia Social e Etnologia pela Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales (EHESS-Paris) e Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS). Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 7
  • 8. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 universidade de Fribourg-em-Brisgau, aos trinta anos. Dois anos após, Weber trabalha em Heidelberg onde, em 1903, irá interromper sua curta carreira docente. Aos trinta e oito anos e sofrendo de depressão nervosa, ele renuncia ao magistério, mas não à pesquisa. No mesmo ano, 1903, Weber inicia junto com Edgar Jaffé e Werner Sombart o projeto de uma revista de ciências sociais, os arquivos de história social e sócio-política (Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik). Nesta revista, Weber publicará sob forma de longos artigos, o essencial de uma obra reagrupada em publicações póstumas, assim como nas revistas Die Christiche Welt e Frankfurter Zeitung. Weber viaja aos Estados Unidos com Ernst Troeltsch durante os meses de agosto a dezembro de 1904. Grande amigo de Max, Troeltsch (1865-1923) chegou a morar na casa dos Webers, onde circulavam nomes como Georg Simmel, Karl Jaspers, Georg Lukàs e o já citado Sombart. Com Simmel e Ferdinand Tönnies, Weber funda, em 1909, a Sociedade Alemã de Sociologia, da qual ele demissionará em 1912 em função de divergências sobre a questão da “neutralidade axiológica nas ciências sociológicas e econômicas” (título de um de seus artigos, de 1917). As amizades de Max Weber contavam igualmente com alguns teólogos como Friedrich Naumann (1860-1919) e Martin Rade, editor da revista Die Christiche Welt. Naumann foi o primeiro presidente do partido democrata alemão, do qual Weber era membro, e um dos fundadores da República de Weimar. Weber igualmente participa dos trabalhos da comissão encarregada de elaborar a constituição desta República. O envolvimento de Weber na ação política e social inicia cedo, aos vinte e quatro anos, quando torna-se membro da Associação para a Política Social (Verein für Sozialpolitik). Para essa Associação, Weber produz, em 1892, um extenso estudo de 900 páginas sobre “as relações dos operários agrícolas na Alemanha ao leste do Elba”, um estudo sobre os conflitos no seio dos camponeses da Prússia oriental. Weber freqüenta também o Congresso Social Protestante (Evangelish-soziale Kongress), fundado em 1890 por sociólogos, economistas e teólogos. Segundo Hervieu-Léger e 8 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 9. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Willaime, Max Weber era um típico protestante liberal de sua época, um protestante sem igreja (sic), independente do ponto de vista religioso como político (p. 62). Suas duas últimas conferências na Universidade de Munique, em 1917 e 1919 respectivamente, têm como títulos: ‘A ciência como trabalho e vocação’ (Wissenschaft als Beruf) e ‘A política como trabalho e vocação’ (Politik als Beruf). Referências GALEY, J . C.; LENCLUD, G. Verbete Max Weber. In: Bonte-Izard. Dictionnaire de l’ethnologie et de l’anthropologie. Quadrige/Presses Universitaires de France, 2000, pp 742-744. HERVIEU-LÉGER, D.; WILLAIME, J-P. Sociologies et religion. Approches classiques. Presses Universitaires de France, 2001, pp 59-109. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 9
  • 10. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Luteranos na Ética Protestante Por Oneide Bobsin* Resumo: Max Weber apresenta um novo sentido dado ao termo Beruf – vocação – por parte de Lutero. Viver o chamado divino no exercício profissional foi considerado por Weber como um dos elementos – ao lado da predestinação - que provocaram o processo de racionalização ou desencantamento (Entzauberung) do mundo. Situado nesta problemática, o texto faz uma comparação entre o pensamento de Lutero e Calvino, graça e “espírito do capitalismo”, respectivamente. Palavras-chave: Beruf/vocação; “espírito” do capitalismo; graça e trabalho. Não é possível restringir a compreensão que Max Weber tem das implicações da obra de Lutero ao capítulo da Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo que apresenta o conceito de vocação. Outros aspectos correlatos a esse tema da teologia de Lutero estão presentes no todo da obra centenária de Weber. Também deve ser destacado que a referência básica da obra em análise é o conceito de Predestinação de Calvino e não o de Beruf, de Lutero. Para Weber, a contribuição de Lutero na configuração do Espírito do Capitalismo é insuficiente, pois Beruf, como realização da vontade divina no mundo secular, não promove impulsos em direção ao capitalismo. Weber vê Lutero como alguém mais próximo do tradicionalismo católico e distante de Calvino. Como a graça permite um renovar diário depois da queda e do perdão dos pecados, a motivação religiosa não gera impulsos “revolucionários” afins ao capitalismo na sua fase primitiva, comercial. * 10 Bobsin é doutor em Ciencias Sociais/ Sociologia Política pela PUC-SP e professor titular da cadeira de Ciências da Religião da Escola Superior de Teologia. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 11. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Assim, não se pode colocar na pena de Lutero o que vale para Calvino. Vejam o que disse Weber a respeito da posição luterana de sua época: “Os próprios círculos eclesiásticos que hoje costumam com todo o zelo exaltar o ‘feito’ da Reforma em geral não são nada amigos do capitalismo, seja lá em que sentido for”1. Logo após essa tese, Weber continua sua avaliação de Lutero com as seguintes palavras: “Mas com tanto mais razão o próprio Lutero com certeza teria rejeitado rispidamente qualquer parentesco com uma disposição como a que vem à luz em Franklin”2. Como sustentação de tal idéia, Weber destaca as declarações de Lutero contra a usura e a cobrança de juros. Weber demonstrou que, no decorrer dos anos, Lutero reforçou o tradicionalismo, distanciando-se ainda mais dos impulsos calvinistas em prol do “espírito do capitalismo”. Sua definição de vocação em Lutero, já se avizinhando da influência da ortodoxia, assim foi formulada: “A vocação é aquilo que o ser humano tem de aceitar como desígnio divino, ao qual tem de ‘se dobrar’ – essa nuance eclipsa a outra idéia também presente de que o trabalho profissional seria uma missão, ou melhor, a missão dada por Deus” 3. Mesmo assim, Weber destaca que o luteranismo suplantou os deveres monásticos em favor do exercício da profissão como uma ética intramundana (innerweltlich). Em outras palavras, a vida monástica perdeu espaço e foi superada por esta ética intramundana. Marx já havia formulado algo parecido quando avaliou que a reforma luterana havia suprimido o sacerdote da religiosidade externa em favor de uma religiosidade interna, convertendo os seculares em curas4. 1 2 3 4 Max WEBER, A Ética Protestante, p. 74. Idem, Ibidem, p. 74. Weber caracteriza o “espírito do capitalismo” do século XVI, afim ao calvinismo, com as máximas atribuídas a Benjamim Franklin: tempo é dinheiro, crédito é dinheiro, dinheiro é procriador por natureza e fértil, um bom pagador é senhor da bolsa alheia, etc. Max WEBER, A Ética Protestante, p. 42-44. Idem, p. 77. Ao avaliar a contribuição da Reforma para o atraso da revolução alemã, já que Marx tinha no horizonte os avanços socialistas na França, ele afirmou: Lutero, admitámoslo, venció a la servidumbre por la devoción, porque la substituyó por la servidumbre em la convicción. Quebro la fé em la autoridad porque restableció la autoridade de la fe. Convertió a los curas en seglares, porque convertió a los seglares en curas. Liberó al hombre de la religiosidad externa porque fizo de la religiosidad el hombre interior. Emancipó de las cadenas al corpo porque cargó de cadenas el Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 11
  • 12. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Embora Weber se vale do novo sentido da tradição da palavra Beruf, conforme o deslocamento feito por Lutero do espaço sagrado (Bíblia) para as profissões do mundo secular, poderíamos buscar em outros textos do reformador eclesiástico a compreensão segundo a qual o tradicionalismo se justifica pelo exercício profissão secular como forma de ser prestativo aos outros. Pela profissão secular cada pessoa contribui para a comunidade. Um texto escrito por Lutero à nobreza alemã nos ajuda a confirmar, por outra via, a tese de Weber sobre o tradicionalismo de Lutero: Da mesma forma como aqueles que agora são chamados clérigos ou sacerdotes, bispos ou papas, não são mais dignos ou distintos do que outros cristãos, se não pelo fato de deverem cuidar da palavra de Deus e dos sacramentos – esta é sua a ocupação e seu ofício –, também a autoridade secular tem a espada e o açoite na mão, para com eles punir os maus e proteger os retos. Um sapateiro, um ferreiro, lavrador, cada um tem o ofício e a ocupação próprios de seu trabalho. Mesmo assim todos são ordenados sacerdotes e bispos de igual modo, e cada qual deve ser útil e prestativo aos outros com seu ofício ou ocupação, de forma que múltiplas ocupações estão todas voltadas para uma comunidade, para promover corpo e alma, da mesma forma com que os membros do corpo servem todos um ao outro.5 No capítulo subseqüente, onde são tratados os fundamentos religiosos da ascese intramundana, Weber demonstra que entre Lutero e Calvino há uma outra diferença muito grande. Ao passo que em Lutero as múltiplas profissões confluíam no amor ao próximo, no calvinismo o homem existia para a glória de Deus; logo, o trabalho não se voltava à criatura6. Embora não seja um teólogo, Weber demonstra um conhecimento muito profundo das sutilizes teológicas entre as diversas concepções dos reformadores do século XVI. Além disso, Weber traz exemplos do cotidiano como decorrência das 5 6 12 coración. Pero si el protestantismo no fue la verdadera solución, fue al menos el verdadero planteamento del problema. Karl MARX, Contribución a la crítica de la filosofia del direcho de Hegel, p. 101. Martinho LUTERO, À Nobreza Cristã da Nação Alemã, p. 81. Idem, p. 99. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 13. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 diversas concepções entre os reformadores. Ao apresentar o ditado popular Deus ajuda a quem se ajuda, mostra que isto confrontaria a justificação pela fé dos luteranos ao dogma calvinista. Contudo, o calvinista não poderia ser acusado de ter uma recaída medieval como se estivesse acumulando méritos, mas antes permanecia a alternativa introspectiva: “eleito ou condenado”?7 Outro contraste destacado por Weber mostra que a santificação da vida cotidiana nos marcos do calvinismo levava a um estilo metódico, como numa empresa. ( Weber, 2004, p. 13). Os luteranos, por sua vez, não seguiam por este caminho. “A grassia amissibilis luterana, que a todo instante podia ser recuperada pelo arrependimento, não continha em si, obviamente, nenhum estímulo àquilo que aqui nos importa como produto do protestantismo ascético: uma sistemática conformação racional da vida ética em seu conjunto”8. Em outras palavras, “faltava ao luteranismo, justamente por conta de sua doutrina da graça, o estímulo psicológico para sistematização da conduta de vida, sua racionalização metódica”9. A influência da visão luterana sobre o pietismo em solo alemão também subtrai deste parte dos impulsos para uma afinidade com o “espírito do capitalismo”. Na busca luterana da salvação, a santificação prática não está em evidência. Sob o impacto do perdão dos pecados, o pietismo alemão dá um passo tímido em direção à conformação do “espírito capitalista”, tal como se fez presente no calvinismo10. Portanto, se para Weber a ascese saiu dos mosteiros para a vida cotidiana, imprimindo uma vida metódica afeita ao mundo racional das empresas, da mesma forma ele reconheceu que o “ capitalismo vitorioso, em todo o caso, desde quando se apóia em bases mecânicas, não precisa mais desse arrimo. Também a rósea galhardia de sua risonha herdeira, a Ilustração, parece definitivamente fadada a empalidecer, e 7 8 9 10 Idem, p. 105. Hoennicke, Troeltsch apud Max WEBER, A Ética Protestante, p. 115 e 225-227. Max WEBER, A Ética Protestante, p. 116. Idem, p. 125. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 13
  • 14. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 a idéia do ‘dever profissional’ ronda a nossa vida com um fantasma de crenças religiosas de outrora”11. Por fim, Weber continua sendo uma referência explicativa na atualidade? No que tange à sua análise, há uma pergunta aberta quando se pensa no lugar do luteranismo hoje. Ele continua sendo um caminho do meio entre o tradicional catolicismo medieval e o calvinismo impresso num cotidiano em que a vida metódica dispensa os impulsos religiosos? Independente de uma possível resposta, a vivência da vocação no mundo secular continua uma idéia fora de lugar e um fantasma que não consegue se transformar em corpo. Por quê? Provavelmente, porque a graça não encontra correlato em nossa sociedade urbana, pós-industrial e capitalista, com forte pluralismo religioso. Referências LUTERO, Martinho. À Nobreza Cristã de Nação Alemã, acerca do Melhoramento doEstado Cristão. In: Pelo Evangelho de Cristo. Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia Editora Ltda./ Editora Sinodal, 1984, p. 75-152. MARX, Karl. Contribuición a la crítica de la filosofía del derecho de Hegel (1844). In: ASSMAN, Hugo e MATE, Reyes (ORGs.): Sobre la Religión – Karl Marx-Friedrich Engels. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1979, p. 93-106. WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Edição de Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 11 14 Id., p. 165. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 15. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 A Identidade Batista e o “espírito” da Modernidade Por Mary Rute Gomes Esperandio* Resumo: A partir do estudo de Weber sobre “a ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”, apresento uma reflexão a respeito da construção do ethos batista no Brasil. Interessa-me salientar os elementos mais relevantes na composição da identidade batista, contribuindo, dessa forma, com o trabalho de colocar em evidência a diversidade presente no protestantismo brasileiro. Palavras-chave: Batistas, identidade, ética, produção de subjetividade, Modernidade. Palavras iniciais... Os batistas são ou não protestantes? Ao falar sobre a formação do pensamento batista brasileiro, Azevedo observa que os batistas integram uma denominação1. Entretanto, afirma, também, que “os batistas são protestantes”2. Embora, para a própria denominação batista essa afirmação seja um tanto questionável, “não há como considerá-los exceto como parte deste movimento religioso moderno”3. Qual foi o contexto em que os batistas se estabeleceram no Brasil? Qual sua relação com a Modernidade e o Liberalismo? É possível concordar * 1 2 3 Psicóloga. Doutoranda em Teologia Prática no Instituto Ecumênico de Pós-graduação - Escola Superior de Teologia. São Leopoldo. “A seita do século 17 inglês torna-se a partir do século 19 norte-americano uma denominação, que pode ser caracterizada pela tomada de posse dos valores cristãos como se lhes fossem exclusivos. Assim, no interior do cristianismo, as denominações podem ser vistas como conjuntos de tradições seguidas por igrejas. [...] Os batistas integram uma denominação”. Israel Belo de AZEVEDO. A celebração do indivíduo: A formação do pensamento batista brasileiro. Piracicaba-SP: Unimep. 1996. (p. 18). Op. Cit. p. 23. Idem, p. 23. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 15
  • 16. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 com Weber, reconhecendo os batistas como grupo religioso que integra a ascese protestante que favoreceu o estabelecimento do espírito moderno? Será que a interpretação weberiana acerca dos batistas do século XVI e XVII poderia se aplicar aos batistas brasileiros? Bobsin pontua que “a transposição imediata de categorias sociológicas de Weber ou de outros, e de suas conclusões a respeito do protestantismo do século XVI, da Europa, não facilita a análise sociológica do protestantismo que aqui se configurou”4. As perguntas levantadas serão problematizadas ao longo desse texto. A perspectiva weberiana da ética protestante e o espírito do capitalismo Intrigado pela constatação do “caráter predominantemente protestante5 dos proprietários do capital e empresários, assim como das camadas superiores da mãode-obra qualificada, notadamente do pessoal de mais alta qualificação técnica ou comercial das empresas modernas”, Weber busca compreender as razões para o que ele percebe como sendo “afinidades eletivas” entre o capitalismo e a ética protestante, especificamente em relação à concepção de trabalho como vocação e a ascese intramundana. No esforço de apresentar os elementos que configuram tais afinidades, Weber não apenas define o “ethos protestante” como, também, explicita os pontos nos quais a concepção puritana de vocação profissional e exigência de uma conduta de vida ascética haveriam de influenciar diretamente o desenvolvimento do estilo de vida capitalista. Sobre o Calvinismo, o autor observa que foi a fé em torno da qual se moveram as grandes lutas políticas e culturais dos séculos XVI e XVII nos países capitalistas mais desenvolvidos - os Países Baixos, a Inglaterra, a França. Um dos 4 5 16 Oneide BOBSIN. Protestantismo e transformação social. Estudos Teológicos, 27 (3): 119-137, 1987 (p. 131). Weber identifica quatro elementos constituintes do protestantismo ascético: o calvinismo, o pietismo, o metodismo e as seitas nascidas do movimento anabatista. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 17. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 dogmas do Calvinismo é a predestinação. Essa diz respeito à salvação e ao modo como a mesma é alcançada. Os “predestinados para a salvação” são aqueles aos quais Deus, de antemão, predestinou uns para a salvação, outros para a perdição. Nesse sentido, a salvação não é algo a ser buscada pelo ser humano, uma vez que ela advém da decisão livre de Deus, sem que haja qualquer participação humana nesse processo. É uma decisão divinamente arbitrária. O ser humano é nada. Deus é tudo e é ele quem decide a salvação ou danação do ser humano. O ser humano é, no mundo, apenas uma “ferramenta de Deus”, instrumento de uso divino para aumento de sua glória. Weber pontua que um dos efeitos da crença nesse dogma foi o que ele chama de recusa a uma “cultura dos sentidos”. Uma vez que a salvação é uma decisão divina arbitrária, nenhum esforço humano para alcançá-la deve ter lugar. Nenhum meio mágico, ou qualquer outro meio poderia proporcionar a graça divina àqueles a quem Deus houvesse decidido negá-la. Assim, nenhuma ilusão de sentimento quanto à possibilidade de salvação por um esforço próprio ou por algum meio supersticioso deveria ser fomentada. Isto levou ao isolamento íntimo do ser humano e produziu uma recusa a “cultura dos sentidos”, configurando um individualismo desiludido e de coloração pessimista. Um outro efeito relaciona-se a modelagem de uma vida moralmente regrada, um modo de existência que pudesse “comprovar”, pelas atitudes éticas, a condição de “eleito”. Ao lado do Calvinismo6, em termos de importância por causa dos efeitos que se fizeram produzir em razão de seu desenvolvimento histórico nos séculos XVI e XVII, estão os anabatistas e os batistas. 6 Por questão de espaço e enfoque desse estudo, será deixada de lado a exposição de Weber a respeito do pietismo e metodismo. Contudo, faz-se relevante notar que o Metodismo, além dos elementos que integram o protestantismo com afinidades eletivas com o capitalismo observados por Weber, apresenta, também, e merecendo destaque, outros traços que “atenuam” alguns efeitos daquele capitalismo que já começara a se estabelecer. Bonino chama a atenção para o fato de que a análise de Wesley “da crise social de seu país o leva a ver o desemprego como a raiz da miséria. Por isso desenvolve uma série de projetos destinados a criar fontes de trabalho e inclusive a capacitar as pessoas para melhor se desempenharem nele” (Bonino, 1983, p. 9). Recomendo, para aprofundamento dessa questão, o livro de José Miguez BONINO. Metodismo: releitura latinoamericana. Piracicaba-SP, 1983. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 17
