1) O documento aborda os temas da seguridade social, desenvolvimento e saúde no Brasil, discutindo os desafios para o mundo do trabalho.
2) É dividido em seções que tratam da trajetória da seguridade social a partir da Constituição de 1988, modalidades de gestão do serviço público, e da relação entre saúde, trabalho e previdência social.
3) Contém artigos de diferentes autores analisando esses temas com o objetivo de subsidiar o debate sobre as propostas da CUT para as eleições de 2010.
3. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S456 Seguridade social, desenvolvimento e saúde: desafios para o mundo
do trabalho – São Paulo: Central Única dos Trabalhadores/Secretaria
Nacional de Saúde do Trabalhador, 2010.
108 p. : il.
1. Seguridade social. 2. Saúde do trabalhador - Políticas públicas. 3.
Previdência social. 4. Sistema Único de Saúde (Brasil).
CDU 368.4(81)
CDD 368.4
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
4. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Direção Executiva Nacional da CUT 2009/2012
Presidente: Artur Henrique da Silva Santos Antonio Lisboa Amancio Vale
Ramo: Urbanitário – STI Energia Elétrica de Campinas Ramo: Educação – Sind. Professores do Distrito Federal
Vice Presidente: José Lopez Feijóo Aparecido Donizetti da Silva
Ramo: Metalúrgico – STI Metalúrgicas do ABC Ramo: Químico – STI Químicas, Petroquímicas e
Secretário Geral: Quintino Marques Severo Plásticas do ABC
Ramo: Metalúrgico STI Metalúrgicas de São Leopoldo Dary Beck Filho
Secretário de Administração e Finanças: Vagner Ramo: Químico – Op. STI Dest. Ref. De Petróleo do Rio
Freitas de Moraes Grande do Sul
Ramo Financeiro: Sind. Bancários de São Paulo Elisangela dos Santos Araújo
Secretário de Relações Internacionais: João Antônio Ramo: Rural Sind. Trab. Agricultura Familiar de São
Felício Domingos - BA
Ramo: Educação – Sind. Professores do Ensino Oficial Jasseir Alves Fernandes
do Estado de São Paulo Ramo: Rural – STR de Iuna e Urupi - ES
Secretário de Organização e Política Sindical: Jacy Júlio Turra
Afonso de Melo Ramo: Educação – SINPRO – Sind. Professores de Santo André
Ramo: Financeiro – Sind. Bancários do Distrito Federal
Junéia Martins Batista
Secretário de Formação: José Celestino Lourenço Ramo: Municipais – Sin. Trab. Adm. Pública e
Ramo: Educação – Sind. Único dos Trab. em Educação Autarquias de São Paulo
de Minas Gerais
Pedro Armengol de Sousa
Secretária de Relações do Trabalho: Denise Motta Ramo: Adm. Pública – Sind. Servidores Públicos
Dau Federais do Piauí
Ramo: Seguridade Social – Sind. Trab. Públicos da
Saúde no Estado de São Paulo Rogério Batista Pantoja
Ramo: Urbanitário – STI Urbanas do Amapá
Secretária de Comunicação: Rosane Bertotti
Ramo: Rural – Sind. Trab. Agricultura Familiar de Shakespeare Martins de Jesus
Xanxerê - SC Ramo: Metalúrgico – STI Metalúrgicas de Belo
Horizonte e Contagem - MG
Secretária da Mulher Trabalhadora: Rosane da Silva
Ramo: Vestuário: STI Calçados de Ivoti -RS Valeir Ertle
Ramo: Comércio e Serviços – Sind. Emp. do Comércio
Secretário de Políticas Sociais: Expedito Solaney de de Florianópolis
Magalhães
Ramo:Financeiro – Sind. Bancários de Pernambuco
Secretário de Saúde do Trabalhador: Manoel Conselho Fiscal
Messias Nascimento Melo Waldir Maurício da Costa Filho
Ramo: Comunicação – Sind. Trabalhadores Informática Ramo: Construção Civil – STI Const. Civil do Espírito
e Proc. Dados de Pernambuco Santo
Secretária da Juventude: Rosana de Sousa de Deus Joice Belmira da Silva
Ramo: Químico – STI Químicas e Farmacêuticas de São Ramo: Vestuário – STI Vestuário e Calçados de
Paulo Igrejinha - RS
Secretária de Meio Ambiente: Carmen Helena Pedro Almeida dos Anjos
Ferreira Foro Ramo: Rural – Sintraf de Itamaraju
Ramo: Rural: STR de Igarapé-Miri, Pará
Secretaria de Combate ao Racismo: Maria Júlia Reis Suplentes
Nogueira Marlene Terezinha Ruza
Ramo: Seguridade Social – Sind. Públicos Federais Ramo: Transporte – Sind. Nacional dos Aeronautas
Saúde e Previdência do Maranhão
Sérgio Irineu Bolzan
Ramo: Alimentação – STI Carnes de Aves, Bovinos
Diretores Executivos Suínos e Derivados de Sidrolândia
Adeilson Ribeiro Telles
Ramo: Educação – Op. Sind. Estadual dos Prof. de Rubens Graciano
Educação do Rio de Janeiro Ramo: Aposentados – Sind. Nacional de Aposentados e
Pensionistas
6. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Seguridade Social,
Desenvolvimento e Saúde
Desafios para o mundo do trabalho
Dezembro de 2010
Realização
Secretaria Nacional de Saúde do Trabalhador
7. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Secretaria Nacional de Saúde do Trabalhador
Manoel Messias Nascimento Melo – Secretário de Saúde do Trabalhador
Dary Beck Filho – Diretor Executivo Adjunto
Claudia Rejane de Lima – Assessora
Gilberto Salviano – Assessor
Antonia Sarah da Silva – Assistente de Secretaria
Organização e Revisão
Claudia Rejane de Lima – Assessora
Secretaria/apoio
Antonia Sarah da Silva – Assistente de Secretaria
Projeto Gráfico e Diagramação
M.Giora Comunicação
Impressão
Fabracor
Tiragem
3 mil
São Paulo, dezembro de 2010
8. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Sumário
Apresentação
Artur Henrique da Silva Santos .................................................................................8
Introdução
Manoel Messias Melo ..........................................................................................10
Saúde, Previdência e Assistência Social:
Trajetórias a partir da CF 1988 .......................................................... 15
Um sistema de seguridade social inclusivo para consolidar
um modelo de desenvolvimento sustentável, soberano e
democrático – Artur Henrique da Silva Santos ....................................................... 17
Na contramão do mundo: A experiência brasileira
de seguridade social – Eduardo Fagnani .............................................................. 22
Trajetórias da Seguridade Social a partir
da CF 1988: O olhar da Saúde – Humberto Costa ................................................. 39
Saúde, Previdência e Assistência Social: Trajetórias a partir
da CF 1988 – A perspectiva da Assistência Social -
Renato de Paula Francisco dos Santos Paula............................................................ 49
Modalidades de Gestão do Serviço Público ............................................... 57
A experiência de gestão da Secretaria de Saúde
de São Bernardo do Campo - Arthur Chioro ......................................................... 59
Gestão do SUS: O que fazer - Francisco Batista Júnior ........................................... 72
Gestão do SUS: Analisando o presente com os olhos
no futuro - Maria Aparecida do Amaral de Godói Faria ......................................... 81
Saúde, Trabalho e Previdência Social: O desafio da intersetorialidade .......... 83
A construção da Saúde do Trabalhador - Avanços e
recuos - Maria Maeno ............................................................................................ 85
O desafio da intersetorialidade das políticas de saúde
do trabalhador: Visão do Ministério da
Previdência Social - Domingos Lino ...................................................................... 99
9. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Apresentação
das propostas apresentadas nos eixos
Valorização do Trabalho e Distribuição
de Renda e Inclusão Social, estruturantes
da plataforma, tiveram como subsídio os
debates efetuados na oficina, realizada
em março deste ano, transcritos
integralmente nesta revista.
Compreendemos a seguridade social
É
como direito humano fundamental, que
com grande satisfação deve assegurar proteção social e o pleno
que apresentamos a desenvolvimento humano em todas as
8 Revista Seguridade Social, etapas da vida, o que, necessariamente,
Desenvolvimento e Saúde, requer um Estado compromissado com os
Desafios para o Mundo do interesses da maioria da sociedade, capaz
Trabalho às nossas instâncias, sindicatos de desenvolver políticas consistentes de
filiados, militância sindical do campo da trabalho, emprego e renda, de viabilizar
saúde do trabalhador e da seguridade políticas de educação, saúde, assistência
social e aos nossos parceiros, em especial, social, previdência social, habitação
a FES- Fundação Fiedrich Ebert, entidade e demais condições que permitam
que tem uma importante trajetória de sobrevivência digna a todas as pessoas.
solidariedade e apoio às lutas pela
democracia no Brasil e em outros países A defesa da universalidade, da
do mundo, com quem a CUT tem uma solidariedade e da ampliação da
profícua relação e produção de trabalhos cobertura vertical e horizontal dos
conjuntos. sistemas de seguridade social, com
base na Convenção 102 da OIT, são
Presente nas lutas da Central desde a questões que devem ocupar o centro do
sua fundação, a seguridade social tem debate político sindical internacional no
um lugar de destaque na Plataforma que próximo período, posto que as investidas
a CUT apresentou às eleições de 2010, neoliberais de responsabilização
cujas diretrizes orientarão as estratégias individual pelas condições de
da Central no próximo período. Parte sobrevivência, de flexibilização das
10. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
relações de trabalho e de focalização dos trabalhadores e a nossa intervenção
das políticas sociais tendem a ganhar sindical nos espaços de controle social
força em decorrência da crise econômica e de negociação no âmbito da Saúde,
mundial. Trabalho e Previdência Social, assuntos
abordados nesta Revista.
