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BELOHORIZONTE,SEGUNDA-FEIRA,28/9/2009HOJEEMDIA-esportes@hojeemdia.com.br
Esportes 5.
FUTEBOLEPOLÍTICA
OhistoriadorEuclidesCouto:tesesobremanifestaçõespolíticasdejogadoresnoBrasil
HistoriadoranalisaposiçãoengajadadequatrojogadoresduranteaDitaduraMilitar
LUCASPRATES
Craquesdabolacoma
marcadacontestação
BRUNOMORENO
REPÓRTER
O futebol serviu aos milita-
res durante o regime de exceção
(1964-1985) como um “pão e cir-
co”, manipulação da população
brasileira em seu favor, certo?
Sim, mas não apenas isso. Para o
doutor em História e atleticano
Euclides de Freitas Couto, o fute-
bol pode ser visto, principalmen-
te nesse período, também como
espaço de contestação política.
“Vocênãopodeconsiderarofute-
bol somente como ‘ópio do povo’,
como um fator de alienação das
massas. Mas como um fenômeno
queassume vários sentidos”, de-
fendeohistoriador.
E foi justamente essa visão
crítica que o universo do fute-
bol proporciona que o pesqui-
sadorabordouemsuatese,de-
fendida em junho, no progra-
ma de Pós-Graduação em His-
tória-HistóriaeCulturasPolíti-
cas, da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Para
Couto, no geral, os jogadores
nãotêmnoçãodecomosãouti-
lizados pelo sistema. “A ques-
tão da consciência política en-
treosjogadoresémuitocompli-
cada. Eles estão muito mais do
lado dos governantes do que de
umaposturacríticaaousopolí-
tico do futebol. Alguns até vira-
rampolíticosdepois”.
O historiador analisou
quatro atletas que, na época,
manifestaram-secontra a Di-
taduraMilitar.“Éumfenôme-
no da década de 1970, que ve-
jo como um elemento de
contraposiçãodealgunsjoga-
dores, com uma postura polí-
tica diferenciada. Não era co-
mum jogador discutir políti-
ca.Comumeraparticipardos
eventos da CBD (Confedera-
ção Brasileira de Desportos,
atual CBF), ligados à Arena
(partido político dominado
pelos militares), sem o menor
pudor. Agora, alguns usavam
oespaçoqueamídia davapa-
racolocarsuasposiçõespolíti-
cas”, afirma. Quatro jogado-
restiveramcoragemdeques-
tionaros militarese,porisso,
foram analisados por Eucli-
des Couto. “Eu estudei os ca-
sos de Afonsinho (Botafogo),
Tostão (Cruzeiro), Reinaldo
(Atlético) e Paulo César Caju
(Botafogo), deumaformadi-
ferente”,diz.
Lutaindividual
setorna
coletiva
O meia Afonsinho foi um
ícone para a parcela da popu-
laçãoqueentendiaqueosmi-
litares estavam errados ao
abusar do poder, torturar e
matarquemeracontraoregi-
me. Segundo o pesquisador,
sua atuação começou de for-
ma individual, mas logo ga-
nhou caráter coletivo. “Afon-
sinho fez uma viagem à Euro-
pa com o time e deixou a bar-
ba crescer. Logo após a Copa
do Mundo de 1970, a delega-
çãodoBotafogovoltou.Otéc-
nico era Zagalo, homem de
confiança dos militares.
Quando Afonsinho chegou
no Botafogo para treinar, Za-
galo disse que ele só treinaria
se cortasse o cabelo e a barba.
Numaatitude de rebeldia,ele
se negou e pediu para treinar
àparte”,contaohistoriador.
Depois, a diretoria proi-
biu a entrada do jogador no
clube. “Afonsinho iniciou
uma luta na Justiça pelo pas-
selivre.Naépoca,osclubesti-
nhamtodososdireitos,nofu-
tebol, sobre os jogadores, era
quase um contrato vitalício, e
o Botafogo não o liberava pa-
raoutrotime.Houveumamo-
bilização na mídia e Afonsi-
nho se tornou uma figura ca-
rismática,principalmentepa-
ra a esquerda. Qualquer pes-
soa que levantasse bandeira
contra os militares era consi-
derada contestadora. A luta
delecomeçouindividual,pes-
soalevirouumaquestãocole-
tiva”, explica Couto. Além de
virar um ícone, Afonsinho
conseguiu naJustiçaodireito
de jogar em outro clube. De-
pois,seformouemMedicina.
