SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 16
Baixar para ler offline
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1054
AGAINST NATURE DE JOYCE CAROL OATES: PARA (RE)
PENSAR O NATURE ESSAY
Joyce Carol Oates’s “Against Nature”: to (re)think the Nature Essay
Isabelle Maria SOARES
Programa de Pós-graduação em Letras
Universidade Federal do ParanĂĄ
isamariares@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-0003-0798
RESUMO: Este artigo propÔe uma leitura do ensaio literårio Against
Nature, da escritora estadunidense Joyce Carol Oates, que apresenta
um discurso de resistĂȘncia ao gĂȘnero literĂĄrio conhecido por nature
writing. Para compreendermos melhor o protesto de Oates, delinea-
mos uma fundamentação teórica que disserta acerca de aspectos es-
téticos e históricos da escrita do nature essay, com base, principal-
mente, nos escritos de Snyder (2005), Weik Von Mossner (2017) e
Schröder (2019). É possĂ­vel perceber, a partir disso, que o ensaio de
Oates direciona um olhar crĂ­tico para um gĂȘnero literĂĄrio que traba-
lha com questÔes éticas e se propÔe a agir a favor do mundo natural.
PALAVRAS-CHAVE: Nature writing, Joyce Carol Oates, ensaio lite-
rĂĄrio
ABSTRACT: In this article, we propose a reading on the literary essay
Against Nature, written by Joyce Carol Oates, which presents resis-
tance to the literary genre known as nature writing. In order to com-
prehend better the protest of Oates, we delineate a theoretical back-
ground that deals with aesthetic and historical aspects of the subgenre
nature essa, based mainly on the writings of Snyder (2005), Weik Von
Mossner (2017) and Schröder (2019). From these perspectives, we per-
ceive that Oates’s essay enables a critical view to a literary genre that
works with ethical issues and proposes to act for the natural world.
KEYWORDS: Nature writing, Joyce Carol Oates, literary essay.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1055
I
Against Nature1
, ensaio literĂĄrio de tĂ­tulo bastante provocativo escrito pela
ficcionista estadunidense Joyce Carol Oates, parece expor uma visão de oposição à
natureza. Antes de lermos o ensaio por inteiro, nos questionamos: seria a escritora contra
a natureza? Em um primeiro momento, responderĂ­amos que sim, haja vista a objetividade
do tĂ­tulo. Mas ao iniciarmos a leitura do texto, percebemos que, na verdade, ela demonstra
resistĂȘncia ao gĂȘnero literĂĄrio que escreve sobre a natureza, o nature writing.
Assim sendo, para entendermos a proposta de Oates em Against Nature precisamos
ter conhecimento acerca do objeto que ela trata. Por isso, faremos inicialmente uma breve
contextualização do gĂȘnero nature writing, delineando, sobretudo, questĂ”es teĂłricas
especificamente sobre o nature essay, que, de forma geral, abrangem aporte teĂłrico do
gĂȘnero ensaio. De qualquer forma, questĂ”es teĂłricas sobre o gĂȘnero serĂŁo retomadas no
decorrer deste artigo, haja vista que a leitura que fizemos do ensaio literĂĄrio Against
Nature solicita que repensemos esses tĂłpicos.
II
Simone Schröder (2019) explica que grande parte do que é conhecido por nature
writing classifica-se como o subgĂȘnero nature essay. Dessa forma, os dois termos se
confundem ou são tratados como sinÎnimos. No entanto, Schröder coloca que hå outros
subgĂȘneros dentro do nature writing, por vezes semelhantes ao nature essay, como o
diĂĄrio (diary), o diĂĄrio de viagem (travelogue), o relatĂłrio de campo (field report) e o
memorial (memoir). Assim, para definir o nature essay Ă© preciso entender o que ele nĂŁo Ă©.
Seguindo essa lĂłgica, ela explica que o termo nature essay refere-se ao tĂłpico (nature) e Ă 
forma literĂĄria (essay - ensaio) e, portanto, entender o que Ă© um nature essay no contexto
do nature writing, em contraste com os outros subgĂȘneros, requer o entendimento do que
Ă© um essay, um ensaio.
O gĂȘnero ensaio se caracteriza por apresentar mĂșltiplas vozes, pois Ă© comum que
o ensaísta se desloque de um modo de escrever para o outro. Assim, Schröder caracteriza
que o ensaio pode apresentar trĂȘs diferentes nĂ­veis, nos quais transita livremente. Ela
detalha esses nĂ­veis contextualizando com o nature essay:
1
Nota explanatĂłria: Optei por traduzir, no decorrer deste artigo, apenas os trechos de ordem teĂłrica, para
uma leitura mais fluída. Os originais das citaçÔes são mencionados em Notas de rodapé. Para os trechos
de ordem literĂĄria, especialmente provenientes do ensaio Against Nature, optei em deixĂĄ-los na lĂ­ngua
original, haja vista que compĂ”em o objeto de anĂĄlise e nĂŁo quis interferir na sua essĂȘncia.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1056
1. Nível descritivo: faz uso de representação linguística detalhada para focar
no carĂĄter empĂ­rico da natureza e dar vida a objetos materiais como animais,
plantas, pedras, paisagens;
2. NĂ­vel introspectivo: geralmente estĂĄ diretamente ligado com o narrador do
ensaio, e oferece um retorno emocional à natureza por meio de técnicas de
auto-observação com o fim de ostentar as relaçÔes entre o personagem que
narra e o mundo natural. Para tal, o ensaísta se utiliza de linguagem poética e
estratĂ©gias retĂłricas para recriar suas experiĂȘncias com a natureza;
3. Nível reflexivo: relaciona razão com contemplação por meio de uma escrita
mais explanatória, fazendo uma ponte com questÔes científicas, religiosas e
polĂ­ticas.
Esses nĂ­veis, que se relacionam entre si, funcionando de forma interdependente,
são “uma característica formal e essencial que permite que os nature essays produzam
conhecimento” (SCHRÖDER, 2019, p. 35, tradução nossa)2
.
A literatura, que se manifesta em diferentes formas, gĂȘneros e subgĂȘneros, quando
dialoga diretamente com a natureza, tem o potencial de conscientizar os leitores e inspirĂĄ-
los a se envolverem em açÔes pela luta ambiental. No entanto, Schröder, com base em
Richard Kerridge (2014), menciona que cada gĂȘnero literĂĄrio desempenha um papel
diferente e especĂ­fico no contexto da escrita e conscientização ecolĂłgica. Os gĂȘneros
de nĂŁo ficção, como Ă© o caso do ensaio, “tĂȘm o potencial de envolver os leitores em
um diĂĄlogo com o seu ambiente, fornecendo informaçÔes e significação particulares”
(SCHRÖDER, 2019, p. 33, tradução nossa)3
.
Especificamente quanto ao nature essay, Schröder explica que ele se apropria do
modo novelĂ­stico para valorizar as experiĂȘncias da natureza que apresenta. Enquanto isso,
o narrador se compromete com a realidade “do mundo físico e encena esse compromisso
por escrito, à medida que reivindica a verdade e a honestidade” (SCHRÖDER, 2019,
p. 20, tradução nossa)4
, com o fim de fazer o leitor refletir seriamente acerca de seu
relacionamento com a natureza. Portanto, “o fato de que as representaçÔes da natureza no
ensaio geralmente se relacionam com referĂȘncias mimĂ©ticas externas nĂŁo significa que os
2
“[...] a vital formal feature that allows nature essays to generate knowledge” (SCHRÖDER, 2019, p. 35).
3
“[...] has the potential of engaging readers in a dialogue with their environment by providing both
information and personal meaning” (SCHRÖDER, 2019, p. 33)
4
“[...] do mundo físico e encenar esse compromisso por escrito, à medida que reivindicam a verdade e a
honestidade” (SCHRÖDER, 2019, p. 20)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1057
escritores não façam uso de recursos imaginativos da literatura” (SCHRÖDER, 2019, p.
20, tradução nossa)5
.
Ann Zwinger (2000) destaca que para escrever um bom nature essay Ă© preciso
viver a experiĂȘncia, estar na natureza, observar, ver, sentir, participar dela. A amplitude
do nature writing “clássico” vai, nesse sentido, “do pessoal ao científico, do filosófico
ao prĂĄtico e polĂ­tico [...]” e, para isso, “[...] começa com a experiĂȘncia de campo em
primeira mão” (ZWINGER, 2000, p. 141, tradução nossa)6
. O segredo do ensaio nĂŁo
está, portanto, em “descobrir, conquistar ou provar alguma coisa, mas simplesmente
experimentar” (WAMPOLE, 2013, p. 245).
III
Antes de iniciar suas reflexÔes em Against Nature, Joyce Carol Oates traz em
epígrafe duas citaçÔes e um protesto em versos, de sua própria autoria, que jå antecipam
o que ela vai dissertar. A primeira citação é de Henry David Thoreau, o nome mais
significativo do cñnone do nature writing, e diz: “We soon get through with Nature.
She excites an expectation which she cannot satisfy”. Uma epígrafe serve para dialogar,
geralmente em concordĂąncia, com o que vai ser discutido no texto que se segue.
Interessante o trecho de Thoreau que a ficcionista escolheu para cumprir esse papel,
pois ele vai, no contexto do ensaio de Oates, contradizer o próprio Thoreau e a tradição
literĂĄria de que ele faz parte.
Oates parte de uma experiĂȘncia sua ao ar livre para articular seu ponto de vista. Ela
começa seu texto relatando um momento em que, após sofrer um ataque taquicardíaco,
deita de costas no chĂŁo e passa a observar tudo que estĂĄ ao seu redor. Ao se deitar e olhar
para o céu, parece que ela estå buscando na natureza algum tipo de consolação para seu
problema. Essa é uma das estratégias que Oates vai utilizar para parodiar, de forma irÎnica
e sarcĂĄstica, o cĂąnone do nature writing, que, a exemplo de escritores como Henry David
Thoreau e John Muir, descreve a natureza de forma romantizada e extasiante. Assim,
Oates descreve a natureza que vĂȘ ao seu redor da seguinte forma: “all around me Nature
thrummed with life, the air smelling of moisture and sunlight, the canal reflecting the sky,
red-winged blackbirds testing their spring calls; the usual” (OATES, 2007, p. 841, grifo
nosso). Ou seja, a natureza sempre bela, poética e apaixonante: o de sempre.
5
“[...] the fact that nature depictions in the essay usually tie in with outer mimetic reference does not mean
that writers do not make use of literature’s imaginative resources” (SCHRÖDER, 2019, p. 20).
6
“[...] from the personal to the scientific, from the philosophical to the practical an political. “Classic”
nature writing begins with firsthand field experience” (ZWINGER, 2000, p. 141).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1058
A partir disso, ao contemplar o cĂ©u, pois segundo Oates, “it’s there to be
contemplated”, a autora deixa o seguinte questionamento: “And the lovely blue isn’t
even blue, is it? isn’t even there, is it? a mere optical illusion, isn’t it? no matter what art
has urged you to believe” (OATES, 2007, p. 842, grifo nosso). Essa provocação antecipa
o ponto fulcral a ser discutido por Oates no decorrer de seu ensaio literĂĄrio.
A autora passa a apresentar algumas de suas primeiras memórias em relação à
natureza: quando teve seu pé atacado por sangue-sugas; quando encontrou um cachorro
morto em estado de putrefação; quando presenciou um guaxinim doente (com “raiva”).
Alexa Weik von Mossner explica que “[...] nossa resposta afetiva a um texto literĂĄrio Ă©
determinada pelas memĂłrias emocionais que retemos de experiĂȘncias anteriores (reais
e imaginadas) e pela vivacidade das coisas que imaginamos durante a leitura” (2017,
p. 24, tradução nossa)7
. Haja vista que o objeto reflexivo do ensaio de Oates Ă© o nature
writing, supomos que grande parte do pĂșblico leitor desse texto Ă© composto por leitores
entusiastas ou ao menos conhecedores do gĂȘnero da escrita da natureza. Nesse sentido,
a vivacidade de lembranças grotescas da natureza descritas por Oates pode provocar
em seus leitores uma resposta afetiva inversa daquela provocada pelo nature writing
tradicional. Nos deparamos com uma natureza feia e caĂłtica, e nĂŁo com aquele lugar
tradicionalmente belo, tranquilo e poético.
Em seu ensaio Escrita não-natural, Gary Snyder (2005) também questiona
escritores do cĂąnone de Thoreau, quando diz, por exemplo, que a “vida natural nĂŁo Ă©
sĂł comer frutinhas silvestres ao sol” (p. 265). Por esse viĂ©s, Snyder propĂ”e uma “nova
poĂ©tica da escrita da natureza” na qual o nature writing deve explorar tambĂ©m o lado
grotesco e obscuro do mundo ecolĂłgico:
[...] o bolo de ossos mastigados num excremento, as penas na neve, as
histĂłrias sobre apetites insaciĂĄveis. Os sistemas selvagens estĂŁo num
sentido elevado acima da crítica, mas também podem ser vistos como
irracionais, bolorentos, cruéis, parasitas. [...] A vida não é só diurna
e propriedade dos grandes e interessantes vertebrados, é também
noturna, anaerĂłbica, canibalesca, microscĂłpica, digestiva, fermentiva:
apodrecendo na cĂĄlida escuridĂŁo (SNYDER, 2005, p. 265).
Partindo da ideia de que a lĂ­ngua Ă© algo civilizatĂłrio, Snyder propĂ”e uma “arte do
selvagem” ao invĂ©s de olhar para a natureza como um simples “produto” artĂ­stico. Essa
7
“[...] our affective response to a literary text is determined by emotional memories we have retained of
previous experiences (real and imagined) and by the vivacity of the things we imagine while reading”
( WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 24).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1059
ideia dialoga, de certa forma, com as reflexĂ”es de Oates, que defende que a “natureza”,
que Ă© uma palavra, um substantivo, aparece na escrita da natureza “only by the grace
of the author’s language” (OATES, 2007, p. 843). Nesse sentido, por meio da língua,
civilizada e ordenada, um nature writer cria uma natureza civilizada e ordenada. Snyder
sugere, nesse sentido, uma descoberta do mundo selvagem com nosso tipo de escrita,
para avançar “em territórios desconhecidos que não se parecem em nada com o que, no
passado, foi chamado de ‘escrita da natureza’” (2005, p. 264). Assim, ele especifica que
“a obra de arte do que Ă© selvagem pode ser irreverente, conflituosa, feia, desgastada,
imprevisível, simples e clara - ou praticamente inacessível” (SNYDER, 2005, p. 264).
A proposta Ă© de uma “escrita da natureza” mais livre e sem preconceitos, na qual
a maestria pode se relacionar “à investida do falcão, às intricadas galerias de tocas e
tĂșneis sob a casca do pinheiro feitos pelos besouros, [...] ou Ă  ferroada kamikaze da vespa
amarela, [...] Ă s hienas gemendo e desenterrando as vĂ­sceras de uma girafa morta sob uma
lua serena” (SNYDER, 2005, p. 266-267). Por essa perspectiva, um cachorro morto em
estado de decomposição, sanguessugas em ação no corpo humano, ou um guaxinim que
ataca a si mesmo e expÔe seus órgãos internos - as memórias de Oates de uma natureza
monstruosa -, podem vir a ser o que Snyder chama de “imagens da nossa arte”.
IV
De acordo com Christy Wampole, a magia do ensaio está em nos fazer “encarar
aquilo sobre o que não se pode ter certeza” (2013, p. 244). Por meio de uma estrutura
nĂŁo-linear e bastante heterogĂȘnea, composta por uma pluralidade de memĂłrias e artifĂ­cios
intertextuais, o ensaio Against Nature questiona o fazer poético do nature writing. Nesse
sentido, Oates coloca em pauta que o carĂĄter de “nĂŁo ficção” de um nature essay Ă©
questionĂĄvel e, portanto, nĂŁo podemos ter certeza sobre o realismo experimental que esse
tipo de escrita nos propÔe.
No protesto deixado na epĂ­grafe do ensaio, Oates resume que a natureza inspira
um limite de reaçÔes nos nature writers: “REVERENCE, AWE, PIETY, MYSTICAL
ONENESS” (OATES, 2007, p. 841). Jacqueline Cason (1991) defende que, realmente,
a leitura que fizemos da natureza por meio dos nature writers pode ser reduzida a essas
reaçÔes “se nĂłs esquecermos que natureza Ă© uma palavra e que o nature writing Ă©
linguagem” (p. 14, tradução nossa)8
. Quando coloca que “natureza” Ă© um substantivo,
Oates duvida da ideia de “nature-as-(moral)-instruction-for-mankind”. Citando como
8
“[...] if we forget that nature is a word and that nature writing is language” (CASON, 1991, p. 14)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1060
exemplo os escritos de Thoreau, Oates afirma que a Ășnica função que ela vĂȘ no nature
writing Ă© de que ele Ă© “brilliantly fictionalized in the service of a writer’s individual
vision” (OATES, 2007, p. 843). Nesse sentido, ela valoriza esse gĂȘnero apenas como uma
forma de storytelling, o que o aproximaria da ficção.
De fato, o storytelling estĂĄ presente em muitos ensaios sobre a natureza,
principalmente por meio de micro-narrativas. Um exemplo citado por Schröder é a
Ă©pica batalha das formigas narrada por Thoreau em Walden. Contudo, de acordo com
Schröder, essas ficçÔes internas desempenham uma função bem reduzida nos ensaios
justamente pela falta de um enredo ficcional mais abrangente e linear. Dessa forma,
quando “liberados das necessidades de contar histórias, os ensaístas estão mais propensos
a voltar sua atenção totalmente para o mundo natural [...]”, e para tal, incluem em seus
ensaios “[...] todos os tipos de material descritivo, dados, enumeraçÔes, panoramas de
paisagens e fatos histĂłricos, sem exercer funçÔes narrativas” (SCHRÖDER, 2019, p. 22,
tradução nossa)9
.
Com base em Scholes e Klaus (1969), Schröder complementa que o storytelling
não estå restrito à ficção, assim como comentårios interpretativos e reflexivos não são
caracterĂ­sticos apenas de ensaios. Nesse sentido, os ensaĂ­stas processam o material
proveniente da sua experiĂȘncia de forma parecida com os ficcionistas, “usando analogias,
metåforas, descriçÔes detalhadas, e micro-narrativas juntamente com mecanismos
estilĂ­sticos de outros gĂȘneros” (SCHRÖDER, 2019, p. 20, tradução nossa)10
.
Entretanto, o olhar de Oates se volta justamente ao modo como o mundo natural
Ă© tratado pelos nature essays. Como Cason (1991) observa, parece que os escritores da
natureza escolheram o ensaio justamente por possuir uma forma mais livre que permite
que possam expressar o drama do pensamento. Os nature writers fazem com que a escrita
do fato ganhe um caráter duvidoso, visto que “reconhecem seu desejo paradoxal de
apreciar e aceitar o fluxo contĂ­nuo da vida ao mesmo tempo em que tentam fixĂĄ-lo com a
permanĂȘncia das palavras” (CASON, 1991, p. 15, tradução nossa)11
.
Schröder (2019) explica que a escrita ambiental de não ficção, na concepção de
Lawrence Buell (1995), se apropria de estratégias literårias, como invenção, extrapolação
9
“[...] liberated from the necessities of story-telling, essayists are more likely to turn their attention fully
towards the natural world [...]”, e para tal, incluem em seus ensaios “[...] all kinds of descriptive material,
data, enumerations, landscape panoramas, and historical facts, without performing narrative duties”
(SCHRÖDER, 2019, p. 22).
10
“[...] using analogies, metaphors, detailed depictions, and micro-narratives along-side stylistic devices of
other genres” (SCHRÖDER, 2019, p. 20)
11
“[...] recognize their paradoxical desire to appreciate and accept the continuous flux of life while
simultaneously trying to fix it with the permanence of words” (CASON, 1991, p. 15).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1061
e uso de figuras de linguagem, com o fim de viabilizar ao leitor o acesso ao mundo
natural. Assim, da dinñmica “entre o uso artístico da linguagem e a realidade inegável
do ambiente, Ă  qual a escrita da natureza responde, surge uma imagem poetizada, mas
verdadeira, do mundo natural” (SCHRÖDER, 2019, p. 21, tradução nossa)12
. De forma
irĂŽnica, Oates aborda que a Natureza que Ă© usada pela literatura e questiona:
And why not Nature, since it’s there, common property, mute, can’t
talk back, allow us the possibility of transcending the human condition
for a while, writing prettily of mountain ranges, white-tailed deer, the
purple crocuses outside this very window, the thrumming dazzling “life
force” we imagine we all support. Why not? (OATES, 2007, p. 844).
O ceticismo de Oates Ă© justamente voltado a essa imagem “verdadeira” da
natureza que o nature writing afirma transmitir. Por meio de um jogo intertextual com
vårias citaçÔes e alusÔes provenientes de Literaturas de língua inglesa, Oates busca uma
passagem do ensaio literĂĄrio The Decay of Lying (1889) de Oscar Wilde para fundamentar
sua reflexĂŁo. Estruturado no formato SocrĂĄtico, o ensaio de Wilde apresenta um diĂĄlogo
entre os personagens Vivian e Cyril que discutem a Arte perante a Vida e a Natureza. A
Arte imitaria a Natureza ou a Natureza que imita a Arte? Parte da passagem que Oates
escolheu para citar, apresentamos a seguir:
Nature is no great mother who has borne us. She is our creation. It
is in our brain that she quickens to life. Things are because we see
them, and what we see, and how we see it, depends on the Arts that
have influenced us. Too look at a thing is very different from seeing a
thing [...] At present, people see fogs, not because there are fogs, but
because poets and painters have taught them the mysterious loveliness
of such effects. There may have been fogs for centuries in London. I
dare say there were. But no one saw them. They did not exist until Art
had invented them (WILDE, 1889, s/p).
Não hå imitação. A natureza é criada pela arte. Isso responde aquela provocação
inicial, deixada por Oates. O céu é azul - ou melhor, nós vemos o céu da cor azul -
porque a pintura, a literatura, a mĂșsica, o teatro descreveram para nĂłs que o cĂ©u Ă© azul.
A Natureza Ă©, dessa forma, (re)inventada e transformada pelos nature writers e por todos
nós leitores por meio deles, para que nós possamos enxergar “seu rosto descoberto, digno
12
“[...] between the artful use of language and the undeniable reality of the environment, to which nature
writing responds, arises a poeticised, yet truthful image of the natural world” (SCHRÖDER, 2019, p. 21)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1062
de eterno estudo e eterna reverĂȘncia” (WHITCOMB, 1894, p. 162 apud CASON, 1991,
p. 12, tradução nossa)13
.
Para entendermos melhor como esse processo de criação da Natureza pela arte
acontece no contexto do nature writing, citamos Weik von Mossner (2017), que, ao
traçaralgumas perspectivas teóricas acerca do nature writing, apresenta uma leitura da
escrita do nature writer estadunidense John Muir. Ela analisa uma passagem
especĂ­fica do texto ensaĂ­stico The Mountains of California (1984), que relata a
experiĂȘncia pessoal do naturalista por meio de observação cientĂ­fica, e apresenta a
seguinte conclusĂŁo:
A passagem Ă© um “manual de instrução” da maneira mais Ăłbvia,
orientando os leitores a simular a aparĂȘncia visual da paisagem da
Califórnia em suas mentes. Com exceção do termo “celestial”, quase
todas as palavras contribuem para a criação de imagens visuais. Não
apenas descreve a qualidade da luz (Ă© ensolarado) e a impressĂŁo de cor
dominante do vale (Ă© dourado), o texto tambĂ©m transmite a aparĂȘncia
do nivelamento da sua planĂ­cie e o alcance de sua grande extensĂŁo
(além do que os olhos podem ver), bem como o contraste com a alta
muralha colorida das montanhas, que parecem sĂłlidas (poderosas) e
sem substĂąncia (aparentemente compostas de luz) ao mesmo tempo
(WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 31, tradução nossa)14
.
Assim, os leitores que nunca visitaram o Central Valley ou a Sierra Nevada,
descritos por Muir tĂȘm a oportunidade de imaginar vividamente o local por meio dos
detalhes visuais engenhosamente providenciados pelo autor em suas palavras escritas.
Muir não inicia seu ensaio apresentando detalhes técnicos do local que descreve, como
quais animais ele encontrou no vale ou o tamanho e formato dos picos e montanhas.
O autor prefere convidar os leitores a imaginar uma paisagem bonita e cativante ao
providenciar ricos detalhes para incitar um imaginårio sedutor. A composição estética
de Muir estimula, dessa forma, a experiĂȘncia pessoal, o conhecimento prĂ©vio e um senso
avaliativo por parte do leitor (WEIK VON MOSSNER, 2017).
13
“[...] her uncovered face, worthy of eternal study and eternal reverence” (WHITCOMB, p. 162 apud
CASON, 1991, p. 12)
14
The passage is an “instruction manual” in the most obvious way, instructing readers to simulate the
visual appearence of the California landscape in their minds. With the exception of the term “celestial”,
nearly every word contributes to the creation of visual imagery. Not only does it describe the quality of the
light (it’s sunny) and the dominant color impression of the valley (it’s golden), the text also conveys the
appearance of its flatness and large extension (farther than the eye can see) as well as the contrast with the
colorful towering wall of the mountains, which seem solid (mighty) and insubstantial (seemingly composed
of light) ath the same time (WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 31)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1063
Na perspectiva de Oates, o excesso de retĂłrica de beleza e sublimidade da
natureza presente em obras como a de Muir Ă© que fazem com que “o realismo” desse tipo
de escrita seja duvidoso. Por esse viés, o nature writing pode ser caracterizado como um
tipo de escrita “ingenuamente realista” pois aceita, “sem questionar, o que capta o olho
humano, frontal e bifocal, o nosso pobre olfato e outras características de nossa espécie,
acrescentando a isso a suposição de que a mente pode, sem muita auto-avaliação, direta e
objetivamente ‘conhecer’ o que quer que ela veja” (SNYDER, 2005, p. 260).
V
Como vimos pelo exemplo de Muir, os escritores do nature writing buscam
extrair e transmitir de forma significativa suas experiĂȘncias no espaço natural de forma a
conectar a sua existĂȘncia e a do leitor ao mundo material. HĂĄ maestria na forma como os
nature writers oferecem aos seus leitores um “manual literário e instrutivo” que os incita
a imaginar paisagens que eles nunca viram (WEIK VON MOSSNER, 2017).
Nesse sentido, há um sujeito, um “eu” narrativo, que faz a mediação, pela escrita e
pela leitura, entre aquele que vivenciou a experiĂȘncia no mundo real e aquele que recebe
essa experiĂȘncia e a simula mentalmente por meio de emoçÔes sensitivas e afetivas.
Weik von Mossner, ainda com base em Muir, explica a necessidade de um sujeito que
experimenta o mundo real no contexto do nature essay:
SeMuirnãotivesse colocadoseuexperiente“eu”nomeiodatempestade,
os leitores ainda seriam capazes de imaginar a cena de acordo com
suas próprias instruçÔes, mas não teriam a emoção complementar de
simular a experiĂȘncia subjetiva de alguĂ©m que cavalga em uma ĂĄrvore
em uma tempestade. Enquanto nas primeiras pĂĄginas de seu livro
Muir busca conceber um sentido de aproximação ao pedir aos leitores
que se imaginem presentes na paisagem que descreve, ele agora usa
a presença corporal de seu próprio eu mais jovem para permitir que
eles cheguem “tão perto quanto possível a ponto de esquecer que a
experiĂȘncia [Ă©] de fato mediada por uma sequĂȘncia de palavras em uma
página” (Kuzmičová 2014, 283) (WEIK VON MOSSNER, 2017, p.
36, tradução nossa)15
.
15
Had Muir not placed his experiencing I into the midst of the storm, readers would still be able to imagine
the scene in accordance with his instructions, but they would not have the added thrill of simulating the
subjective experience of someone who rides a tree in a storm. While on the first pages of his book Muir
seeks to create immediacy by asking readers to imagine themselves being present in the landscape he
describes, he now uses the bodily presence of his own younger self to allow them to come “as close as
one possibly can to forgetting that the experience [is] in fact mediated by a string of words on a page”
(Kuzmičová 2014, 283). (WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 36).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1064
A dinĂąmica e os movimentos reflexivos do ensaio descendem de uma esfera
subjetiva. Diferentemente do narrador de ficção que conecta o leitor com um mundo
autossuficiente, que existe na e pela ficção, o narrador de ensaios é um mediador de um
mundo empiricamente realista, que ele partilha com seu leitor (SCHRÖDER, 2019). No
entanto, precisamos nos atentar ao seguinte:
Embora os ensaios evitem usar personagens fictĂ­cios, deve-se ter em
mente que os efeitos de verdade, realidade e naturalidade são “sempre
e inevitavelmente o resultado de uma invenção engenhosa. O ‘eu’
falado Ă© uma persona, a palavra para ‘mĂĄscara’ no drama grego ”(2012,
p. 251), como Patricia Foster e Jeff Porter colocaram (SCHRÖDER,
2019, p. 17, tradução nossa)16
.
Nesse sentido, “o ardiloso “eu” de um ensaio Ă© tĂŁo inconstante, como um camaleĂŁo,
quanto qualquer narrador de ficção” (HOAGLAND, 1982, p. 26 apud CASON, 1991, p.
15, tradução nossa)17
. Oates concorda com essas afirmaçÔes em seu ensaio, quando faz
uma reflexão da sua persona: “Once, years ago, in 1972 to be precise, when I seemed to
have been another person, related to the person I am now as one is related, tangentially,
sometimes embarrassingly, to cousins not seen for decades [...]” (OATES, 2007, p. 846).
Esse retorno ao passado surge para que a autora possa propor uma reflexĂŁo acerca das
relaçÔes entre o corpo e o “Eu”. Utilizando-se de seu humor, ela conta que em meio a
uma febre ela teve uma “visão mística”, na qual ela desperta para a seguinte reflexão:
“My body, which “I” inhabit, is inhabited as well by other creatures, unknown to me,
imperceptible - the smallest of them mere sparks of light” (OATES, 2007, p. 846).
Ou seja, ela defende que o corpo é também natureza, visto que abriga outros seres ou
elementos da natureza, como bactĂ©rias, ĂĄtomos, oxigĂȘnio e ĂĄgua. Portanto, ela aponta a
sua crítica para a separação paradoxal que os nature writers fazem entre o ser humano e
o mundo natural. Ao mesmo tempo que objetiva aproximar o “eu” do mundo natural, o
nature writing tradicional indica que a espécie humana seria um ser separado da natureza,
como se nĂŁo fizesse parte dela.
O “Eu” do sujeito que vive a experiĂȘncia na natureza e depois escreve e narra o
ensaio Ă© resultado de uma estrutura linguĂ­stica criada pelo nature writer que “experimenta
16
While essays refrain from using fictional characters, it should be kept in mind that effects of truth, reality,
and naturalness are “always and unavoidably the result of an artful invention. The speaking ‘I’is a persona,
the word for ‘mask’in Greek drama” (2012, p. 251), as Patricia Foster and Jeff Porter put it. (SCHRÖDER,
2019, p. 17).
17
“the artful ‘I’ of an essay can be as chameleon as any narrator in fiction” (HOAGLAND, 1982, p. 26 apud
CASON, 1991, p. 15).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1065
tanto o isolamento de si mesmo quanto o desejo de se fundir com outras formas de vida,
para alcançar aquele sentimento de unidade” (CASON, 1991, p. 15, tradução nossa)18
.
O pensamento de Oates, nesse sentido, concordaria com a crĂ­tica de que apoiadores
da Ecologia Profunda vibrariam com a volta do Pleistoceno, “mas continuariam a se
comportar como seres humanos que estão conscientes de uma separação intuitiva da
natureza” (CASON, 1991, p. 15, tradução nossa)19
.
Oates menciona o capítulo final da obra Walden, “Spring”, citando um momento em
que Thoreau contempla a morte por meio da natureza. Ela expÔe que o transcendentalista
descreve a cena de um cavalo morto jå em estado de decomposição como se fosse algo
“deslumbrante”. A passagem referida por Oates, Ă© a seguinte:
There was a dead horse in the hollow by the path to my house, which
compelled me sometimes to go out of my way, especially in the night
when the air was heavy, but the assurance it gave me of the strong
appetite and inviolable health of Nature was my compensation for this.
I love to see that Nature is so rife with life that myriads can be afforded
to be sacrificed and suffered to prey upon one another; that tender
organizations can be so serenely squashed out of existence like pulp,
- tadpoles which herons gobble up, and tortoises and toads run over in
the road; and that sometimes it has rained flesh ans blood! (THOREAU,
2019, p. 205-206)
A visĂŁo e o cheiro do defunto de um animal apodrecendo causa repulsa e nĂĄusea
em qualquer ser humano. Apesar de concordar que essa Ă© uma imagem repugnante,
Thoreau vĂȘ inspiração nesse episĂłdio, um espetĂĄculo natural capaz de transmitir uma
forma de pensar a Natureza como um ciclo, que ressurge e se reorganiza a partir da
morte. Ele nos ensina, dessa forma, a aceitar a morte como parte da beleza e leveza do
seu fluxo. Faz sentido pensar, dessa forma, que “[a] interpretação literĂĄria ou poĂ©tica da
natureza [...] não é nenhuma interpretação da natureza, mas uma interpretação do próprio
escritor ou do poeta” (BURROUGHS, 1968, p. 197 apud CASON, 1991, p. 13, tradução
nossa)20
. Oates, entretanto, ironiza e desmascara esse modo transcendentalista de ver os
eventos ecológicos e o próprio “Eu”, denotando certa hipocrisia por parte dos nature
writers, ao apontar para uma experiĂȘncia pessoal de Thoreau com a morte. Ao mesmo
18
“[...] experience both the isolation of self and the desire to blend with other forms of life, to achieve that
feeling of oneness” (CASON, 1991, p. 15)
19
“[...] but continue to behave as human beings who are conscious of a perceived separation from nature”
(CASON, 1991, p. 15).
20
“[t]he literary or poetic interpretation of nature... is no interpretation of nature at all, but an interpretation
of the writer or the poet himself” (BURROUGHS, 1968, p. 197 apud CASON, 1991, p. 13).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1066
tempo em que o escritor contempla, em seu ensaio, a morte como algo natural e belo, ele
sofre pela morte do prĂłprio irmĂŁo. Assim, Oates direciona sua voz de fala diretamente ao
prĂłprio Thoreau:
Come off it, Henry David. You’ve grieved these many years for your
elder brother, John, who died a ghastly death of lockjaw: you’ve never
wholly recovered from the experience of watching him die. And you
know or must know, that you’re fated too to die young of consumption...
But this doctrinaire Transcendentalist passage ends Walden on just the
right note. It’s as impersonal, as cooly detached, as the Oversoul itself:
a “wise man” filters his emotions through his brain (OATES, 2007, p.
845).
Não hå nenhuma instrução para o ser humano proveniente da Natureza, pois
afinal “where is Nature, one might (skeptically) inquire. Who has looked upon her/its
face and survived?” (OATES, 2007, p. 843). Essa Ă© a forma de Oates pensar a morte
em relação à natureza. Hå um ciclo de vida e morte, certamente. Mas não hå nada que
possamos aprender a partir disso, pois somos parte disso. “The “I”, which doesn’t exist,
is everything” (OATES, 2007, p. 846). O “eu”, que habita o corpo, não existe, pois no
momento da morte, o “eu” se vai e o corpo permanece no mundo natural, transformando-
se em matĂ©ria orgĂąnica. Ao mesmo tempo, o corpo precisa de um “eu” para mantĂȘ-lo em
atividade e vivo por algum tempo.
VI
Por fim, percebemos algumas aproximaçÔes estruturais e linguísticas de Against
Nature com o nature essay. Apesar de criticar o nature writing, o texto de Oates Ă© capaz
de viabilizar a aproximação do leitor ao mundo não-humano - a Natureza -, por vezes,
de modo semelhante ao nature essay. Isso nĂŁo quer dizer que esse texto se caracteriza
como um nature essay. Por meio de mecanismos intertextuais, como paródia, citaçÔes e
alusÔes, Oates constrói um ensaio literårio com o fim de (re)pensar um objeto literårio: o
nature essay.
Em alguns momentos descritivos do texto, Oates parece parodiar a escrita dos
nature writers, especialmente a de Thoreau. Um bom exemplo, Ă© a parte final de seu
texto, quando ela relata: “This morning, an invasion of tiny black ants. One by one they
appear, out of nowhere - that’s their charm too!” (OATES, 2007, p. 846). Thoreau possui
uma passagem memorĂĄvel, uma micronarrativa, dentro de sua obra Walden, conhecida
como “a batalha das formigas”. A partir do embate entre dois grupos de formigas, as
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1067
vermelhas e as pretas, Thoreau narra uma batalha Ă©pica: “It was the only battle which
I have ever witnessed, the only battle-field I ever trod while the battle was ranging;
internecine war; the red republicans on the one hand, and the black imperialists on the
other” (THOREAU, 2019, p. 148).
Oates termina seu ensaio literĂĄrio apresentando uma micronarrativa com formi-
gas. O leitor de nature writing, que muito provavelmente leu Walden de Thoreau, vai per-
ceber que hĂĄ uma referĂȘncia Ă  icĂŽnica micronarrativa de Thoreau. No entanto, na versĂŁo
de Oates, nĂŁo hĂĄ nada de Ă©pico e grandioso nesse evento natural. As formigas surgem em
sua mesa uma por uma em um momento em que ela buscava inspiração para a escrita de
um poema:
[...] and one by one I kill them with a forefinger, my deft right
forefinger, mashing each against the surface of the table and
then dropping it into a wastebasket at my side. Iddle labor,
mesmerizing, effortless, and I’m curious as to how long I can
do it - sit here in the brilliant March sunshine killing ants with
my right forefinger - how long I, and the ants, can keep it up.
After a while I realize that I can do it a long time. And that I’ve
written my poem (OATES, 2007, p. 847).
Ao esmagå-las uma por uma, demonstrando certa indiferença a esse movimento,
Oates nos mostra um lado ingĂȘnuo e instintivo da Natureza. AlĂ©m disso, ela parece ques-
tionar aos nature writers, especialmente a Thoreau: “onde estĂĄ a grandiosidade homĂ©-
rica dessas formigas?”; “De que forma vocĂȘs encontram inspiração nesta monotonia?”;
“Como essas formigas insignificantes podem inspirar um poeta?”.
Linda Hutcheon nos diz que parodiar Ă© uma forma de “sacralizar o passado e
questionĂĄ-lo ao mesmo tempo” (1991, p. 165). E este Ă© exatamente o objetivo de Oates
quando, de forma sarcĂĄstica, imita a escrita da natureza ou apresenta uma resposta para
ela. Por meio de forte reflexão, que relaciona a natureza e a arte, a natureza e o “eu”,
a natureza e o processo de escrita, Oates demonstra que o nature writing Ă© cheio de
paradoxos e contradiçÔes, o que faz com que sua conjectura seja questionåvel. Por isso,
por meio de descriçÔes de suas experiĂȘncias e de micronarrativas, parĂłdicas, em alguns
momentos, ela tematiza aspectos da natureza por vezes ignorados pelo nature writing
tradicional de Thoreau e de Muir.
A provocação de Oates é muito pertinente por viabilizar um olhar crítico para um
gĂȘnero literĂĄrio que trabalha com questĂ”es Ă©ticas e se propĂ”e a agir a favor do mundo
natural. Isso nĂŁo quer dizer, no entanto, que o que jĂĄ foi produzido por autores como
Henry D. Thoreau, John Muir, Aldo Leopold e Wendell Berry não mereça mais a nossa
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1068
confiança. A ideia Ă© repensar as fronteiras entre o “nĂŁo” e a “ficção” que compĂ”em a
principal definição de um nature essay. Nesse sentido, ainda podemos “ser capazes de
ver a “natureza”, a palavra e o conceito, como uma criação humana, e ao mesmo tempo
continuar bastante preocupados com a natureza e o nosso destino enquanto organismos
biológicos” (CASON, 1991, p. 17, tradução nossa)21
.
REFERÊNCIAS
CASON, Jacqueline. Nature Writer as Storyteller: The Nature Essay as a Literary Genre.
CEA Critic, v. 54, n. 1, 1991, DisponĂ­vel em: www.jstor.org/stable/44377075 Accesso
em: 8 jul. 2021.
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Trad.
Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
OATES, Joyce Carol. Against Nature. In: SHEA, Renee H.; SCANLON, Lawrence;
AUFSES, Robin Dissin. The Language of Composition. Reading. Writing. Rhetoric. 1
ed. Boston: Bedford/St. Martin’s, 2007
SCHRÖDER, Simone. The nature essay: ecocritical explorations. Boston: Brill
Rodopi, 2019.
SNYDER, Gary. Escrita nĂŁo-natural. In: SNYDER, Gary. Re-habitar: ensaios e poemas.
Trad. Luci Collin. Rio de Janeiro: Azouge Editorial, 2005, p. 259-268.
THOREAU, Henry David. Walden; or, Life in the Woods. Eastford: Martino Fine
Books, 2016.
WAMPOLE, Christy. A ensaificação de tudo. In: PIRES, Paulo Roberto. Doze ensaios
sobre ensaios. Rio de Janeiro: IMS, 2013.
WEIK VON MOSSNER, Alexa. Affective ecologies: empathy, emotion, and
environmental narrative. Columbus: The Ohio State University Press, 2017.
WILDE,Oscar.TheDecayofLying. CogWeb-UCLA,1889.DisponĂ­velem:https://www.
sscnet.ucla.edu/comm/steen/cogweb/Abstracts/Wilde_1889.html Acesso em: 8 jul. 2021
21
“[...] be able to see “nature”, the word and concept, as a human creation while still being quite concerned
about nature and our fate as biological organisms” (CASON, 1991, p. 17)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas
ISSN: 1980-0614
Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1069
ZWINGER, Ann H. The nature of nature writing. In: McEWEN, Christian; STRATMAN,
Mark. The alphabet of the trees: a guide to nature writing. New York: Teachers &
Writers Collaborative, 2000, p.141-149.
Recebido em: 14 mar. 2022.
Aceito em: 25 abr. 2022.

Mais conteĂșdo relacionado

Semelhante a Against Nature De Joyce Carol Oates Para (Re)Pensar O Nature Essay

Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaVirginia Fortes
 
Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaVirginia Fortes
 
Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaVirginia Fortes
 
Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora
Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora
Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora Ellen Oliveira
 
Imaginårio e matérias
Imaginårio e matériasImaginårio e matérias
ImaginĂĄrio e matĂ©riasjoaquim AraĂșjo
 
DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...
DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...
DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...Raquel Alves
 
PortuguĂȘs completo
PortuguĂȘs completoPortuguĂȘs completo
PortuguĂȘs completoluciana couto
 
Literatura e-linguagem-infantil-1
Literatura e-linguagem-infantil-1Literatura e-linguagem-infantil-1
Literatura e-linguagem-infantil-1Thaise SonĂĄria
 
Apostila tipologia textual
Apostila tipologia textualApostila tipologia textual
Apostila tipologia textualVERA OLIVEIRA
 
LARROSA escrita acadĂȘmica.pdf
LARROSA escrita acadĂȘmica.pdfLARROSA escrita acadĂȘmica.pdf
LARROSA escrita acadĂȘmica.pdfIRENEZINHALEMOS
 
Sandro ornellas
Sandro ornellasSandro ornellas
Sandro ornellasliterafro
 
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literaturaEnsino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literaturanewtonbonfim
 
Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23
Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23
Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23Laeticia Jensen Eble
 

Semelhante a Against Nature De Joyce Carol Oates Para (Re)Pensar O Nature Essay (20)

Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenha
 
Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenha
 
Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenha
 
Analise literaria
Analise literariaAnalise literaria
Analise literaria
 
Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora
Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora
Intencionalidade e significação do discurso literario em "A Hora
 
Imaginårio e matérias
Imaginårio e matériasImaginårio e matérias
Imaginårio e matérias
 
DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...
DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...
DISCURSO, PROPAGANDAE ESTRATÉGIA BÉLICA, POLÍTICA E RELIGIOSA: aspectos do en...
 
Artigo cientĂ­fico
Artigo cientĂ­ficoArtigo cientĂ­fico
Artigo cientĂ­fico
 
PortuguĂȘs completo
PortuguĂȘs completoPortuguĂȘs completo
PortuguĂȘs completo
 
Literatura e-linguagem-infantil-1
Literatura e-linguagem-infantil-1Literatura e-linguagem-infantil-1
Literatura e-linguagem-infantil-1
 
1 portuguĂȘs1
1 portuguĂȘs11 portuguĂȘs1
1 portuguĂȘs1
 
Apostila tipologia textual
Apostila tipologia textualApostila tipologia textual
Apostila tipologia textual
 
LARROSA escrita acadĂȘmica.pdf
LARROSA escrita acadĂȘmica.pdfLARROSA escrita acadĂȘmica.pdf
LARROSA escrita acadĂȘmica.pdf
 
Sandro ornellas
Sandro ornellasSandro ornellas
Sandro ornellas
 
AULA 1 - TEXTO.pdf
AULA 1 - TEXTO.pdfAULA 1 - TEXTO.pdf
AULA 1 - TEXTO.pdf
 
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literaturaEnsino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
 
Poesia 12 aulas
Poesia 12 aulasPoesia 12 aulas
Poesia 12 aulas
 
Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23
Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23
Chamada de trabalhos Revista Brasileira de Literatura Comparada 22 e 23
 
Literatura
LiteraturaLiteratura
Literatura
 
Tessituras
TessiturasTessituras
Tessituras
 

Mais de Gina Brown

Why Do I Need To Write My Essays Press Release P
Why Do I Need To Write My Essays Press Release PWhy Do I Need To Write My Essays Press Release P
Why Do I Need To Write My Essays Press Release PGina Brown
 
Top 100 Extended Essay Topics By Extended Essay
Top 100 Extended Essay Topics By Extended EssayTop 100 Extended Essay Topics By Extended Essay
Top 100 Extended Essay Topics By Extended EssayGina Brown
 
College Essay Career Goals - Educational And Career
College Essay Career Goals - Educational And CareerCollege Essay Career Goals - Educational And Career
College Essay Career Goals - Educational And CareerGina Brown
 
The Value Of Education - Assignment Point
The Value Of Education - Assignment PointThe Value Of Education - Assignment Point
The Value Of Education - Assignment PointGina Brown
 
Thematic Photo Essay Examples Sitedoct.Org
Thematic Photo Essay Examples Sitedoct.OrgThematic Photo Essay Examples Sitedoct.Org
Thematic Photo Essay Examples Sitedoct.OrgGina Brown
 
Scholarship Essay Compare And Contrast Essay Introdu
Scholarship Essay Compare And Contrast Essay IntroduScholarship Essay Compare And Contrast Essay Introdu
Scholarship Essay Compare And Contrast Essay IntroduGina Brown
 
College Essay Examples Of Essay About Life
College Essay Examples Of Essay About LifeCollege Essay Examples Of Essay About Life
College Essay Examples Of Essay About LifeGina Brown
 
Writing The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To Write
Writing The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To WriteWriting The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To Write
Writing The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To WriteGina Brown
 
Sample Persuasive Speech Powerpoint Defining A Pe
Sample Persuasive Speech Powerpoint Defining A PeSample Persuasive Speech Powerpoint Defining A Pe
Sample Persuasive Speech Powerpoint Defining A PeGina Brown
 
Literary Analysis Essay For Middle School Paper Mario
Literary Analysis Essay For Middle School Paper MarioLiterary Analysis Essay For Middle School Paper Mario
Literary Analysis Essay For Middle School Paper MarioGina Brown
 
Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.
Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.
Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.Gina Brown
 
Formal Essay What It Is And How To Write It
Formal Essay What It Is And How To Write ItFormal Essay What It Is And How To Write It
Formal Essay What It Is And How To Write ItGina Brown
 
Funny College Essay - College Homework Help A
Funny College Essay - College Homework Help AFunny College Essay - College Homework Help A
Funny College Essay - College Homework Help AGina Brown
 
Hoja Para Escribir Texto - SEONegativo.Com
Hoja Para Escribir Texto - SEONegativo.ComHoja Para Escribir Texto - SEONegativo.Com
Hoja Para Escribir Texto - SEONegativo.ComGina Brown
 
Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58
Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58
Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58Gina Brown
 
Research Paper Outline 8Th Grade - How To Write A Re
Research Paper Outline 8Th Grade - How To Write A ReResearch Paper Outline 8Th Grade - How To Write A Re
Research Paper Outline 8Th Grade - How To Write A ReGina Brown
 
92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In Graphi
92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In Graphi92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In Graphi
92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In GraphiGina Brown
 
001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.
001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.
001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.Gina Brown
 
What Does A Research Paper Look Like For A Science Fair
What Does A Research Paper Look Like For A Science FairWhat Does A Research Paper Look Like For A Science Fair
What Does A Research Paper Look Like For A Science FairGina Brown
 
Apsolventska Godina I Studentska Prava RCroatia
Apsolventska Godina I Studentska Prava RCroatiaApsolventska Godina I Studentska Prava RCroatia
Apsolventska Godina I Studentska Prava RCroatiaGina Brown
 

Mais de Gina Brown (20)

Why Do I Need To Write My Essays Press Release P
Why Do I Need To Write My Essays Press Release PWhy Do I Need To Write My Essays Press Release P
Why Do I Need To Write My Essays Press Release P
 
Top 100 Extended Essay Topics By Extended Essay
Top 100 Extended Essay Topics By Extended EssayTop 100 Extended Essay Topics By Extended Essay
Top 100 Extended Essay Topics By Extended Essay
 
College Essay Career Goals - Educational And Career
College Essay Career Goals - Educational And CareerCollege Essay Career Goals - Educational And Career
College Essay Career Goals - Educational And Career
 
The Value Of Education - Assignment Point
The Value Of Education - Assignment PointThe Value Of Education - Assignment Point
The Value Of Education - Assignment Point
 
Thematic Photo Essay Examples Sitedoct.Org
Thematic Photo Essay Examples Sitedoct.OrgThematic Photo Essay Examples Sitedoct.Org
Thematic Photo Essay Examples Sitedoct.Org
 
Scholarship Essay Compare And Contrast Essay Introdu
Scholarship Essay Compare And Contrast Essay IntroduScholarship Essay Compare And Contrast Essay Introdu
Scholarship Essay Compare And Contrast Essay Introdu
 
College Essay Examples Of Essay About Life
College Essay Examples Of Essay About LifeCollege Essay Examples Of Essay About Life
College Essay Examples Of Essay About Life
 
Writing The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To Write
Writing The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To WriteWriting The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To Write
Writing The Thesis Statement Write An A Research Paper - How To Write
 
Sample Persuasive Speech Powerpoint Defining A Pe
Sample Persuasive Speech Powerpoint Defining A PeSample Persuasive Speech Powerpoint Defining A Pe
Sample Persuasive Speech Powerpoint Defining A Pe
 
Literary Analysis Essay For Middle School Paper Mario
Literary Analysis Essay For Middle School Paper MarioLiterary Analysis Essay For Middle School Paper Mario
Literary Analysis Essay For Middle School Paper Mario
 
Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.
Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.
Winter Writing Paper Free Worksheets. Online assignment writing service.
 
Formal Essay What It Is And How To Write It
Formal Essay What It Is And How To Write ItFormal Essay What It Is And How To Write It
Formal Essay What It Is And How To Write It
 
Funny College Essay - College Homework Help A
Funny College Essay - College Homework Help AFunny College Essay - College Homework Help A
Funny College Essay - College Homework Help A
 
Hoja Para Escribir Texto - SEONegativo.Com
Hoja Para Escribir Texto - SEONegativo.ComHoja Para Escribir Texto - SEONegativo.Com
Hoja Para Escribir Texto - SEONegativo.Com
 
Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58
Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58
Tips For Writing A Thesis Introduction - Writefiction58
 
Research Paper Outline 8Th Grade - How To Write A Re
Research Paper Outline 8Th Grade - How To Write A ReResearch Paper Outline 8Th Grade - How To Write A Re
Research Paper Outline 8Th Grade - How To Write A Re
 
92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In Graphi
92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In Graphi92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In Graphi
92 Inspiration Forms Of Narrative Stories In Graphi
 
001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.
001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.
001 Essay About Myself Thatsnotus. Online assignment writing service.
 
What Does A Research Paper Look Like For A Science Fair
What Does A Research Paper Look Like For A Science FairWhat Does A Research Paper Look Like For A Science Fair
What Does A Research Paper Look Like For A Science Fair
 
Apsolventska Godina I Studentska Prava RCroatia
Apsolventska Godina I Studentska Prava RCroatiaApsolventska Godina I Studentska Prava RCroatia
Apsolventska Godina I Studentska Prava RCroatia
 

Último

Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autoresModelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autoresAna Isabel Correia
 
UFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_Ă­ndice .pdf
UFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_Ă­ndice .pdfUFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_Ă­ndice .pdf
UFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_índice .pdfManuais Formação
 
Religiosidade de Assaré - Prof. Francisco Leite
Religiosidade de Assaré - Prof. Francisco LeiteReligiosidade de Assaré - Prof. Francisco Leite
Religiosidade de Assaré - Prof. Francisco Leiteprofesfrancleite
 
Gramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdfGramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdfKelly Mendes
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...azulassessoria9
 
O que é, de facto, a Educação de Infùncia
O que é, de facto, a Educação de InfùnciaO que é, de facto, a Educação de Infùncia
O que é, de facto, a Educação de InfùnciaHenrique Santos
 
Aspectos históricos da educação dos surdos.pptx
Aspectos históricos da educação dos surdos.pptxAspectos históricos da educação dos surdos.pptx
Aspectos históricos da educação dos surdos.pptxprofbrunogeo95
 
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptxQuímica-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptxKeslleyAFerreira
 
SequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptx
SequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptxSequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptx
SequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptxCarolineWaitman
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...azulassessoria9
 
CurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo Paulo
CurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo PauloCurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo Paulo
CurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo Pauloririg29454
 
SQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdf
SQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdfSQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdf
SQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdfAndersonW5
 
Alemanha vs União Soviética - Livro de Adolf Hitler
Alemanha vs União Soviética - Livro de Adolf HitlerAlemanha vs União Soviética - Livro de Adolf Hitler
Alemanha vs União Soviética - Livro de Adolf Hitlerhabiwo1978
 
As teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.ppt
As teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.pptAs teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.ppt
As teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.pptorlando dias da silva
 
Slides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptx
Slides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptxSlides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptx
Slides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Maio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentes
Maio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentesMaio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentes
Maio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentesMary Alvarenga
 
Power Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantil
Power Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantilPower Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantil
Power Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantilMariaHelena293800
 
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição - CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição -  CEI...Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição -  CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição - CEI...ErĂł Cunha
 
5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptx
5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptx5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptx
5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptxnelsontobontrujillo
 

Último (20)

Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autoresModelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
 
UFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_Ă­ndice .pdf
UFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_Ă­ndice .pdfUFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_Ă­ndice .pdf
UFCD_10659_Ficheiros de recursos educativos_Ă­ndice .pdf
 
Religiosidade de Assaré - Prof. Francisco Leite
Religiosidade de Assaré - Prof. Francisco LeiteReligiosidade de Assaré - Prof. Francisco Leite
Religiosidade de Assaré - Prof. Francisco Leite
 
Gramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdfGramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramåtica - Texto - anålise e construção de sentido - Moderna.pdf
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
 
O que é, de facto, a Educação de Infùncia
O que é, de facto, a Educação de InfùnciaO que é, de facto, a Educação de Infùncia
O que é, de facto, a Educação de Infùncia
 
Aspectos históricos da educação dos surdos.pptx
Aspectos históricos da educação dos surdos.pptxAspectos históricos da educação dos surdos.pptx
Aspectos históricos da educação dos surdos.pptx
 
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptxQuímica-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
 
SequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptx
SequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptxSequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptx
SequĂȘncia didĂĄtica Carona 1Âș Encontro.pptx
 
662938.pdf aula digital de educação båsica
662938.pdf aula digital de educação båsica662938.pdf aula digital de educação båsica
662938.pdf aula digital de educação båsica
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competĂȘncias pessoais Ă© de extrema importĂąncia, pr...
 
CurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo Paulo
CurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo PauloCurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo Paulo
CurrĂ­culo Professor Pablo Ortellado - Universidade de SĂŁo Paulo
 
SQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdf
SQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdfSQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdf
SQL Parte 1 - Criação de Banco de Dados.pdf
 
Alemanha vs União Soviética - Livro de Adolf Hitler
Alemanha vs União Soviética - Livro de Adolf HitlerAlemanha vs União Soviética - Livro de Adolf Hitler
Alemanha vs União Soviética - Livro de Adolf Hitler
 
As teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.ppt
As teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.pptAs teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.ppt
As teorias de Lamarck e Darwin para alunos de 8ano.ppt
 
Slides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptx
Slides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptxSlides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptx
Slides Lição 7, CPAD, O Perigo Da Murmuração, 2Tr24.pptx
 
Maio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentes
Maio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentesMaio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentes
Maio Laranja - Combate Ă  violĂȘncia sexual contra crianças e adolescentes
 
Power Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantil
Power Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantilPower Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantil
Power Point sobre as etapas do Desenvolvimento infantil
 
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição - CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição -  CEI...Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição -  CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ÂȘ edição - CEI...
 
5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptx
5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptx5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptx
5. EJEMPLOS DE ESTRUCTURASQUINTO GRADO.pptx
 

Against Nature De Joyce Carol Oates Para (Re)Pensar O Nature Essay

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1054 AGAINST NATURE DE JOYCE CAROL OATES: PARA (RE) PENSAR O NATURE ESSAY Joyce Carol Oates’s “Against Nature”: to (re)think the Nature Essay Isabelle Maria SOARES Programa de PĂłs-graduação em Letras Universidade Federal do ParanĂĄ isamariares@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-0003-0798 RESUMO: Este artigo propĂ”e uma leitura do ensaio literĂĄrio Against Nature, da escritora estadunidense Joyce Carol Oates, que apresenta um discurso de resistĂȘncia ao gĂȘnero literĂĄrio conhecido por nature writing. Para compreendermos melhor o protesto de Oates, delinea- mos uma fundamentação teĂłrica que disserta acerca de aspectos es- tĂ©ticos e histĂłricos da escrita do nature essay, com base, principal- mente, nos escritos de Snyder (2005), Weik Von Mossner (2017) e Schröder (2019). É possĂ­vel perceber, a partir disso, que o ensaio de Oates direciona um olhar crĂ­tico para um gĂȘnero literĂĄrio que traba- lha com questĂ”es Ă©ticas e se propĂ”e a agir a favor do mundo natural. PALAVRAS-CHAVE: Nature writing, Joyce Carol Oates, ensaio lite- rĂĄrio ABSTRACT: In this article, we propose a reading on the literary essay Against Nature, written by Joyce Carol Oates, which presents resis- tance to the literary genre known as nature writing. In order to com- prehend better the protest of Oates, we delineate a theoretical back- ground that deals with aesthetic and historical aspects of the subgenre nature essa, based mainly on the writings of Snyder (2005), Weik Von Mossner (2017) and Schröder (2019). From these perspectives, we per- ceive that Oates’s essay enables a critical view to a literary genre that works with ethical issues and proposes to act for the natural world. KEYWORDS: Nature writing, Joyce Carol Oates, literary essay.
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1055 I Against Nature1 , ensaio literĂĄrio de tĂ­tulo bastante provocativo escrito pela ficcionista estadunidense Joyce Carol Oates, parece expor uma visĂŁo de oposição Ă  natureza. Antes de lermos o ensaio por inteiro, nos questionamos: seria a escritora contra a natureza? Em um primeiro momento, responderĂ­amos que sim, haja vista a objetividade do tĂ­tulo. Mas ao iniciarmos a leitura do texto, percebemos que, na verdade, ela demonstra resistĂȘncia ao gĂȘnero literĂĄrio que escreve sobre a natureza, o nature writing. Assim sendo, para entendermos a proposta de Oates em Against Nature precisamos ter conhecimento acerca do objeto que ela trata. Por isso, faremos inicialmente uma breve contextualização do gĂȘnero nature writing, delineando, sobretudo, questĂ”es teĂłricas especificamente sobre o nature essay, que, de forma geral, abrangem aporte teĂłrico do gĂȘnero ensaio. De qualquer forma, questĂ”es teĂłricas sobre o gĂȘnero serĂŁo retomadas no decorrer deste artigo, haja vista que a leitura que fizemos do ensaio literĂĄrio Against Nature solicita que repensemos esses tĂłpicos. II Simone Schröder (2019) explica que grande parte do que Ă© conhecido por nature writing classifica-se como o subgĂȘnero nature essay. Dessa forma, os dois termos se confundem ou sĂŁo tratados como sinĂŽnimos. No entanto, Schröder coloca que hĂĄ outros subgĂȘneros dentro do nature writing, por vezes semelhantes ao nature essay, como o diĂĄrio (diary), o diĂĄrio de viagem (travelogue), o relatĂłrio de campo (field report) e o memorial (memoir). Assim, para definir o nature essay Ă© preciso entender o que ele nĂŁo Ă©. Seguindo essa lĂłgica, ela explica que o termo nature essay refere-se ao tĂłpico (nature) e Ă  forma literĂĄria (essay - ensaio) e, portanto, entender o que Ă© um nature essay no contexto do nature writing, em contraste com os outros subgĂȘneros, requer o entendimento do que Ă© um essay, um ensaio. O gĂȘnero ensaio se caracteriza por apresentar mĂșltiplas vozes, pois Ă© comum que o ensaĂ­sta se desloque de um modo de escrever para o outro. Assim, Schröder caracteriza que o ensaio pode apresentar trĂȘs diferentes nĂ­veis, nos quais transita livremente. Ela detalha esses nĂ­veis contextualizando com o nature essay: 1 Nota explanatĂłria: Optei por traduzir, no decorrer deste artigo, apenas os trechos de ordem teĂłrica, para uma leitura mais fluĂ­da. Os originais das citaçÔes sĂŁo mencionados em Notas de rodapĂ©. Para os trechos de ordem literĂĄria, especialmente provenientes do ensaio Against Nature, optei em deixĂĄ-los na lĂ­ngua original, haja vista que compĂ”em o objeto de anĂĄlise e nĂŁo quis interferir na sua essĂȘncia.
  • 3. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1056 1. NĂ­vel descritivo: faz uso de representação linguĂ­stica detalhada para focar no carĂĄter empĂ­rico da natureza e dar vida a objetos materiais como animais, plantas, pedras, paisagens; 2. NĂ­vel introspectivo: geralmente estĂĄ diretamente ligado com o narrador do ensaio, e oferece um retorno emocional Ă  natureza por meio de tĂ©cnicas de auto-observação com o fim de ostentar as relaçÔes entre o personagem que narra e o mundo natural. Para tal, o ensaĂ­sta se utiliza de linguagem poĂ©tica e estratĂ©gias retĂłricas para recriar suas experiĂȘncias com a natureza; 3. NĂ­vel reflexivo: relaciona razĂŁo com contemplação por meio de uma escrita mais explanatĂłria, fazendo uma ponte com questĂ”es cientĂ­ficas, religiosas e polĂ­ticas. Esses nĂ­veis, que se relacionam entre si, funcionando de forma interdependente, sĂŁo “uma caracterĂ­stica formal e essencial que permite que os nature essays produzam conhecimento” (SCHRÖDER, 2019, p. 35, tradução nossa)2 . A literatura, que se manifesta em diferentes formas, gĂȘneros e subgĂȘneros, quando dialoga diretamente com a natureza, tem o potencial de conscientizar os leitores e inspirĂĄ- los a se envolverem em açÔes pela luta ambiental. No entanto, Schröder, com base em Richard Kerridge (2014), menciona que cada gĂȘnero literĂĄrio desempenha um papel diferente e especĂ­fico no contexto da escrita e conscientização ecolĂłgica. Os gĂȘneros de nĂŁo ficção, como Ă© o caso do ensaio, “tĂȘm o potencial de envolver os leitores em um diĂĄlogo com o seu ambiente, fornecendo informaçÔes e significação particulares” (SCHRÖDER, 2019, p. 33, tradução nossa)3 . Especificamente quanto ao nature essay, Schröder explica que ele se apropria do modo novelĂ­stico para valorizar as experiĂȘncias da natureza que apresenta. Enquanto isso, o narrador se compromete com a realidade “do mundo fĂ­sico e encena esse compromisso por escrito, Ă  medida que reivindica a verdade e a honestidade” (SCHRÖDER, 2019, p. 20, tradução nossa)4 , com o fim de fazer o leitor refletir seriamente acerca de seu relacionamento com a natureza. Portanto, “o fato de que as representaçÔes da natureza no ensaio geralmente se relacionam com referĂȘncias mimĂ©ticas externas nĂŁo significa que os 2 “[...] a vital formal feature that allows nature essays to generate knowledge” (SCHRÖDER, 2019, p. 35). 3 “[...] has the potential of engaging readers in a dialogue with their environment by providing both information and personal meaning” (SCHRÖDER, 2019, p. 33) 4 “[...] do mundo fĂ­sico e encenar esse compromisso por escrito, Ă  medida que reivindicam a verdade e a honestidade” (SCHRÖDER, 2019, p. 20)
  • 4. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1057 escritores nĂŁo façam uso de recursos imaginativos da literatura” (SCHRÖDER, 2019, p. 20, tradução nossa)5 . Ann Zwinger (2000) destaca que para escrever um bom nature essay Ă© preciso viver a experiĂȘncia, estar na natureza, observar, ver, sentir, participar dela. A amplitude do nature writing “clĂĄssico” vai, nesse sentido, “do pessoal ao cientĂ­fico, do filosĂłfico ao prĂĄtico e polĂ­tico [...]” e, para isso, “[...] começa com a experiĂȘncia de campo em primeira mĂŁo” (ZWINGER, 2000, p. 141, tradução nossa)6 . O segredo do ensaio nĂŁo estĂĄ, portanto, em “descobrir, conquistar ou provar alguma coisa, mas simplesmente experimentar” (WAMPOLE, 2013, p. 245). III Antes de iniciar suas reflexĂ”es em Against Nature, Joyce Carol Oates traz em epĂ­grafe duas citaçÔes e um protesto em versos, de sua prĂłpria autoria, que jĂĄ antecipam o que ela vai dissertar. A primeira citação Ă© de Henry David Thoreau, o nome mais significativo do cĂąnone do nature writing, e diz: “We soon get through with Nature. She excites an expectation which she cannot satisfy”. Uma epĂ­grafe serve para dialogar, geralmente em concordĂąncia, com o que vai ser discutido no texto que se segue. Interessante o trecho de Thoreau que a ficcionista escolheu para cumprir esse papel, pois ele vai, no contexto do ensaio de Oates, contradizer o prĂłprio Thoreau e a tradição literĂĄria de que ele faz parte. Oates parte de uma experiĂȘncia sua ao ar livre para articular seu ponto de vista. Ela começa seu texto relatando um momento em que, apĂłs sofrer um ataque taquicardĂ­aco, deita de costas no chĂŁo e passa a observar tudo que estĂĄ ao seu redor. Ao se deitar e olhar para o cĂ©u, parece que ela estĂĄ buscando na natureza algum tipo de consolação para seu problema. Essa Ă© uma das estratĂ©gias que Oates vai utilizar para parodiar, de forma irĂŽnica e sarcĂĄstica, o cĂąnone do nature writing, que, a exemplo de escritores como Henry David Thoreau e John Muir, descreve a natureza de forma romantizada e extasiante. Assim, Oates descreve a natureza que vĂȘ ao seu redor da seguinte forma: “all around me Nature thrummed with life, the air smelling of moisture and sunlight, the canal reflecting the sky, red-winged blackbirds testing their spring calls; the usual” (OATES, 2007, p. 841, grifo nosso). Ou seja, a natureza sempre bela, poĂ©tica e apaixonante: o de sempre. 5 “[...] the fact that nature depictions in the essay usually tie in with outer mimetic reference does not mean that writers do not make use of literature’s imaginative resources” (SCHRÖDER, 2019, p. 20). 6 “[...] from the personal to the scientific, from the philosophical to the practical an political. “Classic” nature writing begins with firsthand field experience” (ZWINGER, 2000, p. 141).
  • 5. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1058 A partir disso, ao contemplar o cĂ©u, pois segundo Oates, “it’s there to be contemplated”, a autora deixa o seguinte questionamento: “And the lovely blue isn’t even blue, is it? isn’t even there, is it? a mere optical illusion, isn’t it? no matter what art has urged you to believe” (OATES, 2007, p. 842, grifo nosso). Essa provocação antecipa o ponto fulcral a ser discutido por Oates no decorrer de seu ensaio literĂĄrio. A autora passa a apresentar algumas de suas primeiras memĂłrias em relação Ă  natureza: quando teve seu pĂ© atacado por sangue-sugas; quando encontrou um cachorro morto em estado de putrefação; quando presenciou um guaxinim doente (com “raiva”). Alexa Weik von Mossner explica que “[...] nossa resposta afetiva a um texto literĂĄrio Ă© determinada pelas memĂłrias emocionais que retemos de experiĂȘncias anteriores (reais e imaginadas) e pela vivacidade das coisas que imaginamos durante a leitura” (2017, p. 24, tradução nossa)7 . Haja vista que o objeto reflexivo do ensaio de Oates Ă© o nature writing, supomos que grande parte do pĂșblico leitor desse texto Ă© composto por leitores entusiastas ou ao menos conhecedores do gĂȘnero da escrita da natureza. Nesse sentido, a vivacidade de lembranças grotescas da natureza descritas por Oates pode provocar em seus leitores uma resposta afetiva inversa daquela provocada pelo nature writing tradicional. Nos deparamos com uma natureza feia e caĂłtica, e nĂŁo com aquele lugar tradicionalmente belo, tranquilo e poĂ©tico. Em seu ensaio Escrita nĂŁo-natural, Gary Snyder (2005) tambĂ©m questiona escritores do cĂąnone de Thoreau, quando diz, por exemplo, que a “vida natural nĂŁo Ă© sĂł comer frutinhas silvestres ao sol” (p. 265). Por esse viĂ©s, Snyder propĂ”e uma “nova poĂ©tica da escrita da natureza” na qual o nature writing deve explorar tambĂ©m o lado grotesco e obscuro do mundo ecolĂłgico: [...] o bolo de ossos mastigados num excremento, as penas na neve, as histĂłrias sobre apetites insaciĂĄveis. Os sistemas selvagens estĂŁo num sentido elevado acima da crĂ­tica, mas tambĂ©m podem ser vistos como irracionais, bolorentos, cruĂ©is, parasitas. [...] A vida nĂŁo Ă© sĂł diurna e propriedade dos grandes e interessantes vertebrados, Ă© tambĂ©m noturna, anaerĂłbica, canibalesca, microscĂłpica, digestiva, fermentiva: apodrecendo na cĂĄlida escuridĂŁo (SNYDER, 2005, p. 265). Partindo da ideia de que a lĂ­ngua Ă© algo civilizatĂłrio, Snyder propĂ”e uma “arte do selvagem” ao invĂ©s de olhar para a natureza como um simples “produto” artĂ­stico. Essa 7 “[...] our affective response to a literary text is determined by emotional memories we have retained of previous experiences (real and imagined) and by the vivacity of the things we imagine while reading” ( WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 24).
  • 6. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1059 ideia dialoga, de certa forma, com as reflexĂ”es de Oates, que defende que a “natureza”, que Ă© uma palavra, um substantivo, aparece na escrita da natureza “only by the grace of the author’s language” (OATES, 2007, p. 843). Nesse sentido, por meio da lĂ­ngua, civilizada e ordenada, um nature writer cria uma natureza civilizada e ordenada. Snyder sugere, nesse sentido, uma descoberta do mundo selvagem com nosso tipo de escrita, para avançar “em territĂłrios desconhecidos que nĂŁo se parecem em nada com o que, no passado, foi chamado de ‘escrita da natureza’” (2005, p. 264). Assim, ele especifica que “a obra de arte do que Ă© selvagem pode ser irreverente, conflituosa, feia, desgastada, imprevisĂ­vel, simples e clara - ou praticamente inacessĂ­vel” (SNYDER, 2005, p. 264). A proposta Ă© de uma “escrita da natureza” mais livre e sem preconceitos, na qual a maestria pode se relacionar “à investida do falcĂŁo, Ă s intricadas galerias de tocas e tĂșneis sob a casca do pinheiro feitos pelos besouros, [...] ou Ă  ferroada kamikaze da vespa amarela, [...] Ă s hienas gemendo e desenterrando as vĂ­sceras de uma girafa morta sob uma lua serena” (SNYDER, 2005, p. 266-267). Por essa perspectiva, um cachorro morto em estado de decomposição, sanguessugas em ação no corpo humano, ou um guaxinim que ataca a si mesmo e expĂ”e seus ĂłrgĂŁos internos - as memĂłrias de Oates de uma natureza monstruosa -, podem vir a ser o que Snyder chama de “imagens da nossa arte”. IV De acordo com Christy Wampole, a magia do ensaio estĂĄ em nos fazer “encarar aquilo sobre o que nĂŁo se pode ter certeza” (2013, p. 244). Por meio de uma estrutura nĂŁo-linear e bastante heterogĂȘnea, composta por uma pluralidade de memĂłrias e artifĂ­cios intertextuais, o ensaio Against Nature questiona o fazer poĂ©tico do nature writing. Nesse sentido, Oates coloca em pauta que o carĂĄter de “nĂŁo ficção” de um nature essay Ă© questionĂĄvel e, portanto, nĂŁo podemos ter certeza sobre o realismo experimental que esse tipo de escrita nos propĂ”e. No protesto deixado na epĂ­grafe do ensaio, Oates resume que a natureza inspira um limite de reaçÔes nos nature writers: “REVERENCE, AWE, PIETY, MYSTICAL ONENESS” (OATES, 2007, p. 841). Jacqueline Cason (1991) defende que, realmente, a leitura que fizemos da natureza por meio dos nature writers pode ser reduzida a essas reaçÔes “se nĂłs esquecermos que natureza Ă© uma palavra e que o nature writing Ă© linguagem” (p. 14, tradução nossa)8 . Quando coloca que “natureza” Ă© um substantivo, Oates duvida da ideia de “nature-as-(moral)-instruction-for-mankind”. Citando como 8 “[...] if we forget that nature is a word and that nature writing is language” (CASON, 1991, p. 14)
  • 7. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1060 exemplo os escritos de Thoreau, Oates afirma que a Ășnica função que ela vĂȘ no nature writing Ă© de que ele Ă© “brilliantly fictionalized in the service of a writer’s individual vision” (OATES, 2007, p. 843). Nesse sentido, ela valoriza esse gĂȘnero apenas como uma forma de storytelling, o que o aproximaria da ficção. De fato, o storytelling estĂĄ presente em muitos ensaios sobre a natureza, principalmente por meio de micro-narrativas. Um exemplo citado por Schröder Ă© a Ă©pica batalha das formigas narrada por Thoreau em Walden. Contudo, de acordo com Schröder, essas ficçÔes internas desempenham uma função bem reduzida nos ensaios justamente pela falta de um enredo ficcional mais abrangente e linear. Dessa forma, quando “liberados das necessidades de contar histĂłrias, os ensaĂ­stas estĂŁo mais propensos a voltar sua atenção totalmente para o mundo natural [...]”, e para tal, incluem em seus ensaios “[...] todos os tipos de material descritivo, dados, enumeraçÔes, panoramas de paisagens e fatos histĂłricos, sem exercer funçÔes narrativas” (SCHRÖDER, 2019, p. 22, tradução nossa)9 . Com base em Scholes e Klaus (1969), Schröder complementa que o storytelling nĂŁo estĂĄ restrito Ă  ficção, assim como comentĂĄrios interpretativos e reflexivos nĂŁo sĂŁo caracterĂ­sticos apenas de ensaios. Nesse sentido, os ensaĂ­stas processam o material proveniente da sua experiĂȘncia de forma parecida com os ficcionistas, “usando analogias, metĂĄforas, descriçÔes detalhadas, e micro-narrativas juntamente com mecanismos estilĂ­sticos de outros gĂȘneros” (SCHRÖDER, 2019, p. 20, tradução nossa)10 . Entretanto, o olhar de Oates se volta justamente ao modo como o mundo natural Ă© tratado pelos nature essays. Como Cason (1991) observa, parece que os escritores da natureza escolheram o ensaio justamente por possuir uma forma mais livre que permite que possam expressar o drama do pensamento. Os nature writers fazem com que a escrita do fato ganhe um carĂĄter duvidoso, visto que “reconhecem seu desejo paradoxal de apreciar e aceitar o fluxo contĂ­nuo da vida ao mesmo tempo em que tentam fixĂĄ-lo com a permanĂȘncia das palavras” (CASON, 1991, p. 15, tradução nossa)11 . Schröder (2019) explica que a escrita ambiental de nĂŁo ficção, na concepção de Lawrence Buell (1995), se apropria de estratĂ©gias literĂĄrias, como invenção, extrapolação 9 “[...] liberated from the necessities of story-telling, essayists are more likely to turn their attention fully towards the natural world [...]”, e para tal, incluem em seus ensaios “[...] all kinds of descriptive material, data, enumerations, landscape panoramas, and historical facts, without performing narrative duties” (SCHRÖDER, 2019, p. 22). 10 “[...] using analogies, metaphors, detailed depictions, and micro-narratives along-side stylistic devices of other genres” (SCHRÖDER, 2019, p. 20) 11 “[...] recognize their paradoxical desire to appreciate and accept the continuous flux of life while simultaneously trying to fix it with the permanence of words” (CASON, 1991, p. 15).
  • 8. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1061 e uso de figuras de linguagem, com o fim de viabilizar ao leitor o acesso ao mundo natural. Assim, da dinĂąmica “entre o uso artĂ­stico da linguagem e a realidade inegĂĄvel do ambiente, Ă  qual a escrita da natureza responde, surge uma imagem poetizada, mas verdadeira, do mundo natural” (SCHRÖDER, 2019, p. 21, tradução nossa)12 . De forma irĂŽnica, Oates aborda que a Natureza que Ă© usada pela literatura e questiona: And why not Nature, since it’s there, common property, mute, can’t talk back, allow us the possibility of transcending the human condition for a while, writing prettily of mountain ranges, white-tailed deer, the purple crocuses outside this very window, the thrumming dazzling “life force” we imagine we all support. Why not? (OATES, 2007, p. 844). O ceticismo de Oates Ă© justamente voltado a essa imagem “verdadeira” da natureza que o nature writing afirma transmitir. Por meio de um jogo intertextual com vĂĄrias citaçÔes e alusĂ”es provenientes de Literaturas de lĂ­ngua inglesa, Oates busca uma passagem do ensaio literĂĄrio The Decay of Lying (1889) de Oscar Wilde para fundamentar sua reflexĂŁo. Estruturado no formato SocrĂĄtico, o ensaio de Wilde apresenta um diĂĄlogo entre os personagens Vivian e Cyril que discutem a Arte perante a Vida e a Natureza. A Arte imitaria a Natureza ou a Natureza que imita a Arte? Parte da passagem que Oates escolheu para citar, apresentamos a seguir: Nature is no great mother who has borne us. She is our creation. It is in our brain that she quickens to life. Things are because we see them, and what we see, and how we see it, depends on the Arts that have influenced us. Too look at a thing is very different from seeing a thing [...] At present, people see fogs, not because there are fogs, but because poets and painters have taught them the mysterious loveliness of such effects. There may have been fogs for centuries in London. I dare say there were. But no one saw them. They did not exist until Art had invented them (WILDE, 1889, s/p). NĂŁo hĂĄ imitação. A natureza Ă© criada pela arte. Isso responde aquela provocação inicial, deixada por Oates. O cĂ©u Ă© azul - ou melhor, nĂłs vemos o cĂ©u da cor azul - porque a pintura, a literatura, a mĂșsica, o teatro descreveram para nĂłs que o cĂ©u Ă© azul. A Natureza Ă©, dessa forma, (re)inventada e transformada pelos nature writers e por todos nĂłs leitores por meio deles, para que nĂłs possamos enxergar “seu rosto descoberto, digno 12 “[...] between the artful use of language and the undeniable reality of the environment, to which nature writing responds, arises a poeticised, yet truthful image of the natural world” (SCHRÖDER, 2019, p. 21)
  • 9. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1062 de eterno estudo e eterna reverĂȘncia” (WHITCOMB, 1894, p. 162 apud CASON, 1991, p. 12, tradução nossa)13 . Para entendermos melhor como esse processo de criação da Natureza pela arte acontece no contexto do nature writing, citamos Weik von Mossner (2017), que, ao traçaralgumas perspectivas teĂłricas acerca do nature writing, apresenta uma leitura da escrita do nature writer estadunidense John Muir. Ela analisa uma passagem especĂ­fica do texto ensaĂ­stico The Mountains of California (1984), que relata a experiĂȘncia pessoal do naturalista por meio de observação cientĂ­fica, e apresenta a seguinte conclusĂŁo: A passagem Ă© um “manual de instrução” da maneira mais Ăłbvia, orientando os leitores a simular a aparĂȘncia visual da paisagem da CalifĂłrnia em suas mentes. Com exceção do termo “celestial”, quase todas as palavras contribuem para a criação de imagens visuais. NĂŁo apenas descreve a qualidade da luz (Ă© ensolarado) e a impressĂŁo de cor dominante do vale (Ă© dourado), o texto tambĂ©m transmite a aparĂȘncia do nivelamento da sua planĂ­cie e o alcance de sua grande extensĂŁo (alĂ©m do que os olhos podem ver), bem como o contraste com a alta muralha colorida das montanhas, que parecem sĂłlidas (poderosas) e sem substĂąncia (aparentemente compostas de luz) ao mesmo tempo (WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 31, tradução nossa)14 . Assim, os leitores que nunca visitaram o Central Valley ou a Sierra Nevada, descritos por Muir tĂȘm a oportunidade de imaginar vividamente o local por meio dos detalhes visuais engenhosamente providenciados pelo autor em suas palavras escritas. Muir nĂŁo inicia seu ensaio apresentando detalhes tĂ©cnicos do local que descreve, como quais animais ele encontrou no vale ou o tamanho e formato dos picos e montanhas. O autor prefere convidar os leitores a imaginar uma paisagem bonita e cativante ao providenciar ricos detalhes para incitar um imaginĂĄrio sedutor. A composição estĂ©tica de Muir estimula, dessa forma, a experiĂȘncia pessoal, o conhecimento prĂ©vio e um senso avaliativo por parte do leitor (WEIK VON MOSSNER, 2017). 13 “[...] her uncovered face, worthy of eternal study and eternal reverence” (WHITCOMB, p. 162 apud CASON, 1991, p. 12) 14 The passage is an “instruction manual” in the most obvious way, instructing readers to simulate the visual appearence of the California landscape in their minds. With the exception of the term “celestial”, nearly every word contributes to the creation of visual imagery. Not only does it describe the quality of the light (it’s sunny) and the dominant color impression of the valley (it’s golden), the text also conveys the appearance of its flatness and large extension (farther than the eye can see) as well as the contrast with the colorful towering wall of the mountains, which seem solid (mighty) and insubstantial (seemingly composed of light) ath the same time (WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 31)
  • 10. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1063 Na perspectiva de Oates, o excesso de retĂłrica de beleza e sublimidade da natureza presente em obras como a de Muir Ă© que fazem com que “o realismo” desse tipo de escrita seja duvidoso. Por esse viĂ©s, o nature writing pode ser caracterizado como um tipo de escrita “ingenuamente realista” pois aceita, “sem questionar, o que capta o olho humano, frontal e bifocal, o nosso pobre olfato e outras caracterĂ­sticas de nossa espĂ©cie, acrescentando a isso a suposição de que a mente pode, sem muita auto-avaliação, direta e objetivamente ‘conhecer’ o que quer que ela veja” (SNYDER, 2005, p. 260). V Como vimos pelo exemplo de Muir, os escritores do nature writing buscam extrair e transmitir de forma significativa suas experiĂȘncias no espaço natural de forma a conectar a sua existĂȘncia e a do leitor ao mundo material. HĂĄ maestria na forma como os nature writers oferecem aos seus leitores um “manual literĂĄrio e instrutivo” que os incita a imaginar paisagens que eles nunca viram (WEIK VON MOSSNER, 2017). Nesse sentido, hĂĄ um sujeito, um “eu” narrativo, que faz a mediação, pela escrita e pela leitura, entre aquele que vivenciou a experiĂȘncia no mundo real e aquele que recebe essa experiĂȘncia e a simula mentalmente por meio de emoçÔes sensitivas e afetivas. Weik von Mossner, ainda com base em Muir, explica a necessidade de um sujeito que experimenta o mundo real no contexto do nature essay: SeMuirnĂŁotivesse colocadoseuexperiente“eu”nomeiodatempestade, os leitores ainda seriam capazes de imaginar a cena de acordo com suas prĂłprias instruçÔes, mas nĂŁo teriam a emoção complementar de simular a experiĂȘncia subjetiva de alguĂ©m que cavalga em uma ĂĄrvore em uma tempestade. Enquanto nas primeiras pĂĄginas de seu livro Muir busca conceber um sentido de aproximação ao pedir aos leitores que se imaginem presentes na paisagem que descreve, ele agora usa a presença corporal de seu prĂłprio eu mais jovem para permitir que eles cheguem “tĂŁo perto quanto possĂ­vel a ponto de esquecer que a experiĂȘncia [Ă©] de fato mediada por uma sequĂȘncia de palavras em uma pĂĄgina” (KuzmičovĂĄ 2014, 283) (WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 36, tradução nossa)15 . 15 Had Muir not placed his experiencing I into the midst of the storm, readers would still be able to imagine the scene in accordance with his instructions, but they would not have the added thrill of simulating the subjective experience of someone who rides a tree in a storm. While on the first pages of his book Muir seeks to create immediacy by asking readers to imagine themselves being present in the landscape he describes, he now uses the bodily presence of his own younger self to allow them to come “as close as one possibly can to forgetting that the experience [is] in fact mediated by a string of words on a page” (KuzmičovĂĄ 2014, 283). (WEIK VON MOSSNER, 2017, p. 36).
  • 11. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1064 A dinĂąmica e os movimentos reflexivos do ensaio descendem de uma esfera subjetiva. Diferentemente do narrador de ficção que conecta o leitor com um mundo autossuficiente, que existe na e pela ficção, o narrador de ensaios Ă© um mediador de um mundo empiricamente realista, que ele partilha com seu leitor (SCHRÖDER, 2019). No entanto, precisamos nos atentar ao seguinte: Embora os ensaios evitem usar personagens fictĂ­cios, deve-se ter em mente que os efeitos de verdade, realidade e naturalidade sĂŁo “sempre e inevitavelmente o resultado de uma invenção engenhosa. O ‘eu’ falado Ă© uma persona, a palavra para ‘mĂĄscara’ no drama grego ”(2012, p. 251), como Patricia Foster e Jeff Porter colocaram (SCHRÖDER, 2019, p. 17, tradução nossa)16 . Nesse sentido, “o ardiloso “eu” de um ensaio Ă© tĂŁo inconstante, como um camaleĂŁo, quanto qualquer narrador de ficção” (HOAGLAND, 1982, p. 26 apud CASON, 1991, p. 15, tradução nossa)17 . Oates concorda com essas afirmaçÔes em seu ensaio, quando faz uma reflexĂŁo da sua persona: “Once, years ago, in 1972 to be precise, when I seemed to have been another person, related to the person I am now as one is related, tangentially, sometimes embarrassingly, to cousins not seen for decades [...]” (OATES, 2007, p. 846). Esse retorno ao passado surge para que a autora possa propor uma reflexĂŁo acerca das relaçÔes entre o corpo e o “Eu”. Utilizando-se de seu humor, ela conta que em meio a uma febre ela teve uma “visĂŁo mĂ­stica”, na qual ela desperta para a seguinte reflexĂŁo: “My body, which “I” inhabit, is inhabited as well by other creatures, unknown to me, imperceptible - the smallest of them mere sparks of light” (OATES, 2007, p. 846). Ou seja, ela defende que o corpo Ă© tambĂ©m natureza, visto que abriga outros seres ou elementos da natureza, como bactĂ©rias, ĂĄtomos, oxigĂȘnio e ĂĄgua. Portanto, ela aponta a sua crĂ­tica para a separação paradoxal que os nature writers fazem entre o ser humano e o mundo natural. Ao mesmo tempo que objetiva aproximar o “eu” do mundo natural, o nature writing tradicional indica que a espĂ©cie humana seria um ser separado da natureza, como se nĂŁo fizesse parte dela. O “Eu” do sujeito que vive a experiĂȘncia na natureza e depois escreve e narra o ensaio Ă© resultado de uma estrutura linguĂ­stica criada pelo nature writer que “experimenta 16 While essays refrain from using fictional characters, it should be kept in mind that effects of truth, reality, and naturalness are “always and unavoidably the result of an artful invention. The speaking ‘I’is a persona, the word for ‘mask’in Greek drama” (2012, p. 251), as Patricia Foster and Jeff Porter put it. (SCHRÖDER, 2019, p. 17). 17 “the artful ‘I’ of an essay can be as chameleon as any narrator in fiction” (HOAGLAND, 1982, p. 26 apud CASON, 1991, p. 15).
  • 12. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1065 tanto o isolamento de si mesmo quanto o desejo de se fundir com outras formas de vida, para alcançar aquele sentimento de unidade” (CASON, 1991, p. 15, tradução nossa)18 . O pensamento de Oates, nesse sentido, concordaria com a crĂ­tica de que apoiadores da Ecologia Profunda vibrariam com a volta do Pleistoceno, “mas continuariam a se comportar como seres humanos que estĂŁo conscientes de uma separação intuitiva da natureza” (CASON, 1991, p. 15, tradução nossa)19 . Oates menciona o capĂ­tulo final da obra Walden, “Spring”, citando um momento em que Thoreau contempla a morte por meio da natureza. Ela expĂ”e que o transcendentalista descreve a cena de um cavalo morto jĂĄ em estado de decomposição como se fosse algo “deslumbrante”. A passagem referida por Oates, Ă© a seguinte: There was a dead horse in the hollow by the path to my house, which compelled me sometimes to go out of my way, especially in the night when the air was heavy, but the assurance it gave me of the strong appetite and inviolable health of Nature was my compensation for this. I love to see that Nature is so rife with life that myriads can be afforded to be sacrificed and suffered to prey upon one another; that tender organizations can be so serenely squashed out of existence like pulp, - tadpoles which herons gobble up, and tortoises and toads run over in the road; and that sometimes it has rained flesh ans blood! (THOREAU, 2019, p. 205-206) A visĂŁo e o cheiro do defunto de um animal apodrecendo causa repulsa e nĂĄusea em qualquer ser humano. Apesar de concordar que essa Ă© uma imagem repugnante, Thoreau vĂȘ inspiração nesse episĂłdio, um espetĂĄculo natural capaz de transmitir uma forma de pensar a Natureza como um ciclo, que ressurge e se reorganiza a partir da morte. Ele nos ensina, dessa forma, a aceitar a morte como parte da beleza e leveza do seu fluxo. Faz sentido pensar, dessa forma, que “[a] interpretação literĂĄria ou poĂ©tica da natureza [...] nĂŁo Ă© nenhuma interpretação da natureza, mas uma interpretação do prĂłprio escritor ou do poeta” (BURROUGHS, 1968, p. 197 apud CASON, 1991, p. 13, tradução nossa)20 . Oates, entretanto, ironiza e desmascara esse modo transcendentalista de ver os eventos ecolĂłgicos e o prĂłprio “Eu”, denotando certa hipocrisia por parte dos nature writers, ao apontar para uma experiĂȘncia pessoal de Thoreau com a morte. Ao mesmo 18 “[...] experience both the isolation of self and the desire to blend with other forms of life, to achieve that feeling of oneness” (CASON, 1991, p. 15) 19 “[...] but continue to behave as human beings who are conscious of a perceived separation from nature” (CASON, 1991, p. 15). 20 “[t]he literary or poetic interpretation of nature... is no interpretation of nature at all, but an interpretation of the writer or the poet himself” (BURROUGHS, 1968, p. 197 apud CASON, 1991, p. 13).
  • 13. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1066 tempo em que o escritor contempla, em seu ensaio, a morte como algo natural e belo, ele sofre pela morte do prĂłprio irmĂŁo. Assim, Oates direciona sua voz de fala diretamente ao prĂłprio Thoreau: Come off it, Henry David. You’ve grieved these many years for your elder brother, John, who died a ghastly death of lockjaw: you’ve never wholly recovered from the experience of watching him die. And you know or must know, that you’re fated too to die young of consumption... But this doctrinaire Transcendentalist passage ends Walden on just the right note. It’s as impersonal, as cooly detached, as the Oversoul itself: a “wise man” filters his emotions through his brain (OATES, 2007, p. 845). NĂŁo hĂĄ nenhuma instrução para o ser humano proveniente da Natureza, pois afinal “where is Nature, one might (skeptically) inquire. Who has looked upon her/its face and survived?” (OATES, 2007, p. 843). Essa Ă© a forma de Oates pensar a morte em relação Ă  natureza. HĂĄ um ciclo de vida e morte, certamente. Mas nĂŁo hĂĄ nada que possamos aprender a partir disso, pois somos parte disso. “The “I”, which doesn’t exist, is everything” (OATES, 2007, p. 846). O “eu”, que habita o corpo, nĂŁo existe, pois no momento da morte, o “eu” se vai e o corpo permanece no mundo natural, transformando- se em matĂ©ria orgĂąnica. Ao mesmo tempo, o corpo precisa de um “eu” para mantĂȘ-lo em atividade e vivo por algum tempo. VI Por fim, percebemos algumas aproximaçÔes estruturais e linguĂ­sticas de Against Nature com o nature essay. Apesar de criticar o nature writing, o texto de Oates Ă© capaz de viabilizar a aproximação do leitor ao mundo nĂŁo-humano - a Natureza -, por vezes, de modo semelhante ao nature essay. Isso nĂŁo quer dizer que esse texto se caracteriza como um nature essay. Por meio de mecanismos intertextuais, como parĂłdia, citaçÔes e alusĂ”es, Oates constrĂłi um ensaio literĂĄrio com o fim de (re)pensar um objeto literĂĄrio: o nature essay. Em alguns momentos descritivos do texto, Oates parece parodiar a escrita dos nature writers, especialmente a de Thoreau. Um bom exemplo, Ă© a parte final de seu texto, quando ela relata: “This morning, an invasion of tiny black ants. One by one they appear, out of nowhere - that’s their charm too!” (OATES, 2007, p. 846). Thoreau possui uma passagem memorĂĄvel, uma micronarrativa, dentro de sua obra Walden, conhecida como “a batalha das formigas”. A partir do embate entre dois grupos de formigas, as
  • 14. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1067 vermelhas e as pretas, Thoreau narra uma batalha Ă©pica: “It was the only battle which I have ever witnessed, the only battle-field I ever trod while the battle was ranging; internecine war; the red republicans on the one hand, and the black imperialists on the other” (THOREAU, 2019, p. 148). Oates termina seu ensaio literĂĄrio apresentando uma micronarrativa com formi- gas. O leitor de nature writing, que muito provavelmente leu Walden de Thoreau, vai per- ceber que hĂĄ uma referĂȘncia Ă  icĂŽnica micronarrativa de Thoreau. No entanto, na versĂŁo de Oates, nĂŁo hĂĄ nada de Ă©pico e grandioso nesse evento natural. As formigas surgem em sua mesa uma por uma em um momento em que ela buscava inspiração para a escrita de um poema: [...] and one by one I kill them with a forefinger, my deft right forefinger, mashing each against the surface of the table and then dropping it into a wastebasket at my side. Iddle labor, mesmerizing, effortless, and I’m curious as to how long I can do it - sit here in the brilliant March sunshine killing ants with my right forefinger - how long I, and the ants, can keep it up. After a while I realize that I can do it a long time. And that I’ve written my poem (OATES, 2007, p. 847). Ao esmagĂĄ-las uma por uma, demonstrando certa indiferença a esse movimento, Oates nos mostra um lado ingĂȘnuo e instintivo da Natureza. AlĂ©m disso, ela parece ques- tionar aos nature writers, especialmente a Thoreau: “onde estĂĄ a grandiosidade homĂ©- rica dessas formigas?”; “De que forma vocĂȘs encontram inspiração nesta monotonia?”; “Como essas formigas insignificantes podem inspirar um poeta?”. Linda Hutcheon nos diz que parodiar Ă© uma forma de “sacralizar o passado e questionĂĄ-lo ao mesmo tempo” (1991, p. 165). E este Ă© exatamente o objetivo de Oates quando, de forma sarcĂĄstica, imita a escrita da natureza ou apresenta uma resposta para ela. Por meio de forte reflexĂŁo, que relaciona a natureza e a arte, a natureza e o “eu”, a natureza e o processo de escrita, Oates demonstra que o nature writing Ă© cheio de paradoxos e contradiçÔes, o que faz com que sua conjectura seja questionĂĄvel. Por isso, por meio de descriçÔes de suas experiĂȘncias e de micronarrativas, parĂłdicas, em alguns momentos, ela tematiza aspectos da natureza por vezes ignorados pelo nature writing tradicional de Thoreau e de Muir. A provocação de Oates Ă© muito pertinente por viabilizar um olhar crĂ­tico para um gĂȘnero literĂĄrio que trabalha com questĂ”es Ă©ticas e se propĂ”e a agir a favor do mundo natural. Isso nĂŁo quer dizer, no entanto, que o que jĂĄ foi produzido por autores como Henry D. Thoreau, John Muir, Aldo Leopold e Wendell Berry nĂŁo mereça mais a nossa
  • 15. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1068 confiança. A ideia Ă© repensar as fronteiras entre o “nĂŁo” e a “ficção” que compĂ”em a principal definição de um nature essay. Nesse sentido, ainda podemos “ser capazes de ver a “natureza”, a palavra e o conceito, como uma criação humana, e ao mesmo tempo continuar bastante preocupados com a natureza e o nosso destino enquanto organismos biolĂłgicos” (CASON, 1991, p. 17, tradução nossa)21 . REFERÊNCIAS CASON, Jacqueline. Nature Writer as Storyteller: The Nature Essay as a Literary Genre. CEA Critic, v. 54, n. 1, 1991, DisponĂ­vel em: www.jstor.org/stable/44377075 Accesso em: 8 jul. 2021. HUTCHEON, Linda. PoĂ©tica do pĂłs-modernismo: histĂłria, teoria e ficção. Trad. Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991. OATES, Joyce Carol. Against Nature. In: SHEA, Renee H.; SCANLON, Lawrence; AUFSES, Robin Dissin. The Language of Composition. Reading. Writing. Rhetoric. 1 ed. Boston: Bedford/St. Martin’s, 2007 SCHRÖDER, Simone. The nature essay: ecocritical explorations. Boston: Brill Rodopi, 2019. SNYDER, Gary. Escrita nĂŁo-natural. In: SNYDER, Gary. Re-habitar: ensaios e poemas. Trad. Luci Collin. Rio de Janeiro: Azouge Editorial, 2005, p. 259-268. THOREAU, Henry David. Walden; or, Life in the Woods. Eastford: Martino Fine Books, 2016. WAMPOLE, Christy. A ensaificação de tudo. In: PIRES, Paulo Roberto. Doze ensaios sobre ensaios. Rio de Janeiro: IMS, 2013. WEIK VON MOSSNER, Alexa. Affective ecologies: empathy, emotion, and environmental narrative. Columbus: The Ohio State University Press, 2017. WILDE,Oscar.TheDecayofLying. CogWeb-UCLA,1889.DisponĂ­velem:https://www. sscnet.ucla.edu/comm/steen/cogweb/Abstracts/Wilde_1889.html Acesso em: 8 jul. 2021 21 “[...] be able to see “nature”, the word and concept, as a human creation while still being quite concerned about nature and our fate as biological organisms” (CASON, 1991, p. 17)
  • 16. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Departamento de Letras Estrangeiras Modernas ISSN: 1980-0614 Revista X, v. 17, n. 3, p. 1054-1069, 2022. 1069 ZWINGER, Ann H. The nature of nature writing. In: McEWEN, Christian; STRATMAN, Mark. The alphabet of the trees: a guide to nature writing. New York: Teachers & Writers Collaborative, 2000, p.141-149. Recebido em: 14 mar. 2022. Aceito em: 25 abr. 2022.