  • 18. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Enquanto que no Calvinismo a fé tinha o sentido de reconhecimento da doutrina da Igreja (sobretudo acerca da predestinação) e também no sentido de obtenção da penitente graça divina, no grupo anabatista e batista ela passa a ter um outro sentido. Nesses grupos, a fé consistia na apropriação interior e individual da obra de redenção, mediante a ação do Espírito Santo. O Espírito Santo funcionava, aqui, como uma potência “atuante na vida diária do crente falando diretamente ao indivíduo que quiser ouvir”7. Assim, o testemunho interior passou a ter significação decisiva da atuação do Espírito na razão e na consciência. Dessa forma, a doutrina da salvação deixou de ser realizada por via eclesiástica, através dos sacramentos por ela ministrados, e provocou assim, o que Weber chama de “desencantamento religioso do mundo”. Ao mesmo tempo, essa prática, caracterizando o distanciamento da Igreja como instituição que ministra salvação, possibilitou a organização de “seitas”. Weber caracteriza como seitas, a “associação voluntária de indivíduos religiosamente qualificados”. Esse distanciamento da disciplina eclesiástica para alcançar a salvação colocou ênfase na apropriação subjetiva da religiosidade ascética por parte de indivíduo, levando-o a uma conduta específica de vida. A adesão às seitas pressupunha uma submissão voluntária motivada pela busca de um “estado de graça”. Esse estado de graça, por sua vez, só pode ser garantido através da “comprovação em uma conduta de tipo específico, inequivocamente distinta do estilo de vida do homem ‘natural’”. Ele não vem por meio mágico-sacramental, nem pela descarga da confissão, nem pela realização de boas obras. De acordo com Weber, para os anabatistas e as seitas daí decorrentes, o estado de graça é comprovado com um estilo de vida que se traduz na conformação racional de toda a existência, orientada pela vontade de Deus. De que modo, então, essa comprovação (em qualquer dos quatro grupos) poderia ser notada? Weber observa que o trabalho profissional bem sucedido veio a 7 18 Max WEBER. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. (p. 133). Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 19. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 se constituir como meio de comprovação do estado de graça. Ao mesmo tempo, entretanto, um cuidado permanente contra a ambição e apego a bens temporais seria necessário, a fim de que tais atitudes não viessem a subverter o coração do ser humano, tornando-o preso aos interesses do mundo, ao invés de buscar as coisas de Deus e daquilo que concerne à vida eterna. Trabalhar para ficar rico, se isto fosse “para Deus” e não simplesmente para fins da concupiscência da carne e do pecado, seria permitido. A riqueza “é reprovável precisamente e somente como tentação de abandonar-se ao ócio, à preguiça e ao pecaminoso gozo da vida [...]. Quando porém ela advém enquanto desempenho do dever vocacional ela não só é moralmente lícita, mas até mesmo um mandamento”8. Em síntese, Weber concluiu que a ascese racional protestante leva os sujeitos a investir apenas naquelas condutas que fossem para a glória de Deus. Todo o tipo de comportamento que não visa a glória de Deus devia ser evitado. Resulta daí, uma poderosa tendência para a uniformização do estilo de vida. Em outras palavras, a construção de uma identidade. O contexto brasileiro e a chegada dos batistas no Brasil A entrada e estabelecimento da denominação batista no Brasil está intimamente ligada com as possibilidades que se lhe abriram, na época, em razão da conjuntura político-ideológica, e também religiosa. Os batistas chegaram no Brasil depois dos presbiterianos, dos congregacionais e dos metodistas. Em 1882, quando oficialmente foi fundada a primeira igreja batista na Bahia, o trabalho batista já contava com pelo menos 20 anos de ação efetiva9. 8 9 Idem. p. 148. Marli G. TEIXEIRA. Valores Morais e Liberalismo no Protestantismo da Bahia no Século XIX. Estudos Teológicos, 27 (3): 269-279, 1987 (p. 269). Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 19
  • 20. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Sobre o contexto da época, é preciso ter em mente que a declaração de independência do Brasil, em 1822, não marca uma rutpura com o país colonizador, nem significa independência de fato. Sem entrar nos pormenores históricos, vale lembrar, pelo menos, três elementos que destacam esse período, como favoráveis ao estabelecimento do protestantismo. São eles: o liberalismo do II Império, a crise do padroado e a liberdade de consciência10. Na opinião de Mendonça, fora deste contexto liberal, dificilmente o protestantismo teria se estabelecido no Brasil11. A historiografia brasileira observa que a elite responsável pela organização do Estado Monárquico Brasileiro tinha como ideário, o liberalismo modelado pelos anglo-saxões. Mendonça pontua que o comércio inglês, a agricultura germânica e, até mesmo uma possível contribuição norte-americana através de imigrantes confederados, constituiram componentes do desejado surto de modernização e progresso. [...] Desejava-se assimilar as idéias e práticas que tinham transformado os anglo-saxões em líderes do mundo. [...] Este ideário e o espaço religioso pelo afastamento entre o Estado monárquico liberal e a Igreja, constituíram fatores muito favoráveis à penetração protestante no Brasil.12 O liberalismo brasileiro, contudo, convivia “com a grande propriedade, com a escravidão, com as eleições censitárias, com o Estado Unitário, com o Senado vitalício e muitas outras instituições compatíveis com seus fundamentos históricos”13. A luta dos liberais, muitos deles pertencentes à Maçonaria, consistia em questões em torno da liberdade. Assim, o catolicismo, antes religião oficial, entrou em conflito com o Império, em razão das divergências no padroado em relação ao poder exercido pela Maçonaria. A solução do conflito veio enfraquecer o Império e 10 11 12 13 20 Esta idéia é desenvolvida por TEIXEIRA. Op. cit. p. 270. Mendonça observa que “ao perdurarem as condições históricas do período colonial e os padrões galicanos da monarquia independente, a presença protestante não passaria de esporádica e circunstancial”. Antonio Gouvêa MENDONÇA. Inserção dos protestantismos e “Questão Religiosa” no Brasil, Século XIX (Reflexões e hipóteses). Estudos Teológicos, 27 (3): 219-237, 1987 (p. 235). A. G. MENDONÇA. Op. cit. p. 230. Marli TEIXEIRA, Op. cit. p. 270. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 21. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 resultou no rompimento do catolicismo como religião oficial14. O protestantismo, com a bandeira de separação entre igreja e estado, trazida dos seus países de origem, servia de modelo ideal quanto ao relacionamento igreja-estado. Eram, desse modo, portadores do ideal liberal da época, e encontraram apoio daqueles que viam na influência da igreja católica sobre o Estado, um entrave para o progresso fundamentado nos ideais de liberdade. Da mesma forma, o sistema educativo do protestantismo15, mais de acordo com esse ideário, volta-se para a ciência e a técnica e marca um diferencial na educação tradicional vigente. Por essa razão, a educação oferecida pelas escolas protestantes alcançou a elite brasileira, embora esta continuasse, em sua maioria, impermeável à mensagem evangélica. Diferentemente do protestantismo de imigração, cujos limites de atuação permanecia no território dos imigrantes que trouxeram sua própria religião, o protestanismo de missão, como é o caso dos batistas, empreendeu esforços para se constituir e estabelecer-se como denominação, aproveitando o contexto favorável da época. Sua teologia conversionista, embora pudesse parecer agressiva a outros grupos e à sociedade em geral, por sua ênfase na liberdade de consciência do indivíduo e na responsabilidade individual perante Deus, talvez justamente por isso, encontrou espaço na sociedade brasileira. Contraditoriamente, são esses mesmos componentes que fazem limites ao seu campo de expansão. O ethos batista brasileiro: suas origens e configuração no Brasil Precisar a origem dos batistas é, segundo Hewitt, uma tarefa um tanto complexa. Isto porque, além de ser um grupo que começou a se espalhar geograficamente desde o início de sua existência, criando ramos independentes, os fundamentos da prática religiosa batista foram sendo constituídos sob a influência de dois grupos distintos: os separatistas do continente europeu e os anabatistas da 14 15 Esse conflito ficou conhecido na história como a “questão religiosa”. A. G. MENDONÇA. Op. cit. p. 231. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 21
