Este documento analisa o impacto potencial da inclusão dos custos com habitação própria no Índice Harmonizado de Preços no Consumidor. Atualmente, estes custos são excluídos, o que pode enfraquecer a capacidade do índice avaliar a inflação. Estudos piloto estão a ser desenvolvidos para construir índices de preços de habitação que sigam os padrões do IHPC. Os resultados destes estudos serão importantes para decidir como tratar a habitação própria no futuro.
Tendencias de mercado para o setor de economia criativa
Dissertação do mestrado de economia monetária e financeira qual o impacto da habitação própria no ipc
1. Escola de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Economia Política
Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Vasco Gonçalves
Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
em Economia Monetária e Financeira
Orientador:
Professor Fernando Manuel Monteiro Martins,
Doutorando em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da
Universidade Técnica de Lisboa
Mestre em Economia Monetária pelo Instituto Superior de Economia e Gestão
da Universidade Técnica de Lisboa
Outubro 2012
2. AGRADECIMENTOS
Quero agradecer ao meu orientador, Professor Fernando Martins, por todos os
esclarecimentos, pelo apoio e ajuda prestados, ao longo da elaboração do meu trabalho.
Aos meus familiares, amigos e colegas que me apoiaram de alguma forma.
3. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
RESUMO
A exclusão dos custos associados à aquisição de habitação própria (HP) do Índice
Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) é frequentemente apontada como a maior
lacuna deste índice na cobertura da inflação, bem como um dos fatores mais importantes para
as diferenças encontradas entre o IHPC e os índices de preços no consumidor dos diversos
países da União Europeia onde os preços da HP são considerados. O tema é particularmente
importante dado que a HP representa uma parcela significativa das despesas das famílias,
existindo diferenças acentuadas nos encargos com a habitação que resultam do facto da
proporção entre as famílias que optam pela aquisição de habitação própria e as famílias que
optam pelo arrendamento variar consideravelmente nos diversos países.
A exclusão da HP do IHPC pode revelar-se um fator de enfraquecimento deste indicador para
avaliar as tensões inflacionistas na economia. Por outras palavras, a exclusão da HP do IHPC
pode afetar negativamente a capacidade do IHPC em cumprir os principais objetivos que
presidiram à sua criação, que são, por um lado, a avaliação da convergência de preços entre
os países da UE e, por outro, a monitorização da estabilidade de preços na área do euro – o
objetivo primordial confiado ao Banco Central Europeu pelo Tratado da União Europeia.
Este é um tema que tem merecido atenção particular ao nível do Eurostat, estando a decorrer
estudos piloto em diversos países visando a construção de índices de preços de habitação
seguindo os padrões do IHPC. Os resultados destes estudos piloto serão cruciais para avaliar
a forma como será tratada a HP.
O objetivo fundamental desta dissertação é recensear alguma da literatura acerca da provável
futura inclusão da HP no IHPC, descrevendo os principais procedimentos em curso, os
métodos considerados, mencionando as suas vantagens e desvantagens, e as possíveis
implicações sobre a taxa de inflação, em particular no caso de Portugal.
Palavras-Chave: Índices de preços, preços de habitação, preço líquido de aquisição,
dissertação
Classificação JEL: E30, E31, Y4
III
4. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
ABSTRACT
The exclusion of owner-occupied housing (OOH) in the Harmonized Index of Consumer
Prices (HICP) is the major shortcoming in the coverage of this inflation indicator, and the
most substantial difference between the HICP and European Union’s national consumer price
indices where OOH is included. Furthermore, as OOH represents a sizeable proportion of
household expenditures, significant differences in households' housing expenditure amounts
arise due to the fact that the balance between owner-occupied and rented housing vary
considerably among the European Union Member States .
It has been considered unsatisfactory to exclude OOH from the HICP since this may give a
misleading picture of the inflationary pressures present in the economy. Hence, the exclusion
of OOH may impinge on the ability of the HICP to meet its primary objectives, which are, on
the one hand, price convergence assessment in the EU and, on the other, the monitoring of
price stability in the euro area. Eurostat and the National Statistical Institutes have been
running pilot studies aiming at developing a system of OOH price indices following HICP
standards. The final decision on how to treat OOH is dependent on the results provided by
OOH pilot studies.
The primary goal of this dissertation is to gather some of the literature about the likely future
inclusion of OOH in the HICP, describing the main ongoing procedures, the methods
considered, citing its advantages and disadvantages, and potential implications on the rate of
inflation, particularly in the case of Portugal
Keywords: Prices indices, housing prices, net acquisitions approach, dissertation
JEL Classification: E30, E31, Y4
I
5. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
ÍNDICE
ÍNDICE DE QUADROS ......................................................................................................... II
ÍNDICE DE FIGURAS ......................................................................................................... III
GLOSSÁRIO DE SIGLAS .................................................................................................... IV
I. Enquadramento do problema .......................................................................................... 1
II. A habitação própria como parte integrante de um índice de preços no consumidor . 4
a. A habitação como uma questão de medição ................................................................... 4
b. A perspetiva das contas nacionais .................................................................................. 4
c. As diferentes abordagens possíveis ................................................................................. 6
i. Ênfase na Aquisição .................................................................................................... 6
ii. Ênfase na Utilização .................................................................................................... 8
iii. Ênfase no Pagamento................................................................................................... 9
iv. Exclusão total ............................................................................................................ 11
III. A incorporação da HP na abordagem do preço líquido de aquisição .................... 13
IV. O conceito de preço ..................................................................................................... 17
V. Fontes de informação ...................................................................................................... 18
VI. Implicações para Portugal: questões operacionais e o impacto sobre a taxa de
inflação .................................................................................................................................... 19
a. Questões operacionais: construção de um índice de preços (de transação) de
habitação .............................................................................................................................. 19
b. Estimativa sobre o impacto na taxa de inflação ........................................................... 21
VII. Considerações finais .................................................................................................... 25
Bibliografia ............................................................................................................................. 27
II
6. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1. 1. Proporções de ocupação pelo proprietário nos pesos da componente
arrendamento do IHPC ..................................................................................................... 3
Quadro 2. 1. Relação entre a escolha da abordagem e os objetivos do IPC ........................ 10
Quadro 2. 2. Tratamento dos custos com a habitação própria em diferentes países ........... 12
Quadro 7. 1 O tratamento dos preços da habitação própria nos índices de preços usados
pelas principais autoridades monetárias ......................................................................... 26
II
7. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 3. 1. Fluxos da habitação entre sectores .................................................................... 14
Figura 6. 1. Preços de avaliação bancária e índice confidencial imobiliário....................... 20
Figura 6. 2. Evolução dos preços das rendas efetivas em Portugal ...................................... 22
Figura 6. 3. Evolução dos preços da habitação e do IPC geral ............................................ 23
Figura 6. 4. Evolução do índice de preços modificado e do IPC geral ................................. 24
III
8. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
GLOSSÁRIO DE SIGLAS
HP - Habitação Própria (Owner-Occupied Housing, OOH, na formulação em inglês)
IHPC - Índice Harmonizado de Preços no Consumidor
IPC - Índices de preços no consumidor
UE - União Europeia
BCE - Banco Central Europeu
IPDF - Índice de Preços das Despesas Familiares
SEC95 - Contas Nacionais (Sistema de Contas Nacionais de 1995)
IPH - Índices de preços de habitação
IPHP - Índice de preços de habitação própria
IABH - Inquérito à Avaliação Bancária na Habitação
INE - Instituto Nacional de Estatística
IMI - Imposto Municipal sobre Imóveis
IMT - Imposto Municipal de Transmissões
IV
9. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
I. Enquadramento do problema
A exclusão dos custos associados à posse de habitação própria (HP, Owner-Occupied
Housing, OOH, na formulação em inglês) do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor
(IHPC) é frequentemente apontada como a maior lacuna deste índice na cobertura da inflação,
bem como um dos fatores mais importantes para as diferenças encontradas entre o IHPC e os
índices de preços no consumidor (IPC) dos diversos países da União Europeia (UE) onde os
preços da HP são considerados. O tema é particularmente importante dado que a HP
representa uma parcela significativa das despesas das famílias, existindo diferenças
acentuadas nos encargos com a habitação que resultam do facto da proporção entre as famílias
que optam pela aquisição de habitação própria e as famílias que optam pelo arrendamento
variar consideravelmente nos diversos países da EU (Quadro 1.1).
A exclusão da HP do IHPC pode revelar-se um fator de enfraquecimento deste indicador
enquanto medida que procura avaliar as tensões inflacionistas na economia. Por outras
palavras, a exclusão da HP do IHPC pode afetar negativamente a capacidade do IHPC em
cumprir os principais objetivos que presidiram à sua criação, que são, por um lado, a
avaliação da convergência de preços entre os países da UE e, por outro, a monitorização da
estabilidade de preços na área do euro – o objetivo primordial confiado ao Banco Central
Europeu (BCE) pelo Tratado da UE.
Este é um tema que tem merecido atenção particular nos grupos de trabalho ao nível do
Eurostat – organismo da UE responsável pela produção estatística e pela compilação do IHPC
– estando a decorrer estudos piloto em diversos países visando a construção de índices de
preços de habitação seguindo os padrões do IHPC e baseados na chamada abordagem do
preço líquido de aquisição. Os resultados destes estudos piloto serão cruciais para avaliar a
forma como será tratada a HP. Uma alternativa será a inclusão da HP como uma componente
adicional do IHPC; outra alternativa será a criação de um indicador autónomo que possa ser
adicionado ao IHPC para uma análise mais correta da evolução dos preços no consumidor.
Ambas as alternativas oferecem uma melhor solução para uma análise mais integrada e
abrangente da evolução dos preços associados às despesas familiares (aquilo que se designa
habitualmente por Índice de Preços das Despesas Familiares, IPDF).
1
10. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
É importante referir que o IHPC é compilado seguindo as regras estabelecidas nos
regulamentos da UE, com a finalidade de medir a inflação numa base comparável entre os
Estados Membros. Um ponto de partida importante para o IHPC e, portanto, para um índice
de HP seguindo os padrões do IHPC, é a exclusão dos chamados preços imputados. O IHPC
visa refletir a evolução dos preços efetivamente pagos pelos consumidores, uma abordagem
assente na conceção de que a inflação é essencialmente um fenómeno monetário, sendo
apenas consideradas as transações de mercado feitas pelas famílias com os outros sectores
institucionais. Entre as abordagens alternativas para a medição da HP, apenas o chamado
método do preço líquido de aquisição satisfaz esta condição importante, como adiante será
constatado1.
O objetivo fundamental desta dissertação é rever alguma da literatura acerca da provável
futura inclusão da HP no IHPC, descrevendo os principais procedimentos em curso, os
métodos considerados, mencionando as suas vantagens e desvantagens, e as possíveis
implicações sobre a taxa de inflação resultante da possível futura inclusão da HP no IHPC, em
particular no caso de Portugal.
Esta dissertação encontra-se estruturada do seguinte modo. O capítulo II discute as diversas
opções de integração dos custos da HP no IHPC, avaliando os respetivos méritos e
enunciando as principais questões operacionais. O capítulo III analisa os aspetos operacionais
associados à incorporação da HP na abordagem do preço líquido de aquisição – a abordagem
que parece reunir maior consenso entre os institutos de estatística da União Europeia. A
definição de “preço” é analisada no capítulo IV, enquanto as questões ligadas às fontes de
informação são abordadas no capítulo V. As possíveis implicações da incorporação da HP no
IHPC para o caso português são discutidas no capítulo VI, sendo igualmente apresentada uma
estimativa do impacto sobre a taxa de inflação. Finalmente, o capítulo VII apresenta algumas
considerações finais.
1
Sob a abordagem das aquisições líquidas, medem-se os preços para refletir a alteração do custo de aquisição de
bens e serviços que são novos para o sector das famílias como um todo.
2
11. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Quadro 1. 1. Proporções de ocupação pelo proprietário nos pesos da componente
arrendamento do IHPC
Peso do arrendamento no Proporção de habitação ocupada pelo
IHPC proprietário
(% do total) (% do total stock de habitação)
Bélgica 6.4 68
República Checa 3.2 47
Dinamarca 7.8 53
Alemanha 10.8 45
Irlanda 3.2 77
Grécia 2.9 74
Espanha 2.3 82
França 6.8 56
Itália 2.2 68
Chipre 1.4 68
Letónia 0.9 79
Lituânia 0.6 91
Luxemburgo 3.3 67
Hungria 0.3 92
Malta 0.6 70
Holanda 7.7 55
Áustria 3.7 58
Polonia 2.4 58
Portugal 2.0 75
Eslovénia 1.9 84
Eslováquia 1.7 74
Finlândia 8.6 63
Suécia 9.4 46
Grã-Bretanha 4.9 69
Fonte: Eurostat
3
12. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
II. A habitação própria como parte integrante de um índice de preços no consumidor
a. A habitação como uma questão de medição
A habitação é um bem duradouro, adquirido num determinado período, e usado ao longo de
muitos anos e cuja compra é, em muitas situações, financiada por meio de crédito ou de
poupanças acumuladas ao longo de um período de tempo longo (por exemplo, através de
cooperativas de habitação). A separação entre o pagamento, a aquisição e o uso da habitação
coloca o primeiro problema de medição para quem pretende calcular um índice de preços de
habitação. Na presença destas diferenças temporais, em que momento deve o valor de uma
habitação ser registado?
Adicionalmente, o carácter duradouro da habitação implica que um fluxo de serviços será
fornecido aos proprietários após a sua aquisição. Como esses serviços são produzidos pelos
proprietários para seu próprio consumo, não existe um valor de mercado e assim surge um
segundo problema de medida. Com que base os preços destes serviços serão estimados? Que
abordagem deverá ser seguida? Estas questões serão abordadas de seguida. Parece claro que
não existe uma solução 'perfeita' para a inclusão da HP no IHPC e que as respostas para as
perguntas acima mencionadas dependerão, em última análise, da finalidade e do princípio
básico de construção (abordagem pelo lado do consumo ou das despesas) do índice.
b. A perspetiva das contas nacionais
Na perspetiva das contas nacionais (SEC95), quando um bem que não a habitação é adquirido
por uma família, a totalidade da despesa é registada no momento da aquisição, mesmo que a
sua utilização perdure para além do momento de compra, como é o caso, por exemplo, de um
automóvel. A compra de habitação é, no entanto, tratada de modo diferente na perspetiva das
contas nacionais, visto que o benefício de usar uma casa normalmente estende-se por muito
mais anos por comparação com os outros bens duradouros. Assim, seria pouco razoável
considerar todo o benefício originado pelo consumo de serviços de habitação no período
inicial de compra. Além disso, a proporção de habitações ocupadas pelos proprietários e de
habitações alugadas pode variar significativamente entre países e mesmo durante curtos
4
13. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
períodos de tempo no mesmo país. Por conseguinte, nas contas nacionais, o valor dos serviços
que a habitação fornece ao seu proprietário é imputado ao longo da respetiva vida útil.
As contas nacionais resolvem o problema da HP, separando a aquisição e o uso; o primeiro é
considerado como um investimento feito pelas famílias (Formação Bruta de Capital Fixo em
habitação) e o segundo como consumo de serviços feitos por proprietários de habitação. Mais
especificamente:
• Os benefícios do uso de uma casa são definidos como serviços prestados pelas
habitações próprias, que são consumidos pelos seus proprietários (famílias);
• Os valores imputados pelo fluxo de benefícios decorrentes da utilização da casa
caracterizam-se como despesa de consumo final dos proprietários;
• O valor imputado dos serviços de habitação usufruídos pelos proprietários pode ser
estimado com base no valor da renda que seria paga no mercado de arrendamento por
um alojamento comparável em tamanho, qualidade e tipo;
• As aquisições de habitações ou estruturas residenciais para uso próprio são definidas
como formação bruta de capital fixo;
• As habitações são registadas na conta de formação de capital com base no seu valor de
aquisição.
Do ponto de vista estrito das contas nacionais, a inclusão da HP num índice de preços que não
exceda os limites de consumo só é atingível a partir de uma perspetiva de utilização. De
acordo com este quadro, as habitações são ativos fixos e, consequentemente, o seu preço de
aquisição não deve ser incluído num índice de preços de medição do consumo. Da mesma
forma, as despesas em grandes obras de renovação ou ampliações não são tratadas como
despesas de consumo das famílias, sendo registadas pela contabilidade nacional como
formação bruta de capital fixo. À luz desta perspetiva, a inclusão da HP no IHPC implicaria a
aceitação de valores imputados para a estimar o valor de um serviço para o qual não há
qualquer preço de mercado. Tal é plenamente coerente com o quadro das contas nacionais,
mas não necessariamente a melhor alternativa para outros índices que utilizam uma medida
mais abrangente de inflação.
5
14. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
c. As diferentes abordagens possíveis
Existem diferentes abordagens para refletir no IPC a inflação medida do ponto de vista dos
proprietários de habitação. As principais alternativas avançadas na literatura são a abordagem
do valor líquido de aquisição, a abordagem da utilização (abordagens de uso e rendas
equivalentes) e a abordagem dos pagamentos. Todas estas abordagens da HP têm uma base de
apoio sólida na teoria económica e todas têm pontos fortes e fracos. A resposta à pergunta
sobre qual o método mais adequado depende sobretudo da finalidade do índice de preços para
os decisores políticos. Para o IHPC, o método do valor líquido de aquisição tem sido
considerado o melhor entre as várias alternativas. Além das abordagens listadas acima, é
possível argumentar que a exclusão da HP do IPC constitui, em si, uma quinta solução para
esta questão. Os próximos pontos fornecem uma breve explicação sobre cada uma destas
possíveis abordagens de lidar com a HP.
i. Ênfase na Aquisição
Na abordagem do valor de aquisição, os preços são registados a preços de mercado no
momento de aquisição de forma integral, ignorando-se o problema da distribuição do custo
inicial do bem duradouro ao longo do seu período de vida útil. O valor total da aquisição é
assim totalmente considerado no momento da compra, independentemente de quando o seu
consumo é iniciado ou quando e como o seu pagamento é efetuado. Um sistema de índices de
preços com base nesta abordagem deve incluir as seguintes informações:
- Despesas com a aquisição de habitação;
- Impostos municipais e outros impostos ou taxas relacionadas com a compra ou
construção;
- Grandes reparações e custos de manutenção;
- Seguros relacionados com a habitação.
Uma das vantagens desta abordagem é a de tratar todos os bens duradouros da mesma forma,
sem necessidade de procedimentos estatísticos especiais. Uma possível desvantagem poderá
resultar do facto do ano base poder corresponder a um ano de grande expansão no sector da
construção (ou um ano de queda acentuada) e desse modo poder enviesar significativamente
os ponderadores para os anos seguintes. No entanto, este é um problema geral que afeta todos
6
15. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
os bens de consumo duradouros como, por exemplo, os automóveis. Este problema pode,
contudo, ser minimizado se, por exemplo, os pesos do ano base forem calculados como
médias ao longo de vários anos 2 . Além disso, a utilização de índices encadeados, com
revisões sistemáticas do regime de ponderação, é uma forma de reduzir este efeito. A
aplicação desta abordagem geralmente assume a forma líquida 3 . De um modo geral, o
princípio do registo em termos líquidos significa que apenas as transações entre o sector
institucional das famílias (que é a população-alvo do índice) e outros setores são considerados.
Os pontos fortes da abordagem do preço líquido de aquisição para a HP podem ser resumidos
da seguinte forma:
- Mede os preços como eles são entendidos pelo público em geral (ou seja, segue a
evolução dos preços efetivamente pagam);
- Reflete as alterações dos verdadeiros preços de transação, algo que se enquadra no
IHPC como uma medida da inflação monetária;
Por outro lado, as principais desvantagens da abordagem do preço líquido de aquisição são:
- O facto das compras de casa serem tradicionalmente consideradas como um
investimento, em vez de uma compra de consumo4;
- O alto investimento inicial para criar a infraestrutura estatística necessária;
- A necessidade de recolher os preços das habitações em termos líquidos de uma forma
regular e adequada.
2
No entanto, isso pode não ser uma solução na medida em que o sector da construção pode evoluir de acordo
com ciclos de longo prazo.
3
O Australian Bureau of Statistics e Statistics New Zealand produzem o seu IPC com base a abordagem do
preço líquido de aquisição.
4
Tecnicamente, isso não constitui uma desvantagem real se o âmbito de aplicação do índice da HP for estendido
para cobrir o total das despesas domésticas e não restrito, como no IHPC, para cobrir apenas as despesas de
consumo das famílias.
7
16. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
ii. Ênfase na Utilização
A abordagem baseada na utilização (ou consumo) está relacionada com a teoria
microeconómica do custo de vida. Subjacente a esta abordagem está a ideia de que o valor
(económico) de uma habitação se baseia nos benefícios do seu uso, que são, por sua vez,
iguais ao custo de oportunidade do melhor uso alternativo para o consumo desses mesmos
serviços de habitação. Há duas abordagens básicas: os custos de utilização e a renda
equivalente (ou rendas imputadas).
Na abordagem dos custos de utilização, a compra inicial de um bem duradouro é decomposta
em duas partes: uma reflete um custo estimado associado ao uso dos serviços oferecidos pelo
bem; e outra, considerada como um investimento, que deve ser rentabilizado de acordo com
uma taxa de retorno exógena. Em teoria, um sistema com base nesta abordagem teria de
incluir informação sobre as seguintes variáveis:
- Reparações e manutenção;
- Seguros;
- Impostos municipais e outras taxas relacionadas com a compra ou construção;
- Taxa de juro do crédito à habitação;
- Taxa de depreciação da habitação;
- Mais-valias;
- Custo de oportunidade de investimentos alternativos.
Na abordagem da renda equivalente, o valor da renda é tomado como uma medida dos custos
de utilização. Nesta abordagem, um preço imputado ao bem duradouro é igual ao preço de
aluguer ou preço de um consumo equivalente bem duradouro para o mesmo período de
tempo5. A abordagem da renda equivalente é a única que não exige a elaboração de um índice
de grandes reparações e manutenção. Isto é justificado pelo facto de que as grandes
reparações e os custos de manutenção são normalmente pagos pelos proprietários e, portanto,
serão refletidos nas rendas pagas pelos inquilinos. Uma desvantagem dessa abordagem é que
pode ser irrelevante em situações em que o mercado de arrendamento é limitado.
5
A Alemanha e a Noruega, por exemplo, aplicam a abordagem de equivalência de rendas nos seus índices
nacionais.
8
17. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Os ponderadores desta abordagem tendem a ser maiores do que os que são derivados da
abordagem preço líquido de aquisição, porque os custos de financiamento são excluídos no
último caso mas são explicitamente ou implicitamente incluídos na ótica da utilização. Em
geral, especialmente se visto do ponto de vista dos padrões de medida do IHPC, esta
abordagem tem os seguintes inconvenientes graves:
Abordagem dos custos de utilização:
- É baseado em julgamentos subjetivos e pressupostos teóricos de depreciação e custos
de oportunidade que não refletem necessariamente as experiências das famílias;
- Está aberta à crítica pois a sua aplicação obriga a julgamentos subjetivos;
- Usa medidas de custos imputados ao invés de preços de transação real;
- Reflete as alterações nas taxas de juro, tornando o índice inútil para os fins de política
monetária para que é utilizado o IHPC.
Abordagem da renda equivalente:
- É um conceito teórico que usa medidas de preços imputados ao invés de preços de
transação observados. Como tal, não é consistente com os requisitos do IHPC, que
dizem que o IHPC deve seguir os preços de aquisição de transações monetárias;
- Não é necessariamente representativo em países com um mercado arrendamento de
pequenas dimensões. O seu uso em tais casos pode levar a resultados imprecisos. Além
disso, a inclusão das taxas de juro nas ponderações, juntamente com a utilização de
imputações, pode ser difícil de explicar aos utilizadores e pode prejudicar a
credibilidade do índice de preços.
iii. Ênfase no Pagamento
De acordo com esta abordagem, o que se mede são os desembolsos monetários feitos pelas
famílias em relação à compra de bens e serviços de alojamento (Quadro 2.1). As despesas são
definidas em relação a todos os pagamentos de tais bens e serviços, independentemente de
quando eles foram efetivamente consumidos ou adquiridos. Em princípio, esta variante não
exige preços teóricos ou imputados. Um sistema de índices de preços com base nesta
abordagem poderia incluir os seguintes itens:
9
18. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
- Montantes gastos na aquisição parcial ou total das habitações;
- Impostos municipais e outras taxas relacionadas com a compra ou construção;
- Seguros relacionados com as habitações;
- Pagamentos de reparações e manutenção;
- Pagamentos de juros e amortização relacionados com o crédito à habitação.
