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FACULDADE DE DIREITO DA FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 
Trabalho de Pesquisa 
Kelsen e o Decisionismo – Investigação Teórica 
Acadêmico: Rosemeri Munhoz de Andrade 
Semestre/Curso: 1° semestre / Graduação em Direito 
Disciplina: Teoria da Argumentação Jurídica 
Professor: Anízio Pires Gavião Filho 
Porto Alegre, junho de 2012.
Kelsen e o Decisionismo 2 
Introdução 
O presente trabalho visa a discorrer sobre Hans Kelsen e o Decisionismo, respondendo a pergunta: “Kelsen é ou não decisionista?” 
A questão a ser respondida não é simples nem tão pouco fácil, até mesmo por ser iniciante no estudo de Direito. Deslumbrei-me quando percebi a variedade de livros e artigos escritos por Kelsen, e apesar do objeto deste relato ser a resposta para a pergunta supracitada, é imprescindível, inicialmente conhecer o princípio metodológico por ele desenvolvido. 
Para melhor fundamentar minha opinião, ou seja, munir-me de argumentos que a sustentem, trago conceitos e informações sobre esse grande jurista e teorias relacionadas ao assunto. Dos textos que li e pesquisei, a interpretação poderá conduzir a mais de uma resposta, não necessariamente sendo uma única correta, porém para esse trabalho a intenção é, além de responder, convencer de que apenas uma delas se torne a correta, já utilizando os conceitos de Kelsen. 
O trabalho será dividido em 4 partes: 1. Quem foi Hans Kelsen?; 2. A doutrina Kelsiana. 3. Carl Schmitt e o Decisionismo Jurídico; e, finalmente, 4. Kelsen é ou não decisionista? 
Devido à notoriedade de Kelsen, a grandiosidade de suas obras, e reconhecendo a limitação de um trabalho meramente acadêmico, fui buscar o que outros autores já fizeram. Para iniciar, citarei Ludwig Wittgenstein: “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (WITTGENSTEIN, 1.994, p. 281).
Kelsen e o Decisionismo 3 
Quem foi Hans Kelsen? 
Hans Kelsen, jurista austro-americano, na verdade tcheco-eslovaco, um dos mais importantes e influentes do século XX era de origem judaica, nascido na cidade de Praga em 1881, foi um dos grandes produtores literários do seu tempo, tendo publicado cerca de quatrocentos livros e artigos, sendo considerada a sua principal obra a Teoria Pura do Direito. Por ser judeu, Hans Kelsen foi perseguido pelo nazismo e emigrou para os Estados Unidos da América, onde viveu até a sua morte, em 1973, tendo exercido o magistério na Universidade de Berkeley na Califórnia. 
Kelsen pode ser considerado um pensador, pois ele radicaliza a visão positivista que ocorria desde o século XIX, na medida em que propõe a separação o Direito positivo de aspectos estranhos como o Direito Natural. 
Kelsen defendeu que todo o universo normativo é válido e legítimo, em função da norma fundamental. Mas dela não se pode exigir que fosse justa, assim mesmo uma norma fundamental injusta valida e legitima o direito que dela decorre. Com esta fundamentação Kelsen recebeu inúmeras críticas, inclusive a de ter servido ao nazismo, ainda que indiretamente. Quando Kelsen exilou-se nos EUA, com a sua norma fundamental neutra, teve que admitir como de fato o fez, que o direito nazista, por injusto e imoral que o considerasse, ainda assim era direito válido e legítimo. 
A aceitação ao pensamento de Kelsen não era unânime, ele sofreu perseguição intelectual dos adeptos do fascismo, e também as severas críticas com fundo ideológico, dos militantes da doutrina comunista. Mesmo assim os princípios de seu pensamento jurídico-científico permanecem até hoje como base em muitas instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito.
Kelsen e o Decisionismo 4 
2. A doutrina Kelseniana 
2.1 A teoria do Direito 
A teoria do Direito de Kelsen tinha como objetivo conferir à Ciência Jurídica uma dignidade metodológica, de igual forma às demais ciências até então reconhecidas, com isso procurava afastar o cientista do direito de toda qualquer espécie de valoração ou subjetivismo. Defendia a neutralidade científica aplicada à ciência jurídica, insistindo na separação entre ponto de vista jurídico e o moral político. Nesse contexto, de negativa kelsiana de realizar juízos valorativos representa o estudo que pretende conhecer o fato jurídico em sua “pureza”, livre de qualquer elemento externo, seja ele sociológico, psicológico, político ou ético que esteja a ele conectado. 
Kelsen, em seu conceito de Direito, procurou excluir quaisquer referências estranhas, especialmente aquelas de cunho sociológico e que considerou, por princípio, como sendo matéria de estudo de outros ramos da Ciência, tais como da Sociologia e da Filosofia. Assim, através de uma linguagem lógica e concisa, abstraiu a ideia de justiça, porque a justiça está sempre arraigada a valores adotados por aquele que a invoca, o que não caberia em um conceito de Direito universalmente válido. O Direito, nessa perspectiva, descreve o valorado como justo, ou seja, o valor que foi objetivado por meio da positivação do Direito, e não o que deveria ter sido ou deveria ser valorado dessa forma. 