  • 22. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Inglaterra, durante a segunda metade do século XVI (embora já houvesse existência de separatistas desde o século XIV)16. Hewitt pontua que “esse aspecto das origens se torna importante em qualquer discussão sobre o posicionamento batista em séculos subsequentes, uma vez que os separatistas e anabatistas possuíam posições teológicas muito diferentes”17, mas é dessa infusão separatista/anabatista que os batistas se formam na Holanda e na Inglaterra. Assim, os grupos batistas estavam sujeitos a três influências teológicas distintas: O Calvinismo, o Arminianismo e o Anabatismo. Os Anabatistas rejeitavam a doutrina da predestinação de Calvino, mas herdaram dele a ênfase na tarefa educacional da igreja para a transmissão das doutrinas, firmadas na “lei da verdade a Bíblia”, bem como a ênfase na disciplina. Os Anabatistas rejeitando o batismo infantil, como contrário às escrituras, acreditavam ser válido somente aquele batismo que se administrava a crentes conscientes. Foi-lhes dado o apelido de Anabatistas, ou seja, os batizados pela segunda vez, porém para eles a denominação era falsa, pois eles não aceitavam o batismo infantil como verdadeiro. [...] Os Anabatistas mantiveram um ideal alto de moral. Com efeito, seu impulso era tanto ético como religioso.18 Do Arminianismo herdou a ênfase na conversão individual, no “ensino de que Cristo morreu por todos os homens, que a salvação se dá somente pela fé, que os que crêem são salvos, que os que rejeitam a graça se perdem, e que Deus não escolhe indivíduos particulares nem para uma coisa nem outra”19. As três influências teológicas que constituíram o grupo batista davam uma grande ênfase ao estudo bíblico, com a intencionalidade clara de descobrir, através de seu estudo, a “verdadeira doutrina”. 16 17 18 19 22 Martin D. HEWITT. Raízes da Tradição Batista. IEPG. 1993. (p. 10). Idem. p. 10. Kenneth Scot LATOURETTE. Historia del Cristianismo. Argentina: Casa Bautista de Publicaciones, 1977. (p. 130). Idem. p. 115. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 23. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Originada, então, inicialmente na Holanda e Inglaterra, a doutrina batista foi levada para os Estados Unidos, em 1631, por um inglês chamado Roger Williams que se exilou por causa de opiniões separatistas e dissensão com a Igreja Anglicana. E, assim, em 1635, foi fundada a primeira Igreja Batista nas Américas. Hewitt afirma que por causa da distância e da situação religiosa na Inglaterra, estas primeiras igrejas batistas começaram a divergir em questões de prática doutrinária. Enquanto os dois grupos de igrejas batistas (geral e particular arminianos e calvinistas) na Inglaterra conseguiram se unir em 1813, formando a ‘General Union’, [...] as igrejas batistas dos Estados Unidos aos poucos iam se dividindo em várias convenções, ficando cada vez mais separadas umas das outras em alguns aspectos de prática e doutrina.20 No Brasil, os batistas chegaram entre 1871-1881, através dos missionários norte-americanos que vieram do Sul dos Estados Unidos21. Os primeiros missionários chegaram em 1881 com a tendência teológica dos “landmarkist”, que enfatizavam a conversão individual e faziam uso de uma hermenêutica fundamentalista22. Teixeira observa a estreita ligação entre as doutrinas batistas e princípios liberais na época de seu estabelecimento no Brasil. Para ela, a prática batista brasileira é “nitidamente norte-americana” e caracteriza-se por ser uma doutrina a-histórica, acultural e sectária23. 20 21 22 23 Martin D. HEWITT. Op. Cit. p. 11. Há algumas divergências a respeito da origem de determinadas características dos batistas brasileiros. José dos Reis Pereira (Breve história dos Batistas. Rio de Janeiro: JUERP, 1979) trata essa questão como se pudesse estabelecer uma linha direta dos batistas de hoje, para os primeiros cristãos do Novo Testamento. Nesse caso, a Igreja Batista seria compreendida não como uma entre outras, mas como A Igreja que porta a verdade divina a ser anunciada ao mundo. Israel Belo de AZEVEDO (Op. Cit.), em contrapartida, apresenta um estudo ligando os princípios de liberdade individual e a separação entre igreja e estado como tendo origem no pensamento liberal inglês. Ele salienta, ainda, que na passagem pelos EUA, ao vir para o Brasil, os batistas reafirmaram o caráter subjetivo da fé, reforçando ainda mais essa ênfase no valor do indivíduo, bem de acordo com o liberalismo brasileiro nascente, da época. Martin D. HEWITT (Op. Cit.), por sua vez, preocupa-se em apresentar as raízes da tradição batista fazendo questão de mencionar que a configuração dos batistas no Brasil traz influências de alguns grupos específicos, como os landmarkists, por exemplo. Idem. p. 20. Marli TEIXEIRA, Op. cit. p. 273-274. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 23
  • 24. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Na tentativa de explicar a razão apontada por Teixeira sobre a prática sectária dos batistas, Hewitt, anteriormente missionário batista britânico no Brasil, acredita que o princípio de “liberdade exige pensamento. A sociedade brasileira na qual a igreja batista se formou era uma sociedade em que o sistema políticoeducacional não encorajava as pessoas a desenvolver o pensamento. [Assim], a Igreja Batista conseguiu entrar no país num período de abertura liberal. Porém o contexto do povo em geral foi hostil aos princípios batistas e, através dos tempos, os tem deformado”24. Contudo, desde Weber, é possível perceber que o modo batista de ser e pensar parece um tanto impermeável às influências da cultura, talvez por efeito da radicalização do seu princípio de separação-diferenciação do mundo. De acordo com a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os princípios batistas são assim resumidos: 1) aceitação das escrituras sagradas como única regra de fé e conduta, 2) O conceito de igreja como uma comunidade local democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas, 3) separação entre igreja e Estado, 4) absoluta liberdade de consciência, 5) responsabilidade individual diante de Deus, e 6) autenticidade e apostolicidade das igrejas25. É importante observar que as cisões nas igrejas batistas, motivadas por divergências de interpretação bíblica, estão presentes desde sua origem e acompanha todo o desenvolvimento de sua história, parecendo representar, desse modo, mais do que um traço que caracteriza esse grupo. A tendência às cisões estabelece-se como elemento que lhe é constitutivo. A “bibliocracia”, aliada ao “livre exame das escrituras”, e a forma de governo não hierarquizada, mas de congregações autônomas, possibilita com relativa facilidade e com grandes prejuízos à denominação, as incontáveis divisões advindas do exercício do livre exame das escrituras. Divisões estas, presentes, desde sempre, em seu processo histórico. 24 25 24 Hewitt. Op. Cit. p. 20. Convenção Batista Brasileira - CBB. Declaração Doutrinária da CBB. Rio de Janeiro: JUERP, 1986 (p. 4). Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 25. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Weber já demonstrou de forma suficiente o quanto o contexto da Modernidade moldou a subjetividade do sujeito identificado com o protestantismo. O novo modo de pensar do Iluminismo, com ênfase na razão, fez-se terreno fértil para a modelização de uma subjetividade que não abdicou da religiosidade. Bastava que esta fosse buscada e sustentada numa racionalidade que desse sentido à existência. O (des)encantamento religioso do mundo transvestiu-se de uma racionalidade que colocou ênfase na apropriação subjetiva e sobretudo, pessoal, da religiosidade ascética intramundana por parte do indivíduo. Na denominação batista, isto se expressa através de uma modelização específica na conduta de vida. A fé - individual, condição para salvação, levou/leva a um estilo de vida que se traduz na conformação racional de toda a existência, orientada pela vontade de Deus. A despeito de parecer uma caricatura, a produção subjetiva que se dá na/pela denominação batista pode ser definida em um ethos bastante particular que se delineia a partir de seus dogmas. A ética batista evidencia-se nas várias faces de seu corpo doutrinário: 1. O biblicismo leva os batistas a pautarem suas decisões e escolhas éticas na Bíblia. A bíblia é o aferidor externo. Tomada como único manual de conduta e fé, o crente batista parece encontrar na bíblia explicações, respostas e justificativas para toda e qualquer situação. O real construído por vontade humana é percebido de forma espiritualizada, como se fosse o espaço de configuração da luta espiritual que se dá no campo do invisível entre as forças do bem e do mal. 2. A ética é de caráter individualista, porquanto nasce da ênfase na decisão (conversão) individual. É do indivíduo a responsabilidade por seu destino. Cada indivíduo, no exercício de sua racionalidade, é livre para decidir sobre sua própria vida à luz das verdades eternas, sem a coação dos princípios disciplinares impostos pelo Estado. Ao Estado cabe lidar com os poderes terrestres/mundanos, enquanto a igreja lida com os poderes celestes/espirituais. Se por um lado, a responsabilidade individual pelas escolhas pessoais é reapropriada pelo sujeito, pois desvincula-a do Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 25
  • 26. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 paternalismo do Estado, por outro lado, o coletivo, representado pela congregação do qual é parte, funciona como confirmação da própria crença pessoal. A comunidade serve como doadora de uma identidade, produtora de um modo singular de ser e pensar. Simultânea e paradoxalmente, a produção de uma identidade permite aos seus integrantes um sentimento de vínculo social, de relações de fraternidade, de potencialidade para a auto-organização e sentido existencial. Contudo, não há mobilização desse coletivo para a construção conjunta de uma realidade social que seja comum a todos. 3. Esta ética individual, sustentada no aferidor externo que é a bíblia, possui também um aferidor interno: a consciência. Esta última é norteada pelo Espírito Santo que habita aquele que aceita, pela fé, a salvação em Cristo. É o Espírito Santo “quem convence o homem do pecado, da justiça e do juízo”. 4. A fé para salvação, é o chão onde a ética se constitui. Ela é condição para a modelização da subjetividade. É possível verificar aquele que tem, ou não, fé, através de, pelo menos, três elementos: 1) pela certeza subjetiva do próprio crente. Esta pode ser adquirida mediante contínuo exercício de submissão da vontade pessoal à vontade divina. A vida passa a ser regida pela busca de submissão à vontade divina em cada detalhe da vida cotidiana, sobretudo, no exercício da vocação profissional; 2) através das obras, pois, “pelos frutos os conhecereis”. Se o indivíduo leva uma vida disciplinada, moralmente regrada, “diferente do mundo”, pois norteia-se pela vontade de Deus, comprovará, por esse comportamento ético que é possuidor da fé para salvação; 3) pela pertença em uma congregação de salvos. A freqüência e pertencimento a uma congregação (na qualidade de membro, pela via do batismo por imersão) faz parte do processo de santificação que tem início na conversão, através da fé em Jesus. As desistências de alguns, no processo de santificação, é explicada com o versículo: “Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco: mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós” (I João 2. 