Este documento resume um processo judicial sobre um mandado de segurança impetrado por dez vereadores da cidade de Caruaru em Pernambuco. Os vereadores tiveram suas funções suspensas por ordem judicial no curso de uma investigação criminal. Eles alegam que a suspensão feriu seus direitos e não foi devidamente fundamentada. O relator do processo entende que a suspensão dos mandatos não foi justificada conforme exigido por lei e concede liminarmente a suspensão da decisão até o julgamento final.
1. PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
GABINETE DÊS. GUSTAVO AUGUSTO RODRIGUES DE LIMA
Mandado de Segurança n:
Impetrante:
Advogado:
Impetrado:
Órgão Julgador:
Relator convocado:
0000338-38.2014.8.17.0000 (324.875-5)
Aníbal Eduardo de Miranda Cantarei!! e outros
Márcio José Alves de Souza
Juízo da 4a Vara Criminal da Comarca de Caruaru
4a Câmara Criminal
Dês. Fausto Campos
DECISÃO:
Aníbal Eduardo de Miranda Barros Cantarelli, Averaldo Ramos da
Silva Neto; Cecílio Pedro da Silva, Erivaldo Soares Florêncio, Jadiel José do
Nascimento, Jaílson Soares de Oliveira Batista, José Evandro Francisco da Silva,
José Givaído Francisco de Oliveira, Joseval Lima Bezerra e Lourinado Florêncio
de Morais impetraram mandamus apontando como autoridade coatora o
Juízo da 4a Vara Criminal da Comarca de Caruaru, por haver, nos autos do
Proc. n. 0017994-57.2013.8.17.0480, proferido decisão que lhes impôs a medida
cautelar de suspensão do cargo público da vereança, atendendo o direito
líquido e certo dos impetrantes ao exercício dos "mandatos populares
legitimamente conquistados em eleições democráticas",
Os impetrantes alegam que o ato ora atacado além de ferir o
direito líquido e certo de exercerem seus mandatos eletivos, está ausente de
fundamentação suficiente em ofensa ao art. 93, inc. IX da Carta Federal.
Afirma que a decisão objurgada em nenhum momento
demonstrou que a permanência dos impetrantes nos cargos traria óbice à
coleta de provas ou à instrução processual, pressupostos legais indispensáveis à
imposição da medida, neste sentido colaciona julgados.
Arrimam também o pleito em dispositivos da Lei n. 12.850/2013,
que define organizações criminosas e na Lei de Improbidade Administrativa,
que prevêem o afastamento do cargo "quando a medida se tizer necessária à
investigação ou instrução processual".
Nessa toada, por entenderem presentes o fumus boni iuris e o
pericuium in mora pleiteiam a concessão liminar para que seja suspenso o ato
impugnado até o julgamento final do mandamus e, ao final, a concessão da
segurança para restituir aos impetrantes a plenitude de seus direitos.
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Vieram-me os autos conclusos. Passo a decidir.
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No caso em apreço, o Juízo da 4° Vara Criminal da Comarca de
Caruaru, com fulcro no art. 319, VI do CPP e art. 2°, § 5° da Lei n. 12.850/2013,
determinou o afastamento dos impetrantes dos cargos públicos de vereadores
daquela urbe, para os quais foram eleitos em escrutínio popular, por entender
que as condutas a eles atribuídas configurariam, em tese, os delitos do art. 316
do CP (concussão) e do art. 1°, §1° da Lei 12.850/2013 (organização criminosa).
A decisão vergastada restou assim fundamentada:
Entendo necessária a fixação de medidas cautelares congruentes
com a gravidade do delito, e sobretudo, no presente caso, viáveis a
garantir a ordem pública. Explico-me:
Constam nos autos não só fundamentos para a medida cautelar, mas
também para a prisão preventiva dos investigados. Ora, suas condutas
são amplamente repudiáveis, a ponto de exigir um decreto
preventivo, o que não inibe, proíbe ou prejudica o afastamento de
cargo público, conforme prevê o art. 1°, §5° da Lei 12.850/2013 e o art.
319, VI do Código Adjetivo Penal.
