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Monopólios da Informação e o Princípio das Separações
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Tal qual as novas mídias do século XX – rádio, telefone, televisão, cinema – a internet surgiu trazendo
uma mensagem de abertura e de liberdade sem precedentes na história da humanidade. Mais do que
todas essas outras mídias, no entanto, talvez por combinar a conversação com a difusão, a internet
trouxe consigo uma arquitetura extremamente propícia à criatividade e à inovação. Não é à toa que a
era da internet tem sido aclamada como um momento inédito de liberdade nas comunicações e na
cultura. Como parte de um ciclo virtuoso, o espetacular crescimento da internet tem sido realimentado
pela inovação: novas aplicações possibilitam novas formas de utilização da rede, assim como as novas
tecnologias de interconexão física fazem crescer a gama de redes sobre as quais a internet pode se
apoiar. Em “Internet Architecture and Innovation” (The MIT Press, Julho 2010) Barbara van Schewick
defende que essa explosão de inovação não é um acidente, mas uma mera conseqüência da arquitetura
da internet: decorre das escolhas tecnológicas concernentes à estrutura interna da rede feitas no
momento de sua própria concepção.

Parece igualmente fundamental o papel da arquitetura da rede no espantoso histórico de inovação em
software, negócios e serviços no mundo virtual, e, naturalmente, de crescimento econômico. É
justamente nesse espírito que van Schewick se propõe a analisar o quanto a arquitetura da internet
afeta a inovação, e, de modo mais geral, de que forma a arquitetura de um sistema complexo influencia
um sistema econômico ou uma atividade econômica tal como a inovação. Em tom de recomendação,
van Schewick defende que as mudanças no ecossistema da internet que desviem dos princípios originais
de concepção da internet deverão reduzir tanto o volume quanto a qualidade da inovação em
aplicações, assim como limitar a capacidade de escolha do usuário. E isso significaria uma ameaça à
capacidade de realização de todo o potencial da internet em agregar valor econômico, cultural, social,
político, e, por que não dizer, libertário a toda a sociedade. Sem a devida regulamentação, os
provedores de acesso farão o possível para modificar a estrutura interna da internet, em benefício
próprio. Como bem dizia Adam Smith, produtores sempre tentam descobrir como monopolizar e obter
mais lucros, mas a competição é que os impede ou os dificulta, ainda que nunca desistam.

O fato concreto é que a rede mundial tem sido olhada como um verdadeiro modelo do que seria o livre
mercado no qual a competição ocorre em sua forma mais pura. Segundo Tim Wu em palestra recente
no TEDxEast (11/11/10), esperava-se que a internet viesse a torna concreto o paraíso idealizado por
Adam Smith, onde a competição nunca deixasse de existir, e onde toda empresa grande estaria sujeita a
ser passada para trás por uma startup portadora de tecnologia revolucionária. Enfim, um mundo no qual
nunca deixariam de existir ciclos de renovação e de novas idéias, livres de restrições impostas por
monopólios.

 Como justificar, no entanto, o fato de que, paradoxalmente, grande parte dos principais setores da
internet são controlados por uma empresa dominadora ou um oligopólio? Como observa Wu em “In the
Grip of the New Monopolists” (Wall Street Journal, 13/11/10), a Google “detém” busca, a Facebook
domina o setor de redes sociais, a eBay manda no setor de leilão eletrônico, a Skype é soberana na
telefonia VoIP, a Twitter dá as cartas no setor de microblog de tempo real, a Apple é praticamente dona
do comércio de conteúdo online, a Amazon detém o setor de vendas a varejo online, e assim por diante.