Conforme kelsen “O Direito é sempre Direito Positivo, e sua positividade repousa no fato de ser sido criado e anulado por atos de seres humanos, sendo, desse modo, independente da moralidade e de sistemas similares de normas”.1 
1 KELSEN, Teoria Geral do Direito e do Estado, p.166.
Kelsen e o Decisionismo 5 
2.2. Ordenamento Jurídico 
Para Kelsen ordenamento jurídico é representado por um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, onde a norma mais importante subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior. É a hipotética fundamental da qual as demais normas retiram seu fundamento de validade. 
2.3. A teoria Pura do Direito 
Conforme Kelsen e decisão judicial não apenas interpreta a norma jurídica, mas é uma norma jurídica individual; ou seja, o Juiz não apenas diz o direito aplicável ao caso concreto, mas também cria o próprio direito. Para o aplicador do direito interpretar é decidir por um simples ato de vontade, sendo a decisão judicial a criação de uma norma jurídica individual. 
2.3.1. A essência da interpretação. Interpretação autêntica e não- autêntica 
Conforme Kelsen, a interpretação das normas é uma operação mental do processo de aplicação do direito de um escalão superior para um escalão inferior, porém a relação de determinação ou vinculação que ocorre entre um escalão superior e um escalão inferior da ordem jurídica, nunca é completa. 
“Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato”... “Se o órgão A emite um comando para que o órgão B prenda o súdito C, o órgão B tem de decidir, segundo o seu próprio critério, quando, onde e como realizará a ordem de prisão, decisões essas que dependem de circunstâncias externas que o órgão emissor do comando não previu e, em grande parte, nem sequer podia prever.”2 
2 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 246.
Kelsen e o Decisionismo 6 
O Direito a ser aplicado como uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades, será conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, preenchendo-a em qualquer sentido possível. 
“Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem.”3 
Dessa forma a interpretação de uma lei irá conduzir a várias soluções e não necessariamente a uma única solução como sendo a única correta, e que, na medida de aplicação têm igual valor, apesar que apenas uma delas se tornará Direito positivo no ato do tribunal. 
“Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro que a lei representa - não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral.”4 
Conforme Kelsen a jurisprudência tradicional acredita que a interpretação tem uma função ampla, talvez a sua principal tarefa: desenvolver um método que tornasse possível preencher ajustadamente a moldura prefixada. Dessa forma a teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer apenas uma única solução correta, e que a “justeza” jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei. 
Muito embora haja um grande esforço da jurisprudência o conflito entre vontade e expressão por uma forma objetivamente válida não obteve sucesso. Todos os métodos de interpretação conduzem apenas a um resultado possível, nunca a um resultado que seja o único correto. Ater-se na vontade presumida 
3 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 247. 
4 Idem, p.247
Kelsen e o Decisionismo 7 
do legislador desprezando o teor verbal ou vice-versa do ponto de vista do Direito positivo tem valor absolutamente igual. 
2.3.2. A interpretação como ato de conhecimento ou como ato de vontade 
Segundo Kelsen, na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. A partir desse ato, ou é produzida uma norma de escalão inferior, ou é executado um ato de coerção estatuída na norma jurídica aplicanda. 
"... a interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, ela não é criação jurídica."5 
É através deste ato de vontade que se distingue a interpretação jurídica feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualquer outra interpretação. Dessa forma a interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito, e é de fato bem conhecido que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas vezes criado o Direito novo - especialmente pelos tribunais de última instância. 
“Se um indivíduo quer observar uma norma que regula a sua conduta, quer dizer, pretende cumprir um dever jurídico que sobre ele impende realizando aquela conduta a cuja conduta oposta à norma jurídica liga uma sanção, esse indivíduo, quando tal conduta não se encontra univocamente determinada na norma que tem de observar, também tem de realizar uma escolha entre diferentes possibilidades. Porém, esta escolha não é autêntica. Ela não é vinculante para o órgão que aplica essa norma jurídica e, por isso, 
5 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 395
Kelsen e o Decisionismo 8 
corre sempre o risco de ser considerada como errônea por este órgão, por forma a ser julgada como delito a conduta do indivíduo que nela se baseou.” 6 
2.3.3. A interpretação da ciência jurídica 
Sobretudo, porém, tem de distinguir-se rigorosamente a interpretação do Direito feita pela ciência jurídica, como não autêntica, da interpretação realizada pelos órgãos jurídicos. 
Conforme Kelsen a interpretação científica, não é criação jurídica, é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, diferente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos. 
É importante ressaltar, que a ideia de que é possível, através de uma interpretação simplesmente cognoscitiva, obter Direito novo, é repudiada pela Teoria Pura do Direito. O preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo, essa função não é realizada pela via da interpretação do Direito vigente. 
A interpretação jurídico-científica deve se limitar a estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica, ela não pode tomar qualquer decisão entre as possibilidades reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito. 
“Um advogado que, no interesse do seu constituinte, propõe ao tribunal apenas uma das várias interpretações possíveis da norma jurídica a aplicar a certo caso, e um escritor que, num comentário, elege uma interpretação determinada, de entre as várias interpretações possíveis, como a única “acertada”, não realizam uma função jurídico-científica, mas uma função jurídico-política (de política jurídica). Eles procuram exercer influência sobre a criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o podem fazer em nome da ciência jurídica, como frequentemente fazem.”7 
6 Idem, p. 250. 
7 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 251.