Outro atleta estudado pe-
lo historiador foi o atacante
Tostão, que era discreto, mas
tinha opinião política e vinha
de uma família que se preocu-
pava com os estudos. “Ele ma-
nifestava suas posições políti-
cas e fez isso de maneira mais
incisiva numa entrevista ao
“Pasquim” (jornal alternativo,
que combatia os militares
com humor e ironia fina), em
maio de 1970, pouco antes da
Copa. Em resposta a uma per-
gunta, Tostão disse: ‘Infeliz-
mente,aindanãopodemosdi-
zeroquequeremos,porqueso-
mosprivadosdemuitacoisa’”,
contaopesquisador.
Segundo Couto, se não
fosseumjogadorfamoso,Tos-
tãocertamente teria sidopre-
so e torturado. Na época, os
militares, por meio da Agên-
ciaEspecialdeRelaçõesPúbli-
cas (Aerp), concentraram es-
forçosparaqueaSeleçãoBra-
sileira se tornasse seu grande
canal de comunicação, e Tos-
tão passou a destoar desse ti-
me.
Da mesma época de Tos-
tão, o ponta-esquerda Paulo
César Caju também faz parte
datese.“Eletinhaumapostu-
radecontestaçãomaissimbó-
lica. Nãoadmitia o espírito de
disciplina que foi incorpora-
do pelo futebol brasileiro no
período militar e não enten-
dia porque a própria torcida
começava a vaiá-lo”, salienta
Couto.
Por último, veio o atacan-
te atleticano Reinaldo, já em
outrocontexto,nofinaldaDi-
tadura Militar e começo da
aberturapolítica,comos pre-
sidentes ErnestoGeisel e João
Figueiredo.Segundoopesqui-
sador, o Atlético comprou para
o jogador um apartamento no
Bairro São Pedro, e Reinaldo
passouaservizinhodeFreiBe-
to, que questionava os milita-
res,eficouamigodeseuirmão,
LeonardoLibânioCristo.Quan-
do ele estourou no futebol, co-
meçou a protestar e a utilizar o
gesto do punho cerrado (mar-
ca da luta contra o racismo
nos Estados Unidos adotada
pelos Panteras Negras, em es-
pecial por Tommie Smith, na
Olimpíada do México, em
1968).
“Em 1978, essa questão já
estava mais branda nos EUA,
mas Reinaldo trouxe essa sim-
bologia para atingir outra esfe-
radeprotesto,queseriaopolíti-
co”, avalia o professor. Por suas
declarações,oatacantequasefi-
cou fora da Copa de 1978 e foi
advertido por Geisel a parar de
falardepolítica.
Pesquisaa
partirda
décadade30
Apesar de ter dado mais
ênfase ao período recente da
Ditadura Militar, o pesquisa-
dor aborda o tema a partir da
década de 1930. “A ideia cen-
tral da tese era discutir futebol
na Ditadura Militar (especial-
menteaCopade1970,noMéxi-
co). Só que, ao investigar as
questõesquelevaramosmilita-
res a se apropriarem do fute-
bol,percebique,emoutrosmo-
mentos da história, o futebol
também foi apropriado, com
outras lógicas e formas, mas
apropriaçãopolítica”,afirma.
Segundo Euclides, desde a
fase amadorística do futebol, o
Estado sempre esteve presente.
“Em Belo Horizonte, os clubes
contaram com doação de terre-
nos públicos (Atlético e Améri-
ca),alémdebenefíciosconcedi-
dosaoPalestraItália(atualCru-
zeiro). Os políticos sentiam
que, dando espaço para o fute-
bol, eles dariam espaço para as
própriaselites”,analisa.
Em seguida, foi utilizado
também pela lógica do discur-
so higienista, em que o espor-
te, em especial o futebol, tor-
nou-se “carro-chefe” de saúde
corporal. Mais à frente, políti-
cas públicas, na década de
1930, com Getúlio Vargas, esti-
mularam o futebol, usando a
Seleção Brasileira para difun-
dir a ideia do corpo do Estado.
“Os discursos mais importan-
tes do Vargas foram proferidos
em São Januário. Ele reúne a
multidão numa praça esporti-
va”,destacaoprofessor.