Quadro 2. 1. Relação entre a escolha da abordagem e os objetivos do IPC
Definição subjacente
Abordagens Principal finalidade do IPC Observações
à abordagem
Medir a variação temporal da
Abordagem mais em
despesa total associada a Custo de aquisição de
conformidade com a
todas as transações uma habitação feita
definição de um 'índice de
Aquisição monetárias feitas pelas por um agregado
inflação'. Não há
famílias para aquisição de familiar para própria
necessidade de preços
bens e serviços para fins de utilização
imputados
consumo
Medir a variação temporal do Custo de oportunidade Abordagem mais em
valor total de todos os bens e associado à utilização conformidade com a
Uso serviços que foram de uma habitação por noção de índice de 'custo
realmente consumidos pelas uma família para de vida'. São necessários
famílias utilização própria preços imputados
Abordagem mais
Medir a variação temporal do apropriada para a
Montantes gastos com
total dos pagamentos feitos avaliação do rendimento
Pagamento a utilização de uma
pelas famílias com todos os em dinheiro.
habitação própria
bens e serviços Não são necessários
preços imputados
Medir a variação temporal da Pode ser visto tendo um
despesa total associada a âmbito demasiado
Exclusão da todas as transações restrito, um problema que
-
HP monetárias de bens de poderia ser superado pela
consumo e serviços feitas construção de um IPDF
pelas famílias autónomo
10
19. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
A inclusão dos pagamentos de juros do crédito à habitação na abordagem de pagamentos seria
problemática devido à sua utilização como índice de referência para a política monetária6.
Também o índice inclui os reembolsos de empréstimos hipotecários, os quais não são
despesas de consumo e, como tal, ficam claramente fora do âmbito do IHPC.
iv. Exclusão total
Exclusão da HP do IPC é outra opção que está disponível para os compiladores do índice de
preço, sendo a prática na maioria dos países europeus (Quadro 2.2). A justificação para esta
opção baseia-se essencialmente numa perspetiva das contas nacionais nacional de contas e do
âmbito de aplicação de um índice de preços no consumidor. Como apontado anteriormente, a
aquisição de uma habitação por um agregado familiar é considerada como um investimento
num ativo fixo e não o consumo de um bem duradouro. Esta justificação, juntamente com a
ideia de que o alcance do índice deve ser essencialmente restrito aos gastos monetários das
famílias, justifica a opção pela exclusão 7 . Alguns utilizadores destacam que a principal
desvantagem desta abordagem é de que o âmbito de um índice sem habitação própria é
demasiado restrito e que uma parte importante da pressão inflacionista enfrentada pelas
famílias encontra-se excluída. Essa restrição pode ser superada com a produção de um
indicador independente (por exemplo, o IPDF) com base na agregação do IHPC e da HP.
A este propósito é importante frisar que o programa estatístico europeu sobre preços de
habitação que se encontra a decorrer sob a égide do Eurostat engloba duas vertentes: i) o
desenvolvimento de índices de preços de habitação (IPH) e ii) a criação de índices para HP. O
programa tem sido desenvolvido por fases, tendo a 1ª fase sido iniciada em 2001,
encontrando-se atualmente na 5ª fase, com fim previsto em 2014. O regulamento que
estabelece a existência dos 2 sistemas de índices trimestrais relacionados entre si (IPH e HP)
foi aprovado pelo Eurostat e pelos institutos de estatística prevendo-se a sua publicação
oficial até ao final de 2012.
6
O mesmo argumento pode ser aplicado também para a abordagem dos custos de utilização.
7
Também se deve ter em mente que a exclusão da HP do IPC poderia ser feita por motivos práticos, devido à
falta de dados fidedignos para a elaboração de um índice. Os problemas associados às fontes de informação
serão discutidos mais adiante.
11
20. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Como seria expectável, uma questão que tem sido discutida nos diversos grupos de trabalho
tem sido a da adequabilidade de integrar o índice HP no IHPC. Esta questão está longe de ser
consensual, havendo alguns países que se têm oposto a esta integração. Estes países
consideram no essencial que os preços de habitação refletem preços de ativos e, portanto, não
devem fazer parte de um índice de preços no consumidor. Não existindo dúvidas quanto à
importância e utilidade de se construírem índices de preços de habitação harmonizados, a sua
publicação num índice independente do IHPC permite suprir essa lacuna de informação
estatística, sem introduzir perturbações numa estatística fundamental da política monetária
como é a inflação. No regulamento do IHPC relativo à HP que entrará em vigor a partir de
2014 ficou definido que após de entrada em vigor do regulamento haveria um período de 5
anos para avaliação da adequabilidade da inclusão desse índice no IHPC.
Quadro 2. 2. Tratamento dos custos com a habitação própria em diferentes países
Países EU Outros
Ênfase na aquisição Finlândia (desde 2006), Austrália, Nova Zelândia
União Europeia (Estudo
piloto no IHPC)
Ênfase na utilização Finlândia (até 2005), Suécia, Canadá, Japão, Noruega,
Grã-Bretanha*, República Estados Unidos da América
Checa, Alemanha,
Dinamarca, Chipre, Holanda
Ênfase no pagamento Irlanda
Exclusão total Bélgica, Grécia, Estónia,
Espanha, França, Itália,
Luxemburgo, Letónia,
Lituânia, Malta, Polonia,
Portugal, Eslovénia, Grã-
Bretanha*
Outros métodos Hungria, Áustria, Eslováquia
* No Reino Unido, o Índice de Preços a Retalho inclui os custos com a habitação própria, na versão de custo de
utilização; enquanto o Índice de Preços no Consumidor exclui estes custos.
12
21. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
III. A incorporação da HP na abordagem do preço líquido de aquisição
O IHPC é compilado de acordo com as regras que constam do regulamento da UE que define
os requisitos que permitem medir a inflação numa base comparável entre os Estados
Membros8. Um ponto de partida importante no IHPC, e naturalmente para um índice de HP
que siga os padrões do IHPC, é a exclusão dos preços de transações imputados. Das
alternativas de medição da HP, só a abordagem do preço líquido de aquisição preenche esta
importante condição.
Seguindo o paradigma de medição da inflação com base no IHPC, a medição dos preços da
HP é feita usando as despesas e preços associados à compra (ou melhoria) das habitações
habitadas pelos próprios proprietários. A abordagem que tem sido considerada como a mais
apropriada para medir a variação dos preços da HP é a do preço líquido de aquisição. Tal
encontra-se refletido na proposta do novo regulamento sobre preços de HP a ser publicado.
Em termos gerais, na abordagem do preço líquido de aquisição, os preços são medidos de
modo a refletir a alteração no custo de aquisição dos bens e serviços que são novos para o
setor institucional das famílias. Em linhas gerais, o conceito de preço “líquido” significa que
apenas as transações entre o sector das famílias (que é a população-alvo do índice) e os outros
setores são consideradas. Deve notar-se que na abordagem de aquisições líquidas é
conceptualmente irrelevante se uma habitação é nova ou usada. O fator importante a
considerar é se a habitação foi comprada pelo sector das famílias para uso próprio. No entanto,
na prática, a abordagem centra-se na aquisição de novas habitações que são fornecidas pelos
outros sectores institucionais (ou seja, concentra-se nas aquisições intersectoriais) ou
construídas pelo próprio sector das famílias. Também, o terreno deve, em princípio, ser
excluído do âmbito de aplicação desta abordagem porque é um recurso que não pode ser
reproduzido, cuja disponibilidade é fixa, independentemente de quantas transações de
habitações são realizadas ao longo do tempo.