Kelsen e o Decisionismo 9 
Devido à plurissignificação da maioria das normas jurídicas, afirmar que sempre em todos os casos existe só uma interpretação correta é ficção, esse é um ideal realizável apenas aproximadamente, conforme Kelsen. 
“Não se pretende negar que esta ficção da univocidade das normas jurídicas, vista de uma certa posição política, pode ter grandes vantagens. Mas nenhuma vantagem política pode justificar que se faça uso desta ficção numa exposição científica do Direito positivo, proclamando como única correta, de um ponto de vista científico objetivo, uma interpretação que, de um ponto de vista político subjetivo, é mais desejável do que uma outra, igualmente possível do ponto de vista lógico. Neste caso, com efeito, apresenta-se falsamente como uma verdade científica aquilo que é tão somente um juízo de valor político.”8 
2.3.4. Considerações de Tércio Sampaio Ferraz Jur. 
Para Tercio Sampaio a explanação de Kelsen sobre a interpretação jurídica, em sua obra a Teoria Pura do Direito, é frustrante por não fornecer base para a hermenêutica dogmática. No mesmo texto surge a distinção entre a interpretação autêntica que é realizada pelos órgãos competentes e a doutrinária por entes que não tem a qualidade de órgãos. Assim, todo o ente que não é órgão ao interpretar, mesmo dizendo o sentido de uma norma, não produz um enunciado vinculante. 
Conforme Tércio, Kelsen reconhece e aceita que os atos de vontade estão baseados em atos cognitivos e que é dever do juiz fundamentar sua sentença com coerência, fazendo uso de seus conhecimentos doutrinários. Porém, se houver um desequilíbrio entre o ato de vontade e o conhecimento prevalece o ato de vontade. “..., segundo Kelsen ainda que se tivesse a impressão que tudo gira em torno de argumentos e raciocínios e que são atos de conhecimento que conferem, afinal, o sentido aceito por todos, esta aceitação tem na verdade, seus fundamentos em atos de vontade competentes.”9 
8 Idem. 
9 FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito, p.262.
Kelsen e o Decisionismo 10 
E Tércio questiona: o que ocorre quando a interpretação é mero ato de conhecimento? Kelsen responde que os conteúdos normativos são por sua característica linguística, plurívocos. 
Por que não dizer que agindo conforme procedimentos racionais, não pode o doutrinador chegar a uma interpretação verdadeira? Essa hipótese é irrealizável, diz Kelsen, se admitida estaria criando uma ilusão, a ficção da univocidade das palavras da norma. 
“Numa analogia a um texto final de uma obra de Wittgenstein... “o que não se pode falar, deve-se calar”, poderíamos dizer que para o nosso jurista, o que a ciência jurídica não pode descrever, deve omitir”.10 
Conclui Tércio que Kelsen não explica a diferença entre a mera opinião não técnica sobre o conteúdo de lei e a opinião do doutrinador, e que considera possível denunciar, de um ângulo filosófico, os limites da hermenêutica, mas que não é possível fundar uma teoria dogmática da interpretação. 
Finalizando Tercio pergunta se seria um contrassenso falar em verdade hermenêutica, e enfrentar essa questão constitui o que ele chamaria de desafio kelseniano. 
3. Carl Schmitt e o Decisionismo Jurídico 
Para responder a pergunta se Kelsen é ou não decisionista, primeiramente teríamos que discorrer sobre o que é decisionismo jurídico, e, ao pensar em decisionismo jurídico pensamos em Carl Schmitt e sobre o problema da DECISÃO. 
A identificação do decisionismo por Carl refere-se a uma publicação de 1912, quando escreveu Direito e Julgamento. Para Schmitt, o que constitui a fonte de todo e qualquer direito é a autoridade ou a soberania de uma decisão última dada com um comando e não o comando por si só. Assim, uma desordem é convertida em ordem pelo fato de ser uma tomada de decisão, o que torna seus representantes verdadeiros “ditadores”. 
10 FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito, p.263.
Kelsen e o Decisionismo 11 
Ronaldo Macedo analisa a lógica decisionista, e conclui: “Deste modo, a estrutura lógica do decisionismo adquire os seus traços mais claros em Hobbes, pois o decisionismo puro pressupõe uma ‘desordem’ que vem mudada em ‘ordem’ somente pelo fato de que é tomada uma decisão.” 11 
Até 1920 Carl Schmitt visualizava o direito apenas como “normativista” o direito de Hans Kelsen e o “decisionismo” de Bodin, Hobbes e do próprio Schmit. Em 1934 classifica “Os Três Tipos do Pensamento Jurídico” (Über die drei Arten des Rechts – wissenschafttichen Denkens), identificados de forma concreta como uma “regra”, ou como uma “decisão”, ou ainda como um “ordenamento/configuração”, o que foi considerado uma evolução de seu pensamento. 
Dessa forma podemos dizer que existe no pensamento positivista uma relação muito próxima com o decisionismo. Ao legislador cabe decidir, pois tem posse do poder estatal, podendo decidir de forma coercitiva, mas existe a exigência que a decisão seja firme e inviolável e que também o legislador se obedeça à lei por ele criada. 
Pode-se compreender que o positivista é um decisionista em seu ponto de partida e normativista em seu ponto de chegada, pois se sustenta inicialmente uma vontade (do legislador ou da lei) e depois, contra a sua vontade, sem mediações em uma lei “objetiva”. 
