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Se a escola de violões é a melhor do mundo, Francisco Soares de Araújo, o Canhoto da
Paraíba, é um dos mais surpreendentes expoentes. Seus choros têm um sotaque
nordestino delicioso. Seu estilo de tocar é único. Como era obrigado a compartilhar o
instrumento com os irmãos, não podia inverter as cordas, o que o fez tocar em um
instrumento afinado para destros. O pai não conseguia ensinar-lhe: "Ih, meu filho, tem
jeito não. Pra lhe ensinar tem que botá de cabeça pra baixo ou diante de um espelho".
Teve que aprender tudo sozinho.
Em 1959, uma legendária excursão de músicos nordestinos viajou dias de jipe com
destino à casa de Jacob do Bandolim no bairro de Jacarepaguá no Rio de Janeiro, onde
aconteciam os maiores saraus da época. Reza a lenda, que no primeiro sarau em que se
apresentaram para a nata dos músicos brasileiros, Radamés Ganttali ficou tão
impressinado que gritou um palavrão e jogou seu copo de cerveja no teto. Para recordar
o momento, Jacob nunca limpou a mancha no teto. Considerando o temperamento
explosivo de Radamés e o virtuosimo de Canhoto, a história até é factível, pena que
parece que é falsa. Histórias saborosas assim todo mundo deveria acreditar. O fato é que
esta reunião foi tão impactante, que um moleque que a assistiu, filho de um dos músicos
participantes, resolveu por causa disso aprender música. Hoje ele é conhecido como
Paulinho da Viola.
Estabelecido em Recife, desde 1958, somente dez anos depois, Canhoto da Paraíba
conseguiu gravar seu segundo disco, Único Amor pela finada gravadora Rozenblit. Este
disco é que está sendo agora relançado em CD, com apoio de João Florentino, dono da
rede de lojas Aky Discos e do selo Polysom. Entre tantos ótimos violonistas na cidade
na época, Canhoto surpreendeu na escolha de quem iria acompanhá-lo. Escolheu o
jovem Henrique Annes, de 22 anos e formação clássica. Francisco Soares sabia das
coisas. Henrique veio a se tornar um dos maiores violonistas brasileiros, e fez parte de
alguns dos mais interessantes projetos instrumentais, como a Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco (que tem um maravilhoso disco relançado em CD) e lidera o
grupo Oficina de Cordas. Se achou esta dupla pouco, é que ainda não sabe quem foi o
produtor musical do disco. Nada menos do que o maestro Nelson Ferreira, que, o maior
maestro/orquestrador de frevos que já existiu.
Canhoto veio a gravar apenas mais dois discos de carreira, ambos antológicos. Em 77,
Paulinho da Viola produziu para a Discos Marcus Pereira o "Com mais de Mil". Esse
disco já foi lançado em CD, mas os babacas da EMI trataram de tirar de catálogo
quando compraram o acervo da Copacabana. Pela finada Caju Music gravou em 1993,
seu último disco, "Pisando em Brasa", com as participações especiais de Rafael Rabello
e Paulinho da Viola. Ainda pode-se encontrar este disco em CD pela Kuarup.
Recentemente saiu em CD sua entrevista para o programa Ensaio da TV Cultura. Em
1998, Canhoto sofre uma isquemia cerebral e fica com o lado esquerdo do corpo
paralizado, impossibilitando-o de tocar.
Se você não tá levando fé no que estou escrevendo -- Ora, como um violonista que
quase ninguém ouviu falar pode ser tão bom? -- vou transcrever aqui a opinião de duas
pessoas que entendem muito mais de música do que eu. Uma é o Paulinho da Viola, que
não só produziu seu primeiro disco, como rodou o país com Canhoto pelo Projeto
Pixinguinha. Paulinho dizia que era comum Chico Soares roubar o show, sendo muito
mais aplaudido do que ele. Paulinho também gravou em seu primeiro disco de 1971 o
belíssimo choro "Abraçando Chico Soares", que fez no estilo de composição do amigo.
Veja o que Paulinho diz sobre ele:
"Eu não queria participar daquelas rodas (de choro) como músico. Quando vi o Canhoto
tocar fiquei tão entusiasmado que me toquei. Era tão sublime, tão tecnicamente perfeito.
Acho que o Canhoto me influenciou a tocar, mais do que meu pai e Jacob (do
Bandolim)."
Paulinho da Viola
Quer mais? Então veja este trecho de entrevista de um dos mais perfeccionistas músicos
brasileiros, Jacob do Bandolim. Ele está mostrando uma gravação e falando de 1959,
quando recebeu a excursão de músicos nordestinos em sua casa. Veja que ele se refere a
Canhoto por seu apelido de "Sacristão", que ganhou quando criança como assistente do
padre de sua cidade. Fala aí, Jacob:
"... O problema aqui nesta gravação do Chico Soares reside apenas em que vocês pra
executarem estas músicas gravadas, vocês vão virar canhotos de uma hora para outra. E
só assim, porque o homem tem o diabo no corpo. ... Nós vivíamos a correr de um lado
para outro, a tocar para uns, para outros, e todos queriam conhecer o Sacristão, que aliás
era o vedete do grupo. E observe bem que você não vai encontrar qualquer erro da parte
dele. Quero afirmar a você, sob palavra, que durante os 15 dias que esse homem
permaneceu aqui, em nossa casa em Jacarépaguá, este homem repetiu estas músicas
várias vezes, dezenas e dezenas de vezes, em vários lugares, nas condições mais
absurdas, sentado confortavelmente ou não, num ambiente agradável ou não ... , nas
condições mais absurdas. De manhã cedo, às 6h da manhã, ele às vezes me acordava
tocando violão. Adormecia tocando violão. Dentro de uma simplicidade tremenda sem
errar nem uma nota! Eu nunca vi Sacristão errar uma nota! ... o homem tocava mesmo,
não era brincadeira. Os outros tinham suas falhas, suas emoções, suas emotividades,
mas o Chico Soares, não. Tocava rindo na minha cara, com um sorriso muito ingênuo
de quem não estava fazendo nada de mais. Um artista enterrado lá em Recife ... é digno
de toda nossa admiração, de todo nosso respeito, porque ele encarna nesta figura, uma
porção de brasileiros que vivem enterrados por estes rincões afora, verdadeiros valores
completamente no ostracismo ..."
Jacob do Bandolim
Morreu no Recife, na quinta, 24, o violonista paraibano Francisco Soares de Araújo, que
ficou célebre com o apelido de Canhoto da Paraíba, um dos expoentes do choro
nordestino, admirado pelos mais importantes músicos brasileiros, como Paulinho da
Viola e Hermínio Bello de Carvalho. Canhoto teve um enfarte - já tinha tido um
derrame há uns 10 anos, o que o forçou a parar de tocar.
Nascido em 19 de maio de 1928, segundo a Enciclopédia Itaú Cultural, Canhoto da
Paraíba, como o nome indica, tocava com a mão esquerda. Mas desenvolveu uma
técnica particular de execução ao violão, com o instrumento invertido (mas sem inverter
as cordas). Além disso, possuía um sentido harmônio e melódico incomuns, motivo que
o fez ser admirado por todos os colegas do instrumento. Sacristão, aos 16 anos iniciou a
carreira como músico na Rádio Clube, no Recife (PE).
Foi parceiro de Sivuca e Luperce Miranda e de grandes intérpretes do choro, como
Rossini Ferreira e Zé do Carmo. Em 1959, esteve no Rio de Janeiro pela primeira vez e
conheceu a nata do choro carioca, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Radamés
Gnattali e Paulinho da Viola. Este último se tornou uma espécie de admirador eterno, e
sempre que podia incorporava Canhoto em suas turnês. Tocaram juntos no Heineken
Concerts e com a Velha Guarda da Portela no Palace, em São Paulo.
Em 1999, saiu o disco Os Bambas do Violão (Kuarup), que trazia Canhoto emparelhado
com os maiores do instrumento, como Baden Powell, HenriqueAnnes, Nonato Luís e
Rafael Rabelo. O crítico de música Mauro Dias escreveu, no Caderno 2 de O Estado de
S.Paulo: "Paulinho da Viola talvez não fosse o mesmo se não houvesse antes dele
Cartola e Nelson Cavaquinho e certamente não seria o mesmo se um dia não tivesse
ouvido Canhoto da Paraíba".