Em termos operacionais, um índice de preços de habitação própria (IPHP) seguindo a
abordagem do preço líquido de aquisição poderia abranger as seguintes categorias de despesas:
8
A lei de referência é o Regulamento da Comissão (CE) n. 1749/1996, que foi complementado com vários
regulamentos de caráter operacional.
13
22. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
O.1. Despesas com habitação própria
O.1.1. Aquisição de habitação
O.1.1.1. Habitações novas
O.1.1.1.1. Compras de novas habitações
O.1.1.1.2. Habitações construídas pelo próprio e grandes renovações
O.1.1.2. Habitações existentes mas novas para o setor das famílias
O.1.1.3. Outros serviços relacionados com a aquisição de habitações
O.1.2. Posse de habitação
O.1.2.1. Grandes reparações e manutenção
O.1.2.2. Seguros relacionados com a habitação
O.1.2.3. Outros serviços relacionados com a posse de habitações
Na figura 3.1., as caixas mostram os intervenientes institucionais relevantes e as setas todos
os fluxos que são relevantes para a habitação. A área oval a 'azul/sombreado' inclui as
transações que são de interesse para a HP. A caixa I mostra as famílias pertencentes à
população de referência. De modo a ser exaustivo, outro grupo de famílias – os inquilinos –
que arrendam habitações possuídas por outros é mostrado na caixa III.
Figura 3. 1. Fluxos da habitação entre sectores
Os Proprietários (I) e os Inquilinos ou
arrendatários (III) só podem ser famílias, e
formam a totalidade deste sector institucional.
Além disso, todas as habitações disponíveis são
ocupadas por um destes grupos; caso contrário,
encontram-se vazias ou adstrita a outro, caso este
em que deixam de ser consideradas como
habitações. Por outro lado, todo o stock de
habitações encontra-se na posse dos
proprietários de habitação própria (I) e de outros
proprietários de habitações (II). Este grupo de outros proprietários de habitação consiste não
só em todos os setores institucionais que não as famílias, mas também as famílias quando
agem como proprietários ou construtoras. Os fluxos de A a D representam todas as operações
de habitação que são realizadas dentro do período em questão. Fluxo E é o fluxo de serviço
14
23. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
entre proprietários de habitação e os inquilinos, o fluxo F representa os acréscimos ao stock
de habitações e G as alienações de habitações.
As setas referem-se aos fluxos de bens (habitações). Estes fluxos incluem as seguintes
transações:
• Fluxo A: compra de habitações por parte das famílias para uso próprio e que já tinham
sido ocupadas pelos respetivos vendedores;
• Fluxo B: compra de habitações para arrendar ou para outros fins e que já tinham sido
ocupadas pelos vendedores;
• Fluxo C: compra de habitações por parte das famílias para uso próprio a setores que
não o das famílias. Essas operações incluem habitações existentes que foram
previamente alugadas e novas habitações (ou seja, as adições, fluxo F). Exemplos de
situações que poderiam ser cobertas pelo índice sob fluxo C incluem: uma habitação
completamente nova que acabou de ser comprada por uma família, uma habitação que
era anteriormente detida por uma instituição governamental e que é vendida para o
sector das famílias ou uma habitação anteriormente pertencente ao mercado de
arrendamento e que é vendida a um agregado familiar;
• Fluxo D: compra de habitações de outros proprietários de habitações ao mesmo sector.
Além disso, este fluxo inclui habitações novas e existentes, mas estas estão destinadas
a ser arrendadas para fora ou para outros fins que não habitação.
Para efeitos da abordagem do preço líquido de aquisição, os fluxos relevantes são apenas os
que partem dos (vendas, por exemplo) ou chegam aos (compras, por exemplo) proprietários
(ou seja, A, B e C). Ao definir a importância e os pesos das compras de habitação num índice
que siga o conceito “líquido”, todas as vendas precisam ser deduzidas às compras para chegar
até às compras líquidas. A partir da Figura 1 podemos facilmente verificar que as compras
líquidas para os proprietários são definidas como:
(A + C) - (A + B) = C-B.
15
24. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Onde C inclui, como descrito acima, todas as habitações já existentes que foram arrendadas e
agora vendidas às famílias para uso próprio e, mais importante, todas as novas habitações
criadas durante o período de referência por empresas de construção e pelas famílias que agem
como construtoras (construção da própria habitação). Nesta ilustração, as novas habitações
entram nos mercados de habitação – para serem utilizadas pelos proprietários ou para serem
alugadas – sempre através do setor "Outros proprietários de habitação". Uma nova habitação
construída por uma família é considerada como uma transação entre os sectores dos
proprietários e outros proprietários de habitações. O caso da “autoconstrução”, o agregado
familiar age, por um lado, como o construtor da habitação e, por outro lado, como comprador
dessa mesma habitação. Neste caso, a habitação deve ser avaliada pelo preço dos custos de
construção, com exclusão do valor do trabalho por conta própria usado no processo de
construção, se for o caso, porque não corresponde a um fluxo de trabalho transacionado no
mercado (fluxo de trabalho não remunerado).
16
25. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
IV. O conceito de preço
A compilação de índices da HP deve ser baseada em preços de transação completos pagos
pelas famílias para efeitos de aquisição de uma habitação para seu próprio uso ou ocupação.
Tal significa que os preços de transação efetivos devem ser a base para a compilação do
índice da HP. Preços definidos fora do mercado ou preços nocionais devem ser considerados
como desvios do conceito de preço ótimo. Um exemplo de um preço nocional é o preço
orçamentado, enquanto os preços das avaliações bancárias podem ser considerados como
preço definidos fora do mercado.
As grandes reparações e a manutenção de habitações ocupadas são consideradas como uma
produção para utilização final. Portanto, o valor desta produção deve ser considerada como a
soma dos seus custos de produção, isto é, a soma do consumo intermédio, a remuneração dos
empregados, consumo de capital fixo e outros impostos (menos subsídios) sobre produção
(incluindo as suas margens) devem ser considerados para calcular o índice para esta categoria.
Os preços dos seguros e comissões de serviços devem ser tratados de acordo com o
enquadramento geral do IHPC estabelecido nos regulamentos específicos, que definem as
regras aplicáveis a estes preços (conceito de preço e métodos para a compilação do índice).
17
26. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
V. Fontes de informação
As fontes de informação selecionadas devem garantir a recolha dos preços de transação no
momento exato da assinatura do contrato e numa frequência e timings adequados. Em
Portugal, tal como em vários outros países, existem algumas bases de dados administrativas
que estão facilmente acessíveis a um custo baixo. A informação dos notários, das autoridades
fiscais ou das câmaras municipais são alguns exemplos. Informação relevante pode ser
igualmente obtida através das instituições bancárias com crédito à habitação.
Em termos gerais, a qualidade das fontes de informação deve ser analisada à luz dos seguintes
critérios: i) exaustividade – inclusão de todas as transações relevantes; ii) relevância das
variáveis – as variáveis mais relevantes devem fazer parte da base de dados (preço de
transação e caraterísticas da habitação, como a área, localização, tipologia, idade,
facilidades,...); iii) oportunidade – a possível existência de restrições legais e burocráticas
podem inviabilizar a disponibilização da informação em tempo oportuno; iv) custo – o acesso
à informação deve ter um custo baixo, sendo desejável que a informação esteja já disponível e
necessite apenas de alguns ajustamentos que permitam adequar às exigências de compilação
do índice; v) qualidade – é fundamental que os dados obtidos sejam fidedignos, i.e. reflitam
os preços efetivamente transacionados, algo que pode ser difícil garantir em situações em que
tanto o comprador como o vendedor tenham incentivo em reportar um preço abaixo do
transacionado.
18
27. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
VI. Implicações para Portugal: questões operacionais e o impacto sobre a taxa de inflação
a. Questões operacionais: construção de um índice de preços (de transação) de
habitação
Portugal é presentemente um dos países onde os custos com a habitação não se encontram
refletidos no índice de preços nacional. Para além das questões de natureza conceptual
referidas anteriormente, i.e. se este tipo de custos deve ou não estar incluído num índice de
preços no consumidor, colocam-se problemas operacionais. Em particular, a inexistência em
Portugal de um índice de preços de habitação oficial que preencha os requisitos de qualidade
habitualmente considerados coloca desde logo esta matéria num patamar diferente.
Atualmente, existem em Portugal duas séries de preços que procuram medir a evolução dos
preços de habitação: os preços das avaliações bancárias, produzido pelo Instituto Nacional
de Estatística no âmbito do Inquérito à Avaliação Bancária na Habitação (IABH), e o Índice
Confidencial Imobiliário, lançado em 1988 pela entidade com o mesmo nome.
O IABH recolhe informação caraterizadora dos alojamentos que são objeto de financiamento
bancário e em cujo processo há lugar a uma avaliação técnica de cada imóvel. Assim, os seus
resultados são representativos para o universo de alojamentos em que há recurso a esse meio
de financiamento. Atualmente, são consideradas nove instituições financeiras nos resultados
apurados por este inquérito, correspondendo a cerca de 90% do montante total de crédito à
habitação concedido.
19
28. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Figura 6. 1. Preços de avaliação bancária e índice confidencial imobiliário
Por seu turno, o Índice Confidencial Imobiliário tem como objetivo medir a evolução da
valorização dos imóveis residenciais, traduzindo a “inflação” no mercado habitacional. O
apuramento do Índice beneficia do tratamento dos dados do portal imobiliário
LardoceLar.com. Este portal assegura uma forte cobertura face ao mercado, pois agrega a
informação de mais de 1500 empresas de mediação imobiliária a nível nacional. Como se
pode observar pela figura 6.1., as indicações dadas pelas duas séries nos últimos dez anos
foram em muitas situações contrárias. Esta discrepância parece ter-se atenuado nos últimos
anos, o que poderá estar associado ao aumento da cobertura do IABH por parte do INE.
Nos atuais estudos piloto em curso, é crível que o INE utilize a informação sobre os preços
das avaliações bancárias como primeira abordagem à análise dos preços das habitações,
devendo esta ser a série reportada ao Eurostat para efeitos da análise de sensibilidade até que
se encontrem disponíveis índices de preços baseados em preços de transação com qualidade
suficiente. Neste contexto, e de acordo com a informação recolhida, está em curso no INE um
projeto de construção de índices de preços baseados em dados administrativos fiscais, que se
baseia no cruzamento de duas fontes de informação fiscal (IMI e IMT), as quais permitem não
só obter preços de transação mas também dados detalhados relativos às características dos
20
29. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
alojamentos, o que permitirá um tratamento mais adequado dos efeitos das alterações dessas
características nas variações de preço. O INE espera obter os primeiros resultados baseados
nesta fonte durante o primeiro trimestre de 2013 e até ao final de 2013 tomar a decisão final
sobre o índice de preços de habitação (fonte e metodologia) para eventual publicação a partir
de 2014.
b. Estimativa sobre o impacto na taxa de inflação
No que diz respeito aos custos diretos associados à habitação, o Índice de Preços no
Consumidor português inclui atualmente as rendas pagas pelos inquilinos, sendo uma fração
importante composta pelas chamadas rendas sociais de carácter administrativo, e as despesas
associadas à reparação e manutenção das habitações suportadas, quer pelos inquilinos, quer
pelos proprietários. Estes dois itens têm atualmente uma ponderação no IPC de,
respetivamente, 2.6 e 0.4 por cento. A figura 6.2. mostra a evolução dos preços das rendas
pagas desde 1997, evidenciando o seu perfil mais alisado quando comparado com o
comportamento dos preços medidos pelo IPC geral. Este perfil decorre em grande medida da
forte componente administrada e de indexação presente nos preços das rendas. Em particular,
no período mais recente, os preços das rendas não acompanharam a queda generalizada dos
preços das habitações medidos pela avaliação bancária, colocando em evidência a
impossibilidade de utilização de qualquer metodologia que procure calcular um índice de
preços da habitação com base na evolução dos preços das rendas.
21
30. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Figura 6. 2. Evolução dos preços das rendas efetivas em Portugal
A questão que se coloca naturalmente é a de saber em que medida a possível inclusão futura
de um agregado de preços de habitação própria no IPC nacional poderia afetar a evolução
prospetiva e retrospetiva das taxas de inflação em Portugal. Para avaliar esse impacto, no que
se segue desta secção é adotado um procedimento relativamente simples. Dada a inexistência
de uma série de preços de avaliação bancária num horizonte alargado e cumprindo os
requisitos mínimos de qualidade9, adotou-se como série de referência os preços do índice de
confidencial imobiliário. Com base nesta série, construiu-se um índice de preços no
consumidor modificado incluindo os preços de habitação como agregado. A ponderação
atribuída a este agregado no índice global teve por base o peso nas contas nacionais (em 2009)
dos serviços de habitação excluindo rendas no consumo das famílias. Em 2009, este peso era
de 8.9 por cento – um valor que traduz a importância destes serviços no cabaz de consumo
das famílias. Este novo índice que avalia o possível impacto na taxa de inflação resultante da
inclusão da HP é construído atribuindo a ponderação de 91.1 por cento ao atual IPC e os
restantes 8.9 por cento á série de preços implícita no índice confidencial imobiliário. A figura
9
Como reconhecido pelo INE, os preços da avaliação bancária das habitações atualmente publicados
pelo INE, devido a problemas de cobertura da amostra, apresentam problemas de representatividade
nos anos anteriores a 2008.
22
31. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
6.3. mostra a variação homóloga mensal de ambos os índices nos últimos 15 anos. É notório o
desfasamento entre as duas séries em dois períodos em particular: no final da década de 90,
aquando da grande expansão no setor imobiliário, assistiu-se a um aumento muito
significativo dos preços das habitações, refletindo um crescimento forte da procura
promovido em grande parte por taxas de juro no crédito à habitação historicamente baixas; e
no período mais recente em que a forte redução das vendas de habitações se traduziu numa
redução acentuada dos respetivos preços médios.
Figura 6. 3. Evolução dos preços da habitação e do IPC geral
A figura 6.4. mostra o comportamento da taxa de inflação, medida com base na variação
homóloga, tanto com base no índice de preços oficial, como com o índice modificado. Não
obstante as naturais reservas quanto à interpretação deste índice de forma direta, o gráfico
mostra que o diferencial entre as taxas de inflação calculadas com ambos os índices difere
significativamente em alguns períodos. De facto, a magnitude do diferencial varia entre o
mínimo de -0.5 pontos percentuais no período mais recente e o máximo de 0.7 pontos
percentuais no final da década de 90. A título de ilustração, em Setembro de 2012, a taxa de
23
32. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
inflação medida com base na variação homóloga do IPC situou-se em 2.9 por cento, enquanto
o cálculo com o índice modificado apontaria para um valor de 2.4 por cento. A magnitude do
diferencial não é, todavia, surpreendente, encontrando-se em linha com as simulações para
outros países conduzidas por Cournède, B. (2005).
Figura 6. 4. Evolução do índice de preços modificado e do IPC geral
24
33. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
VII. Considerações finais
A exclusão dos custos associados à posse de habitação própria do IHPC é frequentemente
apontada como a maior lacuna deste índice na cobertura da inflação, podendo revelar-se um
fator de enfraquecimento deste indicador enquanto medida que procura avaliar as tensões
inflacionistas na economia. Por outras palavras, a exclusão da habitação própria do IHPC
pode afetar negativamente a capacidade deste indicador em cumprir os principais objetivos
que presidiram à sua criação, que são, por um lado, a avaliação da convergência de preços
entre os países da União Europeia e, por outro, a monitorização da estabilidade de preços na
área do euro – o objetivo primordial confiado ao Banco Central Europeu pelo Tratado da UE.
A decisão final sobre o modo como será tratada a habitação própria no IHPC está dependente
de diversos estudos piloto que se encontram em curso. Um possível tratamento será a sua
inclusão como uma componente adicional do IHPC. Em alternativa, pode ser calculado um
índice autónomo. As estimativas existentes (veja-se Cournède, B., 2005) demonstram que a
inclusão dos preços de habitação, pelo peso que têm nas despesas das famílias, poderá ter
impactos de magnitude não negligenciável nas taxas de inflação, em particular em períodos de
fortes quedas ou aumentos dos preços das habitações. A estimativa apresentada nesta
dissertação encontra-se na mesma linha, apontando para um impacto em torno de - 0.5 pontos
percentuais sobre a taxa de inflação em Portugal no período mais recente.
Em última análise, a decisão assumirá sempre um caráter político e tenderá a ter em
consideração os dois objetivos primordiais do IHPC acima apresentados. A este propósito
refira-se que as principais autoridades monetárias internacionais, para além do BCE, baseiam
as suas decisões em índices de preços que incluem a habitação própria (Quadro 7.1).
25
34. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Quadro 7. 1 O tratamento dos preços da habitação própria nos índices de preços usados
pelas principais autoridades monetárias
Autoridade Tratamento dos preços de
Medida de inflação Agência compiladora
monetária habitação própria
Custos de utilização
Deflator do consumo Bureau of Economic baseada nos custos com o
privado Analysis crédito à habitação e no
Reserva
valor das rendas
Federal
Rendas imputadas baseadas
Índice de Preços no Bureau of Economic
nas rendas efetivas ajustada
Consumidor Analysis
por diferenças de qualidade
Banco
Índice Harmonizado de
Central Eurostat Não incluído
Preços no Consumidor
Europeu
Índice de Preços no
Banco do Rendas imputadas baseadas
Consumidor excluindo Instituto de Estatística
Japão nas rendas efetivas
peixe fresco
Banco de Índice de Preços no
Instituto de Estatística Custos de utilização
Inglaterra Retalho
Custos de utilização
Índice de Preços no
baseada nos custos com o
Consumidor excluindo
Banco do crédito à habitação,
alimentares, Instituto de Estatística
Canadá depreciação, impostos
energéticos e impostos
sobre a propriedade e
indiretos
seguros.
26
35. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
Bibliografia
⋅ Cournède, B. (2005), “House Prices and Inflation in the Euro Area”, OECD Working
Paper no 450;
⋅ CENEX (2009), “Handbook on the application of quality adjustment methods in the
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“Harmonisation of Consumer Price Indices”, Eurostat Paper no HCPI 07/568, Luxembourg,
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Working Group meeting of 26-27 March 2009;
27
36. Qual o impacto da Habitação Própria no Índice de Preços do Consumidor
⋅ Pasanen, J. (2007), “CPI and owner-4occupied housing: available approaches”, short paper
presented at the 56th Session of the International Statistical Institute, Lisbon, August 2007;
28