A vontade da lei subsequente à vontade do legislador. É uma combinação de decisionismo e normativismo, típico do positivismo que possibilita que o filósofo se apresente de acordo com o caso ou como decisionista, ou mesmo como normativista para atender sua exigência de segurança e previsibilidade, importantes para o positivismo. 
Se concluirmos que a segurança, a firmeza e a inviolabilidade as quais o positivista evoca são na verdade, o elemento decisionista do positivismo, somente estes itens (segurança, a firmeza e a inviolabilidade) de decisão transformam a norma em norma válida. 
11 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Constituição, soberania e ditadura em Carl Schmitt, p. 119.
Kelsen e o Decisionismo 12 
Apesar das afirmações acima da proximidade entre o decisionismo e o positivismo, veremos uma contradição significativa, quando tratamos da origem da norma, que afasta a posição de Kelsen como decisionista. Exemplificando: No decisionismo de Carl a decisão se encontra no campo político, fruto de representação e não de imposição arbitrária. Soberano é quem decide: é o povo na democracia e o monarca na monarquia, assim é impossível a norma antever uma decisão. Quando Carl afirma que a norma tem sua origem na decisão contraria a Teoria Pura do Direito de Kelsen em que a norma fundamental é o pressuposto último do ordenamento jurídico. 
4. Kelsen é ou não deciosionista? 
Os textos aqui descritos, não por acaso, trouxeram falas de Tercio Sampaio e Carl Schmitt, com o objetivo de instigar e até de provocar muitas - e não só uma - resposta certa, e por vezes contradições e provocações. 
Acredito que a dúvida se Kelsen é ou não decisionista, surge, pura e simplesmente, da forma de interpretar o que o ele (Kelsen) cita como atos de vontade. Atos de vontade que para Kelsen estão acima de qualquer conhecimento doutrinário. Qualquer decisão, ainda que, fundamentada com argumentos e raciocínios aceitos por todos, seria uma aceitação com fundamentos em atos de vontade. 
Com base nos textos lidos e as colocações acima, para justificar uma posição sobre Kelsen ser ou não decisionista, sintetizo alguns argumentos no a fim de reforçar a minha opinião. 
Considerando que: 
i. Kelsen tinha como objetivo purificar o Direito e evitar ideologias e interesses absolutos sobre o Direito; 
ii. o normativismo ou positivismo representado por Kelsen adota normas impessoais onde o Direito recebe uma função quase que burocrática e
Kelsen e o Decisionismo 13 
estatal, enquanto que o decisionista busca instituir o justo, utilizando uma decisão pessoal, pontualmente isolada; 
iii. o decisionismo pode até ser a origem do direito positivo, conforme citado por Carl Schmitt, porém a diferença é nítida no momento em que jamais irão vigorar simultaneamente; 
iv. se opõe a teoria de Kelsen, quando Hobbes cita que o decisionismo puro pressupõe uma ‘desordem’ que vem mudada em ‘ordem’ so- mente pelo fato de que é tomada uma decisão. Então, a decisão é a base para a elaboração do ordenamento jurídico e a ordem legal (a decisão) – antecede a própria norma jurídica; 
v. a diferença no conceito de decisão que na teoria schimittiana se encontra no campo político, fruto de uma representação, e não de imposição arbitrária; 
vi. para Kelsen, uma conduta conforme uma norma possui um valor positivo e uma conduta contrária à norma um valor negativo; 
vii. conforme Schmitt, a norma tem sua origem na decisão, contrariando a teoria de Kelsen, em que a norma fundamental é o pressuposto último do ordenamento jurídico; 
viii. são nítidas as posturas unilaterais entre Kelsen e Carl Schmitt. Kelsen privilegia a forma, conteúdo das normas jurídicas e Carl a matéria, preferência ao conteúdo, às decisões e políticas de um povo; 
Conclui-se: Kelsen não é Decisionista.
Kelsen e o Decisionismo 14 
Bibliografia 
FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito. Atlas: São Paulo, 2003. 
KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito. Martins Fontes: São Paulo, 1999. 
___________. Teoria Geral do Direito e do Estado. Martins Fontes: São Paulo, 2000. 
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Constituição, soberania e ditadura em Carl Schmitt. Lua Nova: revista de cultura e política, n. 42, 119-144, 1997. 
Revista CEJ, Brasília, n. 39, p. 36-43, out./dez. 2007. O Deciosionismo de Carl Schimitt e sua relação com a discricionariedade e a medida provisória.Sandro Canedo 
Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 72-77, abr./jun. 2006. Uma Análise Epistemológica da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Ana Paula Repolês Torres. 
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar. Umuarama. v. 10, n. 1, p. 199-218, 2007. Considerações sobre a vida e obra de Hans Kelsen. Weslei Vendruscolo . 
SCHMITT, Carl. A revolução legal mundial superlegalidade e política. Lua Nova: revista de cultura política, n.42, p. 99-117, 1997. www.ambito-juridico.com.br/site/index.php Ensaio sobre as correntes doutrinárias da Constituição: Da concepção jusnaturalista à concepção pós-positivista.Evaldo Guerreiro Filho. 
www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto Ed.183 publicado em 15/06/2006. Hans Kelsen e o Juspositivismo. Eduardo Telischewsky. 
www.biografia.inf.br/hans-kelsen-jurista. 
www.lina.adv.br (RE)visitado a Doutrina Decisionista: Um breve ensaio sobre “Carl Schmitt e a Fundamentação do Direito”.Teodolina Batista da Silva Cândido Vitório.