19). 26 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 27. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Concluindo... A denominação batista no Brasil conta, atualmente, com cerca de um milhão de fiéis. Marcada por constantes cisões, encontra dificuldade, hoje, para manter esse mesmo número de membros. Os batistas reconhecem que nas primeiras décadas de sua existência sua mensagem encontrava uma resposta diversa da que encontra hoje na sociedade. De caráter essencialmente identitário, os batistas encontraram eco numa sociedade brasileira com anseios de modernidade e desejo de uma sociedade liberal. A liberdade de consciência, na autonomia do indivíduo em seu poder de decisão sobre seu destino espiritual, na diferenciação e separação do mundo, constituíram-se elementos essenciais na formação da identidade batista. “Naquela época, o povo brasileiro precisava conhecer o Evangelho, hoje reconhecemos que precisamos, não apenas da segurança futura, mas tornar o Evangelho relevante no cotidiano e na vida pessoal. Então, de soteriocêntrica, a nossa compreensão teológica, deve ser teo e cristocêntrica”26. Essa preocupação com a necessidade de mudança, parece restringir-se, talvez, apenas na ênfase. Percebe-se a dificuldade, própria dos batistas, em pensar teologicamente sobre si. A dinâmica da sociedade, hoje, leva à produção de subjetividades mais porosas, abertas, com menos necessidade de certeza quanto a um futuro além da vida, e com maior carência de ferramentas para lidar com o sofrimento cotidiano, imediato, próprio da pós-modernidade. Se em seus primórdios, as pessoas se aproximavam da igreja por acreditar em seus dogmas, aceitando-os como sistemas para uma busca racionalizada da vida, hoje, as pessoas que se aproximam desse grupo, o fazem, muitas vezes, por causa da comunidade em si, da relação fraterna e de apoio mútuo que se estabelece nesse coletivo. Contudo, o que se observa na contemporaneidade, é que a grande maioria das pessoas busca um outro tipo de religiosidade: mais voltado às sensações e 26 http://www.batistas.org/ Acesso em 01.10.04. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 27
  • 28. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 promessas de sucesso e felicidade para o aqui-agora. A racionalidade batista27 levou a construção de uma identidade específica. O uso dessa mesma racionalidade tem servido de critério para ajuizar questões morais e teológicas. O efeito disso, é que o seu uso, de modo sempre radicalizado, engolfa o princípio da liberdade individual, configurando-se, de certo modo, uma tirania da racionalidade. Sem espaço, por um lado, para as emoções e sensações, como parte legítima da experiência religiosa, e por outro lado, com um espaço bastante restrito e restritivo quanto à elaboração da experimentação empírica da fé, abre-se um vácuo nesse modo de religiosidade, permitindo, por essa brecha, a entrada e estabelecimento do modo vivido e divulgado pelo pentecostalismo, movimentos carismáticos, neopentecostalismo, e outras religiões dessa natureza. Esse novo panorama religioso contemporâneo, por si só, coloca em questão o futuro e lugar do tipo de evangelização identitário e da própria denominação batista. 27 28 Tomo aqui como “racionalidade batista” um modo único e homogêneo, sistematizado, de compreender a fé vivida na experiência religiosa. Grosso modo seria, em essência, um modo de pensar “filtrado” pelos princípios doutrinários uma vez erigidos. Uma das conseqüências lógicas dessa racionalidade está na construção de uma identidade específica e com pouca mobilidade, mais rígida e menos aberta à mudanças. Por isso mesmo, o seu caráter “identitário”. As desestabilizações que afetam o caráter identitário e poderiam apontar mudanças são vistas com desconfiança e devem ser logo afastadas. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 29. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Da ética protestante à ética “iurdiana”: O “espírito” do capitalismo Por Mary Rute Gomes Esperandio* Resumo: A reflexão aqui apresentada pretende colocar em questão, a partir do estudo de Weber sobre “a ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”, a concepção de trabalho profissional que vigora na contemporaneidade e sua possível relação com a emergência da Igreja Universal do Reino de Deus. Neste sentido, as idéias de Weber são aqui utilizadas como pano de fundo e ponto de partida que sustenta e inspira o estudo ora desenvolvido. Busca-se, portanto, evidenciar as transformações que vieram se configurando, desde a Modernidade, no que diz respeito à ascese protestante intramundana e a nova concepção de trabalho que emerge dessa última. Seria possível pensar que a ética produ zida pela IURD se delineia como uma radicalização da ética protestante e de seu modo de compreender o trabalho profissional? Palavras-chave: Igreja Universal do Reino de Deus, Capitalismo, ética, subjetividade, trabalho. Duas imagens distintas: Primeira: Entrada de um templo religioso no domingo à noite. Duas pessoas à porta dão boas-vindas aos que chegam para o culto. Todos são identificados: seja pelo próprio nome, reconhecidos como integrantes dessa comunidade de quase 600 pessoas, ou então, como visitantes - estes, em geral, trazidos por algum de seus membros. Segunda: Entrada de outro templo religioso numa segunda-feira. Dois rapazes à porta, vestidos em terno e gravata, recolhem em grandes sacos de plástico, * Psicóloga. Doutoranda em Teologia Prática no Instituto Ecumênico de Pós-graduação - Escola Superior de Teologia. São Leopoldo. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 29
  • 30. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 as rosas secas e/ou murchas trazidas pelas quase 6.000 pessoas que vêm para a reunião. As diferenças, pelo menos as superficiais, saltam à vista de qualquer observador/a. Um século de distância marca o nascimento desses dois grupos religiosos no Brasil: Igreja Batista e Igreja Universal do Reino de Deus. A primeira nasce da matriz do protestantismo inglês, em passagem pelos Estados Unidos da América e trazida para o Brasil por missionários americanos. A segunda, uma expressão religiosa autóctone que alguns autores classificam como neopentecostal. Embora os dois grupos tenham sido colocados lado a lado, compará-los, focalizando diferenças e aproximações, não é objetivo do presente estudo. O que se pretende aqui é refletir sobre a ética que nasce da atitude da prática religiosa e a mutação que acontece na concepção de trabalho e vocação. O esforço de Weber em “a ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo” lançou luzes sobre as implicações e as relações entre a atitude religiosa, trabalho, vocação e capitalismo. As imagens acima descritas representam distintas concepções dos temas referidos. E se a primeira configura um exemplo do que Weber aponta sobre a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo na Modernidade, a segunda, por sua vez, permite-nos levantar algumas questões a partir ainda, desse mesmo estudo de Weber. A análise, portanto, é pontual: focaliza, precisamente, a passagem que se dá na concepção de trabalho e vocação, e a ética que emerge de uma configuração religiosa específica, representada, na Contemporaneidade, pela Igreja Universal do Reino de Deus. Religiosidade e Modernidade: passagens e mutações no campo da Ética e do Trabalho a) Pressupostos básicos 30 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 31. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Weber observa que na Modernidade a ética protestante associa-se (ou apresenta “afinidades eletivas”) ao espírito do capitalismo. Contudo, faz uma ressalva: Se, portanto, para a análise das relações entre a ética do antigo protestantismo e o desenvolvimento do espírito capitalista partimos das criações de Calvino, do calvinismo e das seitas “puritanas”, isso, entretanto não deve ser compreendido como se esperássemos que algum dos fundadores ou representantes dessas comunidades religiosas tivesse como objetivo de seu trabalho na vida, seja em que sentido for, o despertar daquilo que aqui chamamos de “espírito capitalista”1. Weber faz questão de deixar bem claro que os reformadores “não foram fundadores de sociedades de ‘cultura ética’ nem representantes de anseios humanitários por reformas sociais e culturais”. Ao contrário, “a salvação da alma, e somente ela, foi o eixo de sua vida e ação” - as conseqüências advindas daí, foram efeitos de "motivos puramente religiosos”. Afirma ele: “Impossível acreditar que a ambição por bens terrenos, pensada como um fim em si, possa ter tido para algum deles um valor ético”2. Se por um lado, o pressuposto básico da ética protestante assenta-se, segundo Weber, na salvação da alma, o pressuposto básico onde se assenta o espírito do capitalismo, por outro lado, reside na ‘vocação’ de ganhar dinheiro. Weber esclarece que a ambição esteve sempre presente na humanidade, mas na sociedade capitalista essa ambição tomou a forma de ambição pelo lucro. E, se antes do capitalismo, o ganho era buscado em função do ser humano, no capitalismo isso se processa de modo contrário: “o ser humano em função do ganho como finalidade da 1 2 Max WEBER. A ética protestante e o ' espírito'do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004 (p. 81). Idem. p. 81. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 31