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O mestre Canhoto da Paraíba, um dos maiores violonistas brasileiros

  • 1. Se a escola de violões é a melhor do mundo, Francisco Soares de Araújo, o Canhoto da Paraíba, é um dos mais surpreendentes expoentes. Seus choros têm um sotaque nordestino delicioso. Seu estilo de tocar é único. Como era obrigado a compartilhar o instrumento com os irmãos, não podia inverter as cordas, o que o fez tocar em um instrumento afinado para destros. O pai não conseguia ensinar-lhe: "Ih, meu filho, tem jeito não. Pra lhe ensinar tem que botá de cabeça pra baixo ou diante de um espelho". Teve que aprender tudo sozinho. Em 1959, uma legendária excursão de músicos nordestinos viajou dias de jipe com destino à casa de Jacob do Bandolim no bairro de Jacarepaguá no Rio de Janeiro, onde aconteciam os maiores saraus da época. Reza a lenda, que no primeiro sarau em que se apresentaram para a nata dos músicos brasileiros, Radamés Ganttali ficou tão impressinado que gritou um palavrão e jogou seu copo de cerveja no teto. Para recordar o momento, Jacob nunca limpou a mancha no teto. Considerando o temperamento explosivo de Radamés e o virtuosimo de Canhoto, a história até é factível, pena que parece que é falsa. Histórias saborosas assim todo mundo deveria acreditar. O fato é que esta reunião foi tão impactante, que um moleque que a assistiu, filho de um dos músicos participantes, resolveu por causa disso aprender música. Hoje ele é conhecido como Paulinho da Viola. Estabelecido em Recife, desde 1958, somente dez anos depois, Canhoto da Paraíba conseguiu gravar seu segundo disco, Único Amor pela finada gravadora Rozenblit. Este disco é que está sendo agora relançado em CD, com apoio de João Florentino, dono da rede de lojas Aky Discos e do selo Polysom. Entre tantos ótimos violonistas na cidade na época, Canhoto surpreendeu na escolha de quem iria acompanhá-lo. Escolheu o jovem Henrique Annes, de 22 anos e formação clássica. Francisco Soares sabia das coisas. Henrique veio a se tornar um dos maiores violonistas brasileiros, e fez parte de alguns dos mais interessantes projetos instrumentais, como a Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco (que tem um maravilhoso disco relançado em CD) e lidera o grupo Oficina de Cordas. Se achou esta dupla pouco, é que ainda não sabe quem foi o produtor musical do disco. Nada menos do que o maestro Nelson Ferreira, que, o maior maestro/orquestrador de frevos que já existiu. Canhoto veio a gravar apenas mais dois discos de carreira, ambos antológicos. Em 77, Paulinho da Viola produziu para a Discos Marcus Pereira o "Com mais de Mil". Esse disco já foi lançado em CD, mas os babacas da EMI trataram de tirar de catálogo quando compraram o acervo da Copacabana. Pela finada Caju Music gravou em 1993, seu último disco, "Pisando em Brasa", com as participações especiais de Rafael Rabello e Paulinho da Viola. Ainda pode-se encontrar este disco em CD pela Kuarup. Recentemente saiu em CD sua entrevista para o programa Ensaio da TV Cultura. Em 1998, Canhoto sofre uma isquemia cerebral e fica com o lado esquerdo do corpo paralizado, impossibilitando-o de tocar. Se você não tá levando fé no que estou escrevendo -- Ora, como um violonista que quase ninguém ouviu falar pode ser tão bom? -- vou transcrever aqui a opinião de duas pessoas que entendem muito mais de música do que eu. Uma é o Paulinho da Viola, que não só produziu seu primeiro disco, como rodou o país com Canhoto pelo Projeto Pixinguinha. Paulinho dizia que era comum Chico Soares roubar o show, sendo muito mais aplaudido do que ele. Paulinho também gravou em seu primeiro disco de 1971 o
  • 2. belíssimo choro "Abraçando Chico Soares", que fez no estilo de composição do amigo. Veja o que Paulinho diz sobre ele: "Eu não queria participar daquelas rodas (de choro) como músico. Quando vi o Canhoto tocar fiquei tão entusiasmado que me toquei. Era tão sublime, tão tecnicamente perfeito. Acho que o Canhoto me influenciou a tocar, mais do que meu pai e Jacob (do Bandolim)." Paulinho da Viola Quer mais? Então veja este trecho de entrevista de um dos mais perfeccionistas músicos brasileiros, Jacob do Bandolim. Ele está mostrando uma gravação e falando de 1959, quando recebeu a excursão de músicos nordestinos em sua casa. Veja que ele se refere a Canhoto por seu apelido de "Sacristão", que ganhou quando criança como assistente do padre de sua cidade. Fala aí, Jacob: "... O problema aqui nesta gravação do Chico Soares reside apenas em que vocês pra executarem estas músicas gravadas, vocês vão virar canhotos de uma hora para outra. E só assim, porque o homem tem o diabo no corpo. ... Nós vivíamos a correr de um lado para outro, a tocar para uns, para outros, e todos queriam conhecer o Sacristão, que aliás era o vedete do grupo. E observe bem que você não vai encontrar qualquer erro da parte dele. Quero afirmar a você, sob palavra, que durante os 15 dias que esse homem permaneceu aqui, em nossa casa em Jacarépaguá, este homem repetiu estas músicas várias vezes, dezenas e dezenas de vezes, em vários lugares, nas condições mais absurdas, sentado confortavelmente ou não, num ambiente agradável ou não ... , nas condições mais absurdas. De manhã cedo, às 6h da manhã, ele às vezes me acordava tocando violão. Adormecia tocando violão. Dentro de uma simplicidade tremenda sem errar nem uma nota! Eu nunca vi Sacristão errar uma nota! ... o homem tocava mesmo, não era brincadeira. Os outros tinham suas falhas, suas emoções, suas emotividades, mas o Chico Soares, não. Tocava rindo na minha cara, com um sorriso muito ingênuo de quem não estava fazendo nada de mais. Um artista enterrado lá em Recife ... é digno de toda nossa admiração, de todo nosso respeito, porque ele encarna nesta figura, uma porção de brasileiros que vivem enterrados por estes rincões afora, verdadeiros valores completamente no ostracismo ..." Jacob do Bandolim Morreu no Recife, na quinta, 24, o violonista paraibano Francisco Soares de Araújo, que ficou célebre com o apelido de Canhoto da Paraíba, um dos expoentes do choro nordestino, admirado pelos mais importantes músicos brasileiros, como Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho. Canhoto teve um enfarte - já tinha tido um derrame há uns 10 anos, o que o forçou a parar de tocar. Nascido em 19 de maio de 1928, segundo a Enciclopédia Itaú Cultural, Canhoto da Paraíba, como o nome indica, tocava com a mão esquerda. Mas desenvolveu uma técnica particular de execução ao violão, com o instrumento invertido (mas sem inverter as cordas). Além disso, possuía um sentido harmônio e melódico incomuns, motivo que o fez ser admirado por todos os colegas do instrumento. Sacristão, aos 16 anos iniciou a carreira como músico na Rádio Clube, no Recife (PE).
  • 3. Foi parceiro de Sivuca e Luperce Miranda e de grandes intérpretes do choro, como Rossini Ferreira e Zé do Carmo. Em 1959, esteve no Rio de Janeiro pela primeira vez e conheceu a nata do choro carioca, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Radamés Gnattali e Paulinho da Viola. Este último se tornou uma espécie de admirador eterno, e sempre que podia incorporava Canhoto em suas turnês. Tocaram juntos no Heineken Concerts e com a Velha Guarda da Portela no Palace, em São Paulo. Em 1999, saiu o disco Os Bambas do Violão (Kuarup), que trazia Canhoto emparelhado com os maiores do instrumento, como Baden Powell, HenriqueAnnes, Nonato Luís e Rafael Rabelo. O crítico de música Mauro Dias escreveu, no Caderno 2 de O Estado de S.Paulo: "Paulinho da Viola talvez não fosse o mesmo se não houvesse antes dele Cartola e Nelson Cavaquinho e certamente não seria o mesmo se um dia não tivesse ouvido Canhoto da Paraíba".