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Hans Kelsen e o Decisionismo

  • 1. FACULDADE DE DIREITO DA FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO Trabalho de Pesquisa Kelsen e o Decisionismo – Investigação Teórica Acadêmico: Rosemeri Munhoz de Andrade Semestre/Curso: 1° semestre / Graduação em Direito Disciplina: Teoria da Argumentação Jurídica Professor: Anízio Pires Gavião Filho Porto Alegre, junho de 2012.
  • 2. Kelsen e o Decisionismo 2 Introdução O presente trabalho visa a discorrer sobre Hans Kelsen e o Decisionismo, respondendo a pergunta: “Kelsen é ou não decisionista?” A questão a ser respondida não é simples nem tão pouco fácil, até mesmo por ser iniciante no estudo de Direito. Deslumbrei-me quando percebi a variedade de livros e artigos escritos por Kelsen, e apesar do objeto deste relato ser a resposta para a pergunta supracitada, é imprescindível, inicialmente conhecer o princípio metodológico por ele desenvolvido. Para melhor fundamentar minha opinião, ou seja, munir-me de argumentos que a sustentem, trago conceitos e informações sobre esse grande jurista e teorias relacionadas ao assunto. Dos textos que li e pesquisei, a interpretação poderá conduzir a mais de uma resposta, não necessariamente sendo uma única correta, porém para esse trabalho a intenção é, além de responder, convencer de que apenas uma delas se torne a correta, já utilizando os conceitos de Kelsen. O trabalho será dividido em 4 partes: 1. Quem foi Hans Kelsen?; 2. A doutrina Kelsiana. 3. Carl Schmitt e o Decisionismo Jurídico; e, finalmente, 4. Kelsen é ou não decisionista? Devido à notoriedade de Kelsen, a grandiosidade de suas obras, e reconhecendo a limitação de um trabalho meramente acadêmico, fui buscar o que outros autores já fizeram. Para iniciar, citarei Ludwig Wittgenstein: “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (WITTGENSTEIN, 1.994, p. 281).
  • 3. Kelsen e o Decisionismo 3 Quem foi Hans Kelsen? Hans Kelsen, jurista austro-americano, na verdade tcheco-eslovaco, um dos mais importantes e influentes do século XX era de origem judaica, nascido na cidade de Praga em 1881, foi um dos grandes produtores literários do seu tempo, tendo publicado cerca de quatrocentos livros e artigos, sendo considerada a sua principal obra a Teoria Pura do Direito. Por ser judeu, Hans Kelsen foi perseguido pelo nazismo e emigrou para os Estados Unidos da América, onde viveu até a sua morte, em 1973, tendo exercido o magistério na Universidade de Berkeley na Califórnia. Kelsen pode ser considerado um pensador, pois ele radicaliza a visão positivista que ocorria desde o século XIX, na medida em que propõe a separação o Direito positivo de aspectos estranhos como o Direito Natural. Kelsen defendeu que todo o universo normativo é válido e legítimo, em função da norma fundamental. Mas dela não se pode exigir que fosse justa, assim mesmo uma norma fundamental injusta valida e legitima o direito que dela decorre. Com esta fundamentação Kelsen recebeu inúmeras críticas, inclusive a de ter servido ao nazismo, ainda que indiretamente. Quando Kelsen exilou-se nos EUA, com a sua norma fundamental neutra, teve que admitir como de fato o fez, que o direito nazista, por injusto e imoral que o considerasse, ainda assim era direito válido e legítimo. A aceitação ao pensamento de Kelsen não era unânime, ele sofreu perseguição intelectual dos adeptos do fascismo, e também as severas críticas com fundo ideológico, dos militantes da doutrina comunista. Mesmo assim os princípios de seu pensamento jurídico-científico permanecem até hoje como base em muitas instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito.
  • 4. Kelsen e o Decisionismo 4 2. A doutrina Kelseniana 2.1 A teoria do Direito A teoria do Direito de Kelsen tinha como objetivo conferir à Ciência Jurídica uma dignidade metodológica, de igual forma às demais ciências até então reconhecidas, com isso procurava afastar o cientista do direito de toda qualquer espécie de valoração ou subjetivismo. Defendia a neutralidade científica aplicada à ciência jurídica, insistindo na separação entre ponto de vista jurídico e o moral político. Nesse contexto, de negativa kelsiana de realizar juízos valorativos representa o estudo que pretende conhecer o fato jurídico em sua “pureza”, livre de qualquer elemento externo, seja ele sociológico, psicológico, político ou ético que esteja a ele conectado. Kelsen, em seu conceito de Direito, procurou excluir quaisquer referências estranhas, especialmente aquelas de cunho sociológico e que considerou, por princípio, como sendo matéria de estudo de outros ramos da Ciência, tais como da Sociologia e da Filosofia. Assim, através de uma linguagem lógica e concisa, abstraiu a ideia de justiça, porque a justiça está sempre arraigada a valores adotados por aquele que a invoca, o que não caberia em um conceito de Direito universalmente válido. O Direito, nessa perspectiva, descreve o valorado como justo, ou seja, o valor que foi objetivado por meio da positivação do Direito, e não o que deveria ter sido ou deveria ser valorado dessa forma. Conforme kelsen “O Direito é sempre Direito Positivo, e sua positividade repousa no fato de ser sido criado e anulado por atos de seres humanos, sendo, desse modo, independente da moralidade e de sistemas similares de normas”.1 1 KELSEN, Teoria Geral do Direito e do Estado, p.166.
  • 5. Kelsen e o Decisionismo 5 2.2. Ordenamento Jurídico Para Kelsen ordenamento jurídico é representado por um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, onde a norma mais importante subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior. É a hipotética fundamental da qual as demais normas retiram seu fundamento de validade. 2.3. A teoria Pura do Direito Conforme Kelsen e decisão judicial não apenas interpreta a norma jurídica, mas é uma norma jurídica individual; ou seja, o Juiz não apenas diz o direito aplicável ao caso concreto, mas também cria o próprio direito. Para o aplicador do direito interpretar é decidir por um simples ato de vontade, sendo a decisão judicial a criação de uma norma jurídica individual. 2.3.1. A essência da interpretação. Interpretação autêntica e não- autêntica Conforme Kelsen, a interpretação das normas é uma operação mental do processo de aplicação do direito de um escalão superior para um escalão inferior, porém a relação de determinação ou vinculação que ocorre entre um escalão superior e um escalão inferior da ordem jurídica, nunca é completa. “Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato”... “Se o órgão A emite um comando para que o órgão B prenda o súdito C, o órgão B tem de decidir, segundo o seu próprio critério, quando, onde e como realizará a ordem de prisão, decisões essas que dependem de circunstâncias externas que o órgão emissor do comando não previu e, em grande parte, nem sequer podia prever.”2 2 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 246.
  • 6. Kelsen e o Decisionismo 6 O Direito a ser aplicado como uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades, será conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, preenchendo-a em qualquer sentido possível. “Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem.”3 Dessa forma a interpretação de uma lei irá conduzir a várias soluções e não necessariamente a uma única solução como sendo a única correta, e que, na medida de aplicação têm igual valor, apesar que apenas uma delas se tornará Direito positivo no ato do tribunal. “Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro que a lei representa - não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral.”4 Conforme Kelsen a jurisprudência tradicional acredita que a interpretação tem uma função ampla, talvez a sua principal tarefa: desenvolver um método que tornasse possível preencher ajustadamente a moldura prefixada. Dessa forma a teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer apenas uma única solução correta, e que a “justeza” jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei. Muito embora haja um grande esforço da jurisprudência o conflito entre vontade e expressão por uma forma objetivamente válida não obteve sucesso. Todos os métodos de interpretação conduzem apenas a um resultado possível, nunca a um resultado que seja o único correto. Ater-se na vontade presumida 3 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 247. 4 Idem, p.247
  • 7. Kelsen e o Decisionismo 7 do legislador desprezando o teor verbal ou vice-versa do ponto de vista do Direito positivo tem valor absolutamente igual. 2.3.2. A interpretação como ato de conhecimento ou como ato de vontade Segundo Kelsen, na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. A partir desse ato, ou é produzida uma norma de escalão inferior, ou é executado um ato de coerção estatuída na norma jurídica aplicanda. "... a interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, ela não é criação jurídica."5 É através deste ato de vontade que se distingue a interpretação jurídica feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualquer outra interpretação. Dessa forma a interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito, e é de fato bem conhecido que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas vezes criado o Direito novo - especialmente pelos tribunais de última instância. “Se um indivíduo quer observar uma norma que regula a sua conduta, quer dizer, pretende cumprir um dever jurídico que sobre ele impende realizando aquela conduta a cuja conduta oposta à norma jurídica liga uma sanção, esse indivíduo, quando tal conduta não se encontra univocamente determinada na norma que tem de observar, também tem de realizar uma escolha entre diferentes possibilidades. Porém, esta escolha não é autêntica. Ela não é vinculante para o órgão que aplica essa norma jurídica e, por isso, 5 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 395
  • 8. Kelsen e o Decisionismo 8 corre sempre o risco de ser considerada como errônea por este órgão, por forma a ser julgada como delito a conduta do indivíduo que nela se baseou.” 6 2.3.3. A interpretação da ciência jurídica Sobretudo, porém, tem de distinguir-se rigorosamente a interpretação do Direito feita pela ciência jurídica, como não autêntica, da interpretação realizada pelos órgãos jurídicos. Conforme Kelsen a interpretação científica, não é criação jurídica, é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, diferente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos. É importante ressaltar, que a ideia de que é possível, através de uma interpretação simplesmente cognoscitiva, obter Direito novo, é repudiada pela Teoria Pura do Direito. O preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo, essa função não é realizada pela via da interpretação do Direito vigente. A interpretação jurídico-científica deve se limitar a estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica, ela não pode tomar qualquer decisão entre as possibilidades reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito. “Um advogado que, no interesse do seu constituinte, propõe ao tribunal apenas uma das várias interpretações possíveis da norma jurídica a aplicar a certo caso, e um escritor que, num comentário, elege uma interpretação determinada, de entre as várias interpretações possíveis, como a única “acertada”, não realizam uma função jurídico-científica, mas uma função jurídico-política (de política jurídica). Eles procuram exercer influência sobre a criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o podem fazer em nome da ciência jurídica, como frequentemente fazem.”7 6 Idem, p. 250. 7 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 251.
  • 9. Kelsen e o Decisionismo 9 Devido à plurissignificação da maioria das normas jurídicas, afirmar que sempre em todos os casos existe só uma interpretação correta é ficção, esse é um ideal realizável apenas aproximadamente, conforme Kelsen. “Não se pretende negar que esta ficção da univocidade das normas jurídicas, vista de uma certa posição política, pode ter grandes vantagens. Mas nenhuma vantagem política pode justificar que se faça uso desta ficção numa exposição científica do Direito positivo, proclamando como única correta, de um ponto de vista científico objetivo, uma interpretação que, de um ponto de vista político subjetivo, é mais desejável do que uma outra, igualmente possível do ponto de vista lógico. Neste caso, com efeito, apresenta-se falsamente como uma verdade científica aquilo que é tão somente um juízo de valor político.”8 2.3.4. Considerações de Tércio Sampaio Ferraz Jur. Para Tercio Sampaio a explanação de Kelsen sobre a interpretação jurídica, em sua obra a Teoria Pura do Direito, é frustrante por não fornecer base para a hermenêutica dogmática. No mesmo texto surge a distinção entre a interpretação autêntica que é realizada pelos órgãos competentes e a doutrinária por entes que não tem a qualidade de órgãos. Assim, todo o ente que não é órgão ao interpretar, mesmo dizendo o sentido de uma norma, não produz um enunciado vinculante. Conforme Tércio, Kelsen reconhece e aceita que os atos de vontade estão baseados em atos cognitivos e que é dever do juiz fundamentar sua sentença com coerência, fazendo uso de seus conhecimentos doutrinários. Porém, se houver um desequilíbrio entre o ato de vontade e o conhecimento prevalece o ato de vontade. “..., segundo Kelsen ainda que se tivesse a impressão que tudo gira em torno de argumentos e raciocínios e que são atos de conhecimento que conferem, afinal, o sentido aceito por todos, esta aceitação tem na verdade, seus fundamentos em atos de vontade competentes.”9 8 Idem. 9 FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito, p.262.
  • 10. Kelsen e o Decisionismo 10 E Tércio questiona: o que ocorre quando a interpretação é mero ato de conhecimento? Kelsen responde que os conteúdos normativos são por sua característica linguística, plurívocos. Por que não dizer que agindo conforme procedimentos racionais, não pode o doutrinador chegar a uma interpretação verdadeira? Essa hipótese é irrealizável, diz Kelsen, se admitida estaria criando uma ilusão, a ficção da univocidade das palavras da norma. “Numa analogia a um texto final de uma obra de Wittgenstein... “o que não se pode falar, deve-se calar”, poderíamos dizer que para o nosso jurista, o que a ciência jurídica não pode descrever, deve omitir”.10 Conclui Tércio que Kelsen não explica a diferença entre a mera opinião não técnica sobre o conteúdo de lei e a opinião do doutrinador, e que considera possível denunciar, de um ângulo filosófico, os limites da hermenêutica, mas que não é possível fundar uma teoria dogmática da interpretação. Finalizando Tercio pergunta se seria um contrassenso falar em verdade hermenêutica, e enfrentar essa questão constitui o que ele chamaria de desafio kelseniano. 3. Carl Schmitt e o Decisionismo Jurídico Para responder a pergunta se Kelsen é ou não decisionista, primeiramente teríamos que discorrer sobre o que é decisionismo jurídico, e, ao pensar em decisionismo jurídico pensamos em Carl Schmitt e sobre o problema da DECISÃO. A identificação do decisionismo por Carl refere-se a uma publicação de 1912, quando escreveu Direito e Julgamento. Para Schmitt, o que constitui a fonte de todo e qualquer direito é a autoridade ou a soberania de uma decisão última dada com um comando e não o comando por si só. Assim, uma desordem é convertida em ordem pelo fato de ser uma tomada de decisão, o que torna seus representantes verdadeiros “ditadores”. 10 FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito, p.263.
  • 11. Kelsen e o Decisionismo 11 Ronaldo Macedo analisa a lógica decisionista, e conclui: “Deste modo, a estrutura lógica do decisionismo adquire os seus traços mais claros em Hobbes, pois o decisionismo puro pressupõe uma ‘desordem’ que vem mudada em ‘ordem’ somente pelo fato de que é tomada uma decisão.” 11 Até 1920 Carl Schmitt visualizava o direito apenas como “normativista” o direito de Hans Kelsen e o “decisionismo” de Bodin, Hobbes e do próprio Schmit. Em 1934 classifica “Os Três Tipos do Pensamento Jurídico” (Über die drei Arten des Rechts – wissenschafttichen Denkens), identificados de forma concreta como uma “regra”, ou como uma “decisão”, ou ainda como um “ordenamento/configuração”, o que foi considerado uma evolução de seu pensamento. Dessa forma podemos dizer que existe no pensamento positivista uma relação muito próxima com o decisionismo. Ao legislador cabe decidir, pois tem posse do poder estatal, podendo decidir de forma coercitiva, mas existe a exigência que a decisão seja firme e inviolável e que também o legislador se obedeça à lei por ele criada. Pode-se compreender que o positivista é um decisionista em seu ponto de partida e normativista em seu ponto de chegada, pois se sustenta inicialmente uma vontade (do legislador ou da lei) e depois, contra a sua vontade, sem mediações em uma lei “objetiva”. A vontade da lei subsequente à vontade do legislador. É uma combinação de decisionismo e normativismo, típico do positivismo que possibilita que o filósofo se apresente de acordo com o caso ou como decisionista, ou mesmo como normativista para atender sua exigência de segurança e previsibilidade, importantes para o positivismo. Se concluirmos que a segurança, a firmeza e a inviolabilidade as quais o positivista evoca são na verdade, o elemento decisionista do positivismo, somente estes itens (segurança, a firmeza e a inviolabilidade) de decisão transformam a norma em norma válida. 11 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Constituição, soberania e ditadura em Carl Schmitt, p. 119.