  • 32. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 vida, não mais o ganho em função do ser humano como meio destinado a satisfazer suas necessidades materiais”3. E esse é o leitmotiv do capitalismo. b) Passagens e mutações na concepção de Vocação, Trabalho e Lucro A análise weberiana a respeito da ética protestante e sua estreita vinculação ao espírito do capitalismo indica uma opção consciente de seguir uma metodologia que prima pelo viés da “ideologia” e não da superestrutura de situações econômicas ou mesmo das Instituições. Weber ocupa-se em captar um certo “modo de ver” que perpassa e define indivíduos, grupos, a sociedade, a estrutura sócio-econômica. Interessa-lhe “rastrear aqueles estímulos psicológicos criados pela fé religiosa e pela prática de um viver religioso que davam a direção da conduta de vida e mantinham o indivíduo ligado nela”4. Assim, ele observa que foi a partir das idéias de Lutero a respeito de vocação que uma nova concepção de ascese começou a emergir. Consequentemente, os efeitos advindos daí permitiram a formação do que ele veio chamar de “ascese intramundana” - o chão que possibilitou o desenvolvimento do “espírito” do capitalismo. Weber, contudo, faz questão de deixar claro que “não tem cabimento atribuir a Lutero parentesco íntimo com o ‘espírito capitalista’”5. Até porque, segundo Weber, Lutero continuou com uma forma “tradicional” de pensar, podendo mesmo ser considerada ‘retrógada’ de um ponto de vista capitalista. Na perspectiva weberiana, ao redimensionar o conceito de vocação (Beruf), retirando a ascese do mosteiro para uma ascese intramundana, Lutero plantou o gérmem que estabeleceria as bases para uma nova visão do racionalismo. A vocação devia ser exercida nas atividades cotidianas, na posição do indivíduo no mundo, através da sua profissão: “Cada um fique na vocação em que foi chamado”, veio a significar “cada um exerça, através de sua atividade profissional, o trabalho que cabe/deve a cada um”. Neste sentido, a contribuição de Lutero limita-se à 3 4 5 32 Idem. p. 46. Idem. p. 89. Idem. p. 74. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 33. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 racionalização do trabalho. Cabe ao Calvinismo, através do princípio teológico de predestinação, a radicalização do racionalismo iniciado em Lutero. O Calvinismo favoreceu, assim, o desenvolvimento do capitalismo, por esse viés da vocação profissional como meio de alcançar a certeza de ser um eleito da graça divina. No sucesso profissional encontrava-se, ou melhor, criava-se a certeza de ser eleito. Essa passagem em relação ao modo como o ser humano passou a se relacionar com o ganho, com o lucro, marca, ao mesmo tempo, uma mutação na concepção de trabalho. No primeiro caso (o ganho em função do ser humano) o trabalho era tido como meio de satisfação das necessidades básicas. No segundo caso, o ser humano em função do ganho, ele já toma o aspecto do “dever”. “Deve-se” ser um profissional (que gere lucros) dentro do sistema econômico do qual todos fazemos parte. A todos, sem distinção, a Providência divina pôs à disposição uma vocação (calling) que cada qual deverá reconhecer e na qual deverá trabalhar, e essa vocação não é, como no luteranismo, um destino no qual ele deverá se encaixar e com o qual vai ter que se resignar, mas uma ordem dada por Deus ao indivíduo a fim de que seja operante por sua glória. Essa nuance aparentemente sutil teve conseqüências psicológicas de largo alcance, engatando-se aí, a seguir, uma reelaboração daquela interpretação providencialista do cosmos econômico que já era corrente na escolástica.6 Weber, então, conclui que o modo de organização capitalista racional do trabalho “só quem a viu nascer foi a passagem da Idade Média para os tempos modernos”7. Porém, “atualmente a ordem econômica capitalista é um imenso cosmos em que o indivíduo já nasce dentro e que para ele, ao menos enquanto indivíduo, se dá como um fato, uma crosta que ele não pode alterar e dentro do qual tem que viver. Esse cosmos impõe ao indivíduo preso nas redes do mercado, as normas de 6 7 Max WEBER. Op. cit. p. 145. Idem. p. 181. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 33
  • 34. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 ação econômica”8. Neste sentido, o sentimento de “dever-ser profissional” já não se vincula mais a qualquer pressuposto religioso ou de qualquer outra ordem. Antes, ele é tomado como dado, como “natural”. Implicações éticas decorrentes da mutação na concepção de Trabalho Este estudo de Weber permite-nos compreender que o estabelecimento do capitalismo se viabiliza na Modernidade em razão de uma importante mudança que se dá na forma como o ser humano se relaciona com o trabalho. Esta relação com o trabalho é mediada pela prática da religiosidade, sobretudo, pela prática do protestantismo ascético9. Enquanto o catolicismo defendia uma forma mais tradicional de trabalho, qual seja, aquele que acontece no espaço familiar, e poderia ser definido como sendo “da mão à boca”, o protestantismo ascético foi se configurando de modo a conceber o trabalho como “vocação divina”. Weber observa que a ascese lutou ao lado da produção da riqueza privada, mas não como fim em si mesma. A riqueza, como fruto do trabalho em uma profissão seria uma prova da bênção de Deus. Dessa forma aconteceu uma “valorização religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado, sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a um só tempo comprovação o mais segura e visível da regeneração de um ser humano e da autenticidade da sua fé”10. Essa foi a alavanca mais poderosa do que pode ser chamado “espírito do capitalismo”. Ao mesmo tempo, o estrangulamento do consumo ao lado da desobstrução da ambição do lucro 8 9 10 34 Idem. p. 48. Weber afirma: "um dos elementos componentes do espírito capitalista [moderno], e não só deste, mas da própria cultura moderna: a conduta de vida racional fundada na idéia de profissão como vocação nasceu (...) do espírito da ascese cristã" (p. 164). Max WEBER. Op. cit. p. 157. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 35. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 resultou em acumulação de capital mediante coerção ascética à poupança. Isso favoreceu o investimento de capital. O trabalho, concebido, então, como vocação profissional, como meio ótimo para certificar-se do estado de graça, foi o estímulo psicológico para a eficácia do capitalismo. “O trabalho como vocação profissional tornou-se tão característico para o trabalhador moderno, como para o empresário, a correspondente vocação para o lucro”11. Pode-se depreender desse estudo de Weber, que a transformação na forma de conceber o trabalho fez toda a diferença para o estabelecimento do capitalismo. O estilo de vida puritano centrado na idéia de trabalho como vocação, como um modo de agradar a Deus e buscar fazer a sua vontade, mais do que favorecer a acumulação de capital, favoreceu o desenvolvimento de uma vida econômica racional e burguesa, “fez a cama para o homo oeconomicus” moderno12. A busca por comprovação da eleição, ou mesmo da prática de “aumentar a glória de Deus”, “realizar a sua vontade”, pela ética do trabalho, deu lugar a secularidade utilitária, fazendo surgir uma ética profissional burguesa em seu lugar. A ética iurdiana: a radicalização do espírito do capitalismo na Contemporaneidade Para além da contribuição explícita que Weber disponibiliza com seu estudo a respeito da ética protestante e sua relação com espírito do capitalismo, ele nos possibilita perceber a estreita ligação da religião e das idéias religiosas com o contexto sócio-econômico-político e cultural onde as formas religiosas nascem e se estabelecem. Tendo isso em mente, o esforço para compreender a emergência e 11 12 Idem. p. 163. Idem. p. 158. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 35
  • 36. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 estabelecimento do modo de ser iurdiano na contemporaneidade, parecerá um exercício menos complicado - mas nem por isso menos complexo. Montes13 observa que ao longo do século XX, as congregações tradicionais do chamado protestantismo histórico (anglicanos, luteranos, metodistas, presbiterianos, batistas) implantaram-se pacificamente, mas sem um crescimento que pudesse inquietar a igreja católica, sempre maioria no Brasil. Mas após a segunda guerra, com a chegada de um reavivamento espiritual, carismático, o quadro religioso brasileiro começa a se transformar. Nesse período, a Igreja Pentecostal Assembléia de Deus já estava bem estruturada e em amplo crescimento. Mas começa a surgir a partir da década de 1950, o Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, e em 1960, a Igreja Deus é amor. Todas essas igrejas foram conhecidas como igrejas de “cura divina”. Ao final da década de 1970, surge no cenário religioso, a Igreja Universal do Reino de Deus. Ela se estabelece com o discurso da Teologia da Prosperidade, com exorcismos e cura. Para além da “cura divina”, tal como as igrejas pentecostais anteriores, a Teologia da Prosperidade oferece mais do que saúde e bem-estar. Ela promete o sucesso econômico e financeiro. Além disso, sua prática sincrética, abriga crenças diversas, presentes no imaginário religioso popular. Neste sentido, é a IURD que mais desestabiliza não apenas a Igreja Católica, mas o próprio cenário religioso brasileiro. No que se refere ao trabalho como ocupação profissional, a Teologia da Prosperidade dá visibilidade a uma importante mudança que vinha sendo fomentada silenciosamente. Uma mudança que se evidencia em diversos e distintos grupos religiosos: desde o Catolicismo, Protestantismo, Pentecostalismo e mesmo no Espiritismo. 13 36 Maria Lúcia MONTES. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: NOVAIS. Fernando A. e SCHWARCZ, Lilia Moritz (coord. e org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (p. 63-170). Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 37. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 O contexto sócio-econômico-político em que essa teologia emerge é o da migração para as cidades, rebaixamento do salário mínimo, desemprego, produção de grupos sem teto, sem terra, sem trabalho. A migração urbana favoreceu o apego à religião que oferecesse práticas mais conhecidas às praticadas no contexto de origem. “A miséria rural é, por assim dizer, exportada para a cidade - quase 31 milhões entre 1960 e 1980 - pressionou constantemente a base do mercado de trabalho urbano”14. Houve aí, o achatamento do salário mínimo e empobrecimento geral da população. A religiosidade popular - católica - experimentadas nas festas - tinha uma força integrativa do povo brasileiro, tanto em relação às diferenças sociais quanto religiosas. Com a migração urbana, as festas se escasseiam. Além disso, uma parte da igreja católica engaja-se na Teologia da Libertação. Pelo viés da Teologia da Libertação, pode-se pensar que o catolicismo se protestantiza, uma vez que faz apelo à consciência do indivíduo ainda que para engajá-lo na recriação dos rumos da história15. Na visão desse novo catolicismo romanizado e das ‘elites modernizadoras’, era necessário eliminar práticas que fossem consideradas mágicas, não Modernas. Montes observa que a partir do abandono dessa clientela popular, foi que se abriu a brecha para a emergência de outras religiões, “disputando com o catolicismo, mas dentro de seus próprios referenciais”16. Assim, essa nova forma de religiosidade (ou espiritualidade) encontra amplo espaço a ser preenchido. A Teologia da Prosperidade, oferecida por vários grupos que poderiam ser caracterizados como neopentecostais (Sara Nossa Terra, Comunidades, Renascer, entre outros), e também pela IURD, surgem como a resposta mais favorável a uma subjetividade sem esperança no capitalismo tardio. E 14 15 16 João Manuel Cardoso de MELLO e Fernando A. NOVAIS. Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna. In: NOVAIS. Fernando A. e SCHWARCZ, Lilia Moritz (coord. e org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (p. 559-658). p. 620. Maria Lúcia MONTES. Op. cit. p. 118. Idem. p. 116. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 37
  • 38. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 provoca cisões em grupos mais tradicionais, em outros, uma reorientação prática, como no Espiritismo, por exemplo.17 Na Teologia da Prosperidade, todos os fiéis que se convertem, tornam-se “filhos de Deus”. Deus, como criador do universo e dono de todas as coisas e de toda a riqueza do mundo, coloca toda essa riqueza ao dispor de seus filhos - os que o aceitam pela fé. Nesse contexto, a fé toma um novo sentido. Ela já não é mais a fé para salvação, como na versão protestante. Ela é instrumento para tomar posse de bens materiais. Como implicação direta, o trabalho profissional assume outro sentido. De necessário para a manutenção da vida do indivíduo e da coletividade, atravessa a fase em que se constitui como meio para obtenção de lucro, de acúmulo de capital, para chegar aqui, no capitalismo tardio, e confundir-se com a própria vida, esta reduzida, muitas vezes, ao homo-oeconomicus. O tempo de trabalho engolfa toda a subjetividade, estabelecendo-se quase como sinônimo, o Ser com o trabalho profissional exercido, não só pela identidade que se afirma pelo ser-fazer profissional, como também o tempo de trabalho que se estende para a casa, para o tempo de descanso e lazer. Na IURD, o ideal já não é mais ter um trabalho, uma profissão para exercer a vontade de Deus. Mas, sim, ter o próprio negócio. Ser empresário parece ser o caminho ideal para obtenção de lucro. Mas, diferentemente do Calvinismo em que o lucro deveria ser poupado, aqui o lucro é para ser gozado. Ganhar para gastar. Participar da sociedade de consumo que tudo quer possuir. Também Deus é para ser “possuído”. “Se ele é a fonte da bênção, da riqueza, por que buscar bênçãos nessa fonte e não se tornar possuidor da própria fonte”, como pregava o bispo Macedo num de seus programas de rádio? Se no Protestantismo ascético havia uma recusa à divinização da criatura, aqui, este é o ideal a ser buscado. “Eu posso”, “Eu vou conseguir”, “Eu determino a vitória”. Basta exorcisar o mal, tomar posse de Deus e crer na palavra criadora, na 17 38 Como não será possível tratar aqui essa questão, remeto o leitor ao trabalho de Sandra J. Stoll: Espiritismo à brasileira. São Paulo: edusp, 2003. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 39. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 “Confissão Positiva”18 que traz o inexistente à existência. Referindo-se ao Calvinismo, Weber comenta que só quem é eleito possui a verdadeira fides efficax. Os cristãos calvinistas mantinham um diário íntimo no qual anotavam os pecados e os progressos feitos na graça, ou seja, o indivíduo controlava o seu estado de graça, como uma “contabilidade moral”: “a santificação da vida quase chegava assim a assumir um caráter de administração de empresa”19. Essa atitude desenvolveu-se em direção a um controle do próprio comportamento de Deus. Via-se nos mínimos detalhes da vida, a atuação de Deus e podia-se saber porque Deus agia de determinada maneira ou não. É possível encontrar semelhante modo de pensar nas pregações de Edir Macedo. Ele assim afirma: É preciso que cada pessoa avalie a sua vida, examine através dos frutos se está ou não na fé. Reflita: “Será que eu sou de Deus? A minha família está liberta? Meu marido, minha esposa, meu filho estão abençoados? Não me falta nada? Sou uma pessoa tranqüila? Tenho paz, vida e posso falar de Jesus para as outras pessoas?”. [quando a pessoa não alcança essas coisas] o erro não está em Deus e muito menos na Sua Santa Palavra, mas sim na qualidade de crença que se tem n' e em Suas promessas.20 Ele Na IURD o controle sobre o comportamento de Deus é levado ao extremo. Faz-se sacrifícios a Deus com objetivo de controlar sua vontade. “Determina-se” a vontade de Deus. Enquanto no protestantismo ascético, a busca era a supressão da vontade própria para descobrir a vontade de Deus, na IURD a vontade de Deus é realizar os desejos do indivíduo. E a “fé eficaz” é aquela que mostra a prosperidade como prova dela. “Mas, afinal, o que é determinação? A determinação é uma decisão firme, definitiva e irrevogável de um projeto, um objetivo ou um sonho que se persegue até 18 19 20 A Confissão Positiva diz respeito à crença de que ao declarar como realidade aqueles desejos (de riqueza, saúde , poder, etc) que ainda não o são, estes passam a ser reais. Por exemplo, “determinase”, pela palavra, curas físicas, sucesso financeiro, etc. Os porta-vozes dessa teoria são: Kenneth Hagin, E. W. Kenyon, Benny Hinn, Paul Yonggi Cho, entre outros. Max WEBER. Op. cit. p. 113. Sermão do bispo Edir MACEDO: "As razões do fracasso II". http://www.bispomacedo.com.br/ acesso em 22.11.02. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 39
  • 40. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 a sua conquista final. Significa dizer que enquanto a pessoa não realizar aquele sonho ou não tomar posse daquela visão, ela não sossega! A determinação é a mais pura manifestação de fé viva”.21 “Provocações”... O referencial weberiano possibilita muito mais do que aqui está sendo apresentado. Seleciono algumas provocações para fomentar a continuidade da reflexão que não deve se encerrar aqui. 1. A ética protestante engatou-se com o estabelecimento do capitalismo na Modernidade, promovendo a racionalização da vida. Tal racionalidade carregava os traços de uma conduta de vida sóbria, sistemática, de “sujeito culpado”. O trabalho, meio para a realização da vontade de Deus e aumento de sua glória, favoreceu e legitimou a busca do lucro, embora sem o gozo deste lucro. No capitalismo tardio observa-se o nascimento de uma valorização da sensibilidade, das sensações22, dos prazereres diversos, da busca do gozo. O “trabalho ideal” é aquele que oferece maior poder de compra, maior possibilidade de investir no gozo de si. A IURD valoriza a sensação, “autoriza” o uso dos prazeres, minimiza a culpa (os demônios são responsáveis por todo o mal no mundo) e constrói uma racionalidade muito própria do universo iurdiano23, mas que encontra ancoragem social, no âmbito da cultura, das crenças populares, da própria diversidade religiosa, no modo dominante de produção de subjetividade. Além disso, trata-se de uma experimentação religiosa cujo compromisso de fidelidade não é com uma comunidade, mas com a dinâmica 21 22 23 40 Sermão do Bispo Edir MACEDO: "A determinação dos vitoriosos". http://www.bispomacedo.com.br/ - acesso em 22.11.02. Esta é uma tendência que se percebe em várias instâncias. Apenas a título de exemplo, vejamos o que acontece também no domínio da arte: as "instalações" parecem buscar isto - provocar sensações. Através delas, cada sujeito, na sua experimentação individual, constrói um sentido único e particular e se "sente" mais sujeito à medida em que suas sensações são valorizadas no processo de construção de sentido (do mundo, da vida, de si mesmo). Em entrevista com o bispo Marcelo Crivella ele afirmou: "A IURD faz sucesso porque ela trabalha com as emoções". Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 41. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 religiosa. Ao contrário da Modernidade, onde os valores religiosos definiram um novo modo de se relacionar com o trabalho, a IURD evidencia-se como a configuração de uma religiosidade necessária para atender a essa nova relação que se estabeleu com o trabalho, na pós-modernidade. Poderíamos deduzir então, que um dos efeitos dessa nova relação com o trabalho demandou um outro tipo de religiosidade? Nesse novo tipo de religiosidade não há lugar para a pobreza e sofrimento. Estes são considerados inaceitáveis e suas causas devem ser exorcizadas. Estaríamos, então, diante da construção, talvez de uma tendência a uma “nova” forma (comparada às imediatamente anteriores, dentro do universo cristão, evangélico) de experimentação religiosa? 2. Enquanto o Luteranismo distancia-se da possibilidade de favorecer o espírito do capitalismo em função do modo de compreender a fé e também por sua concepção de trabalho, o Calvinismo o favorece pelo efeito produzido pela fides efficax. A IURD dá ênfase a um sujeito que “pode”, que é empoderado através dos seus rituais (experiências de sensação). Ela “educa” o sujeito ensinando-o a colocar a fé em ação24, não para salvação da alma, mas como instrumento para alcançar o sucesso material - que torna-se sinal da bênção divina e prova de uma fé eficaz. Neste sentido, radicaliza-se o efeito psicológico produzido pela concepção de eleição em Calvino. Ao mesmo tempo em que a IURD distancia-se da concepção calvinista da eleição, dele se aproxima em termos da radicalização dos seus efeitos psicológicos configurados na comprovação da bênção divina pela fides efficax. Seria, então, a IURD uma igreja neoprotestante, ao contrário de neopentecostalismo como vários autores a caracterizam? 3. O papel do Espírito Santo perde a centralidade que o mesmo parece ter nos grupos neopentecostais. Na IURD, o Espírito Santo participa como coadjuvante no processo de fortalecimento e empoderamento do indivíduo. A ética do “não mais eu, mas Cristo vive em mim” próprio do protestantismo e do pentecostalismo, deixa 24 "Todos possuem fé, mas é preciso agir a fé" - essa é uma frase recorrente nos sermões dos bispos e pastores. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 41
