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1097
O ROSTO SURREALISTA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE
HISTÓRICA A PARTIR DA OBRA DE ROBERTO PIVA.
Kátia Mayra Lopes Batista
Prof. Rogério Ivano (Orientador)
RESUMO
Sentenciar o sono eterno dos instintos e dos sentidos, segundo autores
como Freud e Marcuse, seria parte do que a civilização e sua razão
operante fazem aos seres humanos para que se instaure seu “progresso”;
ela nos separa da natureza terrestre e de nossa própria natureza; a essa
negação da vida, alguns autores respondem com a negação, teorizada,
exemplificada, a essa concepção de vida repressora. Com a intenção de
analisar o contexto social-cultural da cidade de São Paulo a partir de um
ponto de vista ainda pouco explorado, escolhemos a obra do poeta
Roberto Piva, poeta paulista que iniciou suas publicações em 1961, tendo
recebido influência do surrealismo e praticando também modos de vida e
pensamento que se ligam ao movimento.
Ao partirmos para a busca de documentos para uma análise social através
das manifestações artísticas do caráter das que apresentaremos,
consideramos a concepção básica presente na análise de Walter Benjamin
acerca das produções surrealistas, de que as mesmas eram inspiradas na
realidade factual, material, e não apenas alçavam vôo baseadas em
fantasias irreconciliáveis com a vida do sujeito que escrevia.
Palavras-chave: Surrealismo, Roberto Piva, São Paulo.
1098
O ROSTO SURREALISTA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE
HISTÓRICA A PARTIR DA OBRA DE ROBERTO PIVA.
Com o crescimento vertiginoso da cidade de São Paulo no
decorrer do século XX, pôde-se observar uma voz poética que trazia o
delírio, saindo da tormenta da cidade. Estamos falando de Roberto Piva,
poeta falecido neste ano de 2010. Os poemas de Piva estão povoados de
referências a São Paulo, sua cidade, “OH cidade de lábios tristes e
trêmulos onde encontrar/ asilo na tua face?”493
, e sua postura de vida
correspondeu ao desejo manifesto no surrealismo de que vida e obra não
se separassem. São inúmeras características que o identificam partilhando
do surrealismo em sua escrita, aspecto que o mesmo sempre ressaltou
em entrevistas.
Os temas surrealistas sempre estiveram ligados à cidade e seu
caos, ou seja, advém de uma inspiração materialista, e não do caráter
“puramente” (se é que isso é possível) ilusório de algum tipo de devaneio.
O ensaio que clareou a escolha sobre o tema da análise de um período
histórico abatido sobre uma metrópole a partir de um poeta da verve
surrealista, foi escrito por Walter Benjamin 494
. Através de poemas do
brasileiro Roberto Piva que iniciou suas publicações em 1961,
analisaremos a São Paulo que possibilitou suas criações artísticas,
povoadas de imagens alucinadas: arquitetura, cultura, política e relações
sociais, dentre outros, neste dado contexto histórico da segunda metade
do século XX até o presente, início do século XXI.
O estudo de Walter Benjamin O surrealismo: último instantâneo
da inteligência européia destaca variados aspectos e apontamentos sobre
e deste movimento artístico, e um dos principais, é justamente o mesmo
493
PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo: Instituto
Moreira Salles e Jacarandá, 2000, p.11.
494
BENJAMIN, Walter. O surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia,In:Obras Escolhidas
I – Magia e técnica, arte e política : Ensaios sobre literatura e história da cultura. 4. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1985. pp. 21-35.
1099
não ser apenas artístico, de preocupações essencialmente estéticas. A
crítica à razão tradicional, os métodos de criação, a temática das obras e a
idéia de liberdade que elas portavam, dentre outros, não eram gratuitos,
mas desembocavam na afirmação categórica da vivência de um novo tipo
de realidade:
[...] A vida só parecia digna de ser vivida
quando se dissolvia a fronteira entre o sono e
a vigília, permitindo a passagem em massa de
figuras ondulantes, e a linguagem só parecia
autêntica quando o som e a imagem, a
imagem e o som, se interpenetravam, com
exatidão automática, de forma tão feliz que
não sobrava a mínima fresta para inserir a
pequena moeda a que chamamos “sentido”
495
.
O citado ensaio de Benjamin como um todo, será uma das
principais fontes inspiradoras de métodos para esta pesquisa, no que toca
à observação da dinâmica das criações surrealistas, em si mesma.
Segundo Hannah Arendt, Benjamin era bastante influenciado por esse
modo de pensar que estamos debatendo 496
, havia nele a busca de um
fenômeno arquetípico, momentos onde a compreensão aguçada do todo
revelaria algum sentido oculto das coisas. No ensaio, o autor atribuiu aos
surrealistas as descobertas das energias ocultas no óbvio, no mundo de
coisas da cidade, em seus monumentos, edifícios, artificialidades
(materiais ou morais), seu cenário afinal e nas relações de ordem social
que o estabilizam.
Entendemos uma análise da cultura enquanto mero subproduto
da economia e da política, como errônea. Não trataremos de medir a
primazia de aspectos culturais em relação a outros como os econômicos e
495
Ibdem, p. 22.
496
ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176. p. 141 e 142.
1100
políticos, na influência do desenrolar do século XX. Objetivamos
estabelecer diálogos entre os aspectos concretos do que se chamou e
ainda se chama de desenvolvimento tecnológico, progresso, racionalidade
e suas legitimações ou pulsões interiores presentes nos indivíduos497
.
Neste estudo, algumas linhas de pensamento de estudiosos das
ciências humanas convergem em vários pontos com o pensamento
artístico do surrealismo. As distinções entre corpo e espírito, realidade
material e mental, razão e sentimento, racionalidade e irracionalidade,
prática e prazer, dentre outros, são criticadas por eles; pois elas medem o
grau de importância de um aspecto com relação ao outro, e nesta
medição fogem da realidade social total.
O livro Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do
pensamento de Freud, de Herbert Marcuse, foi bastante utilizado na
delimitação do tema deste estudo também. O autor, através do estudo da
obra de Freud, incluindo a concepção que o mesmo tinha acerca da
civilização e da cultura, põe em evidência o papel da dinâmica repressiva
na legitimação e continuidade da opressão inerente a esse sistema de
valores e práticas presente no ocidente sob a égide tecnológico-industrial.
Uma sociedade que inversamente aos tantos limites que impõe aos
homens trabalhadores, não impõe nenhum à expansão do lucro e da
produção de bens de consumo supérfluos, resulta na crescente destruição
da vida como um todo, no planeta. Marcuse, como Benjamin, também
aborda o tema do surrealismo, em Eros498
e noutros escritos também, que
serão incluídos no debate bibliográfico.
O Manifesto do Surrealismo (1924), de Andre Breton, sinaliza os
principais interesses deste movimento em sua gênese. Breton demonstra
497
ALMEIDA, Jozimar Paes de. “A instrumentalização da natureza pela ciência”, In: Revista Projeto
História – Natureza e Poder, PUC-SP, n 23, São Paulo, novembro de 2001, pp. 169-191.
498
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1968. p. 136.
1101
como (através das descobertas de Freud sobre o funcionamento da mente
humana) as oposições culturalmente e historicamente criadas entre sonho
e realidade, corpo e espírito, consciência e inconsciência, e outras, podem
ser derrubadas na reivindicação por uma vivência mais total. O autor
afirma que a vida humana num sistema que não negligencie o prazer da
imaginação, estará mais repleta de verdades – pois o inconsciente guarda
verdades – e possibilitará uma sociedade mais desenvolvida, na medida
em que a repressão dos instintos resulta em violência. Sentenciar a morte
dos instintos e dos sentidos, como a civilização e sua razão o fazem, nos
separa da natureza terrestre e de nossa própria natureza; a essa negação
da vida, os autores respondem com a negação, teorizada, a essa
concepção de vida como a única possível, e a esse respeito citamos o
Manifesto do Surrealismo, “Creio na resolução futura desses dois estados,
aparentemente tão contraditórios, tais sejam o sonho e a realidade, em
uma espécie de realidade absoluta, de super-realidade se assim se pode
chamar” 499
.
A afirmação de que o conhecimento e o contato efetivo com a
arte podem ajudar as pessoas a viver melhor no mundo atual, não supõe
que este contato esteja disseminado por agora. No psiquismo, a ajuda da
arte se dá ao incorporarmos mecanismos da percepção e criação estéticas
à vivência do ser humano para que ele possa sublimar as energias que, de
outra maneira retornariam na forma de neuroses: segundo Vygotski, o
sistema nervoso recebe mais excitações do que o número delas que
teríamos possibilidade de resolver na atividade, e assim a arte libera essas
potências, impedindo que elas retornem de maneira indesejável 500
.
Marcuse, no ensaio intitulado A arte na sociedade unidimensional
expõe a idéia de a linguagem artística ser talvez a única que possui a
499
BRETON, André. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências
vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 174-208.p. 183.
500
VYGOTSKI, L.S. Psicologia Pedagógica – Edição Comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 338-
339.
1102
possibilidade de agir de forma revolucionária na atualidade, pois ela
comunica o que os discursos somente políticos, não comunicam. A
vivência estética traz um potencial revolucionário no sentido de que ela
não fala a linguagem da afluência, e é impossível que surjam novas
relações entre os homens e coisas se os mesmos continuarem a falar a
linguagem da repressão.
A arte está comprometida com a sensibilidade:
nas formas artísticas, as necessidades
biológicas e instintivas reprimidas encontram
sua representação – tornam-se “objetivas” no
projeto de uma realidade diferente. A
“estética” é uma categoria existencial e
sociológica [...]. Mas então surge a questão:
por que o conteúdo biológico e existencial da
“estética” tem sido sublimado no reino do
ilusório e irreal da arte, em vez de na
transformação da realidade? [...] talvez não
terá chegado o tempo de liberar a arte de seu
confinamento em mera arte, em ilusão?501
Pesquisaremos os meios de criação surrealistas, o ideário do
movimento, seus conceitos de liberdade, amor, realidade, e assim por
diante. Os diálogos bibliográficos com pensadores e cientistas das áreas
humanas darão tom social ao debate envolvendo a arte: os pontos
convergentes com os pensadores da Escola de Frankfurt, com o
anarquismo e a ligação de Breton e outros membros do grupo francês,
bem como a recusa desta ligação por membros como Artaud, a partidos
socialistas serão alguns dos aspectos discutidos.
As iluminações profanas como meio de desnudamento da
realidade terá base teórica em Walter Benjamin. Os elementos presentes
nestas chamadas iluminações (simbólicos, críticos, e outros) serão
501
MARCUSE, Herbert. A arte na sociedade unidimensional. In: ADORNO, Theodor W. et al. Teoria da
cultura de massa; introdução, comentários e seleção de Luiz Costa Lima. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982. P.250-251.
1103
analisados em sua formação histórica. Assim, será necessária a busca de
documentos que permitam uma análise concisa da cultura brasileira da
segunda metade do século XX em diante, ao menos nas grandes cidades.
Obras que retratem a vivência da metrópole, estudos históricos,
antropológicos, e sociológicos sobre São Paulo, para relacionarmo-las com
as criações de Piva.
No momento em que ainda corre a pesquisa, nos contentaremos
apenas em partilhar algumas dúvidas que a leitura deste poeta nos deu:
“[...] marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o
perfume/ das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
chuva [...] cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de
vidro/ da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis”502
. Essas marchas
nômades na noite da cidade, usualmente eram feitas por jovens e
trabalhadores da noite (incluindo prostitutas) perto do ano de 1963
quando a Editora Massao Ohno publicou Paranóia, primeiro livro do autor
(nascido em 1937). Não seria sem nexo a alusão a marchas que ele e
seus amigos estariam realizando para que desaparecesse o perfume da
tradição, basicamente. As cafetinas estão magras, flertando com a loucura
(com L maiúsculo) e ainda repartem hóstias invisíveis, estão enfim na
decadência.
Quanto aos nômades na noite, provavelmente não são bem
vistos pela maioria da população desde que a configuração das cidades
vem incluindo um ideal higienista e organizador em prol do trabalho e da
produção, e não abarca a atitude desses nômades como nada além de
vagabundagem. Em Benjamin, segundo Arendt, há a figura central do
flâneur, “É a ele, vagueando a esmo entre as multidões nas grandes
502
PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo: Instituto
Moreira Salles e Jacarandá, 2000, p.7.
1104
cidades, num estudado contraste com a atividade apressada e intencional
delas, que as coisas se revelam em seu sentido secreto”. 503
A contracultura no Brasil, as religiões africanas e indígenas, a
união entre arte revolucionária e ação revolucionária, a liberação sexual
reclamada pela juventude nos anos sessenta do século XX, as relações
sociais vividas pelos cidadãos da metrópole brasileira, a relação do espaço
físico da cidade com o espaço da natureza que ela abate, sendo a ecologia
um dos temas de sua obra poética, serão temas pesquisados dentro da
realidade cultural, social e histórica brasileira presente no século XX.
Dentre os manifestos que Piva publicou, há o Manifesto Utópico-
Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio 504
. Neste, encontramos
sintetizadas (já que no texto, apesar de estar em formato de prosa, ele
usa a síntese inerente à linguagem poética) linhas de pensamento que
permitem colocarmos o poeta brasileiro como partilhando da reivindicação
por uma vivência mais estética, ecológica, sensorial. Piva ironiza, seu
manifesto é rápido e cheio de imagens intrigantes, outras impossíveis, o
que o deixa mais interessante e ácido, como a proposta de fazer da onça
pintada o totem da nacionalidade. Remetendo à utopia, tema abordado
por Marcuse e Horkheimer dentre outros, citamos um trecho de seu
manifesto:
[...]Os partidos políticos brasileiros não têm
nenhuma preocupação em trazer a UTOPIA
para o quotidiano. Por isso em nome da saúde
mental das novas gerações eu reivindico o
seguinte: 1 - Transformar a Praça da Sé em
horta coletiva & pública. 2 - Distribuir obras
dos poetas brasileiros entre os garotos (as) da
Febem, únicos capazes de transformar a
503
ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176. p. 141 e 142.
504
PIVA, Roberto. Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio. Agulha – Revista de
Cultura. Disponível em: < http://www.revista.agulha.nom.br/piva01.html>. Acesso em: 11 abr. 2009.
1105
violência & angústia de suas almas em música
das esferas. 505
No ano de 1924 era lançado na França o Manifesto do
Surrealismo506
, escrito por André Breton, poeta que integrava
anteriormente o movimento Dadá. Ao ler este famoso texto, percebe-se
que as intenções surrealistas, desde princípios, iam muito além do campo
artístico. O nome do movimento já trazia em seu significado uma nova
maneira de pensar a realidade, em que o sonho, o devaneio, e outros
estados que eles consideravam mais propícios ao “livre exercício do
espírito”, não seriam tidos como menos reais que os fenômenos ocorridos
enquanto estamos acordados ou conscientes; considerando que eram de
opinião de que o ordenamento do pensamento na consciência retira o seu
aspecto libertário, pois o homem continuaria domado exclusivamente
pelos julgamentos da razão de seu tempo, mesmo que ela pareça pelos
seus subprodutos factuais na sociedade, no mínimo equivocada em
termos de princípios e de aplicação:
A união da produtividade crescente e da
destruição crescente; a iminência de
aniquilamento; a rendição do pensamento, das
esperanças e do temor às decisões dos
poderes existentes; a preservação da miséria
em face da riqueza sem precedentes,
constituem a mais imparcial acusação – ainda
que não sejam a razão de ser desta sociedade,
mas apenas um subproduto, o seu
racionalismo arrasador, que impele a eficiência
e o crescimento, é, em si, irracional.507
Descartar a imaginação e o prazer da realidade é um dos
aspectos culturais fundamentais da civilização, que para Freud, é de
505
Ibdem.
506
BRETON, André. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências
vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 174-208.
507
MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1979. p. 16-17.
1106
essência repressiva inevitavelmente. Herbert Marcuse, em Eros e
Civilização508
, realizou uma análise filosófica do triunfo do que se chama
de princípio de realidade sobre o princípio de prazer no pensamento de
Freud, encontrando na própria teoria do psicanalista, elementos que
refutam a afirmação que ele faz sobre a impossibilidade de uma vivência
mais pautada na satisfação humana, e não na repressão, dentro da
civilização. Para além destes autores citados até o momento, ampliaremos
o debate sobre a idéia de civilização ocidental, desde produções do século
XIX, época em que se disseminava a crença no progresso através deste
modelo histórico.
O surrealismo é um tema que gera certo interesse na sociedade
atual. Em alguns momentos, vemos este termo e seus semelhantes
(surrealista, surreal) sendo usados em sentidos distantes à intenção dos
artistas que começaram a agir dentro de alguns objetivos traçados no
interior do movimento surgido em 1924 em Paris. Hoje se tem empregado
estes termos em conversas corriqueiras, sobre a rotina, e usualmente são
usados no sentido de caracterizar o que não se pode compreender, o
absurdo, o inesperado, a loucura.
Bem, por outro lado, percebemos também na atualidade de
inícios do século XXI, algumas aberturas de sensibilidade que parecem
possibilitar o entendimento maior do que o surrealismo propunha, para
um maior número de pessoas. Estamos nos relacionando a discursos
correntes que hoje estão mais disseminados, que exploram o terreno da
mente e do corpo humanos de maneira nova apesar de as dúvidas não o
serem novas, exemplos desse fenômeno são os discursos sobre profecias
baseadas em astrologia e astronomia (dentro desses estão documentários
feitos por grandes redes de televisão), conhecimentos e práticas relativos
508
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
1107
à sonhos lúcidos, meditação, Yôga, terapias naturais como as avaliações
bioenergéticas, e muitos mais.
O surgimento de um ramo na ciência chamado Noética está
inserido nesses tipos de preocupações que estudam cientificamente entre
outros o papel da mente no desaparecimento de doenças psicossomáticas
como o câncer, a capacidade humana de premonição e seus mecanismos
de ação, e muitos outros temas; iniciou-se com a criação de um instituto
norte-americano em 1973 que não tem fins lucrativos, sendo financiado
pelos integrantes espalhados pelo globo 509
.
No dado momento histórico de inícios do século XXI, promover
um entendimento satisfatório da arte é uma atividade que esbarra em
barreiras já efetivadas à própria compreensão da mesma; estas já estão
presentes na população de maneira geral, pois fazem parte da cultura
estabelecida. Best-sellers, filmes que são sucesso de bilheteria,
telenovelas, dentro outros precipitados da indústria cultural, embutem
frequentemente padrões de gosto e/ou consumo, que vêm a ser
justamente padrões opostos aos da verdadeira arte, por assim dizer.
As diferenças desses “sucessos” de público, e da arte de fato, se
dão desde os efeitos imediatos provocados no sujeito que os observam
(momentos de fruição bastante distintos, por vezes mesmo opostos), até
o resultado final da influência dos padrões destas obras na vida de quem
passou por elas. A distância entre este instante em que o expectador
vislumbra a obra, até o processo de incorporação de padrões de gosto,
posturas em relação à sua vida, à arte, e tantas mais, é muito mais curta
nos produtos da semicultura. A adesão é quase simultânea nessas obras,
pois elas não costumam trazer nada de novo, as pessoas gostam delas
509
SANTANA, Ana Lucia. Noética- uma nova forma de sentir e conceber a vida. InfoEscola. Disponível
em: http://www.infoescola.com/ciencias/noetica/. Acesso em: 05 jul. 2010.
1108
por se identificarem, sentindo-se seguras já que amparadas por lugares
comuns, compartilhar ilusões vigentes é “outro recurso para render-se ao
coletivo” 510
; pois as necessidades de sentir-se à vontade no modelo de
sociedade estabelecido e ser aplaudido por sua ideologia, sufoca o desejo
(humano) de entendê-lo, de se saber onde estamos, para onde
provavelmente vamos ou poderíamos ir.
510
RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton. Educação: pensamento e sensibilidade. In: RAMOS-DE-
OLIVEIRA, N.; ZUIN, A., S.; PUCCI, B. (Orgs.). Teoria crítica, estética e educação. Campinas/ Piracicaba:
Autores Associados/Unimep, 2001. P.50.
1109
Referências
ALMEIDA, Jozimar Paes de. A instrumentalização da natureza pela ciência.
In: Revista Projeto História – Natureza e Poder, PUC-SP, n 23, São
Paulo, novembro de 2001, pp. 169-191.
ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos
sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I – Magia e técnica, arte e
política : Ensaios sobre literatura e história da cultura. 4. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
BRETON, Andre. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça.
Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação dos
principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de
1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. pp. 174-208.
MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem
Unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
______. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento
de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
______. A arte na sociedade unidimensional. In: ADORNO, Theodor W. et
al. Teoria da cultura de massa; introdução, comentários e seleção de
Luiz Costa Lima. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.245-256.
______. Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio.
Agulha – Revista de Cultura. Disponível em: <
http://www.revista.agulha.nom.br/piva01.html>. Acesso em: 11 abr.
2009.
PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee.
2. ed. São Paulo: Instituto Moreira Salles e Jacarandá, 2000.
RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton. Educação: pensamento e sensibilidade. In:
RAMOS-DE-OLIVEIRA, N.; ZUIN, A., S.; PUCCI, B. (Orgs.). Teoria crítica,
estética e educação. Campinas/ Piracicaba: Autores Associados/Unimep,
2001.p.43-60.
SANTANA, Ana Lucia. Noética- uma nova forma de sentir e conceber a
vida. InfoEscola. Disponível em:
http://www.infoescola.com/ciencias/noetica/. Acesso em: 05 jul. 2010.
VYGOTSKI, L.S. Psicologia Pedagógica: edição comentada. Porto
Alegre: Artmed, 2003.

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  • 1. 1097 O ROSTO SURREALISTA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE HISTÓRICA A PARTIR DA OBRA DE ROBERTO PIVA. Kátia Mayra Lopes Batista Prof. Rogério Ivano (Orientador) RESUMO Sentenciar o sono eterno dos instintos e dos sentidos, segundo autores como Freud e Marcuse, seria parte do que a civilização e sua razão operante fazem aos seres humanos para que se instaure seu “progresso”; ela nos separa da natureza terrestre e de nossa própria natureza; a essa negação da vida, alguns autores respondem com a negação, teorizada, exemplificada, a essa concepção de vida repressora. Com a intenção de analisar o contexto social-cultural da cidade de São Paulo a partir de um ponto de vista ainda pouco explorado, escolhemos a obra do poeta Roberto Piva, poeta paulista que iniciou suas publicações em 1961, tendo recebido influência do surrealismo e praticando também modos de vida e pensamento que se ligam ao movimento. Ao partirmos para a busca de documentos para uma análise social através das manifestações artísticas do caráter das que apresentaremos, consideramos a concepção básica presente na análise de Walter Benjamin acerca das produções surrealistas, de que as mesmas eram inspiradas na realidade factual, material, e não apenas alçavam vôo baseadas em fantasias irreconciliáveis com a vida do sujeito que escrevia. Palavras-chave: Surrealismo, Roberto Piva, São Paulo.
  • 2. 1098 O ROSTO SURREALISTA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE HISTÓRICA A PARTIR DA OBRA DE ROBERTO PIVA. Com o crescimento vertiginoso da cidade de São Paulo no decorrer do século XX, pôde-se observar uma voz poética que trazia o delírio, saindo da tormenta da cidade. Estamos falando de Roberto Piva, poeta falecido neste ano de 2010. Os poemas de Piva estão povoados de referências a São Paulo, sua cidade, “OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar/ asilo na tua face?”493 , e sua postura de vida correspondeu ao desejo manifesto no surrealismo de que vida e obra não se separassem. São inúmeras características que o identificam partilhando do surrealismo em sua escrita, aspecto que o mesmo sempre ressaltou em entrevistas. Os temas surrealistas sempre estiveram ligados à cidade e seu caos, ou seja, advém de uma inspiração materialista, e não do caráter “puramente” (se é que isso é possível) ilusório de algum tipo de devaneio. O ensaio que clareou a escolha sobre o tema da análise de um período histórico abatido sobre uma metrópole a partir de um poeta da verve surrealista, foi escrito por Walter Benjamin 494 . Através de poemas do brasileiro Roberto Piva que iniciou suas publicações em 1961, analisaremos a São Paulo que possibilitou suas criações artísticas, povoadas de imagens alucinadas: arquitetura, cultura, política e relações sociais, dentre outros, neste dado contexto histórico da segunda metade do século XX até o presente, início do século XXI. O estudo de Walter Benjamin O surrealismo: último instantâneo da inteligência européia destaca variados aspectos e apontamentos sobre e deste movimento artístico, e um dos principais, é justamente o mesmo 493 PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo: Instituto Moreira Salles e Jacarandá, 2000, p.11. 494 BENJAMIN, Walter. O surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia,In:Obras Escolhidas I – Magia e técnica, arte e política : Ensaios sobre literatura e história da cultura. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. pp. 21-35.
  • 3. 1099 não ser apenas artístico, de preocupações essencialmente estéticas. A crítica à razão tradicional, os métodos de criação, a temática das obras e a idéia de liberdade que elas portavam, dentre outros, não eram gratuitos, mas desembocavam na afirmação categórica da vivência de um novo tipo de realidade: [...] A vida só parecia digna de ser vivida quando se dissolvia a fronteira entre o sono e a vigília, permitindo a passagem em massa de figuras ondulantes, e a linguagem só parecia autêntica quando o som e a imagem, a imagem e o som, se interpenetravam, com exatidão automática, de forma tão feliz que não sobrava a mínima fresta para inserir a pequena moeda a que chamamos “sentido” 495 . O citado ensaio de Benjamin como um todo, será uma das principais fontes inspiradoras de métodos para esta pesquisa, no que toca à observação da dinâmica das criações surrealistas, em si mesma. Segundo Hannah Arendt, Benjamin era bastante influenciado por esse modo de pensar que estamos debatendo 496 , havia nele a busca de um fenômeno arquetípico, momentos onde a compreensão aguçada do todo revelaria algum sentido oculto das coisas. No ensaio, o autor atribuiu aos surrealistas as descobertas das energias ocultas no óbvio, no mundo de coisas da cidade, em seus monumentos, edifícios, artificialidades (materiais ou morais), seu cenário afinal e nas relações de ordem social que o estabilizam. Entendemos uma análise da cultura enquanto mero subproduto da economia e da política, como errônea. Não trataremos de medir a primazia de aspectos culturais em relação a outros como os econômicos e 495 Ibdem, p. 22. 496 ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176. p. 141 e 142.
  • 4. 1100 políticos, na influência do desenrolar do século XX. Objetivamos estabelecer diálogos entre os aspectos concretos do que se chamou e ainda se chama de desenvolvimento tecnológico, progresso, racionalidade e suas legitimações ou pulsões interiores presentes nos indivíduos497 . Neste estudo, algumas linhas de pensamento de estudiosos das ciências humanas convergem em vários pontos com o pensamento artístico do surrealismo. As distinções entre corpo e espírito, realidade material e mental, razão e sentimento, racionalidade e irracionalidade, prática e prazer, dentre outros, são criticadas por eles; pois elas medem o grau de importância de um aspecto com relação ao outro, e nesta medição fogem da realidade social total. O livro Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud, de Herbert Marcuse, foi bastante utilizado na delimitação do tema deste estudo também. O autor, através do estudo da obra de Freud, incluindo a concepção que o mesmo tinha acerca da civilização e da cultura, põe em evidência o papel da dinâmica repressiva na legitimação e continuidade da opressão inerente a esse sistema de valores e práticas presente no ocidente sob a égide tecnológico-industrial. Uma sociedade que inversamente aos tantos limites que impõe aos homens trabalhadores, não impõe nenhum à expansão do lucro e da produção de bens de consumo supérfluos, resulta na crescente destruição da vida como um todo, no planeta. Marcuse, como Benjamin, também aborda o tema do surrealismo, em Eros498 e noutros escritos também, que serão incluídos no debate bibliográfico. O Manifesto do Surrealismo (1924), de Andre Breton, sinaliza os principais interesses deste movimento em sua gênese. Breton demonstra 497 ALMEIDA, Jozimar Paes de. “A instrumentalização da natureza pela ciência”, In: Revista Projeto História – Natureza e Poder, PUC-SP, n 23, São Paulo, novembro de 2001, pp. 169-191. 498 MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968. p. 136.
  • 5. 1101 como (através das descobertas de Freud sobre o funcionamento da mente humana) as oposições culturalmente e historicamente criadas entre sonho e realidade, corpo e espírito, consciência e inconsciência, e outras, podem ser derrubadas na reivindicação por uma vivência mais total. O autor afirma que a vida humana num sistema que não negligencie o prazer da imaginação, estará mais repleta de verdades – pois o inconsciente guarda verdades – e possibilitará uma sociedade mais desenvolvida, na medida em que a repressão dos instintos resulta em violência. Sentenciar a morte dos instintos e dos sentidos, como a civilização e sua razão o fazem, nos separa da natureza terrestre e de nossa própria natureza; a essa negação da vida, os autores respondem com a negação, teorizada, a essa concepção de vida como a única possível, e a esse respeito citamos o Manifesto do Surrealismo, “Creio na resolução futura desses dois estados, aparentemente tão contraditórios, tais sejam o sonho e a realidade, em uma espécie de realidade absoluta, de super-realidade se assim se pode chamar” 499 . A afirmação de que o conhecimento e o contato efetivo com a arte podem ajudar as pessoas a viver melhor no mundo atual, não supõe que este contato esteja disseminado por agora. No psiquismo, a ajuda da arte se dá ao incorporarmos mecanismos da percepção e criação estéticas à vivência do ser humano para que ele possa sublimar as energias que, de outra maneira retornariam na forma de neuroses: segundo Vygotski, o sistema nervoso recebe mais excitações do que o número delas que teríamos possibilidade de resolver na atividade, e assim a arte libera essas potências, impedindo que elas retornem de maneira indesejável 500 . Marcuse, no ensaio intitulado A arte na sociedade unidimensional expõe a idéia de a linguagem artística ser talvez a única que possui a 499 BRETON, André. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 174-208.p. 183. 500 VYGOTSKI, L.S. Psicologia Pedagógica – Edição Comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 338- 339.
  • 6. 1102 possibilidade de agir de forma revolucionária na atualidade, pois ela comunica o que os discursos somente políticos, não comunicam. A vivência estética traz um potencial revolucionário no sentido de que ela não fala a linguagem da afluência, e é impossível que surjam novas relações entre os homens e coisas se os mesmos continuarem a falar a linguagem da repressão. A arte está comprometida com a sensibilidade: nas formas artísticas, as necessidades biológicas e instintivas reprimidas encontram sua representação – tornam-se “objetivas” no projeto de uma realidade diferente. A “estética” é uma categoria existencial e sociológica [...]. Mas então surge a questão: por que o conteúdo biológico e existencial da “estética” tem sido sublimado no reino do ilusório e irreal da arte, em vez de na transformação da realidade? [...] talvez não terá chegado o tempo de liberar a arte de seu confinamento em mera arte, em ilusão?501 Pesquisaremos os meios de criação surrealistas, o ideário do movimento, seus conceitos de liberdade, amor, realidade, e assim por diante. Os diálogos bibliográficos com pensadores e cientistas das áreas humanas darão tom social ao debate envolvendo a arte: os pontos convergentes com os pensadores da Escola de Frankfurt, com o anarquismo e a ligação de Breton e outros membros do grupo francês, bem como a recusa desta ligação por membros como Artaud, a partidos socialistas serão alguns dos aspectos discutidos. As iluminações profanas como meio de desnudamento da realidade terá base teórica em Walter Benjamin. Os elementos presentes nestas chamadas iluminações (simbólicos, críticos, e outros) serão 501 MARCUSE, Herbert. A arte na sociedade unidimensional. In: ADORNO, Theodor W. et al. Teoria da cultura de massa; introdução, comentários e seleção de Luiz Costa Lima. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. P.250-251.
  • 7. 1103 analisados em sua formação histórica. Assim, será necessária a busca de documentos que permitam uma análise concisa da cultura brasileira da segunda metade do século XX em diante, ao menos nas grandes cidades. Obras que retratem a vivência da metrópole, estudos históricos, antropológicos, e sociológicos sobre São Paulo, para relacionarmo-las com as criações de Piva. No momento em que ainda corre a pesquisa, nos contentaremos apenas em partilhar algumas dúvidas que a leitura deste poeta nos deu: “[...] marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume/ das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de chuva [...] cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro/ da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis”502 . Essas marchas nômades na noite da cidade, usualmente eram feitas por jovens e trabalhadores da noite (incluindo prostitutas) perto do ano de 1963 quando a Editora Massao Ohno publicou Paranóia, primeiro livro do autor (nascido em 1937). Não seria sem nexo a alusão a marchas que ele e seus amigos estariam realizando para que desaparecesse o perfume da tradição, basicamente. As cafetinas estão magras, flertando com a loucura (com L maiúsculo) e ainda repartem hóstias invisíveis, estão enfim na decadência. Quanto aos nômades na noite, provavelmente não são bem vistos pela maioria da população desde que a configuração das cidades vem incluindo um ideal higienista e organizador em prol do trabalho e da produção, e não abarca a atitude desses nômades como nada além de vagabundagem. Em Benjamin, segundo Arendt, há a figura central do flâneur, “É a ele, vagueando a esmo entre as multidões nas grandes 502 PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo: Instituto Moreira Salles e Jacarandá, 2000, p.7.
  • 8. 1104 cidades, num estudado contraste com a atividade apressada e intencional delas, que as coisas se revelam em seu sentido secreto”. 503 A contracultura no Brasil, as religiões africanas e indígenas, a união entre arte revolucionária e ação revolucionária, a liberação sexual reclamada pela juventude nos anos sessenta do século XX, as relações sociais vividas pelos cidadãos da metrópole brasileira, a relação do espaço físico da cidade com o espaço da natureza que ela abate, sendo a ecologia um dos temas de sua obra poética, serão temas pesquisados dentro da realidade cultural, social e histórica brasileira presente no século XX. Dentre os manifestos que Piva publicou, há o Manifesto Utópico- Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio 504 . Neste, encontramos sintetizadas (já que no texto, apesar de estar em formato de prosa, ele usa a síntese inerente à linguagem poética) linhas de pensamento que permitem colocarmos o poeta brasileiro como partilhando da reivindicação por uma vivência mais estética, ecológica, sensorial. Piva ironiza, seu manifesto é rápido e cheio de imagens intrigantes, outras impossíveis, o que o deixa mais interessante e ácido, como a proposta de fazer da onça pintada o totem da nacionalidade. Remetendo à utopia, tema abordado por Marcuse e Horkheimer dentre outros, citamos um trecho de seu manifesto: [...]Os partidos políticos brasileiros não têm nenhuma preocupação em trazer a UTOPIA para o quotidiano. Por isso em nome da saúde mental das novas gerações eu reivindico o seguinte: 1 - Transformar a Praça da Sé em horta coletiva & pública. 2 - Distribuir obras dos poetas brasileiros entre os garotos (as) da Febem, únicos capazes de transformar a 503 ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176. p. 141 e 142. 504 PIVA, Roberto. Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio. Agulha – Revista de Cultura. Disponível em: < http://www.revista.agulha.nom.br/piva01.html>. Acesso em: 11 abr. 2009.
  • 9. 1105 violência & angústia de suas almas em música das esferas. 505 No ano de 1924 era lançado na França o Manifesto do Surrealismo506 , escrito por André Breton, poeta que integrava anteriormente o movimento Dadá. Ao ler este famoso texto, percebe-se que as intenções surrealistas, desde princípios, iam muito além do campo artístico. O nome do movimento já trazia em seu significado uma nova maneira de pensar a realidade, em que o sonho, o devaneio, e outros estados que eles consideravam mais propícios ao “livre exercício do espírito”, não seriam tidos como menos reais que os fenômenos ocorridos enquanto estamos acordados ou conscientes; considerando que eram de opinião de que o ordenamento do pensamento na consciência retira o seu aspecto libertário, pois o homem continuaria domado exclusivamente pelos julgamentos da razão de seu tempo, mesmo que ela pareça pelos seus subprodutos factuais na sociedade, no mínimo equivocada em termos de princípios e de aplicação: A união da produtividade crescente e da destruição crescente; a iminência de aniquilamento; a rendição do pensamento, das esperanças e do temor às decisões dos poderes existentes; a preservação da miséria em face da riqueza sem precedentes, constituem a mais imparcial acusação – ainda que não sejam a razão de ser desta sociedade, mas apenas um subproduto, o seu racionalismo arrasador, que impele a eficiência e o crescimento, é, em si, irracional.507 Descartar a imaginação e o prazer da realidade é um dos aspectos culturais fundamentais da civilização, que para Freud, é de 505 Ibdem. 506 BRETON, André. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 174-208. 507 MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. p. 16-17.
  • 10. 1106 essência repressiva inevitavelmente. Herbert Marcuse, em Eros e Civilização508 , realizou uma análise filosófica do triunfo do que se chama de princípio de realidade sobre o princípio de prazer no pensamento de Freud, encontrando na própria teoria do psicanalista, elementos que refutam a afirmação que ele faz sobre a impossibilidade de uma vivência mais pautada na satisfação humana, e não na repressão, dentro da civilização. Para além destes autores citados até o momento, ampliaremos o debate sobre a idéia de civilização ocidental, desde produções do século XIX, época em que se disseminava a crença no progresso através deste modelo histórico. O surrealismo é um tema que gera certo interesse na sociedade atual. Em alguns momentos, vemos este termo e seus semelhantes (surrealista, surreal) sendo usados em sentidos distantes à intenção dos artistas que começaram a agir dentro de alguns objetivos traçados no interior do movimento surgido em 1924 em Paris. Hoje se tem empregado estes termos em conversas corriqueiras, sobre a rotina, e usualmente são usados no sentido de caracterizar o que não se pode compreender, o absurdo, o inesperado, a loucura. Bem, por outro lado, percebemos também na atualidade de inícios do século XXI, algumas aberturas de sensibilidade que parecem possibilitar o entendimento maior do que o surrealismo propunha, para um maior número de pessoas. Estamos nos relacionando a discursos correntes que hoje estão mais disseminados, que exploram o terreno da mente e do corpo humanos de maneira nova apesar de as dúvidas não o serem novas, exemplos desse fenômeno são os discursos sobre profecias baseadas em astrologia e astronomia (dentro desses estão documentários feitos por grandes redes de televisão), conhecimentos e práticas relativos 508 MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
  • 11. 1107 à sonhos lúcidos, meditação, Yôga, terapias naturais como as avaliações bioenergéticas, e muitos mais. O surgimento de um ramo na ciência chamado Noética está inserido nesses tipos de preocupações que estudam cientificamente entre outros o papel da mente no desaparecimento de doenças psicossomáticas como o câncer, a capacidade humana de premonição e seus mecanismos de ação, e muitos outros temas; iniciou-se com a criação de um instituto norte-americano em 1973 que não tem fins lucrativos, sendo financiado pelos integrantes espalhados pelo globo 509 . No dado momento histórico de inícios do século XXI, promover um entendimento satisfatório da arte é uma atividade que esbarra em barreiras já efetivadas à própria compreensão da mesma; estas já estão presentes na população de maneira geral, pois fazem parte da cultura estabelecida. Best-sellers, filmes que são sucesso de bilheteria, telenovelas, dentro outros precipitados da indústria cultural, embutem frequentemente padrões de gosto e/ou consumo, que vêm a ser justamente padrões opostos aos da verdadeira arte, por assim dizer. As diferenças desses “sucessos” de público, e da arte de fato, se dão desde os efeitos imediatos provocados no sujeito que os observam (momentos de fruição bastante distintos, por vezes mesmo opostos), até o resultado final da influência dos padrões destas obras na vida de quem passou por elas. A distância entre este instante em que o expectador vislumbra a obra, até o processo de incorporação de padrões de gosto, posturas em relação à sua vida, à arte, e tantas mais, é muito mais curta nos produtos da semicultura. A adesão é quase simultânea nessas obras, pois elas não costumam trazer nada de novo, as pessoas gostam delas 509 SANTANA, Ana Lucia. Noética- uma nova forma de sentir e conceber a vida. InfoEscola. Disponível em: http://www.infoescola.com/ciencias/noetica/. Acesso em: 05 jul. 2010.
  • 12. 1108 por se identificarem, sentindo-se seguras já que amparadas por lugares comuns, compartilhar ilusões vigentes é “outro recurso para render-se ao coletivo” 510 ; pois as necessidades de sentir-se à vontade no modelo de sociedade estabelecido e ser aplaudido por sua ideologia, sufoca o desejo (humano) de entendê-lo, de se saber onde estamos, para onde provavelmente vamos ou poderíamos ir. 510 RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton. Educação: pensamento e sensibilidade. In: RAMOS-DE- OLIVEIRA, N.; ZUIN, A., S.; PUCCI, B. (Orgs.). Teoria crítica, estética e educação. Campinas/ Piracicaba: Autores Associados/Unimep, 2001. P.50.
  • 13. 1109 Referências ALMEIDA, Jozimar Paes de. A instrumentalização da natureza pela ciência. In: Revista Projeto História – Natureza e Poder, PUC-SP, n 23, São Paulo, novembro de 2001, pp. 169-191. ARENDT, Hannah. Walter Benjamin 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp. 133-176. BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I – Magia e técnica, arte e política : Ensaios sobre literatura e história da cultura. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. BRETON, Andre. Manifesto do Surrealismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. pp. 174-208. MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. ______. Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968. ______. A arte na sociedade unidimensional. In: ADORNO, Theodor W. et al. Teoria da cultura de massa; introdução, comentários e seleção de Luiz Costa Lima. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.245-256. ______. Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio. Agulha – Revista de Cultura. Disponível em: < http://www.revista.agulha.nom.br/piva01.html>. Acesso em: 11 abr. 2009. PIVA, Roberto. Paranóia; fotografado e desenhado por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo: Instituto Moreira Salles e Jacarandá, 2000. RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton. Educação: pensamento e sensibilidade. In: RAMOS-DE-OLIVEIRA, N.; ZUIN, A., S.; PUCCI, B. (Orgs.). Teoria crítica, estética e educação. Campinas/ Piracicaba: Autores Associados/Unimep, 2001.p.43-60. SANTANA, Ana Lucia. Noética- uma nova forma de sentir e conceber a vida. InfoEscola. Disponível em: http://www.infoescola.com/ciencias/noetica/. Acesso em: 05 jul. 2010. VYGOTSKI, L.S. Psicologia Pedagógica: edição comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003.