  • 12. Kelsen e o Decisionismo 12 Apesar das afirmações acima da proximidade entre o decisionismo e o positivismo, veremos uma contradição significativa, quando tratamos da origem da norma, que afasta a posição de Kelsen como decisionista. Exemplificando: No decisionismo de Carl a decisão se encontra no campo político, fruto de representação e não de imposição arbitrária. Soberano é quem decide: é o povo na democracia e o monarca na monarquia, assim é impossível a norma antever uma decisão. Quando Carl afirma que a norma tem sua origem na decisão contraria a Teoria Pura do Direito de Kelsen em que a norma fundamental é o pressuposto último do ordenamento jurídico. 4. Kelsen é ou não deciosionista? Os textos aqui descritos, não por acaso, trouxeram falas de Tercio Sampaio e Carl Schmitt, com o objetivo de instigar e até de provocar muitas - e não só uma - resposta certa, e por vezes contradições e provocações. Acredito que a dúvida se Kelsen é ou não decisionista, surge, pura e simplesmente, da forma de interpretar o que o ele (Kelsen) cita como atos de vontade. Atos de vontade que para Kelsen estão acima de qualquer conhecimento doutrinário. Qualquer decisão, ainda que, fundamentada com argumentos e raciocínios aceitos por todos, seria uma aceitação com fundamentos em atos de vontade. Com base nos textos lidos e as colocações acima, para justificar uma posição sobre Kelsen ser ou não decisionista, sintetizo alguns argumentos no a fim de reforçar a minha opinião. Considerando que: i. Kelsen tinha como objetivo purificar o Direito e evitar ideologias e interesses absolutos sobre o Direito; ii. o normativismo ou positivismo representado por Kelsen adota normas impessoais onde o Direito recebe uma função quase que burocrática e
  • 13. Kelsen e o Decisionismo 13 estatal, enquanto que o decisionista busca instituir o justo, utilizando uma decisão pessoal, pontualmente isolada; iii. o decisionismo pode até ser a origem do direito positivo, conforme citado por Carl Schmitt, porém a diferença é nítida no momento em que jamais irão vigorar simultaneamente; iv. se opõe a teoria de Kelsen, quando Hobbes cita que o decisionismo puro pressupõe uma ‘desordem’ que vem mudada em ‘ordem’ so- mente pelo fato de que é tomada uma decisão. Então, a decisão é a base para a elaboração do ordenamento jurídico e a ordem legal (a decisão) – antecede a própria norma jurídica; v. a diferença no conceito de decisão que na teoria schimittiana se encontra no campo político, fruto de uma representação, e não de imposição arbitrária; vi. para Kelsen, uma conduta conforme uma norma possui um valor positivo e uma conduta contrária à norma um valor negativo; vii. conforme Schmitt, a norma tem sua origem na decisão, contrariando a teoria de Kelsen, em que a norma fundamental é o pressuposto último do ordenamento jurídico; viii. são nítidas as posturas unilaterais entre Kelsen e Carl Schmitt. Kelsen privilegia a forma, conteúdo das normas jurídicas e Carl a matéria, preferência ao conteúdo, às decisões e políticas de um povo; Conclui-se: Kelsen não é Decisionista.
  • 14. Kelsen e o Decisionismo 14 Bibliografia FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito. Atlas: São Paulo, 2003. KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito. Martins Fontes: São Paulo, 1999. ___________. Teoria Geral do Direito e do Estado. Martins Fontes: São Paulo, 2000. MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Constituição, soberania e ditadura em Carl Schmitt. Lua Nova: revista de cultura e política, n. 42, 119-144, 1997. Revista CEJ, Brasília, n. 39, p. 36-43, out./dez. 2007. O Deciosionismo de Carl Schimitt e sua relação com a discricionariedade e a medida provisória.Sandro Canedo Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 72-77, abr./jun. 2006. Uma Análise Epistemológica da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Ana Paula Repolês Torres. Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar. Umuarama. v. 10, n. 1, p. 199-218, 2007. Considerações sobre a vida e obra de Hans Kelsen. Weslei Vendruscolo . SCHMITT, Carl. A revolução legal mundial superlegalidade e política. Lua Nova: revista de cultura política, n.42, p. 99-117, 1997. www.ambito-juridico.com.br/site/index.php Ensaio sobre as correntes doutrinárias da Constituição: Da concepção jusnaturalista à concepção pós-positivista.Evaldo Guerreiro Filho. www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto Ed.183 publicado em 15/06/2006. Hans Kelsen e o Juspositivismo. Eduardo Telischewsky. www.biografia.inf.br/hans-kelsen-jurista. www.lina.adv.br (RE)visitado a Doutrina Decisionista: Um breve ensaio sobre “Carl Schmitt e a Fundamentação do Direito”.Teodolina Batista da Silva Cândido Vitório.