  • 42. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 lugar, na IURD para a centralidade e o reinado do indivíduo como tal. Seria, então, ela, uma igreja pós-pentecostal? 4. O protesto da IURD distancia-se do protesto dos então chamados “protestantes”. Se o início do que caracterizou o protestantismo se deu em razão da necessidade de proclamar “sola fide, sola gracia, sola scriptura”, esses três princípios adquirem um sentido bastante diverso na IURD. A fé é condição para o sucesso material nesse mundo, a graça de Cristo não é suficiente - os sacrifícios (feitos em dinheiro) são necessários/devidos e a escritura é usada de forma muito seletiva para provar as idéias a respeito da fé e da insuficiência da graça. Essas considerações parecem antagônicas à possibilidade de considerar a IURD como neoprotestante. E embora o slogan “Jesus Cristo é o Senhor” esteja presente nos templos, e os exorcismos e as vitórias sejam “determinados” “em nome de Jesus”, o sacrifício de Cristo, por si só, não é suficiente para uma vida próspera. Neste sentido, não estaria sendo o nome de Jesus utilizado apenas como um fetiche? Além disso, a máxima ético-existencial de Jesus era o amor - noção rara na estilística iurdiana. Seria então, a IURD, uma igreja pós-cristã? 5. A IURD, com seu discurso bem engatado às demandas do sujeito contemporâneo, dá ênfase menos à salvação da alma e na vida em um outro mundo, e mais à incrementação de uma técnica para trabalhar com os sofrimentos próprios da contemporaneidade (depressão, ansiedade, problemas familiares, emocionais, financeiros, etc.). Ela utiliza-se de passagens bíblicas selecionadas para legitimar sua tecnologia que molda a subjetividade visando o bem-estar do sujeito (de olho nesta vida). Não há dúvida de que, para milhares de pessoas, a técnica iurdiana para lidar com o sofrimento promove melhor qualidade de vida, sobretudo, porque ela trabalha diretamente com a promoção da auto-estima. Seus locais de reunião distanciam-se da forma de templo religioso, e exibem a chamada “Centro de Ajuda Espiritual”, ou, em outros lugares: “Centro de Ajuda Coletiva”. Estaria, então a IURD, mais próxima de uma “agência coletiva de auto-ajuda”, uma espécie de terapia alternativa que utiliza42 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 43. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 se de elementos mágico-religiosos no processo de “cura”, e mais distante do que o senso comum costuma chamar de igreja? Para terminar... Bobsin observa que “o próprio desenvolvimento econômico do capitalismo prescindiu da religião por mais afinidade que pudesse ter havido em alguns momentos. [...] Parece que o protestantismo brasileiro, com alguns momentos de exceção, não foi além da legitimação da ordem constituída. Mesmo o pentecostalismo [...] não foi além da legitimação”25. Já com a IURD, poderíamos afirmar que esta lógica se reverte. É ela quem ganha legitimidade do capitalismo. Se no contexto de seu estabelecimento, o capitalismo se beneficiou dos efeitos dos valores religiosos ancorados na vida além desta, fazendo com que os sujeitos trabalhassem visando o lucro sem usufruir do mesmo, o Capitalismo tardio, na pós modernidade, imprime um modo de subjetivação que não apenas faz o sujeito trabalhar pelo lucro (ainda que o lucro não seja em benefício próprio diretamente), mas o faz desejar usufruir desse lucro (consumismo). Neste sentido, a IURD se estabelece justamente por atender as necessidades religiosas produzidas na pós modernidade: ambição de riqueza; desejo de consumo; evitação de todo e qualquer tipo de sofrimento. Capitalismo e IURD reforçam-se mutuamente. Sincrética, híbrida e ao mesmo tempo antropofágica, ela funciona também como apoiadora do self num tempo em que o modo de existência narcísico, próprio da contemporaneidade demanda essa forma de religiosidade. Retomando as imagens descritas no início desse trabalho, não é sem razão que a segunda acolhe maior número de pessoas, e na mistura de tradicional e moderno, sensação e racionalidade, identidade e subjetividade, é ela quem parece atender com mais acerto a determinadas demandas nascidas da nova concepção de 25 Oneide BOBSIN, Protestantismo e transformação social. Estudos Teológicos. São Leopoldo. EST, 27 (3) p.132, 1987. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 43
  • 44. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 trabalho do capitalismo da pós-modernidade. O protestantismo forjou uma nova ética com um pé num mundo para além deste. A IURD fortalece e engancha-se na ética mundana, já sem necessidade de ascese. Sua motivação ética está no aqui-agora, e na oferta de uma técnica para lidar com o sofrimento produzido pelo mesmo capitalismo. É grande o número de pessoas que busca uma religiosidade que ofereça sensações - sobretudo, sensações de bem-estar, ainda que se tenha de pagar um alto preço por elas. 44 Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp
  • 45. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 Weber, la ética pentecostal y el espíritu neoliberal entre los pobres Por Pedro Acosta Leyva* Resumen: El presente artículo plantea un entendimiento de la dinámica neoliberal entre los pobres, que se concentran en la iglesia pentecostal, a través del paradigma weberiano. En el mismo, se identifican las categorías del ascetismo y la vocación como aspectos constituyentes de la ética pentecostal. Estas dos categorías son el presupuesto para el emprendimiento y la adecuación del neoliberalismo entre los pentecostales. Palabras claves: Weber, pentecostal, neoliberalismo. Con este artículo me lanzo en un vacío lleno de mi mismo. Un vacío porque fui educado en Cuba, donde Max Weber queda relegado y subordinado al raciocinio vulgar marxista, que considera la ética y a las demás producciones simbólicas como decurrentes de la base económica. Cualquier cubano, a priori, lo resumiría en una frase “las relaciones de producción obligan a formular una ética coherente con el sistema donde se desarrollan”. Ya Max Weber realiza un camino deferente, al decir: Cada tentativa de explicação deve, reconhecendo a importância fundamental do fator económico, levar em consideração, acima de tudo, as condições económicas. Mas, ao mesmo tempo, não se deve deixar de considerar a correlação oposta. E isso porque o * Pedro Acosta Leyva, es teólogo afrodescendiente cubano. Obtuvo la licenciatura en sagrada teología en el Seminario Evangélico de Teología de Matanzas/Cuba y el grado de Mestre em Teologia en el Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG) en São Leopoldo/Brasil. Es miembro del grupo Identidade! y actualmente realiza el doctorado en el IEPG. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 45
  • 46. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408 desenvolvimento do racionalismo económico é parcialmente dependente da técnica e do direito racionais, mas é ao mesmo tempo determinado pela habilidade e disposição do homem em adotar certos tipos de conduta racional prática. Quando tais tipos de conduta têm sido obstruídos por obstáculos espirituais, o desenvolvimento da conduta económica racional encontrou também pesada resistência interna. As forças mágicas e religiosas e as ideias éticas de dever nelas baseadas têm estado sempre, no passado, entre as mais importantes influências formativas da conduta. Nos estudos aqui cole-tados nos ocuparemos de tais forças.1 En esta formulación Weber no se detiene a preguntar ¿es primero? la ética que prepara psicológicamente para la acumulación del capital, o, es la acumulación del capital que elabora una ética como instrumento psicológico para expresar su existencia. Él asume la viabilidad del multilateralismo, para explicar la realidad histórica-social, que no parte de un único aspecto, sino que se articula en una diversidad de elementos culturales y económicos. Entre los elementos culturales que configuran la manera occidental del capitalismo, Weber, se percató que la ética protestante era un factor de marcada relevancia en la orientación de la conducta que lleva implícito el espíritu del capitalismo. Ésta ética protestante es el principal incentivo del capitalismo, cuyo distintivo se resume en la organización racional del capital y del trabajo2. Weber al ir en busca de las doctrinas y presupuestos teológicos que sustenta la ética protestante señala el ascetismo y la vocación, especialmente, predicada por los calvinistas, metodistas, bautistas y puritanos como la base determinante para la conducta vigente en el capitalismo moderno occidental. El ascetismo, otrora monacal y lejos del mundo, ahora estipula un vivir dentro de la sociedad mundana, pero con un comportamiento de rechazo a los placeres del mundo. En la práctica esto significa repudiar el lujo, trabajar honestamente y cualquier obtención de riqueza no deber ser tomada como un fin en sí mismo, sino un motivo para la gloria de Dios. En ese sentido, la conducta ascética, según el 1 2 46 Max WEBER. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p.32. Max WEBER. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p.124. Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp