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459Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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ADORNO, SEMIFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO
WOLFGANG LEO MAAR*
Que importa (...) a linha do horizonte? – O que eu vejo é
o beco. (Manuel Bandeira, 1974, p. 228)
Quem quiser (...) a verdade da vida (...) tem que investi-
gar sua configuração alienada. (Adorno, 1993, p. 7)
Abre-te, Sésamo, quero sair! (Stanislaw Lec, apud Adorno,
1999, p. 109)
RESUMO: Semiformação (Halbbildung) é a determinação social da
formação na sociedade contemporânea capitalista. Na perspectiva
de Adorno, a sociedade deve ser apreendida em seu processo de re-
produção material como reificação, mediação socialmente invertida.
Cabe à teoria ir além do momento subjetivo da coisificação, ao de-
cifrar as determinações objetivas da subjetividade. Não basta só re-
velar o sujeito por trás da reificação: ele é também socialmente de-
terminado na adequação ao vigente, como sujeito que se sujeita e não
experiencia as contradições sociais da produção efetiva da socieda-
de, ocultas ideologicamente na ordem social imposta pela indústria
cultural. A educação não é idealista, para a emancipação, mas
dialeticamente baseada na crítica à semiformação real e se orienta por
possibilidades presentes, embora não concretizadas, na experiência
das contradições da formação social efetiva.
Palavras-chave: Adorno. Formação (Bildung). Indústria cultural.
Dialética materialista. Fetichismo.
ADORNO, SEMI-FORMATION AND EDUCATION
ABSTRACT: Semi-formation (Halbbildung) is the social determination
of formation in the contemporary capitalist society. In Adorno’s
views, society, in its reproduction process, is to be apprehended as
* Professor Adjunto do Departamento de Filosofia e Metodologia da Ciência da Universi-
dade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: wmaar@power.ufscar.br
460 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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reificated, as a socially inverted mediation. Theory has to go beyond
the subjective moment of reification, and unravel the objective
determinations of subjectivity. Showing the subject behind reification
does not suffice since it is also socially determined in accordance with
the existing society, as a subject that subjects itself and does not
experience the contradictions of the effective production of society,
ideologically concealed in the social order imposed by the culture
industry. Education is not idealistically aimed at emancipation, but
dialectically based on the critique of real semi-formation, and oriented
by possibilities that are present, although not effective, in the
experience of the contradictions of the effective social production.
Key words: Adorno. Formation (Bildung). Culture industry. Materialistic
dialectics. Fetichism.
1. A nova perspectiva da tendência à totalização social integradora
semiformação (Halbbildung) faz parte do âmbito da reprodução
da vida sob o monopólio da “cultura de massas”. A alteração de
“cultura de massas” para indústria cultural explica-se justamente
pela preocupação de Adorno e Horkheimer com o essencial em sua
perspectiva: apreender a tendência à determinação total da vida em
todas as suas dimensões pela formação social capitalista, a subsunção real
da sociedade ao capital (Marx, 1969, p. 49).
Cultura de “massas” parece indicar uma cultura solicitada pelas
“massas”, como se fossem “sujeito” pressuposto acriticamente, fora do
alcance da totalização. Já o termo indústria cultural ressalta o
“mecanismo” pelo qual a sociedade como um todo seria “construída”
sob a égide do capital, reforçando o vigente (ver Maar, 2000). Os
autores pensaram, nos termos da produção pela indústria capitalista,
na construção da sociedade como sendo cópia feita na medida em que
a sociedade é cultural, ordena e organiza o que seria natural. No
ensaio Superstição de segunda mão, Adorno resume de modo exemplar:
“(...) a indústria cultural como um todo (...) duplica na consciência
dos homens o que existe.” (Adorno, 1979, p. 175). Mas cumpre
lembrar que “consciência” é “ser consciente”, reflexão da determinação
do ser que é a existência, e não uma “existência espiritual” contraposta
dualisticamente à matéria “inconsciente”.
O momento subjetivo deste social presente como cópia, como
objetificação coisificada, seria decifrado na Dialética do esclarecimento
como semiformação. A “cultura, tomada pelo lado de sua apreensão
subjetiva, é a formação” (idem, ibid., p. 94). Nessa apreensão
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subjetiva do enfoque de “cultura”, apreendida nos termos da
indústria cultural que copia a sociedade em estrita continuidade de
sua vigência, a “consciência” como “semiformação” corresponde à
continuidade social, com uma cultura “afirmativa” (Marcuse, 1997,
p. 89). As “massas” são semiformadas afirmativamente para confir-
mar a reprodução continuada do vigente como cópia pela indústria
cultural.
Além do já exposto, é importante frisar a gênese conceitual
de “indústria cultural” a partir de “cultura de massas” também para
atentar à sociedade de massas. Ela caracteriza a novidade da formação
social instalada em sua plenitude até meados do século XX no
âmbito das relações sociais capitalistas, contexto em que a questão
do sujeito exige perspectivas de apreensão próprias. Este era
justamente o desafio a que se propôs o Instituto de Pesquisa Social,
cujo leitmotiv eram as dificuldades em face da integração social de
quem havia sido tomado como sujeito da revolução, a classe
trabalhadora. A semiformação está em estreita relação seja com a
razão instrumental (Horkheimer, 1976) seja com a função social da
tecnologia (Marcuse, 1998, p. 71).
A sociedade de massas – talvez fosse melhor “sociedade
massificada” – seria a forma social vigente assumida pela formação
social em seu processo de reprodução na subsunção real e totalizan-
te ao capital. Nessa subsunção se embaralha a contraditória
estrutura da sociedade de classes, confundindo sua aparente nitidez
objetiva e promovendo uma conciliação. “Toda sociedade ainda é de
classes”, diria Adorno no ensaio Sociedade; mas “subjetivamente
encoberta, a diferença de classes cresce objetivamente” (Adorno,
1979, p. 15). A perspectiva dos interesses de classe ficaria prejudi-
cada. Ante a ineficácia da ancoragem empírica dos interesses de
classe, obnubilados na sociedade vigente, poder-se-ia enquadrá-los
como construção ideal, elaborando culturalmente a situação de
inserção objetiva no processo produtivo. Em George Lukács, a classe
é a “classe da ‘consciência de classe’”, construção “adjudicada” nos
interesses de classe ideais (Lukács, 1974, p. 24). Consciência de
classe e cultura são vistos como emancipadores.
Deste prisma se distingue o foco da Teoria Crítica, em especial
a perspectiva de Adorno (ver Maar, 2002), que não se baseia em uma
idealização a ser realizada, mas se apóia na decifração crítica do
presente já realizado e se realizando, no processo de reprodução
apreendido como construção material-histórica determinada em sua
462 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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forma social, num contexto de continuidade. A cultura tematizada no
presente já não seria apreendida como ideal emancipadora, mas real
conservadora ou “afirmativa”. Como resultado, legitimaria a sociedade
imperante, que reconstrói como “cópia” ordenada de modo estrita-
mente afirmativo.
A teoria emancipadora da consciência de classe proletária,
construção ideal-típica a orientar a intervenção social rumo à
libertação do modo de reprodução vigente, seria substituída pela
teoria crítica da semiformação da classe burguesa vigente, decifrada em
sua forma social determinada, entre outras, como ordenamento de
adequação, de sujeição aos termos existentes da reprodução social. A
realidade aparente (“o todo é o falso” em sua determinação social),
mas produzida: é por este prisma, em que se decifram seus momentos
constituintes, que se estabelece o único acesso à essência (reflexão que
distingue o “verdadeiro”). “Não é o bem, mas o mal, que é objeto da
teoria. Ela já pressupõe a reprodução da vida nas formas determinadas
em cada caso. Seu elemento é a liberdade, seu tema a opressão”
(Adorno & Horkheimer, 1985, p. 204).
2. Semiformação e indústria cultural
Na Dialética do esclarecimento estão as primeiras referências à
semiformação, ou “semicultura” em seu sentido formativo. Quais são
as condições da reprodução da vida dos homens sob as relações de
produção dominantes na formação social caracterizada como sociedade
de massas? No segmento “A indústria cultural: o esclarecimento como
logro das massas”, a questão seria referida à semiformação como uma
determinada forma social da subjetividade socialmente imposta por um
determinado modo de produção em todos os planos da vida, seja na
produção, seja fora dela. Nesta medida, por exemplo, o chamado
“direito à preguiça” de Lafargue já atentaria à semiformação dos
homens, voluntariamente mantidos dominados pela ordem do
trabalho mesmo quando não trabalham. Na citação a seguir, embora
a referência conceitual da semiformação, em seu nexo fundamental
com a indústria cultural, esteja presente, o termo propriamente dito
ainda não aparece.
(...) as pessoas devem [o verbo no original é sollen] se orientar por essa uni-
dade que caracteriza a produção. A função que o esquematismo kantiano
ainda atribuía ao sujeito (...) é tomada ao sujeito pela indústria. O esquema-
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tismo é o primeiro passo prestado por ela ao cliente. (...) Muito embora o
planejamento do mecanismo pelos organizadores dos dados, isto é, pela in-
dústria cultural, seja imposto a esta pelo peso da sociedade que apesar de
toda racionalização permanece irracional, essa tendência fatal é transformada
em sua passagem pelas agências do capital de modo a aparecer como o sábio
desígnio dessas agências. Para o consumidor não há nada mais a classificar
que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção. (...) todos os
detalhes, clichês prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e
completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema.
Confirmá-lo, compondo-o, eis aí sua razão de ser. O mundo inteiro é força-
do a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do especta-
dor de cinema que percebe a rua como um prolongamento do filme que aca-
bou de ver, porque este pretende reproduzir rigorosamente o mundo da per-
cepção cotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfei-
ção com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna
hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptu-
ra do mundo que se descobre no filme. (Idem, ibid., p. 117-118)
O mundo, que permanece irracional, seria reconstruído como
racionalização, num esquematismo planejado que substitui o que
seria a experiência do consumidor, antecipando-a sob os desígnios
do capital, resultando na ilusão de que o mundo exterior seria o
prolongamento da produção nos termos da indústria cultural. No
mundo reconstruído o sujeito semiformado toma-se como sujeito
do mundo que meramente reproduz. Para ele a construção parece
“natural”, mas é uma “segunda” natureza. No verbete “Para uma
crítica da filosofia da história”, a questão retorna: “(...) a dominação
conseqüente da natureza se impõe de uma maneira cada vez mais
decidida e passa a integrar toda a interioridade humana” (idem,
ibid., p. 208).
O termo semiformação surge na Dialética do esclarecimento
citado em “Elementos do anti-semitismo”:
Para ele [o homem semiformado] todas as palavras se convertem num siste-
ma alucinatório, na tentativa de tomar posse pelo espírito de tudo aquilo que
sua experiência não alcança, de dar arbitrariamente um sentido ao mundo
que torna o homem sem sentido, mas ao mesmo tempo se transformam tam-
bém na tentativa de difamar o espírito e a experiência de que está excluído,
e de imputar-lhes a culpa, que, na verdade, é da sociedade que o exclui do
espírito e da experiência. Uma semicultura [ou semiformação] que por opo-
sição à simples incultura [ou ausência de formação] hipostasia o saber limi-
tado como verdade, não pode mais suportar a ruptura entre o interior e o ex-
terior, o destino individual e a lei social, a manifestação e a essência. Essa dor
encerra, é claro, um elemento de verdade em comparação com a simples
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aceitação da realidade dada (...). Contudo a semicultura, em seu modo, re-
corre estereotipadamente à fórmula que lhe convém melhor em cada caso,
ora para justificar a desgraça, ora para profetizar a catástrofe disfarçada, às
vezes, de regeneração. (...) Os sistemas obscuros realizam hoje o que o mito
do diabo da religião oficial realizava na Idade Média: a atribuição arbitrá-
ria de um sentido à realidade exterior. (...) a real emancipação dos homens
não ocorreu ao mesmo tempo que o esclarecimento do espírito (...) quanto
mais a realidade social se afasta da consciência cultivada, tanto mais esta se
via submetida a um processo de reificação. A cultura converteu-se total-
mente numa mercadoria. O pensamento perde o fôlego e limita-se à apre-
ensão do fatual isolado (...) o pensamento reduzido ao saber é neutraliza-
do e mobilizado para a simples qualificação nos mercados de trabalho es-
pecíficos e para aumentar o valor mercantil das pessoas. Assim naufraga a
auto-reflexão do espírito que se opõe à paranóia. Finalmente, sob as con-
dições do capitalismo tardio, a semicultura converteu-se no espírito
objetivo. (Idem, ibid., p. 182-184)
Note-se aqui que na apreensão do espírito na formação social
o ponto de partida é o próprio processo de reprodução presente,
apreendido pelos sujeitos nele (semi)formados como resultado a ser
beneficiado. Esta é uma perspectiva materialista contraposta ao
idealismo, que consagra um espírito como uma realidade ideal a ser
efetivada no presente.
Mas o processo de reprodução é um ponto de partida em que ocorre
uma inversão. A indústria cultural, “círculo de manipulação e
necessidades retroativas” (idem, ibid., p. 114), é “integração
voluntária, pelo alto, de seus consumidores” (Adorno, 1973, p. 60),
integração de quem “objetiva” por parte da objetivação. Como tal, “é
decisiva para o espírito hoje predominante” (idem, ibid., p. 64), pois
é fator que “duplica na consciência dos homens o que existe” (idem,
1979, p. 175), formando a consciência ao confirmar o mundo na
ordem estabelecida. Por isso, em Crítica cultural e sociedade, de 1949,
Adorno diria que a ideologia agora é “a própria sociedade” (idem,
1977, p. 26) e falso não se refere ao ideológico, mas a que a “cópia”
da sociedade se imponha como sendo a efetiva. O “todo” é o falso,
em sua ordem determinada. O “espírito” assim construído volta-se
contra o espírito – “a semiformação hipostasia o saber limitado como
verdade” (Adorno & Horkheimer, 1985, p 182), produzindo a
“consciência” correspondente.
Não só se parte do presente a ser decifrado como mediação,
como efeito, mas nesta construção se revela uma inversão, uma sujeição
que é o sujeito (Maar, 2001), que também é socialmente determinado.
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A “finalidade que cabe” aos sujeitos é serem sujeitos da reprodução
de um mundo em que sua condição é de sujeitos sujeitados. Os
sujeitos produzem sua sujeição no tempo, como semiformação. Na
“mentalidade do ticket”, a “perda da experiência acaba por transformar
os adeptos do ticket progressistas em inimigos da diferença”. Por seu
turno, “o conteúdo do ticket fascista é tão vazio que só pode ser
mantido (...)” (Adorno, 1985, p. 193).
“O esquema da cultura de massas”, capítulo da primeira versão
da Dialética do esclarecimento posteriormente retirado, esclarece essa
perspectiva:
Os homens dão seu assentimento à cultura de massas porque sabem que aqui
aprenderão os hábitos (“mores”) de que precisam na vida monopolizada
como passaporte [aqui se formam os sujeitos sujeitados]. Este só é válido
quando pago com sangue, com a total cessão da vida, com a obediência su-
balterna face à odiosa imposição. Por isto, e não pela estultificação das mas-
sas que os inimigos destas produzem e os amigos lamentam, a cultura de
massas é tão irresistível. (Adorno, 1984, p. 331)
Os “homens” aderem pelos efeitos desta adesão: na sociedade
que se reproduz destacam-se os que aderiram. O preço da adesão – a
sujeição e a conseqüente regressão subjetiva à semiformação – revela-
se uma determinação social auto-imposta pelos homens. Também na
Minima moralia Adorno trata do tema:
Os discursos habituais sobre a “mecanização” do homem são enganosos, por-
que o concebem como algo estático, que por “influências” de fora, através de
uma adaptação a condições de produção a ele exteriores, sofre certas defor-
mações. Mas não existe substrato algum dessas “deformações”, nenhuma
interioridade ôntica sobre a qual mecanismos atuariam de fora apenas: a de-
formação não é nenhuma doença do homem, e sim uma doença da socieda-
de (...). É quando o processo que se inicia com a transformação da força de
trabalho em mercadoria permeia todos os homens – transformando em
objetos e tornando a priori comensuráveis cada um de seus impulsos, como
uma variante da relação de troca – que se torna possível à vida reproduzir-se
segundo as relações de produção imperantes. (Adorno, 1993, p. 201)
Nesta perspectiva, os homens permanecem sujeitos da repro-
dução da vida, e por isso são responsabilizados. A efetiva subjetividade
na e da sujeição – a sobrevivência do sujeito “exige frieza, o princípio
básico da subjetividade burguesa” (idem, 1990, p. 356), calculada
como tempo de trabalho abstrato no modo de produção imperante –
está na seqüência de “O esquema da cultura de massas”:
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Mediante a regressão se ratifica a recusa da resistência. As massas tiram as
conseqüências da completa impotência social frente ao monopólio, em que
hoje em dia se traduz a progressão da miséria. Na adequação às forças pro-
dutivas técnicas, que o sistema lhes impõe como progresso, os homens se
convertem em objetos que se deixam manipular sem resistir, e deste modo
regridem para aquém do potencial das forças produtivas técnicas. Mas
como, enquanto sujeitos, permanecem sendo eles próprios os limites da
reificação, a cultura de massas precisa continuamente, em uma má infini-
tude, apossar-se de novo dos mesmos: o desesperançado esforço de sua repe-
tição constitui o único vestígio da esperança de que a repetição é inútil, de
que os homens [no sentido em que produzem sua própria conversão em
objetos] afinal não podem ser apropriados. (Idem, 1984, p. 331)
A “vontade” seria apreendida também no contexto da sujeição
na formação socialmente determinada. Em uma carta de 1935 a
Walter Benjamin, Adorno insistira:
o fetichismo da mercadoria não é um fato da consciência mas é dialético, (...)
produz consciência. Isto significa que a consciência não pode simplesmente
descrevê-lo (...), mas responde ao mesmo em pé de igualdade, com vontade
e temor. (Idem, 1980, p. 111; grifos meus)
Não basta apenas referir-se ao momento subjetivo ou social
presente na sociedade objetivada; além disso, esse momento precisa
ser decifrado em seus próprios momentos, também socialmente
determinados. De um lado, os homens determinados como não
podendo ser apropriados, na qualidade de sujeitos; do outro, os
homens em sua determinação social de manipulados como objetos,
pela constituição de novas necessidades que são retroativas, isto é,
formadoras de subjetividade. Este esquema apareceria agora como
reificação a ser decifrada (Abre-te, Sésamo, quero sair! – Stanislaw
Lec, apud Adorno, 1999, p. 109), num uso específico do conceito
por Adorno e que representa a chave para decifrar sua teoria da
semiformação.