É bem verdade que há os chamados territórios (ainda) sem dono, tal como o setor do livro eletrônico,
mas tudo indica que a divisão em capitanias não tende a mudar muito num futuro próximo. O
surgimento da indústria de aplicativos específicos para uma determinada plataforma (iPhone, Android,
Facebook, etc.) pode parecer uma ameaça a essa distribuição de fatias entre monopólios, mas até esse
tipo de atividade segue a mesma tendência: para salvar a sua própria sobrevivência, os aplicativos têm
que garantir seu lugar na plataforma de um monopólio, reforçando ainda mais a dominação deste
último. Segundo Wu, é difícil evitar a conclusão de que estamos vivendo numa era de grandes
monopólios da informação, e caberia refletir se o livre mercado na internet tende a se transformar em
paraíso de monopólios.

Em seu livro “The Master Switch: The Rise and Fall of Information Empires”, recentemente publicado
pela Knopf (Novembro 2010), Wu mostra que os grandes impérios da informação do século XX seguiram
um padrão bem claro e bem definido: após o caos que advém de uma inovação tecnológica, uma
potência corporativa intervém e centraliza o controle da nova mídia – a “chave-mestra”. Através de uma
análise histórica do cenário da indústria da informação no século passado, o autor chama a atenção para
os momentos decisivos em que uma nova mídia surge aberta ou fechada, desde o aparecimento do
rádio até a chegada da internet, nos quais o controle centralizador pode trazer sérias conseqüências.
Analisando a história das mídias nos Estados Unidos, o livro mostra que cada nova mídia surgiu numa
situação semelhante ao que ocorreu no aparecimento da internet: após uma onda de otimismo idealista
a nova mídia acaba se transformando no objeto de consolidação industrial, vindo a afetar
profundamente a forma como as pessoas se comunicam. Segundo Wu, cinco seriam os principais fatores
responsáveis pelo fato de que a informação atrai o monopólio: (i) efeitos em rede; (2) economia de
escala; (3) poder de integração; (4) busca pelo poder; (5) a simpatia do estado pelos monopólios.

São vários os casos concretos desse tipo de situação: não apenas o rádio, mas o telefone, a televisão
assim como o cinema, todas essas mídias surgiram livres e abertas, e sempre convidativas ao uso
praticamente irrestrito aos mais diversos experimentos empreendedores. Vítima de seu próprio
sucesso, cada nova mídia acabou atraindo a atenção de algum aspirante a magnata que acaba
construindo um império à sua volta às custas da abertura dessa mídia. Alguns exemplos canônicos
destacados por Wu: Adolph Zukor, criador do império de Hollywood; David Sarnoff, fundador da rede de
TV americana NBC; e Theodore Vail, fundador do todo-poderoso aglomerado da telefonia Bell que
reinou por cerca de 70 anos.

Demonstrando preocupação com o futuro da internet como midia aberta, num cenário em que grandes
impérios da informação da internet tais como Apple e Google têm adotado manobras com
características semelhantes às que já ocorreram com outras mídias, com sérias conseqüências à
liberdade de expressão e à inovação, Wu defende que sujeitar a economia da informação aos métodos
tradicionais de enfrentamento à concentração de poder industrial não é o melhor caminho. Ao invés de
uma abordagem regulatória, seria imperativo adotar uma abordagem constitucional para garantir a
separação entre as duas principais forças da economia da informação: aquelas que produzem conteúdo,
aquelas que detêm a infraestrutura de rede através da qual as informações são transportadas, e aquelas
que controlam os pontos de acesso. É como separar o estado da igreja, diz Wu em sua participação no
debate “Big Media: Pro and Com” organizado pela Faculdade de Jornalismo da Columbia University em
30/11/10. Ao se opor ao que se denomina tecnicamente de “integração vertical”, o Princípio das
Separações eliminaria as tentações e vulnerabilidades às quais estão sujeitas as entidades envolvidas.

Todos sabemos que sem as devidas salvaguardas, a internet pode vir a ser controlada pelo estado, como
é o que ocorre, por exemplo, na China. Wu, no entanto, nos faz ver que a ameaça de controle pode vir
também do setor privado, pois o controle da chave-mestra pode muito bem cair nas mãos de
corporações, e isso representa enormes desafios para a sociedade, tanto no nível das nações quanto, e
com maior gravidade, no nível global.

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Monopólios da informação e o princípio das separações

  • 1. Monopólios da Informação e o Princípio das Separações Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE Tal qual as novas mídias do século XX – rádio, telefone, televisão, cinema – a internet surgiu trazendo uma mensagem de abertura e de liberdade sem precedentes na história da humanidade. Mais do que todas essas outras mídias, no entanto, talvez por combinar a conversação com a difusão, a internet trouxe consigo uma arquitetura extremamente propícia à criatividade e à inovação. Não é à toa que a era da internet tem sido aclamada como um momento inédito de liberdade nas comunicações e na cultura. Como parte de um ciclo virtuoso, o espetacular crescimento da internet tem sido realimentado pela inovação: novas aplicações possibilitam novas formas de utilização da rede, assim como as novas tecnologias de interconexão física fazem crescer a gama de redes sobre as quais a internet pode se apoiar. Em “Internet Architecture and Innovation” (The MIT Press, Julho 2010) Barbara van Schewick defende que essa explosão de inovação não é um acidente, mas uma mera conseqüência da arquitetura da internet: decorre das escolhas tecnológicas concernentes à estrutura interna da rede feitas no momento de sua própria concepção. Parece igualmente fundamental o papel da arquitetura da rede no espantoso histórico de inovação em software, negócios e serviços no mundo virtual, e, naturalmente, de crescimento econômico. É justamente nesse espírito que van Schewick se propõe a analisar o quanto a arquitetura da internet afeta a inovação, e, de modo mais geral, de que forma a arquitetura de um sistema complexo influencia um sistema econômico ou uma atividade econômica tal como a inovação. Em tom de recomendação, van Schewick defende que as mudanças no ecossistema da internet que desviem dos princípios originais de concepção da internet deverão reduzir tanto o volume quanto a qualidade da inovação em aplicações, assim como limitar a capacidade de escolha do usuário. E isso significaria uma ameaça à capacidade de realização de todo o potencial da internet em agregar valor econômico, cultural, social, político, e, por que não dizer, libertário a toda a sociedade. Sem a devida regulamentação, os provedores de acesso farão o possível para modificar a estrutura interna da internet, em benefício próprio. Como bem dizia Adam Smith, produtores sempre tentam descobrir como monopolizar e obter mais lucros, mas a competição é que os impede ou os dificulta, ainda que nunca desistam. O fato concreto é que a rede mundial tem sido olhada como um verdadeiro modelo do que seria o livre mercado no qual a competição ocorre em sua forma mais pura. Segundo Tim Wu em palestra recente no TEDxEast (11/11/10), esperava-se que a internet viesse a torna concreto o paraíso idealizado por Adam Smith, onde a competição nunca deixasse de existir, e onde toda empresa grande estaria sujeita a ser passada para trás por uma startup portadora de tecnologia revolucionária. Enfim, um mundo no qual nunca deixariam de existir ciclos de renovação e de novas idéias, livres de restrições impostas por monopólios. Como justificar, no entanto, o fato de que, paradoxalmente, grande parte dos principais setores da internet são controlados por uma empresa dominadora ou um oligopólio? Como observa Wu em “In the Grip of the New Monopolists” (Wall Street Journal, 13/11/10), a Google “detém” busca, a Facebook
  • 2. domina o setor de redes sociais, a eBay manda no setor de leilão eletrônico, a Skype é soberana na telefonia VoIP, a Twitter dá as cartas no setor de microblog de tempo real, a Apple é praticamente dona do comércio de conteúdo online, a Amazon detém o setor de vendas a varejo online, e assim por diante. É bem verdade que há os chamados territórios (ainda) sem dono, tal como o setor do livro eletrônico, mas tudo indica que a divisão em capitanias não tende a mudar muito num futuro próximo. O surgimento da indústria de aplicativos específicos para uma determinada plataforma (iPhone, Android, Facebook, etc.) pode parecer uma ameaça a essa distribuição de fatias entre monopólios, mas até esse tipo de atividade segue a mesma tendência: para salvar a sua própria sobrevivência, os aplicativos têm que garantir seu lugar na plataforma de um monopólio, reforçando ainda mais a dominação deste último. Segundo Wu, é difícil evitar a conclusão de que estamos vivendo numa era de grandes monopólios da informação, e caberia refletir se o livre mercado na internet tende a se transformar em paraíso de monopólios. Em seu livro “The Master Switch: The Rise and Fall of Information Empires”, recentemente publicado pela Knopf (Novembro 2010), Wu mostra que os grandes impérios da informação do século XX seguiram um padrão bem claro e bem definido: após o caos que advém de uma inovação tecnológica, uma potência corporativa intervém e centraliza o controle da nova mídia – a “chave-mestra”. Através de uma análise histórica do cenário da indústria da informação no século passado, o autor chama a atenção para os momentos decisivos em que uma nova mídia surge aberta ou fechada, desde o aparecimento do rádio até a chegada da internet, nos quais o controle centralizador pode trazer sérias conseqüências. Analisando a história das mídias nos Estados Unidos, o livro mostra que cada nova mídia surgiu numa situação semelhante ao que ocorreu no aparecimento da internet: após uma onda de otimismo idealista a nova mídia acaba se transformando no objeto de consolidação industrial, vindo a afetar profundamente a forma como as pessoas se comunicam. Segundo Wu, cinco seriam os principais fatores responsáveis pelo fato de que a informação atrai o monopólio: (i) efeitos em rede; (2) economia de escala; (3) poder de integração; (4) busca pelo poder; (5) a simpatia do estado pelos monopólios. São vários os casos concretos desse tipo de situação: não apenas o rádio, mas o telefone, a televisão assim como o cinema, todas essas mídias surgiram livres e abertas, e sempre convidativas ao uso praticamente irrestrito aos mais diversos experimentos empreendedores. Vítima de seu próprio sucesso, cada nova mídia acabou atraindo a atenção de algum aspirante a magnata que acaba construindo um império à sua volta às custas da abertura dessa mídia. Alguns exemplos canônicos destacados por Wu: Adolph Zukor, criador do império de Hollywood; David Sarnoff, fundador da rede de TV americana NBC; e Theodore Vail, fundador do todo-poderoso aglomerado da telefonia Bell que reinou por cerca de 70 anos. Demonstrando preocupação com o futuro da internet como midia aberta, num cenário em que grandes impérios da informação da internet tais como Apple e Google têm adotado manobras com características semelhantes às que já ocorreram com outras mídias, com sérias conseqüências à liberdade de expressão e à inovação, Wu defende que sujeitar a economia da informação aos métodos tradicionais de enfrentamento à concentração de poder industrial não é o melhor caminho. Ao invés de uma abordagem regulatória, seria imperativo adotar uma abordagem constitucional para garantir a
  • 3. separação entre as duas principais forças da economia da informação: aquelas que produzem conteúdo, aquelas que detêm a infraestrutura de rede através da qual as informações são transportadas, e aquelas que controlam os pontos de acesso. É como separar o estado da igreja, diz Wu em sua participação no debate “Big Media: Pro and Com” organizado pela Faculdade de Jornalismo da Columbia University em 30/11/10. Ao se opor ao que se denomina tecnicamente de “integração vertical”, o Princípio das Separações eliminaria as tentações e vulnerabilidades às quais estão sujeitas as entidades envolvidas. Todos sabemos que sem as devidas salvaguardas, a internet pode vir a ser controlada pelo estado, como é o que ocorre, por exemplo, na China. Wu, no entanto, nos faz ver que a ameaça de controle pode vir também do setor privado, pois o controle da chave-mestra pode muito bem cair nas mãos de corporações, e isso representa enormes desafios para a sociedade, tanto no nível das nações quanto, e com maior gravidade, no nível global.