No Brasil, em que pese o cenário político-
econômico favorável e o fato de o sistema Reiteramos que, aliado à defesa do
de proteção social brasileiro estar acima trabalho e dos direitos dele derivados,
dos parâmetros mínimos propostos pela defendemos a responsabilidade pública
OIT, temos pela frente enormes desafios pela proteção social aos que se encontram
políticos e estruturais para consolidar em situação de contingência social, e, por
a seguridade social como sistema, hoje isso, demandam serviços sociais como
composto por três áreas que atuam direito de cidadania.
de forma fragmentada – a Saúde, a
Assistência Social e a Previdência Social, Assim, esperamos que esta Revista
como também permanece o desafio de contribua para continuar estimulando
reverter o quadro de precarização do o debate, promovendo a escuta de
mercado de trabalho, cujas conseqüências diferentes vozes e posicionamentos, com 9
se expressam no aumento do número vistas a avançarmos na consolidação
de acidentes e doenças, na piora da do nosso sistema de seguridade de
qualidade de vida, na fragilização do seguridade social, tendo como foco
pilar contributivo da seguridade social, de nossas estratégias a conquista do
dentre outros. Trabalho Decente para todos e todas.
Considerando que o trabalho é um Parabéns à Secretaria de Saúde do
dos principais pilares dos sistemas de Trabalhador pela iniciativa!
proteção social e que a desconstrução
dos direitos dele advindos repercute
no conjunto da sociedade, a eliminação
do desemprego, da informalidade e da
precarização são elementos estratégicos
na conformação de uma agenda de lutas.
Neste contexto se insere a Saúde do
Trabalhador, área da seguridade social
que tem relação direta com a ação sindical
nos locais de trabalho, onde permanece Artur Henrique da Silva Santos
o desafio de avançarmos na organização Presidente – CUT Nacional
11. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Introdução
de organização dos trabalhadores e com
a importância do fortalecimento dos
instrumentos de negociação coletiva,
como também defende a proteção a
social, compreendida como elemento
de cidadania, sob a responsabilidade do
Estado, seja por meio dos direitos sociais
ou de outros mecanismos de regulação,
tais como as ações de vigilância em saúde,
fiscalização, inspeção e outras.
A
Revista Seguridade Social, Nesta trajetória contribuímos com marcos
Desenvolvimento e Saúde, históricos importantes, como a criação do
Desafios para o Mundo do SUS e do próprio Capítulo de Seguridade
Trabalho é resultado de uma Social inscrito na nossa Constituição
10 Oficina, que fizemos em Federal de 1988, processo impulsionado
março de 2010, em São Paulo, no Salão Azul
pelos movimentos sociais, com uma
do Sindicato dos Bancários, para debater
participação importante dos trabalhadores
e elaborar propostas sobre Seguridade
e trabalhadoras, em especial os do ramo
Social e Saúde do Trabalhador para a
da seguridade social.
Plataforma da CUT para Eleições de 2010.
Tanto a oficina como esta revista foram As ações de resistência às políticas
possíveis porque contamos com a parceria neoliberais nos anos de 1990 são outro
da FES – Fundação Friedrich Ebert, com marco, na medida em que conseguimos
as contribuições trazidas pelos nossos
impedir a privatização do SAT – Seguro
convidados - parceiros de luta, e com a
Acidente de Trabalho, por meio de
participação expressiva de dirigentes dos
uma forte campanha que dialogou
ramos de atividade e das Estaduais da
com trabalhadores e outros setores da
CUT, a quem, mais uma vez, agradecemos.
sociedade, e desenvolvemos outras tantas
A Seguridade Social e a Saúde do lutas em defesa da saúde do trabalhador,
Trabalhador não são temas novos na agenda dos aposentados, das pessoas com
da Central. Desde a sua fundação, em 1983, deficiência, contra as altas programadas,
a CUT defende melhorias nas condições contra a precarização do trabalho,
de trabalho, compreendida em sua contra o fator previdenciário, contra a
relação intrínseca com a democratização reforma da previdência social etc. além
das relações de trabalho, com o direito da intervenção nos espaços tripartite do
12. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Ministério do Trabalho e Emprego, no a seguridade social brasileira, ou seja,
Conselho Nacional de Saúde e Conselhos Saúde, Previdência e Assistência Social.
Estaduais e Municipais de Saúde, no
Conselho Nacional de Previdência Social No primeiro painel tivemos a participação
e outros espaços das políticas públicas. de Artur Henrique da Silva Santos,
presidente da CUT, que fez a abertura da
Estas lutas permanecem na agenda dos atividade e nos brindou com uma análise
anos 2000, juntamente com novos desafios da crise da econômica e social instaurada
e contradições. No que tange à saúde em 2008 e uma contextualização do
do trabalhador, por exemplo, obtivemos tema da seguridade social e da saúde
conquistas importantes como a realização do trabalhador na agenda da Central.
da 3ª Conferência Nacional de Saúde Destacou, dentre outros aspectos, a
do Trabalhador, a implementação da importância de avançarmos, na luta pela
RENAST – Rede Nacional de Saúde do redução da jornada de trabalho a fim de
Trabalhador; a implantação do NTEP Nexo obtermos uma qualidade de vida melhor
Técnico Epidemiológico Previdenciário e dentro e fora do trabalho, sermos mais
do FAP – Fator Acidentário de Prevenção, saudáveis e felizes. Sua contribuição
mas não avançamos na superação da foi transformada em um dos artigos
modelo tradicional de prevenção, baseado desta revista sob o título “Um sistema de
na Medicina do Trabalho e na Saúde seguridade social inclusivo para consolidar
Ocupacional. um modelo de desenvolvimento sustentável,
No que tange à Seguridade Social, soberano e democrático”, que sintetiza 11
avançamos com a implantação do SUAS a estratégia da Central para o próximo
– Sistema Único de Assistência Social e período,
na sua compreensão como um direito de
Na sequência tivemos a apresentação
cidadania, mas permanecem diversas
do companheiro Eduardo Fagnani,
barreiras na consolidação do SUS –
economista, professor da Unicamp-SP, que
Sistema Único de Saúde, sobretudo por
fez um resgate da seguridade social no
dificuldades de financiamento. No âmbito
Brasil, demonstrando que as conquistas
da previdência persiste uma lógica
da Constituição de 1988, obtidas na rota
securitária, que impõe grandes restrições
inversa do neoliberalismo, são inéditas no
e problemas para os trabalhadores.
mundo. Também abordou a tensão entre
Foi considerando limites e possibilidades, paradigmas no período de 1990-2010,
avanços e recuos que a Oficina Seguridade apresentando conceitos e dados estatísticos
Social, Desenvolvimento e Saúde, Desafios das políticas de saúde, previdência e
para o Mundo do Trabalho, visou resgatar assistência social para demonstrar a
e discutir os preceitos constitucionais viabilidade e os desafios que estão postos
conquistados em 1988, tendo como pano para consolidar o sistema de seguridade
de fundo a situação da economia e do social brasileiro. Concluiu sua exposição
mercado de trabalho e as trajetórias apresentando um conjunto de propostas à
percorridas pelas três áreas que compõem Plataforma da CUT para as eleições.
13. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Humberto Costa, médico, ex-ministro resignificar os conceitos de seguridade
da saúde no governo Lula, apresentou social à luz do projeto democrático popular.
uma evolução histórica dos conceitos
de proteção social subjacentes nos Encerrando o primeiro dia, Arthur Chioro,
distintos modelos de seguridade social secretário de saúde do município de
e as principais classificações usadas São Bernardo, e Francisco Batista Júnior
atualmente, isto é, o modelo segmentado, debateram as modalidades de gestão no
financiado pelo sistema público e privado, serviço público, tendo como pano de fundo
com um componente contributivo, e o os tensionamentos entre a dimensão pública
modelo universalista, financiado pelo e privada; os avanços e recuos em relação
estado a todos os cidadãos. Neste contexto, aos princípios norteadores do sistema de
situou o SUS e as dificuldades institucionais, seguridade social brasileiro, em especial a
financeiras e de gestão que o sistema vem universalidade e a integralidade; a gestão
enfrentando desde que foi implantado, em dos serviços e do trabalho e as políticas
1988, concluindo sua palestra apontando de financiamento. Travou-se um acalorado
desafios a serem enfrentados para debate acerca das fundações estatais de
preservar os princípios de um sistema direito privado.
universal, integral e equitativo, mas que
Chioro apresentou como as modalidades
ao mesmo tempo seja viável política e
de gestão no campo da administração
economicamente.
12 pública estão amparadas nos marcos legais
constitucionais e infraconstitucionais; as
O olhar da Assistência Social foi trazido
por Renato Francisco dos Santos de Paula, dificuldades de gestão enfrentadas pelo
assistente social; assessor do gabinete sistema; o seu posicionamento em relação
da Secretaria Nacional de Assistência às modalidades de gestão apresentadas,
Social do Ministério do Desenvolvimento tendo por base a sua própria trajetória na
gestão pública, onde tem adotado o uso
Social e Combate à Fome que, a partir
de fundação estatal de direito privado
da contextualização feita por Fagnani e
como estratégia de gestão. Concluiu sua
Humberto Costa, relacionou os avanços e
apresentação reiterando importância da
dificuldades arrolados pelos expositores
continuidade do debate.
anteriores com o SUAS – Sistema Único
de Assistência Social, que padece de Júnior, por sua vez, resgatou e reforçou os
problemas e desafios semelhantes aos preceitos constitucionais, problematizando
do SUS no que tange a relação entre o a fragilidade do sistema de saúde como
público e o privado, as modalidades de decorrência da não implementação dos seus
gestão, as dificuldades de financiamento, eixos estruturantes, ou seja, argumentando
etc. destacando, contudo, a importância do que não se trata restritamente de um
sistema de seguridade social, em particular problema de gestão, mas também de
da assistência social e sua assunção efetiva financiamento, da não superação da
como direito no governo Lula. Apontou perspectiva hospitalocêntrica, da
com um dos desafios a importância de precarização da força de trabalho e outros
14. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
problemas estruturais. Concluiu apontando ética nas políticas públicas de saúde do
a necessidade de superar os problemas trabalhador. Problematizou, também, a
arrolados, enfatizando a importância de relação entre desenvolvimento e saúde,
fortalecer o controle social. tendo como pano de fundo a razão social do
trabalho. Concluiu apontando um conjunto
A coordenação do debate sobre de desafios para compor a agenda no
modalidades de gestão foi feita por Maria próximo período.
Aparecida do Amaral de Godói Faria,
presidente da CNTSS-CUT Confederação O painel seguinte foi apresentado por
Nacional dos Trabalhadores da Domingos Lino, Diretor Adjunto do
Seguridade Social, trabalhadora da saúde Departamento de Saúde e Segurança
no Estado de São Paulo, cuja participação Ocupacional do Ministério da Previdência
também se transformou em um artigo Social, especialista em Prevenção e
nesta revista, onde problematiza o intenso proteção de riscos laborais, que fez um
e acalorado debate em curso sobre os balanço da atuação do governo Lula no
rumos do SUS, apontado desafios no que âmbito da saúde e segurança no trabalho,
tange à regulamentação do financiamento, no qual destacou a importância da
à aplicação dos recursos e à resolução do prevenção e problematizou a atuação dos
pontos de gargalos na gestão do sistema. diversos atores, em especial do movimento
sindical.
Começamos o segundo dia com a reflexão
sobre Saúde, Trabalho e Previdência Social Cada uma das exposições de nossos
13
em que discutimos o desafio da construção convidados foi seguida de debate, onde
da intersetorialidade das políticas de os participantes manifestaram seus pontos
saúde do trabalhador, tendo como pano de vista, dúvidas, indagações e críticas,
de fundo a sua concepção e diretrizes cuja riqueza, por mais que tentássemos,
constitucionais, com vistas a identificar a transcrição não reproduziria, seja por
avanços e recuos em relação ao conceito sua diversidade, seja por elementos
de seguridade social, aos princípios simbólicos de comunicação não traduzíveis
norteadores da saúde, em especial o para a linguagem escrita. Fica aqui o
controle social; aos princípios e diretrizes registro da importância das contribuições
da vigilância em saúde; a fiscalização e trazidas pelos participantes e mais um
inspeção do trabalho. agradecimento.
O primeiro painel foi feito por Maria Maeno, Boa leitura!
médica e pesquisadora da Fundacentro
que, a partir de um conceito ampliado de
saúde, contextualizou politicamente os
marcos institucionais, problematizando
as dificuldades para superar o referencial Manoel Messias Melo
da Medicina do Trabalho e da Saúde Secretário Nacional de Saúde do
Ocupacional e para introduzir uma nova Trabalhador
18. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Um sistema de seguridade social
inclusivo para consolidar um modelo
de desenvolvimento sustentável,
soberano e democrático
Artur Henrique da Silva Santos
Presidente da CUT Brasil,
Sociólogo, Eletricitário
E
m nosso 10º Congresso
criamos a Secretaria Nacional
de Saúde do Trabalhador
da CUT, fruto de ampla
participação e mobilização
de vários companheiros e companheiras
remete, portanto, à ação sindical, à OLT -
17
hoje reunidos neste seminário, que sempre
Organização no Local de Trabalho, princípio
defenderam a necessidade de avançar
no debate sobre a saúde, nos marcos da que temos defendido desde a fundação da
seguridade social e, neste contexto, a Central como elemento estratégico das
saúde do trabalhador, compreendida como nossas lutas. A criação da Secretaria vem
um campo de intervenção essencialmente ao encontro desta diretriz – estabelecer
sindical e de caráter multidisciplinar. Tarefa condições para modificar as situações de
sob responsabilidade do companheiro risco, a fim de evitar que os trabalhadores/
Messias Melo, nosso 1º Secretário Nacional as se acidentem e adoeçam.
de Saúde do Trabalhador.
Houve um grande debate sobre
Não resta dúvida de que o debate sobre seguridade social no último período no
seguridade social e a atuação nos espaços Brasil, especialmente no Fórum Nacional
institucionais são questões importantes; da Previdência, uma das primeiras
contudo não podemos perder de vista experiências de diálogo social sobre o
que para a CUT o principal espaço de tema. Tivemos uma atuação importante,
intervenção nas lutas pela saúde é nos locais porém como não temos cultura de diálogo
de trabalho, que é onde homens e mulheres social, todos querem solução rápida. É
são submetidos diuturnamente a situações importante mencionar que países como
que levam ao adoecimento e à ocorrência a Espanha demorou aproximadamente
de acidentes. Saúde do trabalhador 14 anos de diálogo social para construir
19. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
uma proposta articulada. Aqui no deveria resolver todos os problemas
Brasil, infelizmente, só tivemos uma também faliu.
experiência de diálogo social envolvendo
trabalhadores/as, empresários e governo Vivenciamos um momento muito rico no
nesse ponto específico. Infelizmente, não Brasil e no mundo para discutir modelos
teve continuidade. Persistiremos nessa e neste debate duas questões são
batalha. Um dos grandes lutadores da causa extremamente importantes para a classe
da seguridade social, Eduardo Fagnani, trabalhadora no Brasil: uma delas é a Saúde
professor da Unicamp, teve destacada do Trabalhador e a outra é a Seguridade
contribuição nos debates do Fórum Social. Tenho orgulho de participar do
Nacional da Previdência, espaço em que CDES - Conselho de Desenvolvimento
pudemos articular o acúmulo da academia, Econômico e Social e ser convidado por
em especial da Unicamp, com o acúmulo vários países para falar sobre o sistema de
do movimento sindical. proteção social brasileiro. Recentemente
fui à Rússia e aos Estados Unidos.
Temos a satisfação também de ter
convivido com nosso companheiro No CDES, em algumas ocasiões, discutimos
Humberto Costa, que fez um excelente o sistema de seguridade social brasileiro
trabalho no Ministério da Saúde assim com ministros das áreas da saúde, do
como todas as ações do Ministério do desenvolvimento social, do trabalho e
18 Desenvolvimento Social, no campo das da previdência social, juntamente com
políticas públicas de assistência social empresários, governadores e conselheiros,
que geraram a proposta de consolidação muitos dos quais, contraditoriamente,
das leis sociais, transformando os direitos pertencentes àquele grupo que um dia
sociais em política de Estado, um dos depois da promulgação da Constituição
desafios que temos no processo de disputa Federal de 1988 se reuniu para avaliar
por um modelo de desenvolvimento. por onde poderiam começar a destruir os
avanços conquistados na seguridade social.
No Brasil e em todo o mundo rediscutimos Hoje este mesmo grupo se vê obrigado
e disputamos novos modelos de a reconhecer a importância que o atual
desenvolvimento. Se, por um lado, o muro sistema de proteção social brasileiro vem
de Berlim caiu já há alguns anos; também tendo no enfrentamento da crise.
recentemente, em setembro de 2008, caiu o
muro de Wall Street, o muro dos financistas, Participei do Congresso da AFL-CIO, nos
daqueles que aplicaram dinheiro e não Estados Unidos, onde o presidente Obama
produziram nem um parafuso, nem um esteve presente e em sua apresentação
prego, nem uma geladeira, nem um disse ter vergonha de debater com
automóvel, mas ganharam muito dinheiro determinados países, entre eles o Brasil,
com aplicações financeiras. O mercado, o sobre sistemas de proteção social. Eu, que
famoso mercado que, na lógica neoliberal, estava lá ouvindo, fiquei me perguntando:
20. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
como pode o país mais importante do sociedade, são enormes, sem contar o
mundo, com toda tradição e patriotismo sofrimento que imputa aos trabalhadores/
arraigados, dizer que se envergonha em as e suas famílias.
admitir que uma parte importante da sua
população não tem absolutamente nenhum Esses dois temas, Seguridade Social e
sistema de proteção social? Como pode Saúde do Trabalhador, são desafios de
admitir que pessoas idosas e aqueles extrema importância na agenda sindical. A
que não têm condição de pagar o seguro construção de uma plataforma para incidir
saúde estão morrendo pelas ruas? Isto dá na disputa eleitoral que se dará em 2010
um pouco a dimensão da importância do coloca a essencialidade dessa oficina para
debate e dos desafios que temos. aprofundar o debate sobre o tema e elaborar
propostas, bem como para compor a nossa
Em relação à saúde do trabalhador temos, agenda de pressão ao Congresso Nacional
também, um importante acúmulo e um pela aprovação de algumas reivindicações
conjunto de desafios, como a luta pela que consideramos prioritárias.
redução da jornada de trabalho para 40
Uma das bandeiras prioritárias é a
horas, que é não apenas para distribuir os
redução da jornada de trabalho. Uma
ganhos de produtividade acumulado. Na
bandeira para a disputa por um modelo de
Constituição de 1988, reduzimos a jornada
desenvolvimento sustentável, soberano e
de trabalho de 48 para 44 horas. Lembrando
que a reivindicação era redução de 48 para includente. Porque queremos mais tempo 19
40 horas e que, fruto de um acordo, foi para lazer, para a família, para o convívio
reduzida para 44 horas. familiar e para a própria qualificação
profissional. Queremos menos estresse no
A indústria brasileira teve um aumento trabalho! Estamos vivendo para trabalhar,
nos índices de produtividade da ordem de numa sociedade que é a sociedade só do
84,21% desde então. Hoje nós produzimos trabalho. Ora, a esta máxima de que “o
o dobro de automóveis, de geladeiras e de trabalho dignifica o homem” esqueceram
outros produtos com metade do número de acrescentar que enriquece o patrão...
de trabalhadores/as de poucos anos atrás.
E, para não deixar de falar de um setor É preciso mudar o padrão de vida de nossa
em que o ritmo de trabalho e os critérios sociedade, ampliando a sustentabilidade,
de produtividade repercutem gravemente para que o propalado progresso tecnológico
na saúde dos trabalhadores/as, com e qualificação profissional não resultem em
uma enorme incidência de acidentes pessoas cada vez mais estressadas, pelo
e doenças, matamos cinco vezes mais assédio moral, pela pressão por metas,
frangos com provavelmente 45, 50, 60% pela produtividade exacerbada que está
menos trabalhadores/as. O custo social sendo imposta em vários setores. Neste
e econômico dos acidentes de trabalho contexto se inserem a nossa luta pela
à previdência social, à saúde, enfim à saúde, como a que travamos atualmente
21. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
para garantir a implementação do Nexo diariamente com 180 milhões de pessoas!
Técnico Epidemiológico e do FAP – Fator A idéia que é veiculada cotidianamente
Acidentário Previdenciário. pelos meios de comunicação sobre a crise
na Grécia e na Espanha é de que o Estado
Sabemos da dificuldade que temos no de bem estar social europeu gastou muito,
Congresso Nacional, cujo campo de forças é deficitário, sinalizando para reformas
é desfavorável às nossas propostas. Esta é na previdência social brasileira. Este foi o
discurso empresarial no Fórum Nacional
outra missão que temos pela frente, ou seja,
de Previdência!
envidar esforços para renovar o Congresso
e o Senado e para continuar avançando no Nesse debate, é preciso continuar a
processo de mudança. aprofundar questões como a pirâmide
etária, o futuro da população, compreender
Há que se modificar também a lógica
que o Brasil está ficando mais velho,
corporativa ou de interesses específicos necessitando de equilíbrio nas contas
quando se discute os recursos e as políticas públicas, etc. Contudo, o que está por
públicas. Por exemplo, no debate feito trás do discurso conservador é que não
recentemente em relação ao pré-sal, que podemos continuar tendo um sistema
é uma vital para o conjunto da sociedade de proteção social universal no Brasil.
brasileira, foi apresentada uma emenda Foi com este espírito que derrubaram a
para destinar 5% de um recurso que CPMF, um verdadeiro atentado contra os
ainda nem existe para aposentados que recursos da saúde pública. Infelizmente,
20 ganham mais de um salário mínimo. Ora, temos que reconhecer que não tivemos
compreendemos as dificuldades por que correlação de forças suficiente para a
passam os aposentados, mas essa não é disputa, mobilizando para garantir a sua
a nossa proposta! O debate que fazemos continuidade.
sobre o pré-sal é o de utilizar a riqueza
Permanece ainda o debate da Emenda
por ele gerada para combater a miséria,
Constitucional,a EC 29.É uma oportunidade
combater a pobreza, investir massivamente de fazermos a disputa para garantir um
em educação, em ciência e tecnologia e sistema de financiamento estável da saúde
na Seguridade Social, questões que se e este não deve ser um debate só de quem
relacionam com um projeto de nação e não é da área de saúde, dos sindicatos da saúde
de interesses específicos. ou da CNTSS – Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Saúde e Seguridade
A construção de propostas sobre Social. A EC 29 é um debate do conjunto
seguridade social para a Plataforma da da classe trabalhadora brasileira.
CUT para as eleições de 2010 é estratégica.
E é com nossa independência e autonomia, Em se tratando da disputa de modelo
que envidaremos todos os esforços para de Estado, pela democratização do
fazer valer o lado da classe trabalhadora. Estado, no cenário político brasileiro
O que remete ao debate sobre o papel sempre surgem “novidades”. Os jornais
e revistas conservadoras brasileiras ao
do Estado. Enquanto dialogamos com 50,
tratarem da campanha política de Marina
100, 10 mil pessoas, a rede Globo dialoga
Silva cunharam um novo conceito, o de
22. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
“liberalismo sustentável”, ou
seja, “tucanaram” a campanha
dela! A “novidade” agora não é
um debate sobre Estado forte,
ou Estado mínimo. O Estado
deve ser enxuto! O argumento
é a reprisada cantilena de que
é necessário reduzir os gastos
públicos, que o Brasil precisa
investir de 5 a 6% do PIB,
que não é possível o governo
Lula contratar 100 mil novos
servidores públicos, etc. Se
queremos resgatar e fortalecer
o papel público do Estado, não
nos calaremos diante desse
debate! Embora importantes;
estas contratações ainda são
fortalecer os mecanismos de controle
pequenas diante do tamanho da destruição
social.
neoliberal do Estado brasileiro efetuadas
nos anos 1990!
Uma grande disputa está em curso. No
dia 1º de junho realizaremos uma grande
É preciso assegurar que iniciativas como
o PRONAF, Territórios da Cidadania, Luz
assembléia das centrais sindicais, em 21
São Paulo, com aproximadamente 50
para Todos, Bolsa Família, a valorização
mil pessoas no Estádio do Pacaembu.
do salário mínimo, as várias conferências
O objetivo é referendar uma pauta a
realizadas em distintas áreas, a ampliação da
ser entregue para quem tem condições
participação social e outros tantos avanços
efetivamente de implementá-la e impedir
já conquistados no governo Lula, não se
o retrocesso.
restrinjam a políticas governamentais,
correndo o risco de interrupção a cada
Elaborar propostas na área da saúde e
novo mandato. Temos que transformá-
seguridade para a Plataforma da CUT
las em políticas de Estado para garantir a
para as eleições 2010 é uma tarefa desse
sua perenidade. Por isso, é fundamental a
Seminário. Mas também temos uma grande
consolidação das leis sociais.
responsabilidade que é o de defender a
democracia, e ampliando a mobilização,
Outro ponto importante é viabilizar o
avançar em direitos e conquistas,
debate que fizemos no Fórum Nacional da
consolidando o projeto democrático e
Previdência: criar um Conselho Nacional
popular com a eleição da companheira
de Seguridade Social quadripartite, que
articule as ações dos Ministérios do Dilma Rousseff, a primeira mulher
Trabalho,Saúde,Previdência e Assistência presidente da República do Brasil!
Social. Também temos que transformar
determinados fóruns que hoje são
consultivos em deliberativos, além de
23. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Na contramão do mundo:
A experiência brasileira de
seguridade social
Eduardo Fagnani
Doutor em Economia, Professor do Instituto
de Economia e Pesquisador do CESIT
das ações das outras Centrais Sindicais,
mas, sobretudo, na defesa efetiva da visão
dos trabalhadores no Fórum. Um debate
dificílimo: de um lado, empresários; e, de
outro, alguns dos economistas ortodoxos
22 mais radicais. E eu acredito que o resultado
para os trabalhadores foi bastante positivo.
A minha exposição se divide em três
partes:
Foto: Carlos Villalba
• A primeira pretende mostrar que as
conquistas da Constituição de 1988 são
inéditas no mundo. O Brasil caminhou na
B
contramão do mundo, na rota inversa do
om dia a todos os presentes. neoliberalismo
Gostaria de cumprimentar a to-
dos em nome do Artur Henrique, • A segunda idéia é ressaltar que no
presidente da CUT. E ao me dirigir período 1990-2010 vivemos um período
ao Artur, gostaria de explicitar a de tensão entre paradigmas. Por um lado
satisfação de ter participado do processo têm as forças políticas que defendem as
de defesa da Seguridade Social ocorrido conquistas de 88; e, por outro, as forças
no Fórum Nacional da Previdência Social que defendem o estado mínimo.
(2007), do qual você foi uma liderança
notável. • Finalmente, na terceira parte procurarei
apresentar alguns dos desafios que
O Artur teve um papel fundamental naquele temos pela frente para a consolidação
processo, não só na coordenação conjunta das conquistas de 1988.
24. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
1- CONQUISTAS NA Nós fomos salvos pelo momento político.
O notável movimento social que vai
CONTRAMÃO DO MUNDO impulsionar essas mudanças queria
O que acontecia no mundo entre 1975 acertar as contas com a ditadura militar.
e 2008? É a fase da hegemonia do Não havia campo fértil para germinar erva
neoliberalismo como pensamento único. daninha do neoliberalismo.
Reforma do estado, reforço do mercado
Nesse contexto, a partir de meados
privatização, desregulamentação, abertura
dos anos 70, no âmago do processo de
financeira, abertura comercial, ajuste
restauração do Estado Democrático de
fiscal, metas de inflação, Banco Central
Direito, o movimento social formulou um
independente, câmbio flutuante, ajuste
amplo projeto de reformas de caráter
fiscal, superávit primário etc. E do ponto
democrático, desenvolvimentista e
de vista dos princípios norteadores do
redistributivo. O Movimento Democrático
sistema de proteção social? O Estado
Brasileiro (MDB), principal frente de
Mínimo, políticas focalizadas, privatização,
oposição, teve papel destacado na
negação de direitos, seguro social (só
construção dessa agenda. Uma primeira
recebe quem paga) e flexibilização do
versão desse projeto encontra-se
mercado de trabalho.
delineado no documento “Esperança e
Foram quase 40 anos de dominância desse Mudança: uma Proposta de Governo para
pensamento neoliberal, que define um o Brasil”, consolidado pelo MDB em 1982.
plano único de ajustamento para os países
Eram três os núcleos do projeto reformista:
periféricos. Isto ficou conhecido na agenda
a restauração do Estado Democrático de 23
como Consenso de Washington (1989). Um
Direito; a construção de um sistema de
plano único de ajustamento dos países
proteção social, inspirado nos princípios
periféricos.
do Estado de Bem-Estar Social implantado
E a maior parte dos países acabou aderindo nos países europeus nos “anos de ouro”
a esse padrão já no início da década do pós-guerra (1945/75) e a concepção
de 1980. A privatização da Previdência de uma nova estratégia macroeconômica,
no Chile (1981) é um caso exemplar. plenamente direcionada para o
Nas décadas seguintes ocorreram a crescimento econômico com distribuição
privatização da Previdência nos seguintes de renda.
países: Peru (1993), Argentina (1994),
Colômbia (1994), Uruguai (1995), Bolívia Como se sabe, o desaguadouro de parte
(1997), México (1997), El Salvador (1998), desta agenda foi a Constituição de 1988.
Panamá (2002), República Dominicana O Estado Democrático de Direito foi
(2003), 11 Países do Leste Europeu, 2 restabelecido. A Constituição Federal
Países da Ásia e Nigéria (2005). também consagrou princípios e diretrizes
que apontavam no sentido da construção
E o que ocorreu no Brasil? Caminhamos das bases do Estado de Bem-Estar Social.
na rota inversa, na contramão do mundo. Se a sociedade brasileira teve êxito na
Desenhamos aqui um modelo de proteção viabilização desses núcleos, o mesmo
social baseado no Estado de Bem-Estar não se verificou no tocante ao desenho
Social implantado pela social democracia de uma nova estratégia macroeconômica.
européia no pós-Guerra (1945/1975). Não avançamos na construção das bases
25. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
financeiras que dariam sustentação para contraposição ao seguro social) e da
cidadania recém conquistada. Como se compreensão da questão social como um
sabe,o Brasil acumula 26 anos de estagnação direito da cidadania (em contraposição ao
da economia e de agravamento da crise assistencialismo). Para financiar os novos
social. Esse quadro tem apresentado direitos, a Carta instituiu novas fontes
crescentes limites financeiros para a de financiamento não reembolsáveis e
manutenção das conquistas populares no vinculadas aos programas sociais.
campo da proteção social.
A Constituição inovou em diversos pontos.
Esse é o pano de fundo para se compre- Uma das mais expressivas foi a instituição
ender a questão do financiamento da Seguridade Social (previdência urbana
da seguridade social. De um lado, na e rural, saúde, assistência social e seguro-
contramão do neoliberalismo, o movimento desemprego).
social construiu um formidável sistema de
proteção social no Brasil. De outro, desde Para financiar a Seguridade Social, os
meados dos anos 80 a economia brasileira constituintes instituíram o Orçamento
esteve semi-estagnada e submetida à uma da Seguridade Social, que vinculou um
política monetária e fiscal restritivas que conjunto de fontes de financiamento à
explodiram o endividamento e estreitaram cobertura dos novos direitos sociais,
as possibilidades do financiamento baseadas em contribuições (folha de
público em geral. salários e Pis-Pasep) e impostos, criados
em 1988 para esse fim (CSLL e COFINS).
24
A Seguridade Social na Constituição
de 1988
A Constituição de 1988 representou
etapa fundamental – embora inconclusa
– da viabilização do projeto das reformas
socialmente progressistas. Com ela,
desenhou-se pela primeira vez na história
do Brasil, o embrião de projeto inspirado
no Estado de Bem Estar Social. Seu âmago
reside nos princípios da universalidade
(em contraposição à focalização
exclusiva), da seguridade social (em
26. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Orçamento da Seguridade Social
RESULTADO DA SEGURIDADE SOCIAL - 2000 a 2006
Valores correntes em R$ milhões
RECEITA(1) 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
CONTRIBUIÇÃO P/ INSS 55.715 61.060 71.028 80.730 93.765 108.434 133.015
COFINS 38.707 45.507 50.913 58.216 77.593 87.902 92.475
CPMF 14.395 17.157 20.265 22.987 26.340 29.230 32.090
CSLL 8.750 9.016 12.507 16.200 19.575 26.323 28.116
RECEITA DE CONCURSOS DE PROGNÓSTICOS 923 1.028 1.062 1.276 1.450 1.564 1.410
PIS/PASEP (2)
5.791 6.700 7.498 10.011 11.650 13.228 14.566
TOTAL DA RECEITA 124.281 140.468 163.273 189.420 230.373 266.681 301.672
DESPESA(3)
ASSISTÊNCIA SOCIAL 4.442 5.298 6.513 8.416 13.863 15.806 21.551
SAÚDE 20.270 23.634 25.435 27.172 32.973 36.483 39.736
PREVIDÊNCIA (4)
67.544 77.584 89.380 109.625 125.901 144.918 156.257
ABONO E SEGURO DESEMPREGO 4.636 5.635 7.062 8.074 9.471 11.337 11.927
TOTAL DA DESPESA 96.892 112.151 128.390 153.287 182.208 208.544 229.471
RECEITA - DESPESA 27.389 28.317 34.883 36.133 48.165 58.137 72.201
RECEITA COM DRU (5)
. DESPESA 13.675 12.435 16.434 14.395 20.844 26.488 38.470
25
Os constituintes de 1988 não inventaram a seguridade social no bloco dos 15 países
roda. Seguiram o padrão universal clássico mais ricos da Europa são compostas, em
para financiar a seguridade social baseado média, por 38,3% da contribuição dos
na contribuição tripartite (empregados, empregadores, 22,4% pela contribuição
empregadores e governo). Observe- dos empregados e 35,8% da contribuição
se que as fontes de financiamento da do governo (impostos).
Composição das Despesas - %
Países Total % PIB
Empregadores Empregados Impostos Outras
Alemanha 36,9 28,2 32,5 2,4 100,0 29,5
Áustria 37,1 26,8 35,3 0,8 100,0 28,7
Bélgica 49,5 22,8 25,3 2,4 100,0 26,7
Dinamarca 9,1 20,3 63,9 6,7 100,0 28,8
Espanha 52,7 16,4 26,9 4,0 100,0 20,1
Finlândia 37,7 12,1 43,1 7,1 100,0 25,2
França 45,9 20,6 30,6 2,9 100,0 29,7
Grécia 38,2 22,6 29,1 10,1 100,0 26,4
Irlanda 25,0 15,1 58,3 1,6 100,0 14,1
Itália 43,2 14,9 39,8 2,1 100,0 25,2
Luxemburgo 24,6 23,8 47,1 4,5 100,0 21,0
P. Baixos 29,1 38,8 14,2 17,9 100,0 27,4
Portugal 35,9 17,6 38,7 7,8 100,0 22,7
Reino Unido 30,2 21,4 47,1 1,3 100,0 26,8
Suécia 39,7 9,4 46,7 4,2 100,0 32,3
Europa dos 15 38,3 22,4 35,8 3,5 100,0 27,3
Fonte: Eurostat
27. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Desde 1934 o Brasil segue esse modelo jamais engoliram a dura derrota sofrida
clássico. A Lei Orgânica da Previdência na Constituição Federal de 1988, fruto
Social – LOPS (1961) e a ditadura militar do extraordinário movimento social que
(1964-1985) reafirmaram esse princípio. lutava contra a ditadura militar, liderado
O Orçamento da Seguridade Social (OSS) pelo saudoso Deputado Ulysses Guimarães
aperfeiçoa esse modelo. Reúne um conjunto presidente do Movimento Democrático
de impostos e contribuições, seguindo o Brasileiro – MDB.
modelo tripartite: recursos dos empregados
e empregadores (sobre a folha de salários Desde a Assembléia Nacional Constituinte
para a previdência) e do governo (fiscais (ANC) o argumento de que os custos
e contribuições das empresas sobre o financeiros da seguridade social são
lucro, sobre o faturamento e sobre parte “insustentáveis”, “explosivos” e levarão o
do Pis-Pasep dentre outras). Mais do que país à “catástrofe” fiscal são recorrentes.
isso, é importante realçar que tanto a O argumento é de uma simplificação
Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), rudimentar: sempre que a contribuição
como a Contribuição sobre o Faturamento dos empregados e empregadores para
das Empresas (COFINS), faziam parte da a previdência social não é suficiente
agenda do movimento social do início dos para bancar os gastos da seguridade e o
anos 80 e foram novas receitas criadas em governo tem de contribuir com a sua parte
1988 com o fim especifico de financiar a ou utilizar recursos da CSLL e do COFINS,
Seguridade Social. emerge o temível “déficit” da previdência
social, um tsunami devastador que levará
26 O que motivou os constituintes a
vincular constitucionalmente fontes de
de roldão o ajuste fiscal, a estabilidade e
os “sólidos” fundamentos da economia.
financiamento para a seguridade? Foi Nesses malabarismos estatísticos
contrapor-se a uma prática da ditadura cometem um pecado capital: renegam a
militar, que não cumpria com a sua existência da Constituição da República
parte, deixando de integralizar recursos e os fundamentos do Estado Democrático
fiscais para a previdência, assistência e de Direito.
saúde. E, sempre que a contribuição dos
empregados e empregadores cobria
essas despesas, o Tesouro capturava
o excedente. A previdência financiava A Tese do País Ingovernável
a política econômica e não o inverso. Observe-se que em meados de 1988, uma
Como se sabe, os governos democráticos das últimas cartadas para tentar obstruir
reeditaram essa prática, em grande estilo. os avanços sociais na Assembléia Nacional
Portanto, quando o Tesouro Nacional Constituinte foi capitaneada pessoalmente
aporta recursos fiscais ou recursos da pelo presidente da República. Num ato
CSLL e do COFINS para o Regime Geral emblemático e desesperado, quando teria
de Previdência Social (INSS urbano e início a votação da última fase dos trabalhos
rural) e para a saúde e a assistência social da Assembléia Nacional Constituinte –
(Loas), não se trata de ‘déficit’ mas, sim, de durante a qual só se admitiam emendas
cumprir a parcela de responsabilidade que de caráter supressivo ou levemente
cabe ao Estado, prevista na Constituição corretivo – o presidente Sarney, em uma
da República. Todavia, os conservadores derradeira tentativa para modificar os
28. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
rumos do processo constituinte, fez um sistema tripartite, não aportando recursos
pronunciamento em cadeia nacional de previstos Orçamento da Seguridade
rádio e televisão, no qual pretendia “alertar Social capturados para financiar a dívida
o povo e os constituintes” para “os perigos” pública e repetindo expedientes do
que algumas das decisões contidas no regime militar. Assim, só a partir de 1997
texto já aprovado representavam para é que as contas do INSS começaram a
o futuro do país. A principal tese então apresentar saldos negativos.
defendida pelo presidente da República
era que o país tornar-se-ia “ingovernável” Outro aspecto olimpicamente desconsiderado
caso se mantivesse o texto aprovado em pelos porta-vozes do contra-reformismo
primeiro turno. (Sarney vai à TV criticar o neoliberal é que, dentre os principais
projeto. Gazeta Mercantil. 27/7/1988). condicionantes estruturais dos desequilíbrios
financeiros da previdência, estão as
O discurso de Sarney teve intensa renúncias fiscais, a estagnação econômica e
repercussão e provocou críticas e aplausos, a desorganização do mercado de trabalho,
de progressistas e conservadores. implícitos ao modelo de estabilização
Entretanto, nada se comparou à econômica adotado. Baixa atividade
memorável defesa dos trabalhos da ANC econômica, desemprego, aumento
feita por seu presidente, o deputado do trabalho informal, flexibilização
Ulysses Guimarães, rebatendo de forma do mercado de trabalho, todos esses
categórica as ameaças que Sarney
processos engendrados como estratégia
fizera na noite anterior. A Constituição
será a “guardiã da governabilidade”,
macroeconômica e de reforma do Estado, 27
de corte liberalizante, reduziram a
sentenciou Ulysses. É nesse discurso e
arrecadação do INSS, ancorada na massa
contexto que Ulysses intitulou a Carta
de salários do mercado formal. Basta isso,
de 1988 como a “Constituição cidadã”
(Ulysses Guimarães (Discurso). “Esta para que se conheçam as verdadeiras
constituição terá cheiro de amanhã, não causas do dito ‘déficit’.
de mofo”. Folha de S.Paulo, 28/7/1989).
Por outro lado, a proteção social
Após quase 20 anos, não se pode afirmar proporcionada pela seguridade social
que a seguridade social tenha quebrado o é, hoje, um dos principais pilares da
país. Ou ainda, que ela seja o principal vilão governabilidade, como profetizou o
do ajuste fiscal e do desgoverno do País. saudoso deputado Ulysses Guimarães.
Contrariando os que advogavam a tese de O Legado da Constituição de 1988 é
que o Brasil seria “ingovernável”, até 1997 extraordinário:
as contribuições dos empregadores e dos
trabalhadores para a previdência foram • Entre 1990 e 2007 a mortalidade
suficientes para financiar as despesas, infantil no Brasil, caiu de 47 para
gerando saldos financeiros positivos. 14 (1000 crianças nascidas vivas).
Nesse contexto – como se viu acontecer No Nordeste de 75 para 27. O SUS
durante a ditadura –, a União eximiu- representou uma mudança no padrão
se de cumprir sua responsabilidade no de saúde.
29. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Mortalidade Infantil
• Em termos de Seguro Desemprego nós temos hoje algo em torno de seis milhões de
segurados. Não é pouca coisa.
28
Seguro-desemprego TABELA 94
BRASIL 1997- 2007
Valor emitido
Taxa de dos benefícios Valor médio do
ANO Requerentes Segurados habilitação (em milhões de benefício em
(em %) moeda corrente) salários mínimos
1997 4.426.718 4.400.738 99,4 3.451,04 1,57
1998 4.398.302 4.357.528 99,1 4.056,87 1,56
1999 4.416.358 4.315.593 97,7 3.834,85 1,55
2000 4.260.699 4.176.004 98,0 4.053,43 1,51
2001 4.772.779 4.686.756 98,2 4.808,31 1,48
2002 4.884.001 4.803.535 98,4 5.677,88 1,42
2003 5.051.407 4.971.712 98,4 6.616,84 1,38
2004 4.892.760 4.812.008 98,4 7.020,92 1,39
2005 5.473.693 5.362.968 98,0 8.770,73 1,36
2006 5.857.041 5.749.511 98,2 10.302,10 1,31
2007 6.275.716 6.149.789 98,0 12.497,14 1,29
TOTAL 54.709.474 53.786.142 98,3 71.090,11 1,44
Fonte: MTE Coordenação Geral do Seguro Desemprego e Abono Salarial
Elaboração: DIEESE
Obs: Dados enviados por e-mail em 4 de julho de 2008
30. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Entre 1988 e 2009, o número de benefícios o Não pode haver dúvidas acerca do
Regime Geral da Previdência Social (RGPS) formidável efeito distributivo desses
aumentou de 11 para 25 milhões. Em 2006, programas. Esse caráter fica ainda mais
desse total de aposentadorias e pensões, evidente se também contabilizarmos os
cerca de 14,3 milhões correspondem aos seus beneficiários indiretos. Segundo o
trabalhadores urbanos (INPS Urbano); IBGE (Pnad, 2001), para cada beneficiário
7,3 milhões, aos trabalhadores rurais direto há 2,5 beneficiários indiretos,
(Previdência Rural); e 2,9 milhões, aos membros da família. Dessa forma, o
benefícios assistenciais voltados aos INPS urbano, a Previdência Rural e o BCP
grupos mais vulneráveis, com destaque beneficiam, direta e indiretamente, cerca de
para o programa Benefício de Prestação 86 milhões de pessoas.
Continuada (BCP/LOAS).
Evolução da Quantidade de Benefícios
Emitidos pela Previdência Social
Em milhões de benefícios - 2000 a 2009 (dezembro)
29
Fontes: Anuário Estatístico da Previdência Social - AEPS; Boletim Estatístico da Previdência Social – BEPS. Elaboração: SPS/MPS.
Obs.: Os benefícios assistenciais, embora operacionalizados pelo INSS, estão sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Aqui que está parte da força consumo pelo menos, como uma fonte de renda.
interno – principal motor da dinâmica da Segundo dados da CEPAL, a média da
economia nos últimos anos. A economia cobertura na América Latina é de 30% dos
que está crescendo pelo consumo interno. idosos. Na década dos 90, a participação
Isso é um aspecto importantíssimo: 69% da renda da Seguridade na composição da
dos benefícios equivalem a salário mínimo. renda familiar urbana passou de 10% para
24%; e, na renda familiar rural, de 9 para
A cobertura no Brasil é elevada: cerca de 26%. Sem a Seguridade 70% dos idosos
80% dos idosos no Brasil têm pelo menos a estariam abaixo da linha de pobreza (ante
aposentadoria como fonte de renda. Ou seja, os 10% atuais). Sem esses progressos, hoje,
80% dos idosos no Brasil têm a Previdência, o país poderia ser “ingovernável”.
31. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
2- TENSÕES ENTRE O cenário hostil, a partir de 1990 e até
nossos dias, não impediu que parcela
PARADIGMAS (1990/2010): significativa das conquistas sociais de
ESTADO MÍNIMO X ESTADO 1988 fosse consagrada. O legado dos
DE BEM-ESTAR SOCIAL movimentos sociais foi a construção de
um razoável sistema de proteção social
Na trajetória da política social brasileira conquistado na contramão do pensamento
nas últimas cinco décadas é possível neoliberal hegemônico em escala mundial
identificar dois movimentos opostos. O e do movimento em direção ao Estado
primeiro aponta o rumo da estruturação Mínimo a que foram submetidos, via
das bases institucionais, financeiras e de de regra, os países subdesenvolvidos,
proteção características do Estado de Bem- incluindo os da América Latina.
Estar Social em nosso país. Esse processo
ganhou impulso a partir de meados dos
anos 70, no âmago da luta social pela
O Movimento Inspirado no Estado
redemocratização do Brasil. Foi conduzido
pelo amplo movimento social e popular
de Bem-Estar Social
que se opunha ao Regime Militar. Essa A Constituição inovou em diversos
longa travessia desaguou na Constituição pontos. Um dos mais expressivos foi
de 1988. a Seguridade Social, integrada pelos
setores Saúde, Previdência Social,
O segundo aponta na direção contrária:
Assistência Social e Seguro-Desemprego.
tentar impedir a consumação daquelas
Inspirada na experiência inglesa do
30 bases esboçadas em 1988. Após as
primeiras contramarchas (nos últimos
pós-Guerra, especialmente o Plano
Beveridge, é baseada na solidariedade
anos da transição democrática), esse
social: o acesso aos bens e serviços
movimento ganhou vigor, a partir de
independe da capacidade de pagamento
1990. Desde então, abriu-se um novo ciclo
dos indivíduos. Selou-se um pacto social
de reformas liberais e conservadoras.
pelo qual os impostos – que deveriam
Os princípios que orientam o contra-
ser pagos pelos mais ricos – financiariam
reformismo neoliberal na questão social
os direitos dos indivíduos com inserção
eram radicalmente antagônicos aos da
social mais vulnerável. Esse princípio
Carta de 1988.
permitiu incorporar mais de 7 milhões de
Mesmo submetido a tensões entre para- aposentados rurais e mais de 3 milhões de
digmas tão antagônicos, o caso brasileiro beneficiários da LOAS – Lei Orgânica de
é inédito dentre os países de capitalismo Assistência à Saúde, além de assegurar o
tardio. Conquistamos a cidadania social acesso universal e gratuito dos cidadãos
na contramão do pensamento neoliberal, aos serviços do Sistema Único de Saúde.
hegemônico no mundo desde o final dos anos
Em suma, a Constituição de 1988
70. Em grande medida, isso decorreu do fato
representou etapa fundamental – embora
de que a agenda da redemocratização do
inconclusa – da viabilização do projeto
País, impulsionada pelo movimento social
das reformas socialmente progressistas.
a partir de meados dos anos 70, não abriu
Com 40 anos de atraso, desenhou-se com
brechas políticas para os experimentos
a Constituição de 1988, pela primeira vez
neoliberais – pelo menos até o final dos
na história do Brasil, o embrião de um
anos 80.
32. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Estado de Bem-Estar Social, universal e reformistas conservadores, o Brasil é um
equânime. Seu âmago reside nos princípios “país rico”. Recursos existem, mas são ‘mal
da universalidade, da solidariedade, da distribuídos’, posto que são apropriados
seguridade e da compreensão da questão pelos mais “abastados”. O seguro-
social como um direito da cidadania (em desemprego, por exemplo, é tido como um
contraposição à caridade, à filantropia privilégio inaceitável, apropriado pelas
e ao assistencialismo). Para financiar os “elites dos trabalhadores” (aqueles que
novos direitos, a Carta instituiu e vinculou possuem carteira de trabalho). A ‘solução’
constitucionalmente fontes de financiamento para “erradicar” a pobreza é simples:
não reembolsáveis e vinculados aos setores destruir de vez o aparato conquistado
que compõem a Seguridade Social. em 1988, que seria acessível apenas para
os “privilegiados que estão no topo da
pirâmide de distribuição da renda” (os que
O Movimento Inspirado no Estado ganham mais de R$ 500,00) e transferir esses
Mínimo recursos para os programas focalizados.
O segundo movimento aponta na direção Aqui abro parênteses: Poucos sabem que,
contrária: o de tentar impedir a consumação na pirâmide da distribuição da renda do
daquelas bases esboçadas em 1988. Após as trabalho, elaborada pelo IBGE, os 20% mais
primeiras contramarchas (nos últimos anos ricos são os indivíduos com rendimentos
da transição democrática), esse movimento superiores a cerca de R$ 500,00; e os 10%
ganhou vigor, a partir de 1990. Desde então, mais ricos, os que auferem renda superior
abriu-se um novo ciclo de reformas liberais a R$ 800,00. Os verdadeiros ricos no Brasil
e conservadoras, que no campo social, escondem suas riquezas e não aparecem nas
pesquisas oficiais, como a Pnad, que capta
31
visava, em última instância, a enterrar as
conquistas sociais de 1988 e a implantar o apenas a renda do Trabalho. Na última Pnad,
Estado Mínimo. por exemplo,somente 14 entrevistados,numa
amostra de 410.241 pessoas declararam
Dessa forma, desde o final dos anos 80 e ter rendimentos mensais superiores a R$
até hoje, a política social brasileira vem 50 mil (0,005% do total) (Antônio Gois,
sendo submetida a tensões entre dois Muitos ricos escondem renda em pesquisa.
paradigmas antagônicos: o Estado Mínimo Folha de S.Paulo, 21/10/07). De acordo com
versus o embrionário Estado de Bem-Estar Estudo da Merrill Lynch e da Capgemini “o
Social; a seguridade social versus o seguro número de milionários (pessoas com mais
social; universalização versus a focalização; de US$ 1 milhão) no Brasil cresceu 10% no
a prestação estatal dos serviços versus ano passado em relação a 2005, passando
privatização; os direitos trabalhistas versus a para 120 mil pessoas, uma aceleração mais
desregulamentação e flexibilização. rápida que a média mundial, de 8,3%.
(Robison Borges, O que faz os ricos, ricos.
Para os defensores do Estado Mínimo1, o Caderno EU&, Valor, 23/11/07)
gasto social aplicado em políticas universais
é o vilão da estabilidade da moeda e das Outra impropriedade, segundo os defen-
contas públicas. Além de ‘elevado’ ante sores do Estado Mínimo: o gasto social seria
a experiência internacional, ele seria apropriado uma casta de ‘velhos’, ‘marajás’
apropriado pelos ‘ricos’. Aos olhos dos e ‘vagabundos’, em detrimento da educação
1
Consultar, especialmente: Henriques (org.) (2000); Paes de Barros e Fogel (2000); Ferreira e Litchfield (2000); Néri (2000 e 2004);
Scheinkman e outros (2002); Giambiagi, Reis e Urani (org.) (2004); e Paes de Barros e Carvalho (2004).
33. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
das crianças, tido pelos conservadores hum salário mínimo (R$ 380,00)? Não.
como o único caminho possível para a Seguem os parâmetros determinados pelo
distribuição da renda. Mais do que isso, a Banco Mundial. Aqui a tecnocracia arbitrou
renda das famílias aposentadas induziria que a linha que divide os miseráveis dos
o ócio dos jovens. Segundo Camargo e afortunados é a renda de R$ 120,00. Quando
Reis (2007), por exemplo, após finalmente se diz que a pobreza no Brasil foi reduzida,
reconhecerem que os rendimentos com significa que alguns indivíduos passaram
aposentadorias e pensões representam a ganhar mais de R$ 120. Quem passou a
uma parcela importante da renda de ganhar R$ 150, por exemplo, “deixou de
muitos domicílios no Brasil, constatam que ser pobre” e teria adentrado o admirável
os elevados valores desses benefícios, mundo da prosperidade. Tornou-se rico.
aumentam a renda domiciliar per capita. Parcela da pobreza no país foi “erradicada”.
Todavia, esse fato extremante positivo Um único exemplo: somente com passagens
tem seu lado perverso: podem influenciar de transporte público, um trabalhador gasta
as decisões dos jovens moradores dos mais de R$ 200 por dia em metrópoles como
domicílios quanto a trabalhar e estudar. De São Paulo.
acordo com os autores, o aumento na renda Logo, para os defensores do Estado Mínimo,
domiciliar proveniente de aposentadorias qualquer programa social que tenha
e pensões reduz a taxa de participação dos impactos sobre a população que ganhe
jovens na força de trabalho. Os resultados mais de R$ 120 (o seguro-desemprego
também indicam que essa redução na
ou a previdência social, por exemplo) é
participação está associada a um aumento na
considerado não “focalizado”, benéfico
32 proporção de jovens estudando. Entretanto,
as evidências também indicam que
aos “ricos” e “perpetuador da armadilha
da desigualdade”. Devem ser, portanto,
rendimentos com aposentadorias e pensões
aniquilados, e seus recursos transferidos
aumentam a probabilidade de que os jovens
não estejam estudando nem participando do para os programas de transferência de
mercado de trabalho (grifos meus). renda voltados aos “mais pobres”, aqueles
que recebem menos de R$ 120 por mês.
Com a destruição das políticas universais
que beneficiariam os ricos, seria possível
O Fundamentalismo de uma “erradicar” a pobreza. Teríamos, assim, uma
Nota Só massa de afortunados que receberiam, por
Assim, para “erradicar a pobreza”, os exemplo, R$ 200 mensais.
fundamentalistas de uma nota só defendem Os pesquisadores desse matiz
uma única estratégia: programas focalizados desconsideram o crescimento econômico e
de transferência de renda. Elegem um único os seus impactos sobre o emprego e a renda.
público-alvo: as famílias que estão “abaixo Desqualificam a importância da reposição
da linha de pobreza”. do valor real do salário mínimo. Descartam
Como definir quem está abaixo da linha a necessidade de políticas sociais que
de pobreza? Seriam aqueles que ganham assegurem direitos universais. Em suma, o
menos que o salário mínimo necessário de fundamentalismo de uma nota só defende
R$ 1.780,00 calculados pelo Dieese? Seriam que apenas com políticas “cientificamente
aqueles que recebem menos da metade da focadas” será possível pôr “fim à exclusão
renda média do país, como faz a OCDE? social” e “erradicar” a pobreza.
Seriam aqueles que recebem menos de
34. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
Em tempos de ressurgimento da filantropia, auto-intitulados “economistas da pobreza”.
do Terceiro Setor e da Responsabilidade Lamentavelmente, essa perspectiva
Social, a sofisticação técnica, a competência equi-vocada tem sido preconizada por
em convencer o senso comum com o instituições internacionais de fomento
irresistível apelo de que estão fazendo uma (Banco Mundial, 2001, por exemplo) e
opção preferencial pelos pobres camufla defendida por inúmeros especialistas,
algo que não é perceptível para os incautos: alguns já mencionados. E, não se pode
trata-se, ao contrário, de competente e acusar o atual Governo Brasileiro de estar
sedutora versão adaptada aos trópicos da cometendo esse equívoco.
agenda em favor do Estado Mínimo pela via
da destruição do embrião do Estado de Bem-
Estar Social. Não são defensores dos pobres, Retrocesso nos Direitos
como se autodenominam. São instrumentos
de um modelo macroeconômico excludente
Previdenciários
que busca, em última instância, o ajuste É neste contexto de fortalecimento do
fiscal pela subtração de gastos sociais pensamento neoliberal no Brasil, que foi
universais, tidos como “perpetuadores de realizada a reforma da Previdência em 1998.
privilégios” e principais responsáveis pela A Emenda Constitucional n.20 enterrou
contínua “explosão” dos gastos correntes e parcialmente o legado da Constituição de
da projetada “catástrofe” fiscal. 1988.Dentre o conjunto de medidas adotadas
destacam-se: substituiu-se a comprovação
Políticas de transferência de renda são
do “tempo de serviço” pelo “tempo de
mais baratas que políticas universais que
contribuição”; eliminou-se a aposentadoria
asseguram padrões mínimos e dignos de
cidadania. Observe-se que o gasto anual
proporcional; desvincularam-se o benefício 33
previdenciário e o salário mínimo, para os
com o Programa Bolsa Família é de cerca
benefícios acima do piso; e rebaixou-se
de R$ 10 bilhões, enquanto os gastos
o teto nominal dos benefícios. Por razões
previdenciários (INSS e Previdência Rural)
de espaço, comentamos aqui apenas as
atingem mais de R$ 160 bilhões. Esta é
mudanças introduzidas na idade mínima e
verdadeira razão que move a suposta opção
no tempo de contribuição.
preferencial pelos mais pobres, que há
mais de duas décadas tem sido defendida Para os contra-reformistas, uma das
com tenacidade pelo Banco Mundial, FMI, distorções do Regime Geral da Previdência
demais instituições que pregam a cartilha Social (RGPS) era a aposentadoria em idade
neoliberal seguida à risca pela ortodoxia considerada precoce. Essa crítica estava
econômica brasileira. Dirigem-se ao senso parcialmente correta. De fato, não houve
comum e sua maior competência é passar consenso na ANC para introduzir o limite
para a opinião pública e para a mídia os de idade (55 anos para aposentadoria). Sem
seus propósitos visando à “justiça social”. a fixação da idade mínima, prevaleceu a
aposentadoria “por tempo de serviço” aos
Entendo que uma efetiva estratégia de
35 anos para o homem e aos 30 anos para a
combate à pobreza no Brasil não pode
mulher.
prescindir de programas emergenciais
focados naqueles que estão à margem do Todavia, para corrigir esta distorção, a EC n.
trabalho e submetidos à miséria extrema. 20/98 proposta pelo Executivo preconizava
O equívoco é pretender fazer desse eixo regras draconianas de acesso: acumulavam
a própria ‘estratégia’ de enfrentamento idade mínima (65 anos para homens e
do problema social, como preconizam os de 60 anos para mulheres) mais tempo
35. Seguridade Social, Desenvolvimento e Saúde
de contribuição (35 anos para homens e caso, até que os contribuintes atinjam 65/60
30 anos para mulheres). Felizmente, não anos, passou a incidir o chamado “fator
houve consenso em torno desse ponto previdenciário” (criado em 1999) que
no Congresso Nacional. Com o texto final suprime parcela do valor do benefício e
aprovado, a partir de 1998 passaram a existir posterga o início da aposentadoria.
duas alternativas para a aposentadoria:
Assim, tanto a idade mínima (65 e 60
• a aposentadoria “por idade” – 65 anos anos) quanto o tempo de contribuição
para homens e 60 anos para mulher, além (35 e 30 anos) são elevados em relação
da exigência de contribuição mínima por aos padrões estabelecidos em países
15 anos; e desenvolvidos. A vigência dessas regras
mostra-se paradoxal, se consideramos
• a aposentadoria “por tempo de que não há como demarcar qualquer
contribuição” – 35/30 anos e idade mínima equivalência entre esses países e o nosso
de 53/48 anos. Nesse caso, até que os contexto socioeconômico e demográfico
contribuintes atinjam 65/60 anos, passou a de capitalismo tardio. A implicação desse
incidir o chamado “fator previdenciário”, quadro é óbvia para a proteção social: a
criado posteriormente (1999), que maior parte dos trabalhadores brasileiros
suprime parcela expressiva do valor do dificilmente terá condições de comprovar
benefício, incentivando a postergação da tempo de contribuição para o sistema de
aposentadoria. previdência.
No caso da “aposentadoria por idade”,
conseguiu-se transpor para este nosso
34 país de miseráveis padrões semelhantes
ou superiores aos existentes em países
3- DESAFIOS PARA A PRÓXIMA
desenvolvidos. A idade mínima de 65 anos DÉCADA 2010/2019
não era adotada sequer em países como a Vivemos um momento ímpar para consolidar
Bélgica, Alemanha, Canadá, Espanha, França as conquistas sociais da Constituição de 1988.
e Portugal (60 anos) e os EUA (62 anos), por No campo político e ideológico emergiu
exemplo; e equivale ao parâmetro seguido um cenário favorável para a ampliação do
na Suécia, Alemanha, Finlândia e Áustria (65 papel do Estado na economia e na regulação
anos), por exemplo. A própria Organização dos mercados. O colapso financeiro
Mundial de Saúde (OMS) faz uma distinção, internacional (2008) interrompeu um longo
ao definir a população idosa, entre países ciclo de hegemonia do neoliberalismo
desenvolvidos (acima de 65 anos) e países em escala global. Muitos dos dogmas do
em desenvolvimento (acima de 60 anos) “pensamento único” caíram por terra.
(FIBGE, 2002:9). Instituições como BIRD e FMI reconhecem
No caso da “aposentadoria por tempo o fracasso das políticas inspiradas pelo
de contribuição”, passou-se a exigir a Consenso de Washington. Este cenário
comprovação de 35 anos para os homens e abre uma oportunidade histórica
de 30 anos para as mulheres. Esse patamar para a ampliação do papel do Estado na
é superior ao estabelecido, por exemplo, consolidação do sistema de proteção social
na Suécia (30 anos) e a Finlândia (30 a 39); consagrado pela Constituição de 1988.
e se aproxima do nível vigente em outros: Uma agenda neste sentido foi construída por
EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha (35 um conjunto de especialistas e entidades
a 40) e França (37,5), dentre vários. Nesse do movimento social que emergiram do