No que diz respeito aos requisitos de autoria e materialidade, ambos já
foram analisados ao longo de toda esta decisão, em especial no
capítulo inicial, tendo inclusive desaguado no decreto preventivo dos
investigados.
Já quanto aos fundamentos, entendo presente a mácula à ordem
pública, tendo em vista a perículosidade das condutas dos
investigados, extremamente reprováveis, que foram analisadas
detidamente no tópico anterior.
Da mesma forma, a ordem pública se demonstra pela reiteração
delítíva. uma vez aue os imputados vêm praticando os atos desde
setembro de 2013. mantendo-se nas exigências espúrias.
O julgador primevo expressamente assentou a medida cautelar
impugnada na garantia da ordem pública, invocando para tanto a gravidade,
reprovabilidade, periculosidade e reiteração das condutas imputadas, não se
reportando, em momento algum, à garantia da instrução criminal.
O § 5° do art. 2°, da Lei n. 12.850/2013, prevê o seguinte:
§ 5° Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra
organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento
cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, guando a medida se fízer necessária à investigação ou
Instrução processual.
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0 dispositivo legal invocado pelo magistrado primevo em arrimo
de sua decisão exige a concomitância de dois requisitos: a) a presença de
indícios de que o imputado integre organização criminosa; b) que a medida se
avulte necessária para a investigação dos fatos ou à instrução processual.
Igual ressalva se verifica no inc. l do art. 282, do CPP:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser
aplicadas observando-se a:
1 - necessidade parq aplicação da lei penal, para a investigação ou a
Instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a
prática de infracões penais;
Observe-se que o legislador pátrio fez questão de ressaltar que a
adoção de medidas cautelares diversas da prisão para evitar a reiteração da
prática de intrações delitiva se limita aos casos expressamente previstos.
Imperioso também demonstrar, com base em fatos concretos e
idóneos, constantes dos autos, que a excepcional medida é absolutamente
necessária para o regular curso da coleta de provas, mormente quando estiver
em debate a suspensão cautelar do exercício de mandato eletivo, seja pela
temporariedade do cargo, seja pela legitimação decorrente do voto popular.
Por essas peculiaridades, o afastamento cautelar do exercício
de cargo eletivo somente estará legitimado com a demonstração empírica da
indispensabilidade, consoante preconiza a jurisprudência do STJ, /n verb/s:
PROCESSO CIVIL Ê ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO
DO CARGO. INTELIGÊNCIA DO ART. 20 DA LEI 8.429/92. 1. Segundo o
art. 20, caput, da Lei 8.429/92, a perda da função pública e a
suspensão dos direitos políticos, como sanção por improbidade
administrativa, só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença
condenatória. Assim, o afastamento cautelar do agente de seu carão,
previste no parágrafo único, somente se legitima como medida
excepcional quando for manifesta sua Indispensabilidade. A
observância dessas exigências se mostra ainda mais pertinente em
casos de mandato eletivo. cuia suspensão, considerada a
temporariedade do carão e a natural demora na Instrução de acões
de Improbidade, pode, na prática, acarretar a própria perda definitiva.
2. A situação de excepciortalldade não se configura sem a
demonstração de um comportamento do agente público aue importe
efetiva ameaça à instrução do processo. Não basta, para tal, a mera
cogitação teórica da possibilidade da sua ocorrência. 3. Para
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configuração da indispensabilidade da medida é necessário que o
resultado a que visa não possa ser obtido por outros meios que não
comprometam o bem lurídíco protegido pela norma, ou seja, o
exercício do cargo. Assim, não é cabível a medida cautelar de
suspensão se destinada a evitar que o agente promova a alteração
de local a ser periciado, pois tal perigo pode ser contornado por
simples medida cautelar de produção antecipada de prova pericial,
nos exatos termos dos arts. 849 a 851 do CPC, meio muito mais
eficiente que a medida drástica postulada. 4. Recurso especial
provido. (REsp. 550.135/MG. Rei. Min. Teori Zavascki. 1 a Turma. Julgado
em l 7/02/2004. DJ 08/03/2004, p. l 77).
