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PÚBLICO, SEG 23 SET 2013 | 47

As máscaras
da geração indignada
(…) / C.Fuentes (…) /Sábato (…)/ Onetti,
coberto de lua/ (...) pareceu-me que vocês
eram/ os transgressores do planeta,/ os
descobridores do mar,/ mas o dever que
partilhamos/ é encher as padarias.”
Apesar de se ter retratado em Fin de
Mundo: “(…) ignorava o que ignorávamos
(…)” e em Elegia (escrito em 71-72): “A
terra encheu-se dos teus castigos/ e cada
jardim tinha um enforcado”, alguns
até hoje não perdoaram as suas odes a
Estaline.
Há uma faceta de Neruda pouco
conhecida: a de coleccionista dos mais
diversos objectos da natureza, com
destaque para as conchas marinhas, de
que foi o 2.º maior coleccionista do mundo
(“Na realidade, o que melhor coleccionei
na minha vida foram as minhas conchas.
Deram-me o prazer da sua prodigiosa
estrutura: a pureza lunar de uma porcelana
misteriosa (…)”(in Confesso Que Vivi,
edição póstuma). Parte da valiosa colecção
das nove mil conchas por ele doada à
Universidade do Chile, incluindo as mais
raras e com dedicatórias, uma delas a
oferecida por Mao Tsetung, foi apresentada
em Madrid em 2009, na única exposição
efectuada até então fora do Chile.
Hoje, 23 de Setembro de 2013 faz 40
anos que Neruda morreu — de cancro, de
indignação, de amargura ou envenenado.
Festejá-lo neste dia é uma invenção
para negá-lo à morte, seguindo os seus
prenúncios de 1949 no seu Canto Geral:
“Não me vou morrer./ Parto agora/ neste
dia cheio de vulcões,/ para a multidão,
para a vida.”
Nota: Poemas de Neruda e vinho do Chile,
hoje às 21h30 no Porto, Galerias Lumière.
Médico, mvalelima@iol.pt
AFP

Pablo Neruda (dir.) com Salvador Allende

UESLEI MARCELINO/REUTERS

Debate Movimentos sociais
Elísio Estanque
máscara de Guy Fawkes,
que se vulgarizou através do
filme V de Vitória, tornouse, nos últimos tempos, o
símbolo de grupos radicais
como os Anonimous e os
Black Blocs, entre outros.
Para além do significado
político desses grupos – e
de podermos questionar
as formas e o conteúdo ideológico das
suas ações – trata-se aqui de pensar
sobre as motivações que estão na génese
dessas mobilizações, envolvendo em
especial a juventude escolarizada. Numa
sociedade mediatizada, onde o simulacro
e a representação se confundem com a
realidade (e, afinal, lhe dão substância),
onde as máscaras, a dissimulação, o
narcisismo e a estética do “sujeito”
anónimo se revertem em contaminação
“viral” através das redes sociais, qual o
potencial sociopolítico das novas formas
de ativismo e participação juvenil?
No Carnaval brasileiro a tradicional
“mascarada” (com origem no Entrudo
europeu) transmutou-se de inversão
subversiva de papéis entre o povo e os
poderosos para uma ostentação em
bloco da cultura de raiz popular e da
“irreverência padronizada”, sob a forma
de uma exibição massificada que marca
o ritmo do país nesse período. Mas a
proliferação das máscaras “fawkianas”
nos últimos tempos, nas manifestações
e protestos públicos, veiculam traços
de natureza distinta e paradoxal, onde
o impulso para a uniformização, sob
o manto de um coletivo anónimo,
supostamente subversivo e radical,
esconde porventura a presença crescente
do individualismo e do narcisismo
juvenil mais ingénuo. O filho de um
amigo meu foi detido por uma noite na
esquadra da polícia em São Paulo por
ter sido apanhado junto de uma dessas
“tribos” dos Black Blocs que, no regresso
da manifestação, partia montras de
instituições bancárias. Curioso é o caso
de uma sua companheira de ocasião,
adolescente como ele, que se entreteve a
tirar fotos de si mesma com o seu iPhone,
as quais serviram depois de prova dos
seus próprios atos a estilhaçar montras.
Ou seja, entre o suposto anonimato (da
máscara ou do lenço que cobre o rosto) e o
exibicionismo do “eu estou aqui!” parece
residir a dupla lógica de uma sociedade
que individualiza, que exacerba o risco e
a impessoalidade, ao mesmo tempo que
fragmenta a identidade coletiva, que rouba
a esquina da rua e o beco suburbano,
oferecendo, em vez disso, a coletividade
fictícia da Internet, tornada o espaço onde

A

todas as vaidades
se podem expandir,
onde as máscaras
que cada um
veste se projetam
numa comunhão
imaginada, que
se reforça na rua,
enquanto palco
de conflitualidade
coletiva e ao
mesmo tempo a
grande montra
de performance
individual.
Vivemos numa
época de risco e
incerteza onde
“a geração que
vive pior que os
seus pais” parece
despertar para
a necessidade
urgente de afirmar
a sua marca no
espaço público, ainda que não consiga
compreender o que é de facto o “espaço
público”. A geração que já nasceu em
democracia não quer saber de política,
porque os seus pais fizeram política até à
exaustão, inebriando-se de ideologia até na
esfera privada e familiar. Porque na ressaca
da luta política a geração dos pais foi “fazer
pela vida”, enquanto a escola dos filhos
lhes passou a ideia de que tudo depende
do “saber técnico”. Com muitos diplomas
e titulos escolares — e talvez a ajuda de um
amigo do pai — as credenciais académicas
faziam as vezes do “empreendedorismo”.
Só depois da desilusão é que aquela palavra
(empreendedorismo) ganhou estatuto de
nova ideologia. E quando os problemas do
(des)emprego e da pobreza começaram a
bater à porta, a geração dos antepassados
levantou as velhas bandeiras (mesmo que

Seria bom que,
para a Europa
e para o Brasil,
houvesse
espaço
para novos
caminhos
emancipatórios

já rotas, desbotadas e sem cor) e os mais
jovens, ainda atordoados pelo minguar
repentino da mesada, apressaram-se a
acorrer ao dicionário (ou à wikipédia) em
busca do significado da palavra “futuro”.
Em lugar do sinónimo depararam-se com
o vazio; mas, após muita persistência, lá
vislumbraram: “incerteza”, “desemprego”
ou “desespero”.
Nesse processo, o espaço privado
começou a revelar buracos negros e
barreiras que negavam a realização do
desejo hedonista mais inofensivo. Com a
chegada da crise, a Europa foi assaltada
por ansiedades súbitas e os filhos da classe
média foram, finalmente, empurrados
para a rua. Enquanto isso ocorria no Sul
europeu, na América Latina, era o Brasil
que começava a erguer a bandeira do
consumo, e o canto de sereia da “nova
classe média” ganhava adesões no país.
Porém, no atabalhoamento ansioso
desse processo, os bloqueios e a corrosão
institucionais, a consciencialização dos
direitos e a manipulação dos média
empurraram milhões para as ruas
contra o atual poder. Se o clímax dos
movimentos de junho evidenciou as
contradições, problemas e perplexidades
das gerações mais jovens, a reconfiguração
subsequente dos protestos de rua veio pôr
em evidência a presença das máscaras e
o radicalismo dos Black Blocs e outros.
Resta saber quem levará a melhor entre
a contestação radical, a violência das
políticas “austeritárias”, a viabilidade
dos programas desenvolvimentistas e a
capacidade reformista das instituições
democráticas. Seria bom que, para a Europa
e para o Brasil, houvesse espaço para novos
caminhos emancipatórios.
Investigador do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra; professor
visitante da Unicamp – Campinas, Brasil

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Voos de borboleta
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Máscaras da geração indignada

  • 1. PÚBLICO, SEG 23 SET 2013 | 47 As máscaras da geração indignada (…) / C.Fuentes (…) /Sábato (…)/ Onetti, coberto de lua/ (...) pareceu-me que vocês eram/ os transgressores do planeta,/ os descobridores do mar,/ mas o dever que partilhamos/ é encher as padarias.” Apesar de se ter retratado em Fin de Mundo: “(…) ignorava o que ignorávamos (…)” e em Elegia (escrito em 71-72): “A terra encheu-se dos teus castigos/ e cada jardim tinha um enforcado”, alguns até hoje não perdoaram as suas odes a Estaline. Há uma faceta de Neruda pouco conhecida: a de coleccionista dos mais diversos objectos da natureza, com destaque para as conchas marinhas, de que foi o 2.º maior coleccionista do mundo (“Na realidade, o que melhor coleccionei na minha vida foram as minhas conchas. Deram-me o prazer da sua prodigiosa estrutura: a pureza lunar de uma porcelana misteriosa (…)”(in Confesso Que Vivi, edição póstuma). Parte da valiosa colecção das nove mil conchas por ele doada à Universidade do Chile, incluindo as mais raras e com dedicatórias, uma delas a oferecida por Mao Tsetung, foi apresentada em Madrid em 2009, na única exposição efectuada até então fora do Chile. Hoje, 23 de Setembro de 2013 faz 40 anos que Neruda morreu — de cancro, de indignação, de amargura ou envenenado. Festejá-lo neste dia é uma invenção para negá-lo à morte, seguindo os seus prenúncios de 1949 no seu Canto Geral: “Não me vou morrer./ Parto agora/ neste dia cheio de vulcões,/ para a multidão, para a vida.” Nota: Poemas de Neruda e vinho do Chile, hoje às 21h30 no Porto, Galerias Lumière. Médico, mvalelima@iol.pt AFP Pablo Neruda (dir.) com Salvador Allende UESLEI MARCELINO/REUTERS Debate Movimentos sociais Elísio Estanque máscara de Guy Fawkes, que se vulgarizou através do filme V de Vitória, tornouse, nos últimos tempos, o símbolo de grupos radicais como os Anonimous e os Black Blocs, entre outros. Para além do significado político desses grupos – e de podermos questionar as formas e o conteúdo ideológico das suas ações – trata-se aqui de pensar sobre as motivações que estão na génese dessas mobilizações, envolvendo em especial a juventude escolarizada. Numa sociedade mediatizada, onde o simulacro e a representação se confundem com a realidade (e, afinal, lhe dão substância), onde as máscaras, a dissimulação, o narcisismo e a estética do “sujeito” anónimo se revertem em contaminação “viral” através das redes sociais, qual o potencial sociopolítico das novas formas de ativismo e participação juvenil? No Carnaval brasileiro a tradicional “mascarada” (com origem no Entrudo europeu) transmutou-se de inversão subversiva de papéis entre o povo e os poderosos para uma ostentação em bloco da cultura de raiz popular e da “irreverência padronizada”, sob a forma de uma exibição massificada que marca o ritmo do país nesse período. Mas a proliferação das máscaras “fawkianas” nos últimos tempos, nas manifestações e protestos públicos, veiculam traços de natureza distinta e paradoxal, onde o impulso para a uniformização, sob o manto de um coletivo anónimo, supostamente subversivo e radical, esconde porventura a presença crescente do individualismo e do narcisismo juvenil mais ingénuo. O filho de um amigo meu foi detido por uma noite na esquadra da polícia em São Paulo por ter sido apanhado junto de uma dessas “tribos” dos Black Blocs que, no regresso da manifestação, partia montras de instituições bancárias. Curioso é o caso de uma sua companheira de ocasião, adolescente como ele, que se entreteve a tirar fotos de si mesma com o seu iPhone, as quais serviram depois de prova dos seus próprios atos a estilhaçar montras. Ou seja, entre o suposto anonimato (da máscara ou do lenço que cobre o rosto) e o exibicionismo do “eu estou aqui!” parece residir a dupla lógica de uma sociedade que individualiza, que exacerba o risco e a impessoalidade, ao mesmo tempo que fragmenta a identidade coletiva, que rouba a esquina da rua e o beco suburbano, oferecendo, em vez disso, a coletividade fictícia da Internet, tornada o espaço onde A todas as vaidades se podem expandir, onde as máscaras que cada um veste se projetam numa comunhão imaginada, que se reforça na rua, enquanto palco de conflitualidade coletiva e ao mesmo tempo a grande montra de performance individual. Vivemos numa época de risco e incerteza onde “a geração que vive pior que os seus pais” parece despertar para a necessidade urgente de afirmar a sua marca no espaço público, ainda que não consiga compreender o que é de facto o “espaço público”. A geração que já nasceu em democracia não quer saber de política, porque os seus pais fizeram política até à exaustão, inebriando-se de ideologia até na esfera privada e familiar. Porque na ressaca da luta política a geração dos pais foi “fazer pela vida”, enquanto a escola dos filhos lhes passou a ideia de que tudo depende do “saber técnico”. Com muitos diplomas e titulos escolares — e talvez a ajuda de um amigo do pai — as credenciais académicas faziam as vezes do “empreendedorismo”. Só depois da desilusão é que aquela palavra (empreendedorismo) ganhou estatuto de nova ideologia. E quando os problemas do (des)emprego e da pobreza começaram a bater à porta, a geração dos antepassados levantou as velhas bandeiras (mesmo que Seria bom que, para a Europa e para o Brasil, houvesse espaço para novos caminhos emancipatórios já rotas, desbotadas e sem cor) e os mais jovens, ainda atordoados pelo minguar repentino da mesada, apressaram-se a acorrer ao dicionário (ou à wikipédia) em busca do significado da palavra “futuro”. Em lugar do sinónimo depararam-se com o vazio; mas, após muita persistência, lá vislumbraram: “incerteza”, “desemprego” ou “desespero”. Nesse processo, o espaço privado começou a revelar buracos negros e barreiras que negavam a realização do desejo hedonista mais inofensivo. Com a chegada da crise, a Europa foi assaltada por ansiedades súbitas e os filhos da classe média foram, finalmente, empurrados para a rua. Enquanto isso ocorria no Sul europeu, na América Latina, era o Brasil que começava a erguer a bandeira do consumo, e o canto de sereia da “nova classe média” ganhava adesões no país. Porém, no atabalhoamento ansioso desse processo, os bloqueios e a corrosão institucionais, a consciencialização dos direitos e a manipulação dos média empurraram milhões para as ruas contra o atual poder. Se o clímax dos movimentos de junho evidenciou as contradições, problemas e perplexidades das gerações mais jovens, a reconfiguração subsequente dos protestos de rua veio pôr em evidência a presença das máscaras e o radicalismo dos Black Blocs e outros. Resta saber quem levará a melhor entre a contestação radical, a violência das políticas “austeritárias”, a viabilidade dos programas desenvolvimentistas e a capacidade reformista das instituições democráticas. Seria bom que, para a Europa e para o Brasil, houvesse espaço para novos caminhos emancipatórios. Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; professor visitante da Unicamp – Campinas, Brasil