Bernardo Guimarães foi um escritor brasileiro do século XIX conhecido principalmente por seu romance "A Escrava Isaura". O livro, publicado em 1875, fazia uma crítica à escravidão através da história de uma escrava branca e foi influente na campanha abolicionista. A obra retrata o contraste entre a bondosa Isaura e a malvada e invejosa Rosa.
1. Bernardo Guimarães (1825-1884)
O primeiro livro publicado por Bernardo Guimarães foi “Cantos de solidão”
(1852) com versos eróticos, mas o mesmo ficou conhecido na literatura brasileira
pelo romance “A Escrava Isaura”, que conta a história de uma escrava branca. O
livro apresentava uma crítica, em forma de romance, à escravidão dos negros no
Brasil. O sucesso foi tanto que a obra chegou a ser transformada em novela pela
Rede Globo e pela Rede Record.
Guimarães é tradicionalmente caracterizado como um autor do romantismo.
Parte de suas obras apresentam traços da segunda fase do movimento, o
ultrarromantismo, cujo principal autor é Álvares de Azevedo e a inspiração é Lord
Byron. O sofrimento por amor é uma das características das obras do período, assim
como a presença de uma musa inspiradora, inalcançável. O autor ainda produz
romances regionalistas e históricos, também apresentou versos com características
do surrealismo.
Bernardo Guimarães conseguiu destaque entre os escritores do romantismo
especialmente por sua abordagem do tema escravidão. A Escrava Isaura representa
um marco na literatura abolicionista.
Estilo: O autor, em vários momentos, utiliza uma narrativa coloquial. Nas
suas obras, ele caracterizava o sertanejo, o comportamento psicológico e as
maneiras do povo. De certa forma, já apresentava características do naturalismo e
do realismo. O autor também faz experimentações poéticas com versos sem sentido,
mas com estrutura clássica e metrificada.
O livro de Guimarães foi publicado em 1875, época em que a escravidão era
questionada por muitos intelectuais. A abolição da escravatura de fato só aconteceu
em 1888.
ESCRAVA ISAURA
2. Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as
desventuras de Isaura, escrava branca e educada, de caráter nobre, vítima de um
senhor devasso e cruel. A Escrava Isaura se tornou um livro muito popular já na
época de sua publicação graças ao apelo abolicionista mesclado ao
sentimentalismo. O romance foi um sucesso, sobretudo entre o público feminino que
se compadeceu do sofrimento da heroína cativa.
O autor pretende, nesta obra, fazer um libelo antiescravagista e libertário e,
talvez, por isso, o romance exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a
imaginação popular perante as situações intoleráveis do cativeiro.
O estudioso Manuel Cavalcanti Proença observa que: "Numa literatura não
muito abundante em manifestação abolicionistas, é obra de muita importância, pelo
modo sentimental como focalizou o problema, atingindo principalmente o público
feminino, que encontrava na literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa
sociedade em que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-estabelecidos;
o mais do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório,
bordando, cosendo e ouvindo e falando mexericos, isto é, enredos e intrigas, como
se dizia no tempo e ainda se diz neste romance."
Período histórico
O romance de Guimarães ora pautado desenvolve-se no contexto de
escravidão notável nos anos do império de D. Pedro II. A despoticidade encontrada
na relação senhor/escravo é percebível na obra, através das perseguições e
impropérios de Leôncio para com Isaura. Sendo assim, os abusos de maldade por
parte do marido de Malvina e da invejosa escrava Rosa contribuem para o realce
dos problemas sociais, políticos e econômicos ao passo que, simultaneamente,
amplia o teor maniqueísta muito frequente no Romantismo e com relação à Rosa,
exemplifica o estereótipo da negra malvada, invejosa e luxuriosa.
Conforme Bosi (1994) "o romancista estava mais preocupado em contar as
perseguições que a cobiça de um senhor vilão movia à bela Isaura que em
reconstruir as misérias do regime servil" (p. 144).
3. Conforme Cândido "o enredo existe através das personagens; as personagens
vivem no enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance,
a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam" (p. 53).
BEM X MAL
Enquanto escrava, Rosa, por ter sido amante de Leôncio no passado, não
suportava a ideia de ter sido trocada pela beleza angelical de Isaura. Não teve uma
educação esmerada como sua rival, com isso sempre mostrou-se embaraçada com
afazeres domésticos que exigiam certo requinte. Isso reforça a ideia da escrava
negra invejosa e atrapalhada que almeja alcançar os mesmos privilégios alheios,
para com isso livrar-se dos maus tratos e abusos da escravidão. Essa afirmação é
evidenciada pelo dano provocado por Rosa ao passo que fazia intrigas à Malvina,
como se refere a partir da leitura do excerto abaixo:
"Malvina era boa e confiante, e nunca teria duvidado na inocência de Isaura,
senão fosse Rosa, sua terrível êmula e fidagal inimiga. Depois do desaguisado, de
que Isaura foi inocente, Rosa ficou sendo a mucama ou criada da câmara de
Malvina, e esta as vezes desabafava em presença da maligna mulata os ciúmes e
desgostos que lhe ferviam e transvazavam. (...) Estes e outros quejandos enredos,
que Rosa sabia habilmente insinuar nos ouvidos de sua senhora, eram bastantes
para desvairar o espírito de uma cândida e inexperiente moça como Malvina, e
foram produzindo o resultado que desejava a perversa mulatinha". (Cap. VIII).
De acordo com a idéia central do fragmento transposto acima é
perfeitamente notável a capacidade de Rosa em intensificar a onda de conflito da
história, disseminando no enredo uma crescente sensação de intranqüilidade em
demasia.
O excerto propõe um certo paradoxo entre as características de Malvina e as
de Rosa. Fica claro que a esposa de Leôncio era "boa e confiante" e o adjetivo
"cândida" vem a sugerir uma pureza, uma inocência à personagem. Entretanto, a
"mulatinha faceira" configura-se com pontos fortemente maléficos e terríveis, o que
se pode chamar de um verdadeiro "demônio familiar". Palavras como "maligna" e
"perversa" evidenciam sua índole satânica e contribuem na construção de uma
personagem diabólica e vil. Do ponto de vista social, Rosa é uma típica escrava
invejosa e mentirosa que faz de tudo para que Isaura seja submetida aos mesmos
maus tratos e afazeres rústicos.
4. Como mulher, Rosa deixava transparecer toda a sensualidade de uma típica
mulata afro-brasileira na flor da idade. Sua notória beleza é frequentemente
enfatizada durante o romance. Passagens como a citada a seguir se repetem
múltiplas vezes durante a narrativa de Guimarães:
"Esbelta e flexível de corpo, tinha o rostinho mimoso, lábios tanto grossos,
mas bem modelados, voluptuosos úmidos e vermelhos como boninas que acabam
de desabrochar em manhã de abril. Os olhos negros não eram muito grandes, mas
tinham uma viveza e travessura encantadoras. Os cabelos negros e anelados
podiam estar bem na cabeça da mais branca fidalga além-mar (...)" (Cap. VII).
Segundo o fragmento acima, devido a sua beleza, Rosa deve ser pensada
como uma figura que remete a ideia do sensualismo hiperbolizado. Seu corpo é
dono de um movimento sinuoso e provocante. Somado a isso, as descrições dos
lábios remetem à escrava negra um teor de luxuria e pecado, que são postos em
evidência por serem "voluptuosos e vermelhos" e a travessura dos olhos implícita
seu caráter dual.
A beleza exuberante e brejeira de Rosa contribui para expor e ampliar com
veemência o sentimento de inveja que nutre com relação à Isaura, uma vez que
mesmo bonita perdeu os galanteios de Leôncio para a cativa branca. A formosura da
mulatinha atribui à personagem características voluptuosas e maledicentes.
Conforme Cademartori (2004) trata-se de uma situação resultante da dicotomia BEM
X MAL proposta pela tendência maniqueísta observável no contexto romântico. Para
a autora "em relação à mulher (...) fará com que surjam nos textos românticos a
mulher santa, assexuada e digna de amor (...) e a mulher satânica, a que se dirige o
desejo e cuja voluptuosidade torna ameaçadora e nociva" (p. 40).
A dicotomia maniqueísta BEM X MAL é muito visível em estruturas fabulares
românticas. Nesse caso, o caráter satânico e invejoso de Rosa ajuda entre outras
coisas na valorização e intensificação da postura idealizada de Isaura. Essa análise
contextual esbarra também nas exigências servis feitas na escravidão. As invejas de
Rosa em relação à Isaura bem como a postura subalterna da cativa branca ilustram
esse sistema social da época. Por fim, o estereótipo da negra malvada e erótica
percebível na obra também pode ser fortemente ligado às ideias de discórdia e
luxúria.
- E o que mais merece aquela impostora? - murmurou a invejosa e malévola Rosa.
5. - Pensa que por estar servindo na sala é melhor do que as outras, e não faz caso de
ninguém. Deu agora em namorar os moços brancos, e como o pai diz que há de
forrar ela, pensa que e uma grande Senhora. Pobre do senhor Miguel!... não tem
onde cair morto, e há de ter para forrar a filha!
- Que má língua é esta Rosa! - murmurou enfadada a velha crioula, relanceando um
olhar de repreensão sobre a mulata. – Que mal te fez a pobre Isaura, aquela pomba
sem fel, que com ser o que e, bonita e civilizada como qualquer moça branca, não é
capaz de fazer pouco caso de ninguém?... Se você se pilhasse no lugar dela,
pachola e atrevida como és, havias de ser mil vezes pior.
FONTE
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=813&sid=110