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. A
norma do ari 20. parágrafo único, da Lei n° 8.429. de 1992. que prevê o
afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos
de improbidade administrativa, só pode ser aplicada em situação
excepcional, guando, mediante fatos incontroversos, existir prova
suficiente de que esteia dificultando a instrução processual. Agravo
regimental não provido. (AgRg na SLS 867/CE, Rei. Ministro ARI
PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/1 1/2008, DJe 24/1 1/2008
RTvol.881, p. 148)
No mesmo sentido colaciono precedente do TJMG:
ADMINISTRATIVO. AÇÂO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO LIMINAR PARA
AFASTAMENTO DE PREFEITA E FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS. ANTECIPAÇÃO
DOS EFEITOS DA TUTELA. INEXISTÊNCIA DE RISCOS DE DANOS DE DIFÍCIL
OU DE IMPOSSÍVEL AFASTAMENTO DE OCUPANTE DE CARGO ELETIVO
PARA QUE NÃO INTERFIRA NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. Embora a Lei
de Improbidade Administrativa preveja, no parágrafo único de seu art.
20, a possibilidade de afastamento do agente público durante a
tramitação do processo, tendo em vista a instrução probatória, que
pode ser cerceada por ato daquele que continua no exercício de suas
funções, não se deve perder de vista que se trata de ""medida
assecuratória, de evidente natureza cauteiar e excepcional"",
destinada apenas a proporcionar a livre produção de provas. Por isto,
deve a medida prevista no parágrafo único, do art. 20, da Lei de
Improbidade, ser aplicada com cautela, a fim de que não sejam
desprezados os princípios republicanos e democráticos nem
menosprezado o mandado popular. Não se olvide ainda que a perda
da função pública e a suspensão dos direitos políticos são efeitos que
somente se aperfeiçoam com o trânsito em julgado da sentença
condenatóría, o que termina por criar risco reverso de injustiça
irreparável, quando há controvérsia sobre a existência dos fatos ou
sobre
sua qualificação.
(TJMG
100000032565910001.
MG
1.0000.00.325659-1/000(1), Rei. Dês. Brandão Teixeira, Julgamento
21.10.2003, Publicação 31.10.2003)
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Nesse diapasão, no caso em comento, se avulta insustentável a
manutenção do afastamento dos impetrantes do cargo eletivo de vereador
da cidade de Caruaru, ante a ausência de concreta demonstração de que os
mesmos estariam, direta ou indiretamente, prejudicando a coleta de provas.
Insta ressaltar, ainda, que a medida atacada repercute severa e
negativamente sobre as finanças da Câmara de Vereadores de Caruaru que
em decorrência da suspensão de dez de seus membros, teve que proceder
com a convocação e posse de igual número de suplentes para substituí-los,
com notório incremento nas despesas ordinárias daquela casa legislativa, haja
vista que por força do que dispõe o § 5° do art. 2°, da Lei n. 12.850/2013, se vê
obrigada a remunerar os vereadores afastados e também os seus substitutos.
Não se pode olvidar que dada a excepcionalidade da situação
tais despesas se encontram desprovidas de previsão orçamentaria, o que leva
a grave imbróglio legal, tendo em vista que ao cumprir a determinação judicial
em comento a Casa Legislativa terá que ultrapassar os limites preconizados na
Lei de Responsabilidade Fiscal, consoante notícias divulgadas na imprensa.
Com essas considerações, verificando que o ato impugnado se
apresenta desprovido de efetiva demonstração de sua necessidade, em nítida
afronta ao disposto no art. 93, IX da CF/88 e ao art. 319, VI do CPP e art. 2°, § 5°
da Lei n. 12.850/2013, aliado ao perigo de dano irreparável ao erário público,
defiro o pedido liminar para determinar a suspensão da decisão atacada, até
o ju gamento do mérito deste wrif, e, por consequência, o imediato retorno dos
impetrantes ao exercício dos cargos de vereadores da cidade de Caruaru.
Custas satisfeitas (fl. 21).
Notifique-se a autoridade indigitada coatora para, no prazo de
10 (dez) dias, apresentar informações.
Oficie-se à Presidência da Câmara de Vereadores de Caruaru
dando ciência da presente decisão, para seu imediato cumprimento.
Recife, 17 de janeiro de 2014.
Dês. Fausto
Relator