Na década de 1950, com a
Copa no Brasil, a construção
do Maracanã se tornou um
exemplodemodernizaçãodo
país. “As reportagens da épo-
ca mostram que o Brasil esta-
va se adequando à moderni-
dade, e o Maracanã represen-
tava isso, além da capacidade
do Brasil de organizar um
evento dessa grandeza”, afir-
maCouto.“Éomesmodiscur-
so de hoje (Pan-Americano
2007, Copa 2014 e, possivel-
mente, as Olimpíadas em
2016):nóssomosgrandes,va-
mos sediar um evento gran-
de.Houvetambém1958,com
Juscelino Kubitschek, quan-
doaSeleçãoganhouoprimei-
ro título, na Suécia, e o presi-
denteapareceucomootorce-
dornúmero1,comorádioco-
lado na orelha”, analisa o his-
toriador.i

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E foi justamente essa visão crítica que o universo do fute- bol proporciona que o pesqui- sadorabordouemsuatese,de- fendida em junho, no progra- ma de Pós-Graduação em His- tória-HistóriaeCulturasPolíti- cas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para Couto, no geral, os jogadores nãotêmnoçãodecomosãouti- lizados pelo sistema. “A ques- tão da consciência política en- treosjogadoresémuitocompli- cada. Eles estão muito mais do lado dos governantes do que de umaposturacríticaaousopolí- tico do futebol. Alguns até vira- rampolíticosdepois”. O historiador analisou quatro atletas que, na época, manifestaram-secontra a Di- taduraMilitar.“Éumfenôme- no da década de 1970, que ve- jo como um elemento de contraposiçãodealgunsjoga- dores, com uma postura polí- tica diferenciada. Não era co- mum jogador discutir políti- ca.Comumeraparticipardos eventos da CBD (Confedera- ção Brasileira de Desportos, atual CBF), ligados à Arena (partido político dominado pelos militares), sem o menor pudor. Agora, alguns usavam oespaçoqueamídia davapa- racolocarsuasposiçõespolíti- cas”, afirma. Quatro jogado- restiveramcoragemdeques- tionaros militarese,porisso, foram analisados por Eucli- des Couto. “Eu estudei os ca- sos de Afonsinho (Botafogo), Tostão (Cruzeiro), Reinaldo (Atlético) e Paulo César Caju (Botafogo), deumaformadi- ferente”,diz. Lutaindividual setorna coletiva O meia Afonsinho foi um ícone para a parcela da popu- laçãoqueentendiaqueosmi- litares estavam errados ao abusar do poder, torturar e matarquemeracontraoregi- me. Segundo o pesquisador, sua atuação começou de for- ma individual, mas logo ga- nhou caráter coletivo. “Afon- sinho fez uma viagem à Euro- pa com o time e deixou a bar- ba crescer. Logo após a Copa do Mundo de 1970, a delega- çãodoBotafogovoltou.Otéc- nico era Zagalo, homem de confiança dos militares. Quando Afonsinho chegou no Botafogo para treinar, Za- galo disse que ele só treinaria se cortasse o cabelo e a barba. Numaatitude de rebeldia,ele se negou e pediu para treinar àparte”,contaohistoriador. Depois, a diretoria proi- biu a entrada do jogador no clube. “Afonsinho iniciou uma luta na Justiça pelo pas- selivre.Naépoca,osclubesti- nhamtodososdireitos,nofu- tebol, sobre os jogadores, era quase um contrato vitalício, e o Botafogo não o liberava pa- raoutrotime.Houveumamo- bilização na mídia e Afonsi- nho se tornou uma figura ca- rismática,principalmentepa- ra a esquerda. Qualquer pes- soa que levantasse bandeira contra os militares era consi- derada contestadora. A luta delecomeçouindividual,pes- soalevirouumaquestãocole- tiva”, explica Couto. Além de virar um ícone, Afonsinho conseguiu naJustiçaodireito de jogar em outro clube. De- pois,seformouemMedicina. Outro atleta estudado pe- lo historiador foi o atacante Tostão, que era discreto, mas tinha opinião política e vinha de uma família que se preocu- pava com os estudos. “Ele ma- nifestava suas posições políti- cas e fez isso de maneira mais incisiva numa entrevista ao “Pasquim” (jornal alternativo, que combatia os militares com humor e ironia fina), em maio de 1970, pouco antes da Copa. Em resposta a uma per- gunta, Tostão disse: ‘Infeliz- mente,aindanãopodemosdi- zeroquequeremos,porqueso- mosprivadosdemuitacoisa’”, contaopesquisador. Segundo Couto, se não fosseumjogadorfamoso,Tos- tãocertamente teria sidopre- so e torturado. Na época, os militares, por meio da Agên- ciaEspecialdeRelaçõesPúbli- cas (Aerp), concentraram es- forçosparaqueaSeleçãoBra- sileira se tornasse seu grande canal de comunicação, e Tos- tão passou a destoar desse ti- me. Da mesma época de Tos- tão, o ponta-esquerda Paulo César Caju também faz parte datese.“Eletinhaumapostu- radecontestaçãomaissimbó- lica. Nãoadmitia o espírito de disciplina que foi incorpora- do pelo futebol brasileiro no período militar e não enten- dia porque a própria torcida começava a vaiá-lo”, salienta Couto. Por último, veio o atacan- te atleticano Reinaldo, já em outrocontexto,nofinaldaDi- tadura Militar e começo da aberturapolítica,comos pre- sidentes ErnestoGeisel e João Figueiredo.Segundoopesqui- sador, o Atlético comprou para o jogador um apartamento no Bairro São Pedro, e Reinaldo passouaservizinhodeFreiBe- to, que questionava os milita- res,eficouamigodeseuirmão, LeonardoLibânioCristo.Quan- do ele estourou no futebol, co- meçou a protestar e a utilizar o gesto do punho cerrado (mar- ca da luta contra o racismo nos Estados Unidos adotada pelos Panteras Negras, em es- pecial por Tommie Smith, na Olimpíada do México, em 1968). “Em 1978, essa questão já estava mais branda nos EUA, mas Reinaldo trouxe essa sim- bologia para atingir outra esfe- radeprotesto,queseriaopolíti- co”, avalia o professor. Por suas declarações,oatacantequasefi- cou fora da Copa de 1978 e foi advertido por Geisel a parar de falardepolítica. Pesquisaa partirda décadade30 Apesar de ter dado mais ênfase ao período recente da Ditadura Militar, o pesquisa- dor aborda o tema a partir da década de 1930. “A ideia cen- tral da tese era discutir futebol na Ditadura Militar (especial- menteaCopade1970,noMéxi- co). Só que, ao investigar as questõesquelevaramosmilita- res a se apropriarem do fute- bol,percebique,emoutrosmo- mentos da história, o futebol também foi apropriado, com outras lógicas e formas, mas apropriaçãopolítica”,afirma. Segundo Euclides, desde a fase amadorística do futebol, o Estado sempre esteve presente. “Em Belo Horizonte, os clubes contaram com doação de terre- nos públicos (Atlético e Améri- ca),alémdebenefíciosconcedi- dosaoPalestraItália(atualCru- zeiro). Os políticos sentiam que, dando espaço para o fute- bol, eles dariam espaço para as própriaselites”,analisa. Em seguida, foi utilizado também pela lógica do discur- so higienista, em que o espor- te, em especial o futebol, tor- nou-se “carro-chefe” de saúde corporal. Mais à frente, políti- cas públicas, na década de 1930, com Getúlio Vargas, esti- mularam o futebol, usando a Seleção Brasileira para difun- dir a ideia do corpo do Estado. “Os discursos mais importan- tes do Vargas foram proferidos em São Januário. Ele reúne a multidão numa praça esporti- va”,destacaoprofessor. Na década de 1950, com a Copa no Brasil, a construção do Maracanã se tornou um exemplodemodernizaçãodo país. “As reportagens da épo- ca mostram que o Brasil esta- va se adequando à moderni- dade, e o Maracanã represen- tava isso, além da capacidade do Brasil de organizar um evento dessa grandeza”, afir- maCouto.“Éomesmodiscur- so de hoje (Pan-Americano 2007, Copa 2014 e, possivel- mente, as Olimpíadas em 2016):nóssomosgrandes,va- mos sediar um evento gran- de.Houvetambém1958,com Juscelino Kubitschek, quan- doaSeleçãoganhouoprimei- ro título, na Suécia, e o presi- denteapareceucomootorce- dornúmero1,comorádioco- lado na orelha”, analisa o his- toriador.i