O nexo entre sujeição e sujeito constitui o que poderíamos
chamar a contradição em processo a ser decifrada em sua dialética,
parafraseando famosa passagem dos Grundrisse de Karl Marx:
O capital é ele próprio a contradição em processo (porque) impõe a redução
do tempo de trabalho a um mínimo, enquanto por outro lado dispõe o tem-
po de trabalho como única medida e fonte de riqueza. (...) De um lado, por-
tanto, convoca à vida todos os poderes da ciência e da natureza, bem como
da combinação social e da comunicação social, para tornar a produção da ri-
467Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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queza (relativamente) independente do tempo de trabalho aplicado. Por ou-
tro lado, quer medir pelo tempo de trabalho as enormes forças sociais assim
geradas, para assim contê-las nos limites que se impõem para conservar como
valor o valor já criado. As forças produtivas e as relações de produção –
ambas lados diferentes do desenvolvimento do indivíduo social – aparecem
ao capital apenas como meios e são apenas meios para ele produzir a partir
de sua base limitada. In fact, contudo, constituem as condições materiais
para explodi-la [a base limitada do capital]. (Marx, s/d., p. 593-594)
A semiformação seria a forma social da subjetividade determi-
nada nos termos do capital. É meio para o capital, e simultanea-
mente, como expressão de uma contradição, sujeito gerador e
transformador do capital. Adorno, ao contrário do resignado
pessimismo equivocadamente associado com sua obra, apresenta
uma alternativa prática real para a tendência à totalização social
dominante, ao revelar a construção objetiva da formação social
presente. Assim, em oposição à fatal “gaiola de ferro” de Max Weber,
o viés idealista-ético, que impõe ao indivíduo “uma ordem de coisas
inalterável na qual deve viver” (Weber, 1967, p. 34), seria substi-
tuído pela perspectiva materialista-dialética de Adorno. Nesta, o
que parece ética formal ou cálculo racional se decifra como
semiformação pela indústria cultural, que obstrui numa forma social
determinada a contradição material presente em sua determinação
social.
3. A Teoria da Semiformação e o fetichismo da mercadoria
É preciso decifrar a cultura e a formação no presente em seus
momentos constitutivos, pelos seus efeitos, e não interpretá-las à luz
de uma explicação idealista, pressuposta nos termos da própria
semiformação. Em sua Teoria da Semiformação, de 1959, Adorno
explicita:
No clima da semiformação os momentos da formação que são reificados ao
modo das mercadorias perduram à custa de seu conteúdo de verdade e de
sua relação viva com sujeitos vivos. Isso corresponderia à sua definição.
(Adorno, 1979, p. 103; grifos meus)
Nesta medida se introduz a questão da semiformação. Mas a
função social objetiva, o tema central, só se explicita na medida em
que se desenvolve a perspectiva da sua apreensão em uma dupla
reflexão, conforme a apreensão adorniana do fetichismo.
468 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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A semiformação “não pode ser explicada a partir de si mesma,
porque constitui resultado de um processo de dominação sistemática
por mecanismos das relações político-econômicas dominantes”
(Schmied-Kowarzik, 1983, p. 114). Não basta permanecer no
“plano” da sujeição; é preciso avançar à própria produção desse
“plano”, conforme uma “teoria mais ampla”. Cabe responder à
pergunta: “Como os homens se sujeitam a si próprios, impondo a si
o imperativo categórico: ‘Sujeita-te àquilo que existe!?’” (Adorno,
1973, p. 67). A sujeição efetivamente vale como determinação
“objetiva” no “plano” do já “objetivado” pelo verdadeiro “sujeito”,
revelado “para além” da sociedade já constituída, como aquele “sujeito
limite da reificação”, porque ele “produz reificação” e “se subordina
voluntariamente a ela”.
Que a semiformação, apesar do esclarecimento da ilustração e da difusão de
informações e mesmo por seu intermédio se tornou a forma dominante da
consciência contemporânea – é justamente isto que exige uma teoria mais am-
pla. A idéia de cultura não deve ser sacrossanta para ela, conforme é hábito
da própria semiformação. A formação cultural (Bildung) nada mais é do que
a cultura pelo lado de sua apropriação subjetiva. A cultura, porém, tem um
caráter duplo. Ele remete de volta à sociedade e mediatiza entre a mesma e a
semiformação. (Adorno, 1979, p. 94)
Caberia decifrar as determinações objetivas deste momento
subjetivo, evitando deter-se satisfeito na revelação simples do social
presente na objetivação. Esta dupla reflexão social constitui a profun-
didade necessária para apreender a dialética da produção e da
transformação histórica, para além da mera interpretação da sociedade
já instalada (“Os homens só interpretaram o mundo; é preciso
transformá-lo!”). Nos Epilegômenos dialéticos postumamente publicados,
Adorno denominaria esta dupla reflexão de “segundo giro copernicano”
(zweite kopernikanische Wendung) (Adorno, 1969, p. 155).
Como indústria cultural, o que se instala como “cultural”
remete à sociedade copiando a si própria, perenizando-a ao orientar-
se pela interpretação retroativa da sociedade já feita. Neste sentido,
“cultura” é a sociedade como ideologia. Mas, ao ser sociedade neste
sentido ideológico, de reconstrução integrada dela mesma, sem as
arestas das contradições que perfazem a dialética do social vivo – como
dialética “congelada” – a cultura mediatiza entre a sociedade e a
semiformação. As condições da produção material existentes impõem
esta forma cultural-ideológica e são refletidas na semiformação. Esta
469Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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é uma formação social determinada, sujeitada no curso da formação
social destas formas determinadas de produção e de formação, a
sociedade, cuja forma dominante de consciência será doravante a
semiformação.
Nesta segunda reflexão, as determinações “objetivas” da subjetivi-
dade também aparecem como sendo formadas, decifrando-se assim
como “autonomização” com relação ao processo de formação, que reflete
sobre a sociedade mediante um “clima” – a forma social – que reproduz
as condições que instalam a semiformação, como “círculo de manipu-
lação e necessidades retroativas”. Adorno conduz a investigação
histórico-social para além dos pressupostos do indivíduo e da sociedade
vigentes, e desvendaria a sociedade como processo de autoformação.
A formação no presente pauta-se pela adequação na continuidade
do existente; é semiformação. É formação determinada em sua forma
pela própria formação social, pela determinação social (modo) da
produção. A negação determinada é o que podemos fazer no plano do
já dado em direção ao porvir. Para Adorno essa negação seria efetiva-
mente posta como “única possibilidade” que ainda resta à formação;
isto é, o que se mantém de movimento real para além das imposições
objetivas que se abatem sobre a formação e que pode ser circunscrito
no âmbito do existente; o que seria o seu potencial dialético.
A semiformação é “o espírito tomado pelo caráter fetichista da
mercadoria” (Adorno, 1979, p. 108).
Se os homens desenvolveram o espírito para se conservarem vivos, as formações
espirituais, de outro modo sequer existentes, já não são meios de sobrevivên-
cia. A autonomização inexorável do espírito face à sociedade, a promessa da li-
berdade, é tão social quanto o é a unidade de ambos. (Idem, ibid., p. 121)
A reificação expressa na autonomização – a espiritualização do
espírito – não deve ser “simplesmente negada”, mas pensada como
forma determinada entre outras. A existência é uma determinação, e
o real não deve ser eliminado como absoluto, mas negado em sua
determinação, num movimento de superação e conservação que é a
negação determinada.
Quando aquela autonomização é simplesmente negada, o espírito é oprimi-
do e constitui a ideologia do existente não menos do que quando usurpa
ideologicamente o absoluto. O que pode sem mácula ser denominado de
cultural, para além do fetichismo da cultura, é unicamente o que se realiza
graças à integridade de sua própria configuração espiritual e atua de volta so-
470 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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bre a sociedade apenas de modo mediatizado, por meio desta integridade, e
não mediante a adequação imediata às suas imposições. A força para tanto o
espírito só a encontra no que alguma vez foi a formação cultural. Se o espírito
só gera o socialmente justo quando não se dissolve na identidade indife-
renciada com a sociedade, então está na hora do anacronismo: fixar-se na forma-
ção cultural quando a sociedade lhe subtraiu sua base. Mas ela não tem nenhuma
outra chance de sobreviver senão a da auto-reflexão crítica sobre a semiformação em
que necessariamente se converteu. (Idem, ibid., p. 121; grifos meus)
Pela via do fetichismo da mercadoria, o que é social aparece
como se fosse objetividade natural. Mas, para além disso, o modo de
produção impõe formas determinadas a este social objetivado, de
maneira que, como “consciência” sujeitada, elas reproduzem a
sujeição ao mesmo tempo em que geram experiências substitutivas
pelas quais se simula a constituição de sujeitos livres. Por isso, a
“fenomenologia da consciência burguesa, por si só, não basta para a
elucidação da nova situação” (idem, ibid., p. 100); é preciso
alcançar a base efetiva em que se sustenta o que é causa das
contradições da consciência burguesa.
Adorno não se contenta em decifrar em sua objetividade o
social que está subsumido no objeto aparentemente natural. Mas
procura, além disso, decifrar o social em sua subjetividade,
revelando o momento subjetivo deste sujeito social, as formas sociais
determinadas do social – a consciência burguesa. Mostra assim a
contradição e as possibilidades desse social. Eis a inflexão teórica
fundamental. A formação regressiva da consciência burguesa dispõe-
se no lugar da consciência de classe emancipada atribuída ao
proletariado, tomando como ponto de partida o próprio processo
real de reprodução material em sua base contraditória.
O problema do fetichismo não termina com a revelação do
social na objetivação petrificada, mas conduz à necessidade de decifrar
as determinações objetivas desse social (a base), pelo qual a própria
produção, como subjetividade, seria determinada de modo que se
preserve a continuidade do vigente, na medida em que lhe correspon-
deria uma determinada consciência. Haveria uma imposição social
profunda no que chamamos a subjetividade decorrente do processo
pelo qual os seres humanos produzem materialmente, também ela
determinada. Ali se localiza o fundamento material efetivo da
semiformação: “As condições da própria produção material dificilmente
toleram aquele tipo de experiência com que atinavam os conteúdos
tradicionais da formação” (idem, ibid., p. 101; grifos meus).
471Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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4. Semiformação, educação e política
Primordial na questão da semiformação é não perder de vista a
constelação em que se dá seu foco. Para Adorno não basta examinar
formação, semiformação ou cultura, tais como se verificam na
sociedade vigente. É preciso investigá-las tendo como referência o
contexto de produção da sociedade, como formação social autogerada
pelos homens e aprendida em sua dialética histórica. Cultura e
formação precisam ser examinadas fora do âmbito estritamente cultural
ou pedagógico definidos na sociedade, para serem investigadas no plano
da própria produção social da sociedade em sua forma determinada. A
via régia de acesso ao essencial é o processo de sua reprodução vigente
em seu aparecer real, presente.
Em Crítica cultural e sociedade, Adorno destacara: hoje a
sociedade ela própria é sua ideologia. Essa ideologia já não seria um
conjunto ideal no plano das idéias, mas a própria ordem social. A
semiformação vai muito além de uma “perturbação pedagógica” no
interior de uma determinada situação social educacional. Refere-se a
uma forma ordenada da sociedade contemporânea determinada
conforme um certo modo de produção social dos homens, e somente
neste âmbito pode ser adequadamente apreendida.
Na Introdução à sociologia, último curso oferecido por Adorno,
as relações entre sociologia e economia política exemplificam o nexo
entre educação e política que se pretende expor aqui.
Minha tese é a seguinte: pela separação estrita entre sociologia e economia
política (...) ambas as disciplinas passam ao largo do que seria fundamental.
A sociologia se restringe a opiniões e preferências, ou a relações interpessoais,
formas sociais, instituições, relações de dominação e conflitos. Abstrai do que
seria propriamente a raison d’être de todos estes momentos e a medida pela
qual tudo isto poderia ser mensurado; ou seja; se abstrai do processo da re-
produção real da sociedade humana; se abstrai da constatação de que afinal
todos estes gigantescos processos sociais conectados pela troca não podem ter
sentido algum senão sobretudo o de garantir e manter em movimento a vida
de todo o gênero humano, materialmente e em seu padrão cultural. (...) A
sociologia abre mão da produção social e da reprodução da vida da socieda-
de como um todo, e se algo constitui uma relação social, então é precisamen-
te essa totalidade. (Adorno, 1993a, p. 236-237)
Tudo se passa como se estivéssemos simultaneamente em dois
“planos” de ordenamento social, que são momentos no movimento
dialético da sociedade efetiva. O “plano” da produção social material
472 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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efetiva, determinada, dos homens em sua interação entre si e com a
natureza, conforme um determinado modo de produção social-
mente determinado – que é o “plano” de ordenamento social da
produção da sociedade, o “social”. E o “plano” da sociedade
constituída por este determinado modo, cuja própria organização
retrata aquela determinada maneira em que os homens produzem
no primeiro plano, parecendo ser a sociedade em que produzimos
– o “plano” de ordenamento social da produção na sociedade, o
“cultural”. A crítica nesse plano cultural precisa referir-se ao plano
social. Estes são os termos que explicam o famoso título Crítica
cultural e sociedade.
Na obra de Adorno, estes dois momentos dialéticos se apresen-
tam em diversas ocasiões, como no debate radiofônico “Educação –
para quê?” publicado em Educação e emancipação:
Penso sobretudo em dois problemas difíceis que é preciso levar em conta
quando se trata de emancipação. Em primeiro lugar, a própria organização
do mundo em que vivemos é a ideologia dominante – hoje muito pouco pa-
recida com uma determinada visão de mundo ou teoria –, ou seja, a organi-
zação do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua própria ide-
ologia. Ela exerce uma pressão tão intensa sobre as pessoas que supera toda
educação. (...) No referente ao segundo problema (...) emancipação significa
o mesmo que conscientização, racionalidade (...) A educação seria impotente
se ignorasse a adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no
mundo. Porém seria questionável igualmente se ficasse nisto, produzindo
nada além de well adjusted people, em conseqüência do que a situação exis-
tente se impõe no que tem de pior. (Adorno, 1995, p. 143)
O mundo dos homens é organizado de determinada maneira e
é preciso decifrar as condições e os condicionantes que causam seu
modo determinado de ser. A essência não está “atrás” da aparência,
mas é a reflexão da aparência acerca de seu modo de aparecer de
determinado modo, o arranjo determinado do mundo, a sociedade
que é sua própria ideologia. A emancipação como “conscientização” é
a reflexão racional pela qual o que parece ordem natural, “essencial”
na sociedade cultural, decifra-se como ordem socialmente determi-
nada em dadas condições da produção real efetiva da sociedade.
Ora, mesmo a produção integrada não deixa de ser uma
produção. A produção da sociedade está sempre presente na socie-
dade, como contradição que resiste à sua conciliação. “Uma sociedade
em que as contradições fundamentais sobrevivem, também não pode
ser integrada na consciência”, diria Adorno em um de seus últimos
473Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
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ensaios, Tempo livre (1969, p. 67). A contradição social é o “remédio”
para a “doença da sociedade” que é a semiformação.
Aqui ele explicita o papel político da educação: a reflexão
conscientizadora das contradições sociais destacadas na produção da
sociedade limita a tendência à integração na sociedade. Em
“Educação e emancipação” que encerra o livro de mesmo nome, o
tema é decisivo:
À pergunta: “vivemos em uma época esclarecida?” Kant respondeu: “Não. Mas
certamente em uma época de esclarecimento” (...) ele determinou a emancipa-
ção (...) não como uma categoria estática, mas dinâmica. (...) (Hoje) isto se tor-
nou muito questionável, face à pressão inimaginável exercida sobre as pessoas,
pela própria organização do mundo (e) (...) pelo controle planificado até mes-
mo de toda realidade interior pela indústria cultural. Se não quisermos aplicar
o termo emancipação num sentido meramente retórico, (...) vazio como o dis-
curso dos compromissos (...) é preciso começar a ver efetivamente as enormes
dificuldades que se opõem à emancipação nesta organização do mundo (...).
O motivo é a contradição social. (Adorno, 1995, p. 181)
A educação não é para a emancipação, compromisso com um
fim ético idealizado no contexto social-cultural. A educação, para
ser efetiva, é crítica da semiformação real, resistência na sociedade
material presente aos limites que nesta se impõem à vida no “plano”
de sua produção efetiva. A emancipação é elemento central da
educação, mas, para ser real e efetiva, há que ser tematizada na
heteronomia. A orientação normativa da educação não é imposta de
fora, mas deve saltar de sua configuração histórica que, por suas
contradições, “exige ‘objetivamente’ a partir de si própria sua
transformação” (Adorno, 1999, p. 183). A contradição real objetiva
aponta imanentemente para além de si, por meio da possibilidade
de uma negação determinada – não abstrata – da ordem vigente. A
“consciência” faz o papel de objetivação da contradição, por ser
inversora na medida em que adequa.
Neste sentido, é preciso aplicar toda energia para que “a
educação seja uma educação para a contradição e para a resistência”
no existente, para se contradizer e resistir como modo de ir além do
plano da reconstrução cultural e da vigência da semiformação,
referindo-se ao plano da vida real efetiva. Por exemplo (...) “mos-
trando-se aos alunos as falsidades” presentes na vida da sociedade
culturalmente construída e “despertando a consciência quanto a que
os homens são enganados de modo permanente” (Adorno, 1995, p.
181-183).
474 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
A chamada “mídia” em geral, mas em especial o cinema,
constitui um contexto privilegiado para apreender este “esquema da
cultura de massas” semiformador. Seja de modo direto, como no filme
Mera coincidência, que revela a própria fábricação do logro, seja pela
intervenção nos hábitos, como em O expresso da meia-noite, que
fabrica o ódio cultural de um modo ilegal. Seja pela sutil expressão
da contradição, como Concorrência desleal.
Em sua última aula na Universidade de Frankfurt, Adorno
retornaria ao tema da semiformação. Na ocasião aconteciam mecanis-
mos de personalização pela indústria cultural, exemplificados no
casamento da princesa da Holanda com um nobre alemão.
A tarefa mais importante (...) da pesquisa social empírica atual seria in-
vestigar em que medida afinal os homens são e pensam tal como são fei-
tos pelos mecanismos (da indústria cultural). Pesquisas do Instituto in-
dicam (...) que ocorre uma duplicidade peculiar, isto é, de um lado as
pessoas são obedientes aos mecanismos de personalização da indústria
cultural (...), mas, simultaneamente, quando se vai além da superfície (...)
todos praticamente são cientes de que (...) [em sua vida real] a princesa
afinal não tem importância. Se realmente as pessoas são cativadas, mas ao
mesmo tempo não são cativadas, se aqui ocorre uma consciência dupli-
cada e contraditória em si mesma, então neste ponto o esclarecimento
poderia se ater ao fenômeno da personalização e poderia ter êxito em es-
clarecer as pessoas que este fenômeno é apenas parte de um contexto
mais amplo [a formação socialmente determinada da sociedade capitalis-
ta]. (Adorno, 1993a, p. 256)
Recebido e aprovado em maio de 2003.
Referências bibliográficas
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Adorno, semi-formation e a indústria cultural

  • 1. 459Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> ADORNO, SEMIFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO WOLFGANG LEO MAAR* Que importa (...) a linha do horizonte? – O que eu vejo é o beco. (Manuel Bandeira, 1974, p. 228) Quem quiser (...) a verdade da vida (...) tem que investi- gar sua configuração alienada. (Adorno, 1993, p. 7) Abre-te, Sésamo, quero sair! (Stanislaw Lec, apud Adorno, 1999, p. 109) RESUMO: Semiformação (Halbbildung) é a determinação social da formação na sociedade contemporânea capitalista. Na perspectiva de Adorno, a sociedade deve ser apreendida em seu processo de re- produção material como reificação, mediação socialmente invertida. Cabe à teoria ir além do momento subjetivo da coisificação, ao de- cifrar as determinações objetivas da subjetividade. Não basta só re- velar o sujeito por trás da reificação: ele é também socialmente de- terminado na adequação ao vigente, como sujeito que se sujeita e não experiencia as contradições sociais da produção efetiva da socieda- de, ocultas ideologicamente na ordem social imposta pela indústria cultural. A educação não é idealista, para a emancipação, mas dialeticamente baseada na crítica à semiformação real e se orienta por possibilidades presentes, embora não concretizadas, na experiência das contradições da formação social efetiva. Palavras-chave: Adorno. Formação (Bildung). Indústria cultural. Dialética materialista. Fetichismo. ADORNO, SEMI-FORMATION AND EDUCATION ABSTRACT: Semi-formation (Halbbildung) is the social determination of formation in the contemporary capitalist society. In Adorno’s views, society, in its reproduction process, is to be apprehended as * Professor Adjunto do Departamento de Filosofia e Metodologia da Ciência da Universi- dade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: wmaar@power.ufscar.br
  • 2. 460 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> reificated, as a socially inverted mediation. Theory has to go beyond the subjective moment of reification, and unravel the objective determinations of subjectivity. Showing the subject behind reification does not suffice since it is also socially determined in accordance with the existing society, as a subject that subjects itself and does not experience the contradictions of the effective production of society, ideologically concealed in the social order imposed by the culture industry. Education is not idealistically aimed at emancipation, but dialectically based on the critique of real semi-formation, and oriented by possibilities that are present, although not effective, in the experience of the contradictions of the effective social production. Key words: Adorno. Formation (Bildung). Culture industry. Materialistic dialectics. Fetichism. 1. A nova perspectiva da tendência à totalização social integradora semiformação (Halbbildung) faz parte do âmbito da reprodução da vida sob o monopólio da “cultura de massas”. A alteração de “cultura de massas” para indústria cultural explica-se justamente pela preocupação de Adorno e Horkheimer com o essencial em sua perspectiva: apreender a tendência à determinação total da vida em todas as suas dimensões pela formação social capitalista, a subsunção real da sociedade ao capital (Marx, 1969, p. 49). Cultura de “massas” parece indicar uma cultura solicitada pelas “massas”, como se fossem “sujeito” pressuposto acriticamente, fora do alcance da totalização. Já o termo indústria cultural ressalta o “mecanismo” pelo qual a sociedade como um todo seria “construída” sob a égide do capital, reforçando o vigente (ver Maar, 2000). Os autores pensaram, nos termos da produção pela indústria capitalista, na construção da sociedade como sendo cópia feita na medida em que a sociedade é cultural, ordena e organiza o que seria natural. No ensaio Superstição de segunda mão, Adorno resume de modo exemplar: “(...) a indústria cultural como um todo (...) duplica na consciência dos homens o que existe.” (Adorno, 1979, p. 175). Mas cumpre lembrar que “consciência” é “ser consciente”, reflexão da determinação do ser que é a existência, e não uma “existência espiritual” contraposta dualisticamente à matéria “inconsciente”. O momento subjetivo deste social presente como cópia, como objetificação coisificada, seria decifrado na Dialética do esclarecimento como semiformação. A “cultura, tomada pelo lado de sua apreensão subjetiva, é a formação” (idem, ibid., p. 94). Nessa apreensão
  • 3. 461Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> subjetiva do enfoque de “cultura”, apreendida nos termos da indústria cultural que copia a sociedade em estrita continuidade de sua vigência, a “consciência” como “semiformação” corresponde à continuidade social, com uma cultura “afirmativa” (Marcuse, 1997, p. 89). As “massas” são semiformadas afirmativamente para confir- mar a reprodução continuada do vigente como cópia pela indústria cultural. Além do já exposto, é importante frisar a gênese conceitual de “indústria cultural” a partir de “cultura de massas” também para atentar à sociedade de massas. Ela caracteriza a novidade da formação social instalada em sua plenitude até meados do século XX no âmbito das relações sociais capitalistas, contexto em que a questão do sujeito exige perspectivas de apreensão próprias. Este era justamente o desafio a que se propôs o Instituto de Pesquisa Social, cujo leitmotiv eram as dificuldades em face da integração social de quem havia sido tomado como sujeito da revolução, a classe trabalhadora. A semiformação está em estreita relação seja com a razão instrumental (Horkheimer, 1976) seja com a função social da tecnologia (Marcuse, 1998, p. 71). A sociedade de massas – talvez fosse melhor “sociedade massificada” – seria a forma social vigente assumida pela formação social em seu processo de reprodução na subsunção real e totalizan- te ao capital. Nessa subsunção se embaralha a contraditória estrutura da sociedade de classes, confundindo sua aparente nitidez objetiva e promovendo uma conciliação. “Toda sociedade ainda é de classes”, diria Adorno no ensaio Sociedade; mas “subjetivamente encoberta, a diferença de classes cresce objetivamente” (Adorno, 1979, p. 15). A perspectiva dos interesses de classe ficaria prejudi- cada. Ante a ineficácia da ancoragem empírica dos interesses de classe, obnubilados na sociedade vigente, poder-se-ia enquadrá-los como construção ideal, elaborando culturalmente a situação de inserção objetiva no processo produtivo. Em George Lukács, a classe é a “classe da ‘consciência de classe’”, construção “adjudicada” nos interesses de classe ideais (Lukács, 1974, p. 24). Consciência de classe e cultura são vistos como emancipadores. Deste prisma se distingue o foco da Teoria Crítica, em especial a perspectiva de Adorno (ver Maar, 2002), que não se baseia em uma idealização a ser realizada, mas se apóia na decifração crítica do presente já realizado e se realizando, no processo de reprodução apreendido como construção material-histórica determinada em sua
  • 4. 462 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> forma social, num contexto de continuidade. A cultura tematizada no presente já não seria apreendida como ideal emancipadora, mas real conservadora ou “afirmativa”. Como resultado, legitimaria a sociedade imperante, que reconstrói como “cópia” ordenada de modo estrita- mente afirmativo. A teoria emancipadora da consciência de classe proletária, construção ideal-típica a orientar a intervenção social rumo à libertação do modo de reprodução vigente, seria substituída pela teoria crítica da semiformação da classe burguesa vigente, decifrada em sua forma social determinada, entre outras, como ordenamento de adequação, de sujeição aos termos existentes da reprodução social. A realidade aparente (“o todo é o falso” em sua determinação social), mas produzida: é por este prisma, em que se decifram seus momentos constituintes, que se estabelece o único acesso à essência (reflexão que distingue o “verdadeiro”). “Não é o bem, mas o mal, que é objeto da teoria. Ela já pressupõe a reprodução da vida nas formas determinadas em cada caso. Seu elemento é a liberdade, seu tema a opressão” (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 204). 2. Semiformação e indústria cultural Na Dialética do esclarecimento estão as primeiras referências à semiformação, ou “semicultura” em seu sentido formativo. Quais são as condições da reprodução da vida dos homens sob as relações de produção dominantes na formação social caracterizada como sociedade de massas? No segmento “A indústria cultural: o esclarecimento como logro das massas”, a questão seria referida à semiformação como uma determinada forma social da subjetividade socialmente imposta por um determinado modo de produção em todos os planos da vida, seja na produção, seja fora dela. Nesta medida, por exemplo, o chamado “direito à preguiça” de Lafargue já atentaria à semiformação dos homens, voluntariamente mantidos dominados pela ordem do trabalho mesmo quando não trabalham. Na citação a seguir, embora a referência conceitual da semiformação, em seu nexo fundamental com a indústria cultural, esteja presente, o termo propriamente dito ainda não aparece. (...) as pessoas devem [o verbo no original é sollen] se orientar por essa uni- dade que caracteriza a produção. A função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito (...) é tomada ao sujeito pela indústria. O esquema-
  • 5. 463Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> tismo é o primeiro passo prestado por ela ao cliente. (...) Muito embora o planejamento do mecanismo pelos organizadores dos dados, isto é, pela in- dústria cultural, seja imposto a esta pelo peso da sociedade que apesar de toda racionalização permanece irracional, essa tendência fatal é transformada em sua passagem pelas agências do capital de modo a aparecer como o sábio desígnio dessas agências. Para o consumidor não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção. (...) todos os detalhes, clichês prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema. Confirmá-lo, compondo-o, eis aí sua razão de ser. O mundo inteiro é força- do a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do especta- dor de cinema que percebe a rua como um prolongamento do filme que aca- bou de ver, porque este pretende reproduzir rigorosamente o mundo da per- cepção cotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfei- ção com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptu- ra do mundo que se descobre no filme. (Idem, ibid., p. 117-118) O mundo, que permanece irracional, seria reconstruído como racionalização, num esquematismo planejado que substitui o que seria a experiência do consumidor, antecipando-a sob os desígnios do capital, resultando na ilusão de que o mundo exterior seria o prolongamento da produção nos termos da indústria cultural. No mundo reconstruído o sujeito semiformado toma-se como sujeito do mundo que meramente reproduz. Para ele a construção parece “natural”, mas é uma “segunda” natureza. No verbete “Para uma crítica da filosofia da história”, a questão retorna: “(...) a dominação conseqüente da natureza se impõe de uma maneira cada vez mais decidida e passa a integrar toda a interioridade humana” (idem, ibid., p. 208). O termo semiformação surge na Dialética do esclarecimento citado em “Elementos do anti-semitismo”: Para ele [o homem semiformado] todas as palavras se convertem num siste- ma alucinatório, na tentativa de tomar posse pelo espírito de tudo aquilo que sua experiência não alcança, de dar arbitrariamente um sentido ao mundo que torna o homem sem sentido, mas ao mesmo tempo se transformam tam- bém na tentativa de difamar o espírito e a experiência de que está excluído, e de imputar-lhes a culpa, que, na verdade, é da sociedade que o exclui do espírito e da experiência. Uma semicultura [ou semiformação] que por opo- sição à simples incultura [ou ausência de formação] hipostasia o saber limi- tado como verdade, não pode mais suportar a ruptura entre o interior e o ex- terior, o destino individual e a lei social, a manifestação e a essência. Essa dor encerra, é claro, um elemento de verdade em comparação com a simples
  • 6. 464 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> aceitação da realidade dada (...). Contudo a semicultura, em seu modo, re- corre estereotipadamente à fórmula que lhe convém melhor em cada caso, ora para justificar a desgraça, ora para profetizar a catástrofe disfarçada, às vezes, de regeneração. (...) Os sistemas obscuros realizam hoje o que o mito do diabo da religião oficial realizava na Idade Média: a atribuição arbitrá- ria de um sentido à realidade exterior. (...) a real emancipação dos homens não ocorreu ao mesmo tempo que o esclarecimento do espírito (...) quanto mais a realidade social se afasta da consciência cultivada, tanto mais esta se via submetida a um processo de reificação. A cultura converteu-se total- mente numa mercadoria. O pensamento perde o fôlego e limita-se à apre- ensão do fatual isolado (...) o pensamento reduzido ao saber é neutraliza- do e mobilizado para a simples qualificação nos mercados de trabalho es- pecíficos e para aumentar o valor mercantil das pessoas. Assim naufraga a auto-reflexão do espírito que se opõe à paranóia. Finalmente, sob as con- dições do capitalismo tardio, a semicultura converteu-se no espírito objetivo. (Idem, ibid., p. 182-184) Note-se aqui que na apreensão do espírito na formação social o ponto de partida é o próprio processo de reprodução presente, apreendido pelos sujeitos nele (semi)formados como resultado a ser beneficiado. Esta é uma perspectiva materialista contraposta ao idealismo, que consagra um espírito como uma realidade ideal a ser efetivada no presente. Mas o processo de reprodução é um ponto de partida em que ocorre uma inversão. A indústria cultural, “círculo de manipulação e necessidades retroativas” (idem, ibid., p. 114), é “integração voluntária, pelo alto, de seus consumidores” (Adorno, 1973, p. 60), integração de quem “objetiva” por parte da objetivação. Como tal, “é decisiva para o espírito hoje predominante” (idem, ibid., p. 64), pois é fator que “duplica na consciência dos homens o que existe” (idem, 1979, p. 175), formando a consciência ao confirmar o mundo na ordem estabelecida. Por isso, em Crítica cultural e sociedade, de 1949, Adorno diria que a ideologia agora é “a própria sociedade” (idem, 1977, p. 26) e falso não se refere ao ideológico, mas a que a “cópia” da sociedade se imponha como sendo a efetiva. O “todo” é o falso, em sua ordem determinada. O “espírito” assim construído volta-se contra o espírito – “a semiformação hipostasia o saber limitado como verdade” (Adorno & Horkheimer, 1985, p 182), produzindo a “consciência” correspondente. Não só se parte do presente a ser decifrado como mediação, como efeito, mas nesta construção se revela uma inversão, uma sujeição que é o sujeito (Maar, 2001), que também é socialmente determinado.
  • 7. 465Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> A “finalidade que cabe” aos sujeitos é serem sujeitos da reprodução de um mundo em que sua condição é de sujeitos sujeitados. Os sujeitos produzem sua sujeição no tempo, como semiformação. Na “mentalidade do ticket”, a “perda da experiência acaba por transformar os adeptos do ticket progressistas em inimigos da diferença”. Por seu turno, “o conteúdo do ticket fascista é tão vazio que só pode ser mantido (...)” (Adorno, 1985, p. 193). “O esquema da cultura de massas”, capítulo da primeira versão da Dialética do esclarecimento posteriormente retirado, esclarece essa perspectiva: Os homens dão seu assentimento à cultura de massas porque sabem que aqui aprenderão os hábitos (“mores”) de que precisam na vida monopolizada como passaporte [aqui se formam os sujeitos sujeitados]. Este só é válido quando pago com sangue, com a total cessão da vida, com a obediência su- balterna face à odiosa imposição. Por isto, e não pela estultificação das mas- sas que os inimigos destas produzem e os amigos lamentam, a cultura de massas é tão irresistível. (Adorno, 1984, p. 331) Os “homens” aderem pelos efeitos desta adesão: na sociedade que se reproduz destacam-se os que aderiram. O preço da adesão – a sujeição e a conseqüente regressão subjetiva à semiformação – revela- se uma determinação social auto-imposta pelos homens. Também na Minima moralia Adorno trata do tema: Os discursos habituais sobre a “mecanização” do homem são enganosos, por- que o concebem como algo estático, que por “influências” de fora, através de uma adaptação a condições de produção a ele exteriores, sofre certas defor- mações. Mas não existe substrato algum dessas “deformações”, nenhuma interioridade ôntica sobre a qual mecanismos atuariam de fora apenas: a de- formação não é nenhuma doença do homem, e sim uma doença da socieda- de (...). É quando o processo que se inicia com a transformação da força de trabalho em mercadoria permeia todos os homens – transformando em objetos e tornando a priori comensuráveis cada um de seus impulsos, como uma variante da relação de troca – que se torna possível à vida reproduzir-se segundo as relações de produção imperantes. (Adorno, 1993, p. 201) Nesta perspectiva, os homens permanecem sujeitos da repro- dução da vida, e por isso são responsabilizados. A efetiva subjetividade na e da sujeição – a sobrevivência do sujeito “exige frieza, o princípio básico da subjetividade burguesa” (idem, 1990, p. 356), calculada como tempo de trabalho abstrato no modo de produção imperante – está na seqüência de “O esquema da cultura de massas”:
  • 8. 466 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Mediante a regressão se ratifica a recusa da resistência. As massas tiram as conseqüências da completa impotência social frente ao monopólio, em que hoje em dia se traduz a progressão da miséria. Na adequação às forças pro- dutivas técnicas, que o sistema lhes impõe como progresso, os homens se convertem em objetos que se deixam manipular sem resistir, e deste modo regridem para aquém do potencial das forças produtivas técnicas. Mas como, enquanto sujeitos, permanecem sendo eles próprios os limites da reificação, a cultura de massas precisa continuamente, em uma má infini- tude, apossar-se de novo dos mesmos: o desesperançado esforço de sua repe- tição constitui o único vestígio da esperança de que a repetição é inútil, de que os homens [no sentido em que produzem sua própria conversão em objetos] afinal não podem ser apropriados. (Idem, 1984, p. 331) A “vontade” seria apreendida também no contexto da sujeição na formação socialmente determinada. Em uma carta de 1935 a Walter Benjamin, Adorno insistira: o fetichismo da mercadoria não é um fato da consciência mas é dialético, (...) produz consciência. Isto significa que a consciência não pode simplesmente descrevê-lo (...), mas responde ao mesmo em pé de igualdade, com vontade e temor. (Idem, 1980, p. 111; grifos meus) Não basta apenas referir-se ao momento subjetivo ou social presente na sociedade objetivada; além disso, esse momento precisa ser decifrado em seus próprios momentos, também socialmente determinados. De um lado, os homens determinados como não podendo ser apropriados, na qualidade de sujeitos; do outro, os homens em sua determinação social de manipulados como objetos, pela constituição de novas necessidades que são retroativas, isto é, formadoras de subjetividade. Este esquema apareceria agora como reificação a ser decifrada (Abre-te, Sésamo, quero sair! – Stanislaw Lec, apud Adorno, 1999, p. 109), num uso específico do conceito por Adorno e que representa a chave para decifrar sua teoria da semiformação. O nexo entre sujeição e sujeito constitui o que poderíamos chamar a contradição em processo a ser decifrada em sua dialética, parafraseando famosa passagem dos Grundrisse de Karl Marx: O capital é ele próprio a contradição em processo (porque) impõe a redução do tempo de trabalho a um mínimo, enquanto por outro lado dispõe o tem- po de trabalho como única medida e fonte de riqueza. (...) De um lado, por- tanto, convoca à vida todos os poderes da ciência e da natureza, bem como da combinação social e da comunicação social, para tornar a produção da ri-
  • 9. 467Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> queza (relativamente) independente do tempo de trabalho aplicado. Por ou- tro lado, quer medir pelo tempo de trabalho as enormes forças sociais assim geradas, para assim contê-las nos limites que se impõem para conservar como valor o valor já criado. As forças produtivas e as relações de produção – ambas lados diferentes do desenvolvimento do indivíduo social – aparecem ao capital apenas como meios e são apenas meios para ele produzir a partir de sua base limitada. In fact, contudo, constituem as condições materiais para explodi-la [a base limitada do capital]. (Marx, s/d., p. 593-594) A semiformação seria a forma social da subjetividade determi- nada nos termos do capital. É meio para o capital, e simultanea- mente, como expressão de uma contradição, sujeito gerador e transformador do capital. Adorno, ao contrário do resignado pessimismo equivocadamente associado com sua obra, apresenta uma alternativa prática real para a tendência à totalização social dominante, ao revelar a construção objetiva da formação social presente. Assim, em oposição à fatal “gaiola de ferro” de Max Weber, o viés idealista-ético, que impõe ao indivíduo “uma ordem de coisas inalterável na qual deve viver” (Weber, 1967, p. 34), seria substi- tuído pela perspectiva materialista-dialética de Adorno. Nesta, o que parece ética formal ou cálculo racional se decifra como semiformação pela indústria cultural, que obstrui numa forma social determinada a contradição material presente em sua determinação social. 3. A Teoria da Semiformação e o fetichismo da mercadoria É preciso decifrar a cultura e a formação no presente em seus momentos constitutivos, pelos seus efeitos, e não interpretá-las à luz de uma explicação idealista, pressuposta nos termos da própria semiformação. Em sua Teoria da Semiformação, de 1959, Adorno explicita: No clima da semiformação os momentos da formação que são reificados ao modo das mercadorias perduram à custa de seu conteúdo de verdade e de sua relação viva com sujeitos vivos. Isso corresponderia à sua definição. (Adorno, 1979, p. 103; grifos meus) Nesta medida se introduz a questão da semiformação. Mas a função social objetiva, o tema central, só se explicita na medida em que se desenvolve a perspectiva da sua apreensão em uma dupla reflexão, conforme a apreensão adorniana do fetichismo.
  • 10. 468 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> A semiformação “não pode ser explicada a partir de si mesma, porque constitui resultado de um processo de dominação sistemática por mecanismos das relações político-econômicas dominantes” (Schmied-Kowarzik, 1983, p. 114). Não basta permanecer no “plano” da sujeição; é preciso avançar à própria produção desse “plano”, conforme uma “teoria mais ampla”. Cabe responder à pergunta: “Como os homens se sujeitam a si próprios, impondo a si o imperativo categórico: ‘Sujeita-te àquilo que existe!?’” (Adorno, 1973, p. 67). A sujeição efetivamente vale como determinação “objetiva” no “plano” do já “objetivado” pelo verdadeiro “sujeito”, revelado “para além” da sociedade já constituída, como aquele “sujeito limite da reificação”, porque ele “produz reificação” e “se subordina voluntariamente a ela”. Que a semiformação, apesar do esclarecimento da ilustração e da difusão de informações e mesmo por seu intermédio se tornou a forma dominante da consciência contemporânea – é justamente isto que exige uma teoria mais am- pla. A idéia de cultura não deve ser sacrossanta para ela, conforme é hábito da própria semiformação. A formação cultural (Bildung) nada mais é do que a cultura pelo lado de sua apropriação subjetiva. A cultura, porém, tem um caráter duplo. Ele remete de volta à sociedade e mediatiza entre a mesma e a semiformação. (Adorno, 1979, p. 94) Caberia decifrar as determinações objetivas deste momento subjetivo, evitando deter-se satisfeito na revelação simples do social presente na objetivação. Esta dupla reflexão social constitui a profun- didade necessária para apreender a dialética da produção e da transformação histórica, para além da mera interpretação da sociedade já instalada (“Os homens só interpretaram o mundo; é preciso transformá-lo!”). Nos Epilegômenos dialéticos postumamente publicados, Adorno denominaria esta dupla reflexão de “segundo giro copernicano” (zweite kopernikanische Wendung) (Adorno, 1969, p. 155). Como indústria cultural, o que se instala como “cultural” remete à sociedade copiando a si própria, perenizando-a ao orientar- se pela interpretação retroativa da sociedade já feita. Neste sentido, “cultura” é a sociedade como ideologia. Mas, ao ser sociedade neste sentido ideológico, de reconstrução integrada dela mesma, sem as arestas das contradições que perfazem a dialética do social vivo – como dialética “congelada” – a cultura mediatiza entre a sociedade e a semiformação. As condições da produção material existentes impõem esta forma cultural-ideológica e são refletidas na semiformação. Esta
  • 11. 469Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> é uma formação social determinada, sujeitada no curso da formação social destas formas determinadas de produção e de formação, a sociedade, cuja forma dominante de consciência será doravante a semiformação. Nesta segunda reflexão, as determinações “objetivas” da subjetivi- dade também aparecem como sendo formadas, decifrando-se assim como “autonomização” com relação ao processo de formação, que reflete sobre a sociedade mediante um “clima” – a forma social – que reproduz as condições que instalam a semiformação, como “círculo de manipu- lação e necessidades retroativas”. Adorno conduz a investigação histórico-social para além dos pressupostos do indivíduo e da sociedade vigentes, e desvendaria a sociedade como processo de autoformação. A formação no presente pauta-se pela adequação na continuidade do existente; é semiformação. É formação determinada em sua forma pela própria formação social, pela determinação social (modo) da produção. A negação determinada é o que podemos fazer no plano do já dado em direção ao porvir. Para Adorno essa negação seria efetiva- mente posta como “única possibilidade” que ainda resta à formação; isto é, o que se mantém de movimento real para além das imposições objetivas que se abatem sobre a formação e que pode ser circunscrito no âmbito do existente; o que seria o seu potencial dialético. A semiformação é “o espírito tomado pelo caráter fetichista da mercadoria” (Adorno, 1979, p. 108). Se os homens desenvolveram o espírito para se conservarem vivos, as formações espirituais, de outro modo sequer existentes, já não são meios de sobrevivên- cia. A autonomização inexorável do espírito face à sociedade, a promessa da li- berdade, é tão social quanto o é a unidade de ambos. (Idem, ibid., p. 121) A reificação expressa na autonomização – a espiritualização do espírito – não deve ser “simplesmente negada”, mas pensada como forma determinada entre outras. A existência é uma determinação, e o real não deve ser eliminado como absoluto, mas negado em sua determinação, num movimento de superação e conservação que é a negação determinada. Quando aquela autonomização é simplesmente negada, o espírito é oprimi- do e constitui a ideologia do existente não menos do que quando usurpa ideologicamente o absoluto. O que pode sem mácula ser denominado de cultural, para além do fetichismo da cultura, é unicamente o que se realiza graças à integridade de sua própria configuração espiritual e atua de volta so-
  • 12. 470 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> bre a sociedade apenas de modo mediatizado, por meio desta integridade, e não mediante a adequação imediata às suas imposições. A força para tanto o espírito só a encontra no que alguma vez foi a formação cultural. Se o espírito só gera o socialmente justo quando não se dissolve na identidade indife- renciada com a sociedade, então está na hora do anacronismo: fixar-se na forma- ção cultural quando a sociedade lhe subtraiu sua base. Mas ela não tem nenhuma outra chance de sobreviver senão a da auto-reflexão crítica sobre a semiformação em que necessariamente se converteu. (Idem, ibid., p. 121; grifos meus) Pela via do fetichismo da mercadoria, o que é social aparece como se fosse objetividade natural. Mas, para além disso, o modo de produção impõe formas determinadas a este social objetivado, de maneira que, como “consciência” sujeitada, elas reproduzem a sujeição ao mesmo tempo em que geram experiências substitutivas pelas quais se simula a constituição de sujeitos livres. Por isso, a “fenomenologia da consciência burguesa, por si só, não basta para a elucidação da nova situação” (idem, ibid., p. 100); é preciso alcançar a base efetiva em que se sustenta o que é causa das contradições da consciência burguesa. Adorno não se contenta em decifrar em sua objetividade o social que está subsumido no objeto aparentemente natural. Mas procura, além disso, decifrar o social em sua subjetividade, revelando o momento subjetivo deste sujeito social, as formas sociais determinadas do social – a consciência burguesa. Mostra assim a contradição e as possibilidades desse social. Eis a inflexão teórica fundamental. A formação regressiva da consciência burguesa dispõe- se no lugar da consciência de classe emancipada atribuída ao proletariado, tomando como ponto de partida o próprio processo real de reprodução material em sua base contraditória. O problema do fetichismo não termina com a revelação do social na objetivação petrificada, mas conduz à necessidade de decifrar as determinações objetivas desse social (a base), pelo qual a própria produção, como subjetividade, seria determinada de modo que se preserve a continuidade do vigente, na medida em que lhe correspon- deria uma determinada consciência. Haveria uma imposição social profunda no que chamamos a subjetividade decorrente do processo pelo qual os seres humanos produzem materialmente, também ela determinada. Ali se localiza o fundamento material efetivo da semiformação: “As condições da própria produção material dificilmente toleram aquele tipo de experiência com que atinavam os conteúdos tradicionais da formação” (idem, ibid., p. 101; grifos meus).
  • 13. 471Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> 4. Semiformação, educação e política Primordial na questão da semiformação é não perder de vista a constelação em que se dá seu foco. Para Adorno não basta examinar formação, semiformação ou cultura, tais como se verificam na sociedade vigente. É preciso investigá-las tendo como referência o contexto de produção da sociedade, como formação social autogerada pelos homens e aprendida em sua dialética histórica. Cultura e formação precisam ser examinadas fora do âmbito estritamente cultural ou pedagógico definidos na sociedade, para serem investigadas no plano da própria produção social da sociedade em sua forma determinada. A via régia de acesso ao essencial é o processo de sua reprodução vigente em seu aparecer real, presente. Em Crítica cultural e sociedade, Adorno destacara: hoje a sociedade ela própria é sua ideologia. Essa ideologia já não seria um conjunto ideal no plano das idéias, mas a própria ordem social. A semiformação vai muito além de uma “perturbação pedagógica” no interior de uma determinada situação social educacional. Refere-se a uma forma ordenada da sociedade contemporânea determinada conforme um certo modo de produção social dos homens, e somente neste âmbito pode ser adequadamente apreendida. Na Introdução à sociologia, último curso oferecido por Adorno, as relações entre sociologia e economia política exemplificam o nexo entre educação e política que se pretende expor aqui. Minha tese é a seguinte: pela separação estrita entre sociologia e economia política (...) ambas as disciplinas passam ao largo do que seria fundamental. A sociologia se restringe a opiniões e preferências, ou a relações interpessoais, formas sociais, instituições, relações de dominação e conflitos. Abstrai do que seria propriamente a raison d’être de todos estes momentos e a medida pela qual tudo isto poderia ser mensurado; ou seja; se abstrai do processo da re- produção real da sociedade humana; se abstrai da constatação de que afinal todos estes gigantescos processos sociais conectados pela troca não podem ter sentido algum senão sobretudo o de garantir e manter em movimento a vida de todo o gênero humano, materialmente e em seu padrão cultural. (...) A sociologia abre mão da produção social e da reprodução da vida da socieda- de como um todo, e se algo constitui uma relação social, então é precisamen- te essa totalidade. (Adorno, 1993a, p. 236-237) Tudo se passa como se estivéssemos simultaneamente em dois “planos” de ordenamento social, que são momentos no movimento dialético da sociedade efetiva. O “plano” da produção social material
  • 14. 472 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> efetiva, determinada, dos homens em sua interação entre si e com a natureza, conforme um determinado modo de produção social- mente determinado – que é o “plano” de ordenamento social da produção da sociedade, o “social”. E o “plano” da sociedade constituída por este determinado modo, cuja própria organização retrata aquela determinada maneira em que os homens produzem no primeiro plano, parecendo ser a sociedade em que produzimos – o “plano” de ordenamento social da produção na sociedade, o “cultural”. A crítica nesse plano cultural precisa referir-se ao plano social. Estes são os termos que explicam o famoso título Crítica cultural e sociedade. Na obra de Adorno, estes dois momentos dialéticos se apresen- tam em diversas ocasiões, como no debate radiofônico “Educação – para quê?” publicado em Educação e emancipação: Penso sobretudo em dois problemas difíceis que é preciso levar em conta quando se trata de emancipação. Em primeiro lugar, a própria organização do mundo em que vivemos é a ideologia dominante – hoje muito pouco pa- recida com uma determinada visão de mundo ou teoria –, ou seja, a organi- zação do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua própria ide- ologia. Ela exerce uma pressão tão intensa sobre as pessoas que supera toda educação. (...) No referente ao segundo problema (...) emancipação significa o mesmo que conscientização, racionalidade (...) A educação seria impotente se ignorasse a adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém seria questionável igualmente se ficasse nisto, produzindo nada além de well adjusted people, em conseqüência do que a situação exis- tente se impõe no que tem de pior. (Adorno, 1995, p. 143) O mundo dos homens é organizado de determinada maneira e é preciso decifrar as condições e os condicionantes que causam seu modo determinado de ser. A essência não está “atrás” da aparência, mas é a reflexão da aparência acerca de seu modo de aparecer de determinado modo, o arranjo determinado do mundo, a sociedade que é sua própria ideologia. A emancipação como “conscientização” é a reflexão racional pela qual o que parece ordem natural, “essencial” na sociedade cultural, decifra-se como ordem socialmente determi- nada em dadas condições da produção real efetiva da sociedade. Ora, mesmo a produção integrada não deixa de ser uma produção. A produção da sociedade está sempre presente na socie- dade, como contradição que resiste à sua conciliação. “Uma sociedade em que as contradições fundamentais sobrevivem, também não pode ser integrada na consciência”, diria Adorno em um de seus últimos
  • 15. 473Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> ensaios, Tempo livre (1969, p. 67). A contradição social é o “remédio” para a “doença da sociedade” que é a semiformação. Aqui ele explicita o papel político da educação: a reflexão conscientizadora das contradições sociais destacadas na produção da sociedade limita a tendência à integração na sociedade. Em “Educação e emancipação” que encerra o livro de mesmo nome, o tema é decisivo: À pergunta: “vivemos em uma época esclarecida?” Kant respondeu: “Não. Mas certamente em uma época de esclarecimento” (...) ele determinou a emancipa- ção (...) não como uma categoria estática, mas dinâmica. (...) (Hoje) isto se tor- nou muito questionável, face à pressão inimaginável exercida sobre as pessoas, pela própria organização do mundo (e) (...) pelo controle planificado até mes- mo de toda realidade interior pela indústria cultural. Se não quisermos aplicar o termo emancipação num sentido meramente retórico, (...) vazio como o dis- curso dos compromissos (...) é preciso começar a ver efetivamente as enormes dificuldades que se opõem à emancipação nesta organização do mundo (...). O motivo é a contradição social. (Adorno, 1995, p. 181) A educação não é para a emancipação, compromisso com um fim ético idealizado no contexto social-cultural. A educação, para ser efetiva, é crítica da semiformação real, resistência na sociedade material presente aos limites que nesta se impõem à vida no “plano” de sua produção efetiva. A emancipação é elemento central da educação, mas, para ser real e efetiva, há que ser tematizada na heteronomia. A orientação normativa da educação não é imposta de fora, mas deve saltar de sua configuração histórica que, por suas contradições, “exige ‘objetivamente’ a partir de si própria sua transformação” (Adorno, 1999, p. 183). A contradição real objetiva aponta imanentemente para além de si, por meio da possibilidade de uma negação determinada – não abstrata – da ordem vigente. A “consciência” faz o papel de objetivação da contradição, por ser inversora na medida em que adequa. Neste sentido, é preciso aplicar toda energia para que “a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência” no existente, para se contradizer e resistir como modo de ir além do plano da reconstrução cultural e da vigência da semiformação, referindo-se ao plano da vida real efetiva. Por exemplo (...) “mos- trando-se aos alunos as falsidades” presentes na vida da sociedade culturalmente construída e “despertando a consciência quanto a que os homens são enganados de modo permanente” (Adorno, 1995, p. 181-183).
  • 16. 474 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> A chamada “mídia” em geral, mas em especial o cinema, constitui um contexto privilegiado para apreender este “esquema da cultura de massas” semiformador. Seja de modo direto, como no filme Mera coincidência, que revela a própria fábricação do logro, seja pela intervenção nos hábitos, como em O expresso da meia-noite, que fabrica o ódio cultural de um modo ilegal. Seja pela sutil expressão da contradição, como Concorrência desleal. Em sua última aula na Universidade de Frankfurt, Adorno retornaria ao tema da semiformação. Na ocasião aconteciam mecanis- mos de personalização pela indústria cultural, exemplificados no casamento da princesa da Holanda com um nobre alemão. A tarefa mais importante (...) da pesquisa social empírica atual seria in- vestigar em que medida afinal os homens são e pensam tal como são fei- tos pelos mecanismos (da indústria cultural). Pesquisas do Instituto in- dicam (...) que ocorre uma duplicidade peculiar, isto é, de um lado as pessoas são obedientes aos mecanismos de personalização da indústria cultural (...), mas, simultaneamente, quando se vai além da superfície (...) todos praticamente são cientes de que (...) [em sua vida real] a princesa afinal não tem importância. Se realmente as pessoas são cativadas, mas ao mesmo tempo não são cativadas, se aqui ocorre uma consciência dupli- cada e contraditória em si mesma, então neste ponto o esclarecimento poderia se ater ao fenômeno da personalização e poderia ter êxito em es- clarecer as pessoas que este fenômeno é apenas parte de um contexto mais amplo [a formação socialmente determinada da sociedade capitalis- ta]. (Adorno, 1993a, p. 256) Recebido e aprovado em maio de 2003. Referências bibliográficas ADORNO, T.W. Stichworte. Kritische Modelle 2. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1969. ADORNO, T.W. Ohne Leitbild. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1973. ADORNO, T.W. Prismen: Kulturkritik und Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977. ADORNO, T.W. Soziologische Schriften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1979. ADORNO, T.W. et al. Aesthetics and politics. New York: Verso, 1980.
  • 17. 475Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> ADORNO, T.W. Gesammelte Schriften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1984. v. 3. ADORNO, T.W. Negative Dialektik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990. ADORNO, T.W. Minima moralia. São Paulo: Ática, 1993. ADORNO, T.W. Einleitung in die Soziologie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993a. ADORNO, T.W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz & Terra, 1995. ADORNO, T.W. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ADORNO, T.W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. BANDEIRA, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1974. HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor, 1976. LUKÁCS, G. Werke – 2. Frankfurt am Main: Luchterhand, 1974. MAAR, W.L. A produção da “sociedade” pela indústria cultural. Re- vista Olhar, São Carlos, vol. 3, p. 84-107, 2000. MAAR, W.L. Da subjetividade deformada à semiformação como sujeito. Psicologia e Sociedade, Belo Horizonte, vol. 13, n. 2, p. 92-141, 2001. MAAR, W.L. A perspectiva dialética em Adorno e a controvérsia com Habermas. Transformação, Assis, vol. 25, p. 87-105, 2002. MARCUSE, H. Cultura e sociedade. São Paulo: Paz & Terra, 1997. v.1. MARCUSE, H. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: EDUNESP, 1998. MARX, K. Grundrisse der Kritik der politischen Okonomie. Frankfurt am Main: EVA, 1967. MARX, K. Resultate des unmittelbaren Produktionsprozesses. Frankfurt am Main: Verlag neue Kritik, 1969. SCHMIED-KOWARZIK, W